ARRENDAMENTO RURAL
REVOGAÇÃO
Sumário

I - Em situação de arrendamento plural ou coarrendamento é possível a desvinculação do coarrendatário em caso de acordo do senhorio ou ocorrendo resolução, denúncia ou revogação.
II - Não se verificando os pressupostos de nenhuma das formas de extinção identificadas, continua a impender sobre o inquilino que deixa de habitar o arrendado a obrigação de pagamento de renda.
III - A entrega das chaves e do locado pelo inquilino e a respetiva receção pelo senhorio consubstanciam acordo tácito entre as partes, que faz cessar o contrato de arrendamento por revogação real, verificando-se imediatamente os efeitos da cessação.
IV - A partir da entrega consensual cessa a obrigação de pagamento das rendas.

Texto Integral

Proc. 900/21.4T8OVR.P2




Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto



I - Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra CC e DD, na qualidade de arrendatários, e EE, na qualidade de fiadora.
Pedem:
- que seja decretada a resolução de contrato de arrendamento, sendo os RR. arrendatários condenados a despejar imóvel;
- a condenação de todos os RR. a pagarem as rendas vencidas no valor de €1.350,00 e as vincendas até à entrega do prédio objeto do contrato de arrendamento, assim como indemnização de valor igual do dobro da renda, por cada mês que decorra entre a data da extinção do arrendamento e a data da entrega.
Alegam:
- terem cedido aos RR. arrendatários, em 1-7-2020, o prédio urbano sito na Travessa ..., ..., ..., Ovar, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25 da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., mediante o pagamento da contrapartida mensal de €300,00 mensais, até ao primeiro dia útil do mês a que dissesse respeito;
- ter sido omitido o pagamento das contrapartidas de fevereiro de 2021 a maio de 2021 e o remanescente de €150,00 da referente a janeiro do mesmo ano.
Citados os RR., o R. DD contestou dizendo:
- ter entregue aos AA. a chave do locado em novembro de 2020;
- que os AA. aceitaram que ficasse desobrigado de todas as obrigações contratuais inerentes ao contrato a partir dessa data;
- que o locado se encontra arrendado a terceiros desde, pelo menos, 21-9-2021.
Os AA. responderam, alegando não corresponder à verdade o alegado pelo R. e que o imóvel lhes foi entregue em 31-8-2021.
Dispensou-se a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e definição dos temas da prova.
Teve lugar audiência final.
Foi proferida sentença que declarou judicialmente resolvido o contrato de arrendamento desde 31-8-2021, condenou solidariamente os RR. a pagarem aos AA. €2.250,00, relativos às rendas vencidas até 31-8-2021, absolveu os RR. do demais peticionado e absolveu os AA. da condenação enquanto litigantes de má fé.

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Inconformado, o R. DD interpôs o presente recurso. Teceu as conclusões que se seguem.
Da Impugnação da decisão da matéria de facto dada como provada - Erro de julgamento na decisão da matéria de facto
1. É entendimento do recorrente que a matéria de facto foi incorretamente julgada e, em consequência, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como provada a matéria constante dos pontos 5.º e 7.º dos Factos Provados, com a motivação invocada.
2. Isto porque, o douto Tribunal a quo para dar como provado que os réus deixaram de pagar as rendas em Janeiro de 2021, baseou-se única e exclusivamente no depoimento de parte do autor marido, – gravação com início às 15h33 e fim às 15h40 – cfr. do minuto 04:40 ao minuto 04:58 – que não sabia, em concreto, quais as rendas em dívida.
3. Com efeito, nenhuma prova foi produzida que sustente a versão apresentada pelos autores, quanto ao valor das rendas vencidas em dívida, pois, contrariamente ao juízo formulado pelo Tribunal recorrido, não houve acordo das partes quanto ao teor da missiva, por a mesma ter sido impugnada e do seu teor resultar que as rendas reclamadas eram referentes aos meses de janeiro a maio de 2019.
4. Assim, outra conclusão se imporia ao Tribunal sobre a matéria do ponto 5.º, no que ao valor das rendas em dívida diz respeito, pelo que cometeu erro de julgamento o Tribunal ao decidir como decidiu, razão pela qual deverá tal factualidade ser dada como não provada, nos seguintes termos: Os réus deixaram de pagar as rendas em janeiro de 2021, tendo pago, nesse mês, aos autores a quantia de €150,00.
5. No que concerne ao Ponto 7 dos factos provados, o Tribunal a quo desconsiderou parcialmente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, relativamente ao momento da entrega do imóvel pelos RR. aos AA., aqui recorridos, uma vez que os tempos de desocupação do locado foram distintos em relação a cada um dos 1.ª e 2.º réus.
6. Ora, o depoimento de parte da 3.ª Ré foi elucidativo quanto ao momento em que o imóvel identificado no ponto 1. dos factos provados foi entregue pela 1.ª Ré aos autores, o que terá ocorrido antes do verão, esclarecendo, ainda que, o 2.º R., aqui recorrente, nessa data, já não habitava o locado, por se terem separados, decorridos uns meses, após terem celebrado o contrato de arrendamento – gravação com início às 16h13 e fim às 16h19 – cfr. do minuto 01:33 ao minuto 02:23, do minuto 02:33 ao minuto 02:56.
7. Nessa conformidade, não se compreende, em que factos sustentou o Tribunal a sua convicção, dado que nenhuma prova foi produzida que sustente, sem qualquer margem para dúvidas, que o locado foi entregue pela 1.ª R. aos recorridos, em 31/08/2021, e que, nessa data, cessou o contrato de arrendamento que a vinculava.
8. Desde logo, estando demonstrado que a 01/09/2021 o imóvel descrito no ponto 1. dos factos provados se encontrava arrendado a outras pessoas, que não os 1.ª e 2.º RR. e conjugando tal facto com o depoimento da 3.ª R., no qual esta esclareceu que a 1.ª R. teria deixado a casa antes do verão – que ocorre a 21 de Junho – seria mais consentâneo com a prova produzida, que a saída da 1.ª R. tivesse ocorrido, no limite, no mês de Junho.
10. Pelo que se impunha decisão diversa sobre o ponto 7 dos Factos Provados, devendo tal factualidade ser alterada nos seguintes termos: As rés entregaram o imóvel descrito no ponto 1. aos autores no mês de Junho de 2021.
11. Por outro lado, é, ainda, entendimento do recorrente que a matéria de facto foi incorretamente julgada e, em consequência, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como não provada a matéria constante da alínea a. dos Factos Não Provados, com a motivação invocada.
12. Porquanto, o Tribunal a quo não valorou como devia as declarações de parte do 2.º réu e os depoimentos da testemunha FF, mãe do recorrente que esclareceu quando é que o recorrente deixou de habitar o locado, e que foi com o filho, o aqui recorrente comunicar tal facto ao senhorio, sendo que nesse dia, o filho entregou as chaves ao senhorio, que foram aceites. Cfr. – gravação com início às 15h40 e fim às 15h57 – do minuto 01:20 ao minuto 01:26, do minuto 03:07 ao minuto 03:18, do minuto 04:28 ao minuto 05:45, do minuto 08:43 ao minuto 09:39, do minuto 10:54 ao minuto 11:09.
13. Tal depoimento foi corroborado pela 3.ª R., ou seja, no que respeita à saída do 2.º R. do locado, decorridos alguns uns meses, desde a celebração do contrato de arrendamento, porque 1.ª R e 2.º R. se separaram. Cfr. – gravação com início às 16h13 e fim às 16h19 – do minuto 02:23 ao minuto 02:57.
14. Para mais, o 2.º Réu, em declarações de parte esclareceu que deixou de habitar o locado, mais ou menos em Novembro e que, nessa altura, foi comunicar, ao senhorio e autor marido, as razões da sua saída, bem como entregar-lhe as chaves do locado, o que aquele aceitou. Cfr. – gravação com início às 16h05 e fim às 16h13 – do minuto 01:55 ao minuto 03:36, do minuto 04:38 ao minuto 04:48, do minuto 07:17 ao minuto 07:27 e cfr. gravação com início às 16h13 e fim às 16h19 – do minuto 02:46 ao minuto 03:15.
15. Pelo que, salvo melhor opinião, resultou provado que o recorrente deixou de habitar no imóvel descrito no facto provado n.º 1, em Novembro de 2020, tendo entregue as chaves do locado ao recorrido marido, nessa altura, que as recebeu e aceitou.
16. Impondo-se decisão diversa sobre a alínea a) dos Factos Não Provados, devendo tal factualidade ser eliminada dos factos não provados e ser aditada nos Factos provados nos
seguintes termos: O 2.º réu deixou de habitar no imóvel descrito no facto provado n.º 1, no mês de Novembro do ano de 2020, tendo, nessa altura, entregue as chaves do locado aos AA. que as aceitaram e receberam.
Da Impugnação da matéria de Direito
17. Considerando toda a matéria dada como provada e, bem assim, a que resultar da esperada eliminação e aditamento à matéria de facto, o recorrente deveria ter sido absolvido dos pedidos formulados pelos recorridos.
18. Não obstante ter sido dado como provado que o contrato de arrendamento celebrado com os réus cessou a 31 de Agosto de 2021 e que estes não procederam ao pagamento das rendas devidas, desde metade de janeiro de 2021, fevereiro até agosto de 2021, no valor de € 2.250,00, facto é que ao abrigo do disposto no artigo 1022.º do Código Civil, “O contrato de locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
19. No que respeita à natureza dos contratos de arrendamento, a regra é a ser um contrato de natureza singular, em virtude de a posição de arrendatário ser assumida por uma pessoa, porém, pode dar-se o caso de o contrato de arrendamento ter natureza plural, isto é, nas situações em que o mesmo é celebrado para o gozo conjunto de um imóvel por uma pluralidade de arrendatários.
20. No caso em apreço, verifica-se que o contrato de arrendamento foi celebrado com a 1.ª Ré CC e com o 2.º Réu DD, aqui recorrente, ali, individualmente, identificados, e “…pelo qual os autores cederam ao dois primeiros réus o gozo da casa de habitação identificada no ponto 1 da factualidade assente…” – como resulta da fundamentação de direito apresentada pelo Tribunal, – razão pela qual, salvo o devido respeito por opinião diversa, está-se perante um arrendamento com uma estrutura plural, em que a 1.ª ré e recorrente são coarrendatários.
21. Como ensina Maria Olinda Garcia, em O arrendamento plural, Coimbra Editora, 2009, p. 25 – “No arrendamento plural existem vários arrendatários em posição unitária, os quais são todos simultaneamente e compativelmente arrendatários do mesmo objeto”, e, ainda que, - ob. cit., pp. 254 e 255, 259 e 260: “Em abstrato, ao coarrendatário será lícito desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos mesmos meios que ao arrendatário singular são facultados, subsistindo a relação com os demais consortes.”
22. Desde logo, se o recorrente comunicou, pessoalmente, ao autor/senhorio que ia deixar de habitar o locado em Novembro de 2020, tendo-lhe entregue as chaves do imóvel, que este aceitou e recebeu, contrariamente ao juízo efetuado pelo Tribunal a quo, tais comportamentos são, salvo melhor opinião, suficientes para que se verifique a cessação do contrato de arrendamento.
23. Porquanto, com a entrega das chaves executa-se imediatamente os efeitos da cessação do contrato, por acordo, em conformidade com o previsto no artigo 1082.º do Código Civil.
24. Assim, verificando-se a cessação do contrato de arrendamento, por via do acordo tácito, os efeitos da revogação que se produziram na esfera jurídica do recorrente, designadamente, ficar exonerado da obrigação de ter de continuar a pagar a renda, não são extensíveis à coarrendatária - 1.ª Ré, pois a mesma continuou a habitar o locado.
25. É nesse sentido, aliás, o entendimento da doutrina e jurisprudência, designadamente, que nos contratos de arrendamento plural, é lícita a desvinculação individual de um dos arrendatários do contrato de arrendamento plural, sem que tal desvinculação afete o outro arrendatário, como refere o Acórdão da Relação de Lisboa, Proc. n.º 1313/08.9YXLSB.L1-6: “Sendo lícito ao coarrendatário desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos meios que ao arrendatário singular são facultados (resolução, revogação, denúncia).” “Sendo entendimento doutrinário que, a extinção do vínculo de um dos coarrendatários não afeta a subsistência da relação de arrendamento, embora possa fazer desaparecer a situação de coarrendamento, quando o arrendamento plural tenha apenas dois sujeitos.”
26. Por conseguinte, após a cessação do contrato que vinculava o recorrente aos recorridos, por revogação tácita, nenhuma renda lhe poderá ser exigida, por não ser devida.
27. Pelo que, ao assim não ter decidido o Tribunal a quo fez uma desadequada interpretação e aplicação dos artigos 1022.º e 1082.º ambos do Código Civil.
Termos em que, e nos que doutamente forem supridos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, e substituir-se a douta decisão proferida por outra que atenda as conclusões apresentadas, porquanto só assim se fará a costumada Justiça.
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Não houve lugar a contra-alegações.
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II - Questões a dirimir
A - Da reapreciação da matéria de facto
B - Da reapreciação jurídica da causa:
a - Se impende sobre o R. DD a obrigação de pagamento das rendas vencidas após a data da sua saída do imóvel arrendado;
b - Das rendas devidas: da revogação real tácita do contrato de arrendamento com a entrega das chaves e do locado e a sua aceitação pelo senhorio.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença)
1. Por contrato celebrado em 01 de Julho de 2020, os autores deram de arrendamento aos réus CC e DD um prédio urbano composto por casa destinada a habitação e logradouro, sito na Travessa ..., ..., ... em Ovar, da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., no concelho de Ovar, inscrito na respetiva matriz predial com o artigo ...25.
2. No âmbito do referido contrato, ficou acordado que o mesmo tinha duração de cinco anos, com início em 01 de Julho de 2020, não se renovando no final do prazo.
3. No âmbito do referido contrato, ficou acordado que a renda mensal era de €300,00 e devia ser paga pelos réus CC e DD até ao 1.º dia útil do mês a que respeitasse, por transferência bancária para a conta com o IBAN ...13 da Banco 1... ou para qualquer outro IBAN que viesse a ser indicado aos réus por carta registada com aviso de receção.
4. No âmbito do referido contrato, a ré renunciou ao benefício da excussão prévia e assumiu, solidariamente, com os réus, o cumprimento de todas as cláusulas do contrato.
5. Os réus deixaram de pagar as rendas em janeiro de 2021, tendo pago, nesse mês, aos autores a quantia de €150,00.
6. No dia 25 de maio de 2021, por carta registada, os autores transmitiram à ré EE que os réus deixaram de pagar as rendas em janeiro de 2021, tendo pago, nesse mês, aos autores a quantia de €150,00.
7. As rés entregaram o imóvel descrito no ponto 1. aos autores no dia 31 de agosto de 2021.
8. O imóvel descrito no ponto 1. foi objeto de um novo contrato de arrendamento no dia 01 de setembro de 2021.
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Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente que:
a. o réu deixou de habitar no imóvel descrito no facto provado n.º1 no mês de novembro de 2020, tendo os autores aceite que o mesmo ficasse desobrigado de todas as obrigações respeitantes ao contrato de arrendamento a que se alude no referido facto provado n.º1, mormente no que concerne à obrigação de pagamento de rendas.
b. Os réus entregaram aos autores o imóvel descrito no facto provado n.º1 em mau estado de conservação.
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IV- Subsunção jurídica

A - Da reapreciação da matéria de facto
O apelante pretende ver reapreciada a matéria dos pontos 5 e 7 dos factos assentes.
O ponto 5 tem o seguinte teor: Os réus deixaram de pagar as rendas em janeiro de 2021, tendo pago, nesse mês, aos autores a quantia de €150,00.
A este propósito teceu o apelante as seguintes conclusões:
2. Isto porque, o douto Tribunal a quo para dar como provado que os réus deixaram de pagar as rendas em Janeiro de 2021, baseou-se única e exclusivamente no depoimento de parte do autor marido, – gravação com início às 15h33 e fim às 15h40 – cfr. do minuto 04:40 ao minuto 04:58 – que não sabia, em concreto, quais as rendas em dívida.
3. Com efeito, nenhuma prova foi produzida que sustente a versão apresentada pelos autores, quanto ao valor das rendas vencidas em dívida, pois, contrariamente ao juízo formulado pelo Tribunal recorrido, não houve acordo das partes quanto ao teor da missiva, por a mesma ter sido impugnada e do seu teor resultar que as rendas reclamadas eram referentes aos meses de janeiro a maio de 2019.
4. Assim, outra conclusão se imporia ao Tribunal sobre a matéria do ponto 5.º, no que ao valor das rendas em dívida diz respeito, pelo que cometeu erro de julgamento o Tribunal ao decidir como decidiu, razão pela qual deverá tal factualidade ser dada como não provada, nos seguintes termos: Os réus deixaram de pagar as rendas em janeiro de 2021, tendo pago, nesse mês, aos autores a quantia de € 150,00.
Já se vê que o recorrente pretende que seja dado como assente precisamente aquilo que consta no ponto 5 dos factos provados e que a sua argumentação não contraria o que foi dado como assente.
Assim, no limite, não se mostra cumprido o requisito de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto vertido no art.º 640.º/1/c do C.P.C., nos termos do qual, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Não invocando o recorrente meios de prova que pudessem conduzir a conclusão diversa e pretendendo que se dê como assente a matéria já apurada, rejeita-se a impugnação no tocante ao ponto 5 dos factos assentes.
O R. DD pretende outrossim ver reapreciada a matéria do ponto 7 dos factos provados e que se considere provada a alínea a) dos factos não assentes.
O ponto 7 dos factos assentes tem o seguinte teor:
7. As rés entregaram o imóvel descrito no ponto 1. aos autores no dia 31 de agosto de 2021.
A alínea a) dos factos não provados tem o seguinte teor: o réu deixou de habitar no imóvel descrito no facto provado n.º1 no mês de novembro de 2020, tendo os autores aceite que o mesmo ficasse desobrigado de todas as obrigações respeitantes ao contrato de arrendamento a que se alude no referido facto provado n.º1, mormente no que concerne à obrigação de pagamento de rendas.
No que concerne ao ponto 7, o recorrente considera que o tribunal a quo desconsiderou parcialmente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento relativamente ao momento da entrega do imóvel pelos RR. aos AA., aqui recorridos, uma vez que os tempos de desocupação do locado foram distintos em relação a cada um dos 1.ª e 2.º réus.
Aduz que o depoimento de parte da 3.ª Ré foi elucidativo quanto ao momento em que o imóvel identificado no ponto 1. dos factos provados foi entregue pela 1.ª Ré aos autores, o que terá ocorrido antes do verão, esclarecendo, ainda que, o 2.º R., aqui recorrente, nessa data, já não habitava o locado, por se terem separados, decorridos uns meses, após terem celebrado o contrato de arrendamento.
Mais considera que nenhuma prova foi produzida que sustente, sem qualquer margem para dúvidas, que o locado foi entregue pela 1.ª R. aos recorridos, em 31/08/2021, e que, nessa data, cessou o contrato de arrendamento que a vinculava e que estando demonstrado que a 01/09/2021 o imóvel se encontrava arrendado a outras pessoas, que não os 1.ª e 2.º RR. e conjugando tal facto com o depoimento da 3.ª R., no qual esta esclareceu que a 1.ª R. teria deixado a casa antes do verão – que ocorre a 21 de Junho – seria mais consentâneo com a prova produzida, que a saída da 1.ª R. tivesse ocorrido, no limite, no mês de Junho.
Propõe que o ponto 7 passe a ter a seguinte redação: As rés entregaram o imóvel descrito no ponto 1. aos autores no mês de Junho de 2021.
Segundo o depoimento de FF, mãe do apelante, o filho saiu da casa em que vivia com a R. CC antes do Natal de 2020. Sabe que o filho já passou o Natal em sua casa. Daí poder precisar que a saída da casa arrendada foi anterior. Relatou que foi juntamente com o filho falar com o A.. Este ter-lhes-á dito que a R. CC poderia continuar na casa se continuasse a pagar a renda e que poderia ir falar com ele para celebrarem novo contrato. Instada, esclareceu que o A. não disse que o filho podia ficar descansado, no sentido de que não teria mais que se preocupar com o pagamento da renda. Referiu ainda que o A. ficou com as chaves da casa que o filho DD na altura lhe entregou.
O A. BB depôs no sentido de que o R. DD lhe comunicou que se tinha zangado com a namorada, a R. CC, e que queria terminar o contrato. O depoente disse-lhe que teria que falar com o seu (do R.) advogado. O contrato continuaria a vigorar enquanto a R. CC lá se mantivesse.
No depoimento do R. DD disse este ter comunicado ao A. que não queria continuar na casa e que este aceitou. CC teria que entrar em contacto com o A. para ele fazer um novo contrato. O A. aceitou as chaves que ele, R., lhe entregou, mas não houve nenhum acordo de não pagamento das rendas. Se a R. CC não pagasse, o A. despejá-la-ia.
Assim, reanalisada a prova gravada, entende-se não ter sido produzida prova de que o A. tivesse considerado o R. DD desvinculado do contrato ou que o tivesse desonerado do pagamento das rendas. Sem embargo, apurou-se que o R. DD deixou de habitar o arrendado antes do Natal de 2020.
Adita-se, em conformidade, aos factos assentes o seguinte ponto 8:
O R. DD deixou de viver na casa arrendada em momento não concretamente determinado, mas entre o mês de Novembro de 2020 e o Natal de 2020, do que deu conhecimento ao A..
A al. a) dos factos não provados passará a ter a seguinte redação: não se provou que os autores tenham aceite que o R. DD ficasse desobrigado de todas as obrigações respeitantes ao contrato de arrendamento a que se alude no referido facto provado n.º 1, mormente no que concerne à obrigação de pagamento de rendas.
No tocante ao ponto 7 dos factos assentes, estão em causa duas questões diferentes. Uma concerne à data da entrega do arrendado, outra a quem o entregou. Ora do ponto 7 consta que a entrega foi levada a cabo pelas RR. e que esta ocorreu em 31-8-2021. O apelante pretende introduzir neste âmbito uma questão que em nada se confunde com a entrega do arrendado e que é a entrega de chaves do arrendado em seu poder, na sequência da sua separação da R. CC. O R. bem sabia que a R. CC se manteve no arrendado e que esta dispunha de chaves do mesmo. Tão pouco é controvertido que o arrendado foi entregue pelas RR. - mesmo o A. depôs no sentido de o imóvel ter sido entregue pela R. CC, não se lembrando se o R. DD estava presente -, volvidos alguns meses sobre a data em que o R. DD deixou de residir no mesmo.
Afigura-se-nos, porém, em face da prova produzida, não existirem elementos concretos para dizer com certeza que a entrega ocorreu em 31-8-2002. O A. aduziu que a entrega teve lugar em agosto de 2021. A R. EE situou a entrega em data prévia ao Verão de 2021, ponderando que pudesse ter ocorrido em maio.
A carta da senhoria dirigida à fiadora EE, referindo, em manifesto erro, que as rendas vencidas e não pagas se reportam ao ano de 2019, data de 25-5-2021. A depoente não refere que aquando da receção da carta o imóvel já tivesse sido entregue, fazendo sentido que o fizesse, se assim fosse. Parece mesmo que a entrega ocorre na sequência da advertência dos senhorios à fiadora.
Não é, porém, plausível que, se o imóvel sido entregue em 31-8-2021, no dia 1-9-2021 tivesse sido já celebrado novo contrato de arrendamento.
Ainda que tal não se tenha demonstrado, recorde-se também que os AA. invocaram o mau estado de conservação do arrendado.
De acordo com as regras da experiência, terá que ter decorrido algum tempo entre a cessação do arrendamento e a celebração de um novo contrato.
Por outro lado, EE depôs de forma isenta ao situar a entrega da casa antes do Verão, fazendo sentido que, pressionada pela carta que recebera dos senhorios na qualidade de fiadora, se apressasse a instar a R. CC a sair.
Já a tese do senhorio de que recebeu a casa no final de Agosto, mostrando-se esta arrendada a partir de 1-9-2021, como se disse, é contrária às regras da experiência.
Assim, altera-se o ponto 7 dos factos assentes, que passará a ter a seguinte redação:
7 - As rés entregaram o imóvel descrito no ponto 1 no decurso do mês de junho de 2021.

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B - Da reapreciação jurídica da causa
a - Se impende sobre o R. DD a obrigação de pagamento das rendas vencidas após a data da sua saída do imóvel arrendado
Na situação dos autos, o contrato foi celebrado em conjunto com dois arrendatários, sendo objeto da cedência, a ambos, a totalidade do imóvel. Encontramo-nos perante um contrato de arrendamento plural ou coarrendamento, que se caracteriza pelo facto de os arrendatários serem simultânea e compativelmente arrendatários do mesmo objeto (cf. ac. da Relação de Lisboa de 11-7-2013, Maria de Deus Correia, proc. 1313/08.9YXLSB.L1-6).
Neste conspecto, está provado que o R. saiu do arrendado em data anterior ao Natal de 2020, que comunicou tal facto ao senhorio, que foi paga apenas quantia correspondente a metade da renda de Janeiro de 2021 e que as demais rendas não foram pagas.
Quanto à cessação do contrato de arrendamento no que concerne ao apelante por acordo entre senhorios e inquilino, ao contrário do invocado pelo apelante, não se provou que os senhorios tenham assentido na sua pretensão. O senhorio transmitiu ao recorrente que estaria na disposição de celebrar um novo contrato referente ao locado, se a R. CC assim o entendesse. Não se apurou, porém, que os senhorios tenham transmitido ao R. que este se poderia considerar liberto das obrigações conexas ao arrendamento, mormente, do pagamento das rendas que fossem devidas até ao final do contrato.
Como se lê no ac. do S.T.J. de 7-12-2016 (proc. 370/14.3T8BVNG.P2.S1, António Piçarra), o consentimento do senhorio com relação a uma alteração da posição de arrendatário implica a realização de uma conduta ativa de concordância anterior, contemporânea ou posterior a essa alteração.
No caso concreto, tal conduta não se manifestou.
Sabemos porém, que ao coarrendatário será lícito desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos mesmos meios que ao arrendatário singular são facultados, subsistindo a relação com os demais consortes (in Maria Olinda Garcia, O arrendamento plural, Coimbra Editora, 2009, pp. 254 e 255, 259 e 260).
Esses meios serão a resolução, a denúncia ou a revogação.
Em conformidade com o disposto no art.º 1083.º do C.C., qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento da outra parte.
O R. não invocou causa de incumprimento pelo senhorio, pelo que não há que analisar tal possibilidade.
Não se verificam os requisitos da denúncia previstos no art.º 1100.º do C.C., por esta se reportar a contratos de duração por tempo indeterminado, em que um dos contraentes comunica ao outro que deseja pôr termo ao contrato com períodos de antecedência fixados em função do tempo de duração efetiva do contrato já decorrido.
Quanto à revogação, o art.º 1082.º/1 do C.C. prevê que as partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido. O n.º 2 do mesmo art.º consigna que o acordo referido no número anterior é celebrado por escrito, quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.
No que se refere ao contrato celebrado entendido enquanto acordo entre os AA. e os três RR. e à data em que o R. DD deixou de habitar o imóvel, não há notícia de acordo de revogação.
Em conclusão, não se entrevê fundamento para que o apelante se veja eximido do pagamento das contrapartidas monetárias devidas a partir da sua saída do arrendado ou, diga-se, da sua comunicação ao senhorio de que daquele se retirara.
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b - Das rendas devidas: da revogação real tácita do contrato de arrendamento com a entrega das chaves e do locado e a sua aceitação pelo senhorio
Da alteração da matéria adquirida para a causa resulta que o imóvel foi entregue aos senhorios no decurso do mês de junho de 2021 e não em 31 de agosto de 2021.
Está em causa determinar se se deverá manter a condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de julho e agosto ou se, ao invés, à quantia em cujo pagamento foram condenados deverá ser subtraída a correspondente às contrapartidas inerentes àqueles dois meses.
Recorde-se que o contrato entrou em vigor em 1 de julho de 2020, tendo a duração prevista de cinco anos, pelo que em julho de 2021 decorrera apenas um ano do seu início e que, em face da matéria adquirida, só a partir de 1 de setembro de 2021 voltaram os senhorios a extrair benefícios económicos do imóvel, mediante novo arrendamento.
As partes não reduziram a escrito acordo atinente aos termos e consequências da entrega do imóvel pelas RR., como previsto já citado n.º 2 do art.º 1082.º do C.C..
Não obstante, afigura-se-nos que os factos descritos configuram uma situação de revogação real tácita do arrendamento, contemplada no n.º 1 do mesmo art.º.
Efetivamente, a cessação do contrato por via da revogação real encontra acolhimento no art.º 1082.º/1 do C.C.. Este normativo consagra a revogação do contrato mediante acordo a tanto dirigido.
A entrega das chaves e do locado pelo inquilino e a receção destes pelo senhorio consubstancia acordo tácito entre as partes que faz cessar o contrato de arrendamento por revogação real, executando-se imediatamente os efeitos da cessação.
Trata-se de revogação consensual, admissível nos termos do disposto no art.º 219.º do C.C., inferida da conduta dos contraentes, ou seja, de factos que, com toda a probabilidade a revelem, conforme previsto no art.º 217.º do mesmo Código.
É possível celebrar de modo tácito ou implícito um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento (cf. Henrique Mesquita, RLJ 125, p. 96). Se ocorre desocupação material do prédio, recebendo-o o senhorio, o contrato resulta revogado por revogação real (cf. Jorge Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5.ª edição, pp. 347/348).
A revogação real materializa-se e consuma-se com a entrega das chaves e do arrendado ao senhorio e com o recebimento de tais elementos por banda deste, alcançando assim plena validade e eficácia; o apontado ato tem que ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento (neste sentido, citando ainda outra jurisprudência, vejam-se o ac. da Relação de Évora de 31-1-2019, proc. 14/18.4T8NIS.E1, Isabel Peixoto Imaginário e o ac da Relação do Porto de 24-5-2021, proc. 3150/18.3T8GDM.1, Ana Paula Amorim).
Com a cessação do arrendamento, verificada em junho de 2021, cessaram todos os seus efeitos, incluindo a obrigação de entrega da renda pelos inquilinos e fiadora, a contar da ocorrência extintiva.
Importa, pois, alterar a sentença proferida no que se refere ao montante da condenação. A decisão de 1.ª instância condenou os RR. a pagar as rendas referentes aos meses de janeiro (metade), fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto de 2021. Como apontámos, o contrato cessou os seus efeitos em junho de 2021. Assim, a condenação circunscrever-se-á aos meses de janeiro (metade), fevereiro, março, abril, maio e junho, o que tudo soma €1.650,00 (€150,00 + (5 meses x €300,00)).
A condenação é, por conseguinte, reduzida de €2.250,00 para €1.650,00, revogando-se a decisão condenatória no quantitativo em que a excede.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se parcialmente a decisão condenatória, sendo os RR. condenados a pagar aos AA. € 1.650,00.
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Custas pelo apelante e pelos apelados, fixando-se em 2/3 pelo primeiro e em 1/3 pelos segundos, atenta a proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 4 de março de 2024
Teresa Fonseca
Ana Paula Amorim
José Eusébio Almeida