CONTRATO DE SEGURO
VALOR DO BEM SEGURADO
SOBRESSEGURO
Sumário

I - No seguro de danos próprios, a indicação pelo tomador de seguro de um valor superior ao valor do bem segurado traduz uma situação de sobresseguro que é resolvida através da aplicação dos artigos 128º e 132º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/08, de 16 de abril.
II - O sobresseguro não exonera a seguradora de responsabilidade, a qual responde em função do princípio indemnizatório até ao valor do dano determinado em função do valor venal do bem segurado.

Texto Integral

Processo nº 6476/20.2T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim – Juízo Central Cível, Juiz 4


Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro
2ª Adjunta Desª. Ana Paula Amorim

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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra A..., S.A., concluindo pedindo a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias:

a) o montante de 46.452,03 € referente ao valor seguro da viatura;

b) uma indemnização correspondente a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro, conforme contratado e constante nas condições particulares da apólice, o que perfaz o montante de 9.290,41€, em conformidade com o disposto na cláusula 2ª, alínea b) das condições especiais da indemnização extra;

c) o pagamento da quantia de 1.023,12€, respeitante ao pagamento do prémio de seguro indevidamente debitado na conta do autor no dia 2 de maio de 2020;

d) a quantia de 50,00€ diários, a título de indemnização diária pela privação do uso da viatura, desde o dia seguinte ao roubo até efetivo e integral pagamento da quantia referida na alínea anterior, montante que, à data da petição, ascende ao valor de 8.350,00€;

e) a quantia de 1.500,00€ a título de danos morais;

f) juros de mora vencidos e vincendos cobrados sobre as quantias acima referidas até efetivo e integral pagamento.

Para substanciar tais pretensões alegou, em síntese, ter celebrado com a ré contrato de seguro, com cobertura de danos causados a terceiros e danos próprios referentes ao seu veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-QD-.., estando cobertos, entre outros, os riscos de furto ou roubo dessa viatura.

Acrescenta que em 23 ou 24 de abril de 2020 o referido veículo automóvel foi furtado, estando dele privado até à data, sendo certo que a ré se recusa, infundadamente, a satisfazer a prestação indemnizatória contratualmente devida.

Citada a ré apresentou contestação na qual se defende por impugnação.

Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar «a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a) condenar a ré a pagar ao autor o valor de 42.164,26€, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, referente ao valor seguro do veículo furtado;

b) condenar a ré a pagar ao autor uma indemnização no valor de 8.632,85 €, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, ao abrigo da cobertura “Indemnização Extra – Max”;

c) condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 1.023,12€, correspondente ao valor do prémio de seguro que lhe foi indevidamente debitado no dia 02.05.2020, acrescido juros de mora calculados à taxa legal de juro civil desde a citação até efetivo e integral pagamento; e,

d) absolver a ré do demais contra ela peticionado».

Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. O presente recurso visa discutir a decisão proferida acerca da matéria de facto (também com recurso ao suporte digital da prova produzida em audiência de julgamento) e, bem assim, a decisão de direito que recaiu sobre a questão em apreço nos presentes autos, visando a reapreciação de ambas, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue parcialmente improcedente alguns dos pedidos deduzidos pelo autor ou, pelo menos, que relegue para incidente de liquidação a indemnização devida ao autor em consequência do sinistro aqui em apreço.

2. A recorrente considera incorretamente julgados os factos julgados não provados sob os pontos 2.14 e 2.15 do elenco dos factos não provados constante da sentença.

3. Os factos ora em apreço referem-se ao valor venal do veículo seguro à data dos factos aqui em apreço, tendo, por conseguinte, manifesto interesse para o apuramento do dano sofrido pelo autor com o sinistro a que os autos se referem e para a indemnização que lhe será devida.

4. De acordo com a fundamentação da decisão da matéria de facto expendida na sentença, o Tribunal julgou não provados os sobreditos factos porque, em seu entendimento, a prova produzida “foi de todo insuficiente para que se formasse uma convicção minimamente segura quanto aos mesmos”, com o que a recorrente não se conforma.

5. Com efeito, importa começar por salientar que apenas as testemunhas arroladas pela ré, pessoas que trabalham todos os dias com o mercado de valores de automóveis no âmbito das respetivas profissões, depuseram acerca do valor venal do veículo seguro à data do sinistro, inexistindo nos autos qualquer elemento probatório que contrarie o sentido dos seus depoimentos ou que lhes diminua a sua credibilidade.

6. Ora, a respeito da matéria de facto vertida nos pontos 2.14 e 2.15, depôs a testemunha BB (registado em suporte digital no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 15:58 horas do dia 16.05.2022 e términus pelas 16:30 horas e cuja duração foi de 15 minutos e 38 segundos.

7. Esta testemunha esclareceu que presta serviços à ré com regularidade, na qualidade de coordenador de averiguadores, tendo auxiliado a averiguação levada a cabo ao sinistro dos autos com uma pesquisa relativa ao valor venal do veículo seguro, com base na procura de veículos da mesma marca, ano de fabrico e modelo, para perceber qual o valor que e o mercado estava a pedir, nesse momento, por tais viaturas.

8. Debruçando-se sobre o caso vertente, a testemunha esclareceu que, à data dos factos, encontrou várias viaturas com as mesmas características do veículo seguro, por valores situados entre os 30.000,00€, 31.000,00€ e 32.000,00€. (Vide depoimento da citada testemunha, audível aos minutos 25:15 a 26:00 do respectivo registo).

9. A testemunha CC também se debruçou sobre os factos vertidos nos pontos 2.14 e 2.15 da sentença, tendo o seu depoimento ficado registado em suporte digital no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 10:02 horas do dia 20.05.2022 e términus pelas 10:32 horas e cuja duração foi de 36 minutos.

10. No que respeita a esta testemunha, que se identificou como supervisor dos coordenadores de averiguadores da ré, importa convocar o segmento do seu depoimento prestado a instâncias do Ilustre Mandatário do autor, no qual esclareceu que no âmbito da averiguação ao sinistro dos autos efectuou várias pesquisas ao valor venal do veículo seguro à data da averiguação (concretizando que o seu trabalho foi efectuado antes de decorridos 60 dias sobre a data da apresentação da participação do sinistro).

11. A indicada testemunha esclareceu no seu depoimento efectuou pesquisas em diversos sites de compra e venda de veículos usados, no caso, o Stand Virtual e o OLX, tendo encontrado à venda viaturas idênticas ao veículo seguro com preços a partir dos 26.000,00€. (Vide depoimento da citada testemunha, audível aos minutos 28:15 a 30:30 do respectivo registo).

12. Ainda a respeito dos mencionados factos n.º 2.14 e 2.15 da sentença, consta dos autos o depoimento da testemunha DD, perito avaliador da ré, referiu que no âmbito da averiguação levada a cabo ao sinistro dos autos foi solicitada a sua intervenção no sentido de apurar qual o valor venal do veículo seguro.

13. O depoimento desta testemunha ficou registado em suporte digital no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 10:48 horas do dia 20.05.2022 e términus pelas 11:08 horas e cuja duração foi de 20 minutos.

14. Questionado a respeito do valor venal do veículo em apreço nos presentes autos, que identificou, declarou que à data da sua avaliação apareciam viaturas idênticas ao veículo seguro no mercado de usados pelo valor de 30.000,00€/31.000,00€, não deixando de salientar que se tratavam de valores pelos quais era difícil comercializar veículos da mesma natureza, não só por causa do IUC que sobre eles incidia, como por causa do preço das suas reparações. (Vide depoimento da citada testemunha, audível aos minutos 04:50 a 07:20 do respectivo registo).

15. Todos os citados depoimentos mostram-se secundados por dois documentos juntos aos autos pela ré, por requerimento datado de 30.06.2022, que consubstanciam duas pesquisas de mercado a veículos semelhantes ao veículo seguro na aqui recorrente um dos quais atinente a uma viatura da mesma marca e modelo, mas mais recente do que o veículo dos autos, que estava à venda em Junho de 2022 pelo preço de 28.000,00€, e o outro reportado a um veículo da mesma marca, modelo e ano do veículo dos autos, estava à venda e Junho de 2022 pelo valor de 26.990€, ou seja, por menos 1.010,00€ do que o primeiro.

16. Mostra-se, como tal, perfeitamente plausível que o primeiro veículo pesquisado, dois anos antes, tivesse o valor de cerca de 32.000,00€, corroborando os depoimentos das testemunhas acima citadas, o mesmo sucedendo com o segundo, cujo valor reflecte a circunstância de ter mais um ano de matrícula do que primeiro.

17. O sentido dos depoimentos testemunhais acima invocados, bem como o sentido dos documentos acabados de citar não foi contrariados por qualquer outro elemento de prova constante do processo.

18. Assim, perante os sobreditos elementos probatórios, que confirmam os factos vertidos nos itens 2.14 e 2.15 da sentença, não restam dúvidas de que a decisão proferida pelo tribunal a respeito dos mesmos deve ser revogada e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que julgue provados os referidos factos, nos seguintes termos:

. “À data em que ocorreu o sinistro, o valor venal do QD não era superior a 32.000,00€.”

. “Em 23.04.2020 era possível adquirir no mercado de usado um veículo com as mesmas características do QD pela quantia de 32.000,00€”

19. O que se requer a Vossas Excelências.

20. A ré foi condenada a pagar ao autor a quantia de 42.164,26€, correspondente ao valor do capital seguro na apólice para a cobertura de furto ou roubo do veículo seguro, deduzida da respectiva franquia contratual de 1.000,00€, com fundamento na circunstância declarada de o tribunal ter considerado que resultou provado nos autos que o valor do veículo QD, 43.164,26€, foi fixado pela ré, não tendo esta logrado demonstrar que o valor real do veículo era inferior ao acordado.

21. Atento o teor dos factos provados nos autos, em parte alguma se constata ter resultado provado que o valor do capital para a cobertura de furto ou roubo do QD, ou que o seu valor à data da celebração do contrato, foi fixado pela ré.

22. De resto, o teor dos factos provados da sentença com os números 1.40, 141, 1.43 e 1.54, que aqui se dão por reproduzidos, aponta no sentido de que tal valor foi fixado pelo autor nas declarações que prestou ao preencher a proposta de seguro que submeteu à apreciação da ré.

23. O autor subscreveu o contrato de seguro dos autos através da plataforma digital que a ré, preenchendo-a e submetendo-a à apreciação desta última, ao mesmo tempo que foi quem escolheu as concretas coberturas e franquias que pretendia subscrever, adequadas ao preço que pretendia suportar.

24. Tais montantes, indicados pelo autor à ré aquando do preenchimento da proposta de seguro ficaram a constar do contrato de seguro como capital seguro a quantia de 46.452,03€, correspondente ao valor venal atribuído ao veículo a essa data.

25. Estando, pois, amplamente demonstrado que foi o autor que indicou à ré o valor do QD aquando da celebração do contrato de seguro, não restam dúvidas de que era ao recorrido, e não à ré, que incumbia a demonstração do valor do QD aquando da data do sinistro. O que não fez.

26. A ré logrou demonstrar que o veículo seguro valia o valor de mercado de 32.000,00€ à data do sinistro dos autos, pelo que, dúvidas não restam de que o cálculo da indemnização a arbitrar ao recorrido deve partir deste valor e não do valor do capital seguro à data a celebração do contrato. (Cf. art. 130º n.º 1 do RGCS).

27. Mal andou o Tribunal recorrido em arbitrar ao autor a indemnização de 42.164,26€ em virtude do furto do veículo QD, razão pela qual esta decisão deve ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 31.000,00€, correspondente ao valor venal do QD à data do sinistro (32.000,00€), deduzida do valor da franquia contratualmente estabelecida para o accionamento desta cobertura contratual (1.000,00€).

28. Subsidiariamente, para caso de se entender que a recorrente não logrou demonstrar qual era o valor venal do QD à data do furto dos autos, deve a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que condene a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a demonstrar corresponder ao valor venal do QD à indicada data, a fixar em posterior incidente de liquidação e com o limite de 42.164,26€.

29. A recorrente foi condenada a pagar ao recorrido a quantia 8.632,85€ ao abrigo da cobertura contratual denominada “Indemnização Extra – Max”, com o que a apelante não se conforma.

30. Na situação em apreço, verifica-se que o veículo seguro foi matriculado no ano de 2014, pelo que, à data dos factos, tinha já mais de 25 meses sobre a primeira matrícula.

31. Tal circunstância determina que o Complemento de Indemnização a pagar ao recorrido corresponderá, no caso em apreço, a 20% do valor venal do veículo seguro, à data do sinistro.

32. Todavia, o autor não logrou demonstrar qual era o valor venal do QD à data dos factos, sendo que, o complemento de indemnização a pagar ao recorrido ao abrigo desta condição contratual deve ser fixado na proporção de 20% daquele valor e não qualquer outro valor, nomeadamente, um suposto valor “deduzido” da circunstância de nada ter ficado provado nos autos “que permita concluir que o valor venal do veículo, no momento anterior ao sinistro, era inferior a 43.164,26€.”

33. Como já se deixou dito, a ré logrou demonstrar que o veículo seguro valia o valor de mercado de 32.000,00€ à data do sinistro dos autos.

34. Sendo esse o valor do interesse seguro à data do sinistro, dúvidas não restam de que o cálculo da indemnização a arbitrar ao recorrido deve partir deste valor e não do valor do capital seguro à data a celebração do contrato. (Cf. art. 130º n.º 1 do RGCS).

35. Mal andou o Tribunal recorrido em arbitrar ao autor a indemnização de 8.632,85€ em virtude do furto do veículo QD, ao abrigo da cobertura contratual denominada “Indemnização Extra-Max”.

36. Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 6.400,00€, correspondente a 20% do valor venal do QD à data do sinistro.

37. Subsidiariamente, para caso de se entender que a recorrente não logrou demonstrar qual era o valor venal do QD à data do furto dos autos, deve a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que condene a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a demonstrar corresponder a 20% do valor venal do QD à indicada data, a fixar em posterior incidente de liquidação e com o limite de 8.632,85€. O que se requer.

38. A decisão recorrida viola o preceituado no artigo 342º do C.C. e os artigos 128º e 130º do RGCS.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II- DO MÉRITO DO RECURSO


1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
- determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas no concernente aos factos dados como não provados sob os nºs 2.14 e 2.15;
- determinar o montante da prestação indemnizatória devida pela ré/seguradora ao autor/tomador do seguro por dano coberto pelo contrato de seguro que celebraram.


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2. Recurso da matéria de facto

2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1.1. No dia 30 de abril de 2019, o autor adquiriu a EE um veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca BMW, ..., a gasóleo, com a matrícula ..-QD-...

1.2. Tal viatura foi adquirida no estado de usada.

1.3. Pela Ap. n.º ...09 de 30 de abril de 2019, foi efetuado o registo de transferência de propriedade a favor do autor.

1.4. O veículo encontra-se registado a favor do autor desde essa data.

1.5. O autor procedeu ao levantamento do veículo, sendo que o vendedor lhe entregou duas chaves e os documentos pertencentes ao mesmo.

1.6. No dia 2 de maio de 2019 o autor celebrou com a ré um contrato de seguro para a viatura supra indicada, comercializado pela ré através da marca B..., denominado “Seguro Auto Max”, titulado pela apólice n.º ...894, a qual era válida para o período compreendido entre as 17:43 horas do dia 02/05/2019 e as 00:00 horas do dia 02/05/2020.

1.7. Ficou convencionado entre autor e ré que o valor do prémio anual total do contrato a pagar seria de 2.040,90 €, correspondendo o prémio dos danos próprios a 1.551,60 €.

1.8. O pagamento daquele prémio deveria ser efetuado por débito direto, através da conta do autor à qual corresponde o IBAN ...594, e de forma semestral.

1.9. Foi paga pelo autor à ré, até à presente data, a quantia de 3.064,00 €, sendo 1.023,13 € pagos em 02/05/2019 por multibanco, 1.017,75 € pagos em 01/11/2019 por débito direto e 1.023,12 € pagos em 02.05.2020 por débito direto.

1.10. Das condições particulares da referida apólice contratada com a ré constavam as seguintes coberturas:

a) responsabilidade civil de subscrição obrigatória: 7.290.000,00€, sem franquia;

b) morte ou invalidez permanente: 50.000,00€, sem franquia;

c) despesas de tratamento do condutor: 7.500,00€, sem franquia;

d) despesas de tratamento de ocupantes: 5.000,00€, sem franquia;

e) quebra isolada de vidros: 750,00 €, sem franquia;

f) choque, colisão e capotamento: 46.452,03€, com franquia de 1.000,00€;

g) incêndio, raio e explosão: 46.452,03€, com franquia de 1.000,00€;

h) furto ou roubo: 46.452,03 €, com franquia de 1.000,00€;

i) atos de vandalismo: 46.452,03 €, com franquia de 1.000,00€;

j) fenómenos da natureza: 46.452,03 €, com franquia de 1.000,00€;

k) veículo de substituição opção similar: conforme definido nas respetivas condições;

l) indemnização Extra – Max: 46.452,03€, sem franquia.

1.11. Consta das condições particulares da apólice que o veículo do autor foi seguro pelo capital de 46.452,03 €, correspondendo o montante de 43.164,26 € ao valor venal do veículo e o montante de 3.287,77 € aos equipamentos indicados como extras.

1.12. Entre as 20:00 horas do dia 23 de abril de 2020 e as 16:30 horas do dia 24 de abril de 2020, o veículo foi furtado por desconhecidos quando se encontrava estacionado na via pública, em frente a um apartamento do autor, mais propriamente na Rua ..., em frente ao n.º ...4, freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, que se encontrava a ser remodelado pelo mesmo.

1.13. Quando se apercebeu do sucedido, o autor dirigiu-se de imediato ao posto da PSP de Vila Nova de Gaia a fim de apresentar a competente participação criminal, a qual deu origem ao processo de inquérito n.º 620/20.7PAVNG que correu termos pela 4ª secção do DIAP de Vila Nova de Gaia.

1.14. Nessa participação criminal, referiu o autor o seguinte: “durante o período indicado na data, hora e local de ocorrência a hora e por processo que ignora, desconhecido(s) subtraíram-lhe o seu veículo devidamente estacionado e fechado.

Avalia o veículo furtado em sessenta mil euros.

O lesado possui ambas as chaves de acesso ao veículo, este está completamente pago, possui via verde e localizador instalado pelo fabricante contudo na aplicação informática não dá a sua atual localização.

O lesado já consultou a Brisa – Via Verde e até ao momento o veículo não passou em qualquer pórtico das autoestradas.

O lesado possui seguro contra este tipo de ocorrência na companhia de seguros denominada por B..., apólice n.º ...894, válida até 31/11/2020.

No interior do veículo furtado encontravam-se os documentos referentes ao veículo (documento único, ficha de inspeção e apólice de seguro) e bens que de momento não se recorda.

1.15. De seguida, o autor efetuou junto da ré a participação do furto, telefonicamente e de forma verbal, no intuito de acionar a cobertura contratada na apólice de seguro, dando origem à ocorrência n.º ...31, Processo de sinistro n.º ...19.

1.16. Posteriormente, no dia 29 de abril de 2020, pelas 00:50 horas, conforme solicitado pela ré, o autor enviou um email para esta, remetendo-lhe a documentação solicitada (cópia do cartão cidadão, da carta de condução, da participação às autoridades e indicação da matrícula), nos seguintes termos:

“Boa noite,

Conforme conversa telefónica segue em anexo os documentos solicitados:

- Cartão cidadão

- Carta Condução

- Participação às autoridades

- Matricula: ..-QD-..

Descrição: Estou a realizar uma remodelação de um apartamento meu na rua onde ocorreu o furto (Rua ..., Vila Nova de Gaia), na quinta feira no final do dia deixei o veículo bem estacionado em frente ao prédio, necessitava de trazer muitos materiais na mala e abastecer o outro carro que tenho. Geralmente estaciono naquela rua e nunca avistei pessoas a rondar o carro.

O furto ocorreu depois das 20h do dia 23/04/2020 até no máximo às 16:30h do dia 24/04/2020.

No dia seguinte quando cheguei ao local pelas 16:30h não se encontrava lá o veiculo, perguntei a residentes se avistaram alguém, liguei para a PSP de Gaia e PSP de Oliveira do Douro, Policia Municipal e nenhum deles receberam qualquer informação. O veiculo tinha via verde e não passou em nenhuma portagem, na aplicação do carro também não aparece nenhuma informação.

Efectuei participação na PSP e estou em contacto com eles para saber evolução.

Atentamente, AA”.

1.17. Nesse mesmo dia a ré acusou a receção do indicado email.

1.18. O autor recebeu resposta escrita por parte da ré em 22 de Junho de 2020, tendo esta considerado que: “(….) Serve a presente para informar V. Exa. que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente à averiguação efetuada, concluímos que o sinistro não ocorreu nos moldes em que nos foi participado/reclamado.

Em face ao exposto, declinamos qualquer responsabilidade pela via extra-judicial, pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo.

Se pretender obter algum esclarecimento adicional, por favor contacte-nos através de um dos meios abaixo indicados (…)”.

1.19. O autor reagiu a essa comunicação, remetendo um email para a ré em 29/06/2020, onde referiu o seguinte:

“Boa tarde,

Após receção da carta referente ao sinistro acima mencionado fico estupefacto com tal decisão.

Nesse sentido solicito esclarecimento referente ao mesmo.

Atentamente.”

1.20. A esta comunicação do autor respondeu a ré em 2 de julho de 2020, cujo conteúdo foi o seguinte:

“Assunto: Regularização processo sinistro

De (…)

Data: 02/07/2020, 09:25

(…)

OCORRÊNCIA Nº: ...31

SINISTRO Nº: ...19

Exmo Sr

Acusamos a receção da correspondência encaminhada aos nossos serviços, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor apreciação.

Em resposta à mesma cumpre-nos informar que para a regularização do processo em titulo tornou-se necessária a instrução do mesmo, tendo em vista a obtenção dos elementos necessários aos esclarecimento dos factos.

Concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade.

Nesta conformidade, informamos que reiteramos a posição assumida anteriormente.

Os nossos cumprimentos (…).

1.21. Após esta última comunicação da ré, o autor enviou novo email em 09/07/2020, pelas 10:31 horas, onde referiu o seguinte:

“Bom dia,

Estou estupefacto com tal ausência de esclarecimentos.

Sendo a companhia de seguros que optei para estar ao meu lado a B..., vocês deveriam apoiar-me e esclarecer com transparência total.

Onde está o apoio jurídico que vocês me proporcionam na apólice, onde está a apoio ao cliente que se proporcionam a prestar?

Solicito esclarecimentos transparentes, pois necessito de informações (…).

1.22. A ré acusou a receção deste email nesse mesmo dia 09/07/2020 pelas 10:31 horas.

1.23. Como a ré não respondeu ao email do autor, este remeteu novo email para aquela em 17/07/2020, onde referiu o seguinte:

“Boa tarde,

Verifico total abandono e ausência de respostas aos meus diversos emails.

1. Venho requerer uma vez mais justificações pormenorizadas por não assumir tal furto e ou o pagamento como consta na apólice de seguros contratualizada com a vossa companhia.

2. Venho requerer a devolução dos valores pagos a titulo da apólice desde a data do furto, uma vez que esses valores não são devidos pois não possuo o bem segurado, por outro lado também foi declarado pela vossa companhia que a devolução ocorrer desde a data do furto.

3. Venho requer o pagamento diário da privação de uso ou um veiculo para as minhas deslocações, desde a data em que essa companhia deveria ter liquidado o valor constante na apólice de seguros, ou seja 60 dias após o inicio do processo.

4. Nesta mesma data entreguei este processo a um advogado para os trâmites legais, assim também venho solicitar a essa companhia conforme apólice o apoio jurídico que tenho direito.

Atentamente (…).

1.24. A este email respondeu a ré pela mesma via em 21 de julho de 2020, referindo:

Exmo Sr

Confirmamos a receção da comunicação de V. Exa., sobre o assunto em epígrafe, cujo teor devidamente anotámos.

Conforme indicado na nossa anterior correspondência, foi efetuada uma averiguação ao processo, sendo que concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade.

Os nossos cumprimentos (…).

1.25. A este email, em 30 de julho de 2020, pelas 11:34 horas, voltou o autor a solicitar junto da ré o seguinte:

Boa tarde,

Mais uma vez venho solicitar a devolução do valor retirado em conta referente ao seguro desde a data do sinistro.

Verifico total ausência de respostas aos assuntos que menciono abaixo, o qual volto a solicitar (…).

1.26. No dia 4 de agosto, a Ré respondeu o seguinte:

Exmo Sr

Na sequência dos nossos emails de 02-07-2020 e 21-07-2020, voltamos a esclarecer que terminada a fase de instrução do respetivo processo, somos a informar de que pelas diligências desenvolvidas, se veio a apurar de que o sinistro não ocorreu da forma como nos foi participado.

Desta forma concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade.

Nesta conformidade, informamos que reiteramos a posição assumida anteriormente.

Relativamente à Viatura de substituição, usufruiu V/ Exa os dias que a sua Apólice contempla (15 dias) no período de 14-05 a 28-05p.p. (…).

1.27. O autor remeteu um último email à ré em 17/08/2020, onde referiu o seguinte:

“Boa noite,

Se o sinistro não ocorreu como participado, agradecia que me informe como ocorreu, pelo que analiso devem estar a pactuar com quem subtraiu o veiculo, pois tudo o que eu sabia informei, e se vocês sabem de mais alguma coisa e não me colocam ao ocorrente, consideram que estão a colaborar com a outra parte.

Referente ao veiculo de substituição nos 15 dias que vocês referem primeiramente não garantiram um veiculo equivalente, apesar de eu insistir que não era o veiculo equivalente. Contudo refiro-me à privação de uso por a vossa companhia não cumprir com o contratualizado e realizar a indemnização pelo furto como contratado, desta forma contabilizo uma diária pela privação de uso até à conclusão do processo subindo a tribunal.

Por outro lado já várias vezes solicitei a devolução do prémio de seguro o qual deve ser devolvido desde o dia do furto conforme relatado pela vossa companhia. Tal valor encontra-se a contabilizar juros de mora, pois até ao dia de hoje a vossa companhia não envolveu tal dinheiro (…).

1.28. Em resposta a esta última comunicação do autor, em 8 de setembro de 2020 a ré remeteu-lhe um email, no qual refere:

“Exmo Sr

Acusamos a receção da correspondência encaminhada aos nossos serviços, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor apreciação.

Em resposta à mesma cumpre-nos informar que para a regularização do processo em titulo tornou-se necessária a instrução do mesmo, tendo em vista a obtenção dos elementos necessários aos esclarecimento dos factos.

Concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade.

Nesta conformidade, informamos que reiteramos a posição assumida anteriormente.

Os nossos cumprimentos (…).

1.29. O autor contactou o seu mandatário, o qual remeteu à ré um email datado de 17/09/2020, com o seguinte teor:

“Ex.ma Administração,

Fui contactado pelo meu constituinte AA, residente na Rua ..., ... ..., concelho de Vila do Conde, no sentido de responder ao teor das v/ missivas datadas de 22/06/2020 e de 02/07/2020, as quais mereceram a melhor atenção.

Analisado atentamente o teor das v/ cartas, bem como as condições particulares do seguro contratado pelo m/ cliente, venho por este meio comunicar-lhes o seguinte.

1 – como é do v/ conhecimento, entre o dia 23 e o dia 24 de Abril de 2020, a viatura pertença do m/ constituinte com a matricula ..-QD-.. de marca BMW, ..., foi roubada, quando se encontrava estacionada na via pública;

2 – também é do v/ conhecimento que no dia 02/05/2019, o m/ cliente celebrou um contrato de seguro com a v/ Companhia referente à viatura em causa, com cobertura de responsabilidade civil e de danos próprios – Produto MAX, sendo que, relativamente a tais danos encontra-se contratada uma cobertura de 46.452,03 € em caso de furto ou roubo;

3 – desde o dia 24 de Abril de 2020, o meu cliente encontra-se privado de usufruir da viatura, sendo certo que já decorreram mais de 60 dias desde a data do sinistro, permitindo desde já acionar a cláusula 4.ª da apólice em referência;

4 – apesar de ter solicitado por diversas vezes ser ressarcido do valor da cobertura contratada constante do contrato de seguro celebrado (46.452,03 €), o certo é que até à presente data, o meu cliente nada recebeu;

5 – para justificar o não pagamento da indemnização, alega a v/ companhia na carta datada de 22/06/2020 que “Serve a presente para informar V. Exa. que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente à averiguação efetuada, concluímos que o sinistro não ocorreu nos moldes em que nos foi participado/reclamado. Em face ao exposto, declinamos qualquer responsabilidade pela via extra-judicial, pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo”, reiterando no email datado de 02/07/2020 que “Concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade”.

6 - ora, salvo o devido respeito, que é muito, não nos parece que as v/ comunicações estejam minimamente fundamentadas de modo a convencer o m/ cliente da v/ argumentação;

7 – desde logo, tal argumento não consta como condição de exclusão em nenhuma das cláusulas constantes das condições do contrato de seguro que o meu cliente celebrou;

8 – não obstante, ainda que tal cláusula existisse (o que não é o caso), sempre se dirá que a mesma teria que ser considerada manifestamente leonina e descabida de qualquer fundamento!!

9 – além do mais, o inexplicável atraso da v/ companhia no andamento do processo de pagamento da indemnização devida ao m/ constituinte traduz-se numa clara violação do dever acessório de conduta, que vem impedindo sistematicamente que aquele adquira uma nova viatura;

10 – face ao exposto, e no intuito de resolver o assunto pela via extrajudicial, solicito que a v/ Companhia proceda ao pagamento da quantia de 46.452,03 €, acrescida da quantia de 50,00 € diários a título de indemnização pela privação do uso da viatura, desde o dia seguinte ao furto (24/04/2020) até efetivo e integral pagamento, perfazendo nesta data um total de 53.752,03 € (146 dias x 50,00 € + 5.200,00 €), o que deverá acontecer impreterivelmente até ao próximo dia 25/09/2020;

11 – se até à supra referida data nada fizerem ou disserem, não terei outra alternativa senão instaurar a competente ação judicial, com as consequências que daí poderão advir;

12 – finalmente, caso pretendam, desde já demonstro toda a minha disponibilidade para o agendamento de uma reunião na v/ Companhia, ou no meu escritório, até à data acima indicada (25/09/2020), mediante prévio contacto telefónico, para resolução do sinistro.

13 – aproveito para juntar em anexo a procuração forense, sendo que oportunamente remeterei o despacho de arquivamento do processo crime instaurado pelo meu constituinte pelo roubo da viatura.

Sem outro assunto, e aguardando resposta tão breve quanto possível, os meus melhores cumprimentos.

O Advogado,

FF (contacto direto: ...83)”

1.30. O email acima referido foi rececionado pela ré na mesma data de 17/09/2020.

1.31. Como a ré não deu qualquer resposta, em 25 de setembro de 2020 foi enviado um novo email para a ré, com o seguinte teor:

“Ex.ma Administração,

Estranhando a v/ ausência de notícias ao meu email que antecede datado de 17/09/2020, venho por este meio solicitar que me informem em que estado se encontra o processo acima referenciado, nomeadamente, se aceitam indemnizar o m/ constituinte.

Aproveito para retificar o valor peticionado pois, além do montante reclamado, assiste-lhe o direito de reclamar uma indemnização correspondente a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro, conforme contratado e constante nas condições particulares da apólice, o que perfaz o montante de 9.290,41 €, de acordo com o disposto na cláusula 2.ª, alínea b) das condições especiais da indemnização extra, pelo que o valor a pagar será de 63.042,44 €

Mais informo que o m/ constituinte se encontra privado da utilização da viatura desde o dia 24 de Abril de 2020, e que a v/ inércia no encerramento deste processo está a causar-lhe avultados prejuízos e danos morais que em sede própria serão reclamados.

Assim, caso nada digam até ao próximo dia 30 de Setembro de 2020, darei entrada da competente ação judicial sem qualquer outro aviso.

Sem outro assunto, e aguardando resposta tão breve quanto possível, os meus melhores cumprimentos.

O Advogado,

FF (contacto direto: ...83)”

1.32. Perante esta insistência, a ré respondeu em 2 de outubro de 2020, alegando o seguinte:

“Exmo Sr Dr

Reencaminho email ja enviado e que manifesta a nossa posição referente ao sinistro em titulo.

Cumpre-nos informar que para a regularização do processo em titulo tornou-se necessária a instrução do mesmo, tendo em vista a obtenção dos elementos necessários aos esclarecimento dos factos.

Concluída a fase de instrução, e reunidos os elementos internos que se encontram afetos a esta Seguradora, concluímos que não foram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade.

Nesta conformidade, informamos que reiteramos a posição assumida anteriormente.

Os nossos cumprimentos

GG

Direção Sinistros”

1.33. Consta da cláusula 2.ª das condições especiais previstas para o furto ou roubo: “A presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtração de peças fixas e indispensáveis à sua utilização.

1.34. Consta da cláusula 4.ª das mesmas condições especiais:

1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime.

2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.

1.35. Até à data, o autor nunca conseguiu recuperar a viatura que adquiriu em abril de 2019, com a matrícula ..-QD-...

1.36. No mês de Agosto de 2020, o autor foi notificado de um ofício proveniente do DIAP de Vila Nova de Gaia, datado do dia 04 de agosto de 2020, dando-lhe conhecimento que “Relativamente à denúncia/queixa que apresentou contra pessoas desconhecidas, comunica-se que, por despacho do Ministério Público, foi determinado o arquivamento do inquérito-crime acima identificado.

O arquivamento fundamentou-se na não existência de indícios quanto à autoria dos factos denunciados, não se antevendo, por ora, a realização de diligências de que possam resultar efeitos úteis para a investigação (…).

1.37. O comportamento da ré causou ao autor desespero, por não ver a situação resolvida; angústia, por se sentir impotente, inicialmente pela falta de respostas e, posteriormente, pelo teor das respostas dadas; transtorno, porque perdeu tempo; e sofrimento, pois sente-se triste com a situação.

1.38. O contrato de seguro a que se alude em 1.6. tinha a duração de um ano e seguintes.

1.39. À data dos factos, regia-se pelas Condições Particulares, Gerais e Especiais da Apólice juntas com a contestação como doc. 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.40. Esse contrato de seguro foi subscrito pelo autor através da plataforma digital que a ré disponibiliza para o efeito no seu sítio na internet.

1.41. Na sua génese esteve a proposta de seguro apresentada pelo autor à ré através da sobredita plataforma, que o autor preencheu e submeteu à apreciação da ré, tendo sido também este último quem escolheu as concretas coberturas e franquias que pretendia subscrever, adequadas ao preço que pretendia suportar.

1.42. Para além da responsabilidade civil obrigatória em relação a terceiros, emergente da circulação do QD, o autor propôs à ré a subscrição de coberturas facultativas que garantissem os “Danos Próprios” da viatura.

1.43. Consta da proposta de seguro subscrita pelo autor através da plataforma digital a que se alude em 1.40., como capital do objeto seguro, a quantia de 43.164,26€ como a correspondente ao valor venal do veículo QD a essa data, e a quantia de 3.287,77€ como a correspondente ao valor dos equipamentos que o autor identificou como extras do veículo, também a essa data.

1.44. Tratava-se de um veículo cuja 1ª matrícula data de fevereiro de 2014 e que havia sido importado da Alemanha.

1.45. No momento da contratação do seguro foi acordado com o autor que os capitais seguros referentes às coberturas de “Danos Próprios” – diretamente associadas ao veículo seguro – sofreriam, desde o início da vigência do contrato, uma desvalorização mensal e anual, de acordo com a tabela de desvalorização constante das Condições Particulares da Apólice.

1.46. Atenta a forma como foi subscrito o presente contrato de seguro – através de plataforma digital – os serviços da ré não efetuaram qualquer vistoria ao objeto do contrato – isto é, ao veículo QD – antes da sua celebração.

1.47. Para efeitos da Condição Especial “Furto ou Roubo”, é considerado “Furto ou Roubo” “o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados)” – Cláusula 1ª.

1.48. Por via da subscrição da referida Condição Especial fica garantido “(…) o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtração de peças fixas e indispensáveis à sua utilização” – Cláusula 2ª.

1.49. Consta da Cláusula 3ª da referida Condição Especial que “para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais, não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial, as seguintes situações:

a) Danos que consistam em lucros cessantes, perda de benefícios ou de resultados para o Tomador do Seguro e/ ou Segurado em consequência de privações de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro;

b) Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro / Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço, ou por quem, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis;

c) Danos diretamente produzidos por lama ou alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias.

1.50. Consta da Cláusula 4ª da referida Condição Especial:

1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime.

2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam (sessenta) 60 dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.

1.51. Consta da Cláusula 38.ª das Condições Gerais da Apólice:

Para efeitos do presente contrato e em relação às coberturas facultativas que a seguir se indicam, entende-se por:

Veículo seguro: O veículo automóvel abrangido pela presente Apólice de Seguro Automóvel e como tal designado nas Condições Particulares;

Valor em novo: Preço total de venda ao público, incluindo encargos legais e impostos, do veículo seguro, em estado novo, na data de registo da primeira matrícula, inscrita no respetivo livrete;

Valor de substituição em novo: Preço total de venda ao público, incluindo encargos legais e impostos, do veículo seguro em novo, na data do sinistro. Caso o veículo seguro já não seja comercializado nessa data, considerar-se-á o preço do veículo de características análogas mais aproximadas;

Valor venal: Valor de venda do veículo seguro imediatamente antes da ocorrência de um sinistro;

Idade do veículo: O número de meses ou anos contados da data de registo da primeira matrícula inscrita no livrete, considerando para o efeito qualquer fração de mês como um mês completo;

Extras: Componentes não integrados de origem (não integrados no momento da venda, em novo) série no veículo seguro, devidamente identificados e valorizados pelo Tomador do Seguro, nomeadamente:

a) Todos os equipamentos ou componentes incorporados no veículo por decisão do adquirente e em data posterior à sua saída de fábrica ou do estabelecimento de venda;

b) Quaisquer pinturas de letras, desenhos, emblemas, dísticos alegóricos, reclamos ou propaganda apostos ou fixados no veículo seguro.

Locais de guarda do veículo: Locais onde o veículo seguro pernoita e que para efeitos do presente contrato serão os Concelhos de residência do Tomador do Seguro e/ou do Condutor indicados nas Condições Particulares.

1.52. Nos termos da Cláusula 42.ª das Condições Gerais da Apólice:

1. A determinação dos valores seguros para cada cobertura facultativa contratada, devidamente identificados nas Condições Particulares, será da responsabilidade do Tomador do Seguro e/ou do segurado.

2. Salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, o valor seguro para as coberturas previstas nas alíneas d), e), f) e g) do nº 1. da cláusula 39ª corresponde ao valor atual do veículo no momento do início da produção de efeitos do contrato, ou das suas alterações, podendo ser determinado de acordo com uma das seguintes formas:

a) Por indicação do respetivo valor em novo, tal como definido na cláusula 38ª, deduzido, se o veículo for usado, do coeficiente de desvalorização constante na tabela de desvalorização aplicável ao veículo e prevista nas Condições Particulares;

b) Por estipulação entre as partes de outro critério de determinação de valor seguro.

3. Salvo estipulação em contrário prevista nas Condições Particulares, o valor dos extras seguros, indicado pelo Segurado no momento da celebração do contrato, deverá corresponder ao respetivo valor em novo.

1.53. Consta da Cláusula 43.ª das Condições Gerais da Apólice:

1. Após a determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de determinação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a tabela de desvalorização aplicável.

1.54. Para efeitos da cobertura intitulada “Furto ou Roubo”, aquando do preenchimento da proposta de seguro ficou a constar da mesma como capital seguro a quantia de 46.452,03€, correspondente ao valor venal atribuído ao veículo a essa data, decorrente da soma das verbas de 43.164,26€, atinente à viatura, e de 3.287,77€, atinente aos extras que o autor referiu que o equipavam.

1.55. Consta da Cláusula 1ª da condição especial “Indemnização Extra”, com o título “Âmbito da Cobertura”:

1. A presente Condição Especial garante ao Segurado o pagamento de um Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro causada por um sinistro cuja responsabilidade seja exclusivamente imputada a intervenientes distintos do Tomador de Seguro, do Segurado e/ou Condutor do veículo seguro, i.e., a responsabilidade seja imputada a terceiros.

2. Quando tenham sido contratadas simultaneamente as coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e de Furto ou Roubo, a presente Condição Especial poderá igualmente garantir o pagamento de um Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto ao abrigo das referidas coberturas, desde que expressamente contratualizada esta opção.

1.56. Consta da Cláusula 2ª da referida condição especial, sob o título “Limites de Indemnização”:

O valor do Complemento de Indemnização a pagar em caso de Perda Total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras:

a) Durante os primeiros vinte e quatro (24) meses a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá à diferença entre o valor venal e o valor de aquisição em novo de um veículo idêntico, à data do sinistro;

b) Após o vigésimo quinto (25º) mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro.

1.57. Consta da Cláusula 3.ª da referida condição especial, sob o título “Exclusões”:

1. Para efeitos do disposto no nº1 da cláusula 1.ª da presente Condição Especial, não fica garantido o pagamento do Complemento de Indemnização nos casos em que a responsabilidade do sinistro seja total ou parcialmente imputada ao Tomador do Seguro, Segurado e/ou Condutor do veículo seguro.

2. Para efeitos do disposto no nº2 da cláusula 1.ª da presente Condição Especial, não fica garantido o pagamento do Complemento de Indemnização nos casos em que a causa que determina a Perda Total do veículo seguro não se encontre garantida ao abrigo das coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e de Furto ou Roubo ou, caso esteja garantida ao abrigo das mesmas coberturas, esta opção não tenha sido expressamente contratualizada.

1.58. Consta da Cláusula 4.ª da referida condição especial, sob o título “Procedimentos em Caso de Sinistro”:

1. Para efeitos do disposto na cláusula 2.ª desta Cobertura, considera-se valor venal, o valor de substituição em momento anterior ao sinistro, sendo este, para efeitos da presente Condição Especial:

a) No caso de Perda Total do veículo seguro motivada por um sinistro de responsabilidade de terceiros, nos termos previstos no nº1 da cláusula 1.ª, o valor da indemnização paga pelo Segurador do terceiro responsável, subtraído do eventual valor do salvado;

b) No caso de Perda Total do veículo seguro resultar da ocorrência de qualquer facto garantido ao abrigo das coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e/ou de Furto ou Roubo, o valor a indemnizar seja calculado com base no valor venal do veículo seguro e não sobre o valor pago pelo segurador ao abrigo dessas mesmas coberturas.

2. Para efeitos de pagamento do Complemento de Indemnização por parte do Segurador, o Segurado deverá entregar, quando for o caso, cópia da proposta final de indemnização emitida pelo Segurador do terceiro responsável pelo sinistro, contendo o valor da indemnização, o valor venal e o valor do salvado.

1.59. Na sequência da participação a que se alude em 1.16., a ré, através dos serviços de peritagem que contratou para o efeito, deu início a uma averiguação ao sinistro participado pelo autor.

1.60. No âmbito da sobredita averiguação, foi agendado um encontro com o autor, com vista ao esclarecimento do circunstancialismo que teria rodeado o sinistro participado.

1.61. Nesse encontro, ocorrido em 22.05.2020, o autor relatou ao averiguador destacado pela ré que, no dia 23.04.2020, da parte da manhã, teria saído da sua residência, sita em ..., Vila do Conde e ter-se-ia dirigido, ao volante do QD, em direção a um apartamento que possuía em ... que, na altura, estaria a remodelar.

1.62. Mais esclareceu que, ao chegar ao local, teria estacionado o QD em frente à porta da entrada do prédio do sobredito apartamento, sito na Rua ..., em ..., no concelho de Vila Nova de Gaia, onde teria passado todo o dia 23.04.2020 a efetuar umas pequenas obras de restauro.

1.63. Questionado sobre se, durante o dia, teria utilizado o QD em algum momento, o autor referiu que, dado o tempo entretanto decorrido – cerca de um mês – já não se recordava ao certo daquilo que realmente teria feito naquele dia, chegando inclusivamente a dizer que não teria sequer presente se teria ido ou não almoçar fora.

1.64. O autor admitiu que, naquele dia, poderia ter realizado, pelo menos, uma viagem com o veículo, para se deslocar a ....

1.65. O autor não logrou esclarecer o que o teria determinado a efetuar tal deslocação, que descreveu como tendo sido curta nem a hora em que esta teria ocorrido, limitando-se a situá-la num período de tempo compreendido entre as 17:00 e as 20:00 horas do dia 23.04.2020.

1.66. O autor referiu ainda que, ao regressar, teria voltado a estacionar o QD em frente à porta da entrada do prédio sito na Rua ..., em ..., para onde se teria dirigido novamente e onde teria estado, até regressar a casa.

1.67. Ainda segundo o autor, naquele dia a sua mulher tê-lo-ia ido buscar ao apartamento numa outra viatura, por ela habitualmente conduzida, na qual ambos teriam regressado a casa, em ..., ficando o QD estacionado no local referido no item anterior.

1.68. Mais declarou que, antes de se ausentar do local, teria verificado que o QD se mantinha no mesmo local onde o havia estacionado, em frente à porta da entrada do prédio do seu apartamento, onde, de resto, estariam estacionadas várias outras viaturas pertencentes aos moradores daquele prédio e de outros.

1.69. De acordo com o relatado pelo autor, no dia seguinte, pelas 16:30 horas, ao chegar novamente ao local onde teria deixado o QD, terá verificado que este já ali não se encontrava, não tendo visualizado quaisquer vestígios da viatura nesse local, nomeadamente peças do veículo ou vidros.

1.70. O autor declarou também que se dirigiu à PSP de Vila Nova de Gaia.

1.71. O autor esclareceu igualmente não se ter apercebido, ou ter tido conhecimento de que alguma das restantes viaturas que se encontravam estacionadas naquela rua, naquele dia, tivesse desaparecido do local.

1.72. O autor referiu ainda que o QD tinha associado um contrato com a Via Verde, mas que o extrato fornecido por esta entidade não teria revelado qualquer passagem após o dia 23.04.2020.

1.73. Finalmente, o autor declarou aos averiguadores destacados pela ré que o QD estava, bem assim, munido do serviço/aplicação Connect Drive – um assistente de mobilidade pessoal que facilita a mobilidade quotidiana do condutor do veículo e que tem permanentemente acesso à localização da viatura – ao qual teria de imediato tentado aceder remotamente, via telemóvel, sendo que a localização do veículo não estaria disponível.

1.74. Nesse encontro que os averiguadores destacados pela ré mantiveram com o autor, foi possível constatar que o local onde o QD teria sido deixado estacionado antes de ter desaparecido – a Rua ..., em ..., no concelho de Vila Nova de Gaia – é uma zona habitacional com uma forte densidade populacional que apresenta um significativo movimento de pessoas e de veículos.

1.75. A Rua ... é uma via que é ladeada, de um dos seus lados, por vários prédios de habitação contíguos entre si, ao longo de mais de 100 metros dessa rua, sendo que alguns desses prédios apresentam oito andares.

1.76. Tanto as portas de acesso aos mencionados prédios como as respetivas janelas estão voltadas diretamente para o local onde o QD teria sido deixado estacionado pelo autor.

1.77. A referida rua onde o QD foi deixado estacionado configura uma via com cerca de 7,40 metros de largura e dois sentidos de marcha, desenvolvendo-se em reta com mais de 200 metros de extensão.

1.78. A Rua ... é ainda ladeada, do outro lado, por vários lugares de estacionamento onde se encontram sempre estacionadas diversas viaturas e por passeios para peões, tratando-se de um local com boa visibilidade, sendo possível alcançar visualmente a rua em todo o seu comprimento, dada a inexistência de quaisquer obstáculos que impeçam ou dificultem a visibilidade.

1.79. Em frente ao local onde o QD teria sido deixado estacionado situam-se as instalações de um supermercado, que confinam com o prédio a que se aludiu em 1.66. e, nas imediações, existem outros estabelecimentos comerciais, nomeadamente outros supermercados, lojas de eletrodomésticos e padarias.

1.80. O movimento de pessoas e de veículos na Rua ... é, durante o dia, significativo.

1.81. Os lugares de estacionamento da Rua ... estão habitualmente preenchidos com dezenas de veículos estacionados, seguidos uns ao lado dos outros.

1.82. Nas imediações do local onde o QD teria sido deixado estacionado e ao longo de toda a Rua ..., estão colocados vários postes de iluminação pública que, à data dos factos, se encontravam em funcionamento e que de noite iluminam toda aquela zona da via.

1.83. A Rua ..., por permitir aceder a vários prédios habitacionais e estabelecimentos comerciais, é uma via com movimento, onde passam vários veículos todos os dias.

1.84. O QD estava equipado com sistema de alarme que vem instalado de fábrica.

1.85. Os averiguadores destacados pela ré contactaram moradores dos prédios existentes na Rua ..., assim como funcionários dos estabelecimentos comerciais, sendo que ninguém revelou possuir qualquer conhecimento acerca do sucedido.

1.86. Os indicados averiguadores foram mesmo informados pelas pessoas acima mencionadas de que jamais houve notícia de qualquer furto de viaturas naquele local, informação que os mesmos igualmente confirmaram junto da P.S.P. de Vila Nova de Gaia.

1.87. No encontro que mantiveram com o autor, os averiguadores destacados pela ré questionaram-no acerca da razão pela qual o mesmo teria deixado o QD estacionado naquele local de um dia para o outro, sendo que o autor apresentou como justificação o facto de a sua mulher ter tido necessidade de abastecer o seu veículo pessoal, o que não seria do seu agrado, razão pela qual a mesma teria passado por Vila Nova de Gaia para o ir buscar, para que este a acompanhasse na viagem de regresso a casa e abastecesse a sua viatura.

1.88. Questionado sobre qual o uso que habitualmente dava ao QD, o autor esclareceu que o teria adquirido para seu uso pessoal, razão pela qual se deslocaria diariamente no mesmo, no âmbito nos seus afazeres pessoais e profissionais.

1.89. A este propósito referiu ainda que seria professor no Agrupamento de Escolas ..., em Vila do Conde, onde, à data, lecionava a disciplina de informática.

1.90. Nesse encontro os averiguadores procuraram ainda esclarecer junto do autor o contexto em que o mesmo teria adquirido o QD, pois tinham apurado anteriormente – através de consulta a uma base de dados criadas por várias seguradoras, com vista ao combate de participações de sinistros fraudulentas – que esta viatura seria a primeira viatura topo de gama que o mesmo teria adquirido, já que antes apenas adquirira viaturas de gama média/baixa.

1.91. O autor referiu que teria comprado o QD em Maio de 2019, a um seu conhecido, tendo pago pelo mesmo o montante de 55.000,00€.

1.92. Essa informação chamou a atenção dos averiguadores destacados pela ré para a discrepância existente entre o valor pelo qual o autor referiu ter adquirido o QD (55.000,00€) e aquele que ficou a constar da proposta de seguro (46.452,03€).

1.93. Por essa razão, os averiguadores destacados pela ré questionaram o autor sobre se o mesmo dispunha de algum documento comprovativo do meio de pagamento utilizado nessa transação, ao que aquele esclareceu que, aquando da compra do veículo, teria valores a haver da pessoa a quem teria adquirido a viatura, descontando-os do preço, sendo que o remanescente teria sido liquidado uma parte em numerário e a restante através de uma transferência bancária.

1.94. O autor não soube, na altura, esclarecer – por já disso não se recordar – quais as parcelas correspondentes a cada uma das formas de pagamento invocadas, comprometendo-se a disponibilizar aos averiguadores destacados pela ré os movimentos

que comprovavam os levantamentos em numerário e a transferência bancária que teria realizado.

1.95. O autor transmitiu aos averiguadores destacados pela ré que estava na posse das duas chaves do QD, as quais lhes disponibilizou, com vista à realização da respetiva leitura – análise prévia – num representante da marca.

1.96. O autor autorizou por escrito a ré a proceder à análise das informações constantes das duas chaves.

1.97. Munidos das referidas chaves, em 25.05.2020, os averiguadores destacados pela ré dirigiram-se a um concessionário da marca BMW, com vista a procederem à análise das informações existentes na memória das chaves do QD.

1.98. As chaves deste modelo da BMW, como aliás as de muitos outros veículos, possuem um sistema integrado de memória que procede constantemente ao registo de diversas informações relacionadas com o respetivo veículo, nomeadamente as que constam do computador de bordo do mesmo, além de outras, atinentes ao próprio funcionamento do motor ou do meio ambiente em que o veículo circula.

1.99. Estas chaves têm a particularidade de, entre outros dados, registarem o número de km percorridos pela viatura, na data em que pela última vez foi acionado o respetivo motor, a temperatura do motor e a temperatura exterior.

1.100. Efetuada a leitura das duas chaves do veículo, foi verificado que:

- Uma das chaves apresenta a última utilização, às 19:52h, do dia 19.04.2020, contando a viatura nessa data 197.061Km;

- A outra chave apresenta a última utilização, às 20:14h, do dia 23.04.2020, contando a viatura nessa data 197.150Km, registando o líquido refrigerante a temperatura de 87º e a temperatura exterior de 15.5º.

1.101. Foi também apurado que o QD efetuou a última inspeção a 02.03.2018, apresentando, nessa data, 150.984 kms.

1.102. O QD deveria ter sido submetido a uma inspeção periódica obrigatória até ao dia 27.02.2020, o que não sucedeu, já que o autor não realizou tal inspeção, pelo que, à data do seu furto, o mesmo não possuía a inspeção válida.

1.103. O autor fez chegar aos averiguadores destacados pela ré um extrato emitido pela Via Verde, do qual resulta que desde março de 2020 até à data do furto apenas se mostrava registado um movimento para a viatura QD.

1.104. O veículo QD tem o chassis número ...01.

1.105. O modelo deste veículo ...) foi fabricado em 02/2014, sendo que, no ano seguinte, foi produzido o novo modelo (G11), o que fez desvalorizar o modelo do QD.

1.106. Aquando da subscrição do contrato de seguro, o autor indicou como extra do veículo o sistema CO2 Package Selection Of Co, ao qual foi atribuído o valor de 3.287,77 €, sendo que este equipamento já vinha instalado no veículo de origem quando este saiu de fábrica, não se tratando de um equipamento que tenha sido incorporado no veículo em data posterior à sua saída de fábrica.

1.107. O autor acionou a cobertura intitulada de “Veículo de Substituição”, sendo que, enquanto decorria a averiguação, a ré colocou à disposição do autor, no período compreendido entre os dias 15.05.2020 e 30.05.2020, isto é, durante 15 dias – o número máximo de dias previsto no contrato para esta cobertura – uma viatura que alugou para o efeito, tendo liquidado à “C...” a quantia de 1.273,05€.

1.108. Não foi o autor que importou o veículo QD da Alemanha.

1.109. O valor venal indicado para a viatura é apenas aquele que a plataforma da ré permite colocar; o valor atribuído aos equipamentos indicados como sendo extras da viatura foi de 3.287,77 €.

1.110. A principal razão de no dia 23.04.2020 regressarem a casa no outro automóvel do casal, foi o facto de o autor ter que transportar ferramentas para ... que não cabiam na viatura furtada, e ter necessidade de abastecer a viatura que na altura se encontrava na posse da mulher do autor.

1.111. Os equipamentos que a viatura do autor tinha eram os seguintes, todos instalados de fábrica:

S1CAA - Selection of COP relevant vehicles

S1CBA - CO2 package

S229A - Dynamic Drive

S230A - Extra package, EU-specific

S248A - Steering wheel heater

S2NXA - BMW LA wheel, M Double Spoke

S302A - Alarm system

S316A - automatic trunk lid mechanism

S322A - Comfort access

S323A - Soft-Close-Automatic doors

P337A - M Sports package

S3AGA - Reversing camera

S403A - Glass roof, electrical

S415A - Sun-blind, rear

S416A - Roller sun vizor, rear lateral

S428A - Warning triangle and first aid kit

S430A - Interior/outside mirror with auto dip

S441A - Smoker package

S456A - Comfort seat with memory

S464A - Ski bag

S488A - Lumbar support, driver and passenger

S494A - Seat heating driver/passenger

S496A - Seat heating, rear

S4B9A - Interior strips, alu, satin-polished

S4M8A - Individual rear-reading light

S4NBA - Autom. climate control with 4-zone ctrl

S4URA - Ambient interior lighting

S508A - Park Distance Control (PDC)

S524A - Adaptive Headlights

S5ACA - High-beam assistant

S5AGA - Lane-change warning

S5ATA - Driving Assistant Plus

S609A - Navigation system Professional

S610A - Head-up display

S654A - DAB tuner

S688A - Harman/Kardon Surround Sound system

S698A - Area-Code 2 for DVD

S6ACA - Intelligent emergency SOS call

S6AEA - Teleservices

S6AKA - Connected Drive Services

S6AMA - Real-Time Traffic Information

S6ANA - Concierge Services

S6APA - Remote Services

S6NRA - Apps

S6NSA - Convenience phone, expanded Smartphone

S710A - M leather steering wheel

S715A - M Aerodynamics package

S760A - High gloss shadow line

S775A - Headlining anthracite

P7R7A - Innovation package

P7RSA - Package Comfort

S7U9A - Delete BMW Service Inclusive

P7XPA - Navigation package, Connected Drive

L801A - National version Germany

S879A - On-board vehicle literature German

S8THA - Road sign detection

S1CCA - Auto start/stop function

S1CDA - Brake Energy Regeneration

S423A - Floor mats, velours

S4U2A - Driving experience switch incl. ECO PRO

S548A - Kilometer-calibrated speedometer

S851A - Language version German.

                                                         


*

2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

2.1. O autor deu conhecimento do despacho referido em 1.36. à ré, através do seu mandatário, no dia 17 de setembro de 2020.

2.2. O autor teve que pedir uma viatura automóvel emprestada a familiares para poder trabalhar, transportar o seu filho para a escola, ir às compras e passear.

2.3. Os valores a que se alude em 1.43. foram indicados pelo autor.

2.4. A violação dos sistemas de segurança da viatura QD é uma tarefa extremamente complexa e demorada.

2.5. Quando questionado pelos averiguadores destacados pela ré acerca da razão pela qual teria deixado o QD estacionado naquele local de um dia para o outro, o autor não conseguiu responder de forma natural, evidenciando uma atitude embaraçada, denotando estar pouco à vontade com o tema, ao qual tentou fugir, não tendo logrado apresentar de imediato uma qualquer justificação plausível para o efeito.

2.6. O autor declarou aos averiguadores destacados pela ré que não terá efetuado quaisquer diligências nas imediações do local onde o QD teria sido deixado, com vista a tentar apurar se alguém se teria apercebido de alguma movimentação anormal.

2.7. A respeito do que se refere em 1.90. o autor mostrou-se pouco colaborante com os averiguadores destacados pela ré.

2.8. O autor recusou-se a esclarecer quaisquer outros contornos relativos à aquisição do veículo seguro para além dos referidos em 1.91. e 193., nomeadamente a razão pela qual teria supostamente procedido ao pagamento de uma parte do respetivo preço em numerário e a restante através de uma transferência bancária.

2.9. Tanto à data da celebração do contrato de seguro, como à data do sinistro o valor venal do QD era muito inferior ao valor a que se alude em 1.91., tudo levando a crer que este valor não terá sido pago pelo autor.

2.10. Aquando da celebração do contrato de seguro, o valor venal do QD, a essa data, não era superior a 35.000,00€.

2.11. Com a referida quantia, correspondente ao seu valor de mercado, é possível adquirir no mercado de usados um veículo com as mesmas características do QD.

2.12. O que se refere em 1.105. tornou a procura do modelo F01 praticamente inexistente.

2.13. O autor atribuiu ao equipamento a que se alude em 1.106. o valor de 3.287,77€.

2.14. À data em que ocorreu o sinistro, o valor venal do QD não era superior a 32.000,00€.

2.15. Em 23.04.2020 era possível adquirir no mercado de usados um veículo com as mesmas do QD pela quantia de 32.000,00€.

2.16. A ré vistoriou o veículo QD no mês de dezembro de 2019, numa altura em que alguém embateu no espelho, partindo-o, dando origem a um processo de sinistro junto ré.


***

2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas conclusões recursivas veio a apelante requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova, em relação aos pontos nºs 2.14 e 2.15 dos factos não provados, sustentando que tais proposições deverão transitar para o elenco dos factos provados.

Os referidos pontos factuais têm o seguinte teor:

- “À data em que ocorreu o sinistro, o valor venal do QD não era superior a 32.000,00€” (ponto nº 2.14);

- “Em 23.04.2020 era possível adquirir no mercado de usados um veículo com as mesmas do QD pela quantia de 32.000,00€” (ponto nº 2.15).

Na motivação da decisão de facto, o juiz a quo fundamentou o sentido decisório referente à descrita materialidade na circunstância de «[a] prova produzida foi de todo insuficiente para que se formasse convicção segura minimamente segura quanto aos mesmos».

Colocada perante a transcrita motivação da decisão de facto, a apelante sustenta que, ao invés do que foi decidido pelo tribunal de 1ª instância, foram carreados para os autos diversos subsídios probatórios que permitem a emissão de um juízo positivo sobre as mencionadas afirmações de facto, convocando para o efeito os documentos que juntou aos autos em 30 de junho de 2022 e bem assim os depoimentos produzidos pelas testemunhas BB, CC e DD.

Começando pela indicada prova documental, da respetiva análise resulta que veículos do mesmo modelo (BMW, ...), do mesmo ano [2014] de produção do veículo do demandante (e até do ano subsequente), “full extras” e sensivelmente com a mesma quilometragem (cerca de 200 mil quilómetros[2]) têm sido colocados no mercado de venda de usados por valores na ordem dos 27/28 mil euros.

No concernente à prova pessoal, depois de se proceder à audição do registo fonético dos depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas, todas elas adiantaram que desenvolvem a sua atividade profissional na área de averiguação de sinistros, sendo que, nessa qualidade, não raro, têm de proceder à pesquisa dos valores de mercado de viaturas sinistradas.

Acrescentaram que efetuaram diversas pesquisas (mormente através de consultas em sites de compra e venda de viaturas usadas) no sentido de apurar o valor venal aproximado do veículo seguro por ocasião da ocorrência do furto de que o mesmo foi alvo, encontrando no mercado de usados diversos veículos com caraterísticas análogas àquele em valores entre os 26 mil e os 33 mil euros.

Questão que, então, se coloca é a de saber se os indicados meios de prova são, ou não, suficientes para considerar demonstrados os factos objeto de impugnação, o que importa a prévia determinação do padrão de prova exigível, rectius, do standard de prova aplicável[3].

Como a este propósito escreve LEBRE DE FREITAS[4], quanto ao grau de convicção exigível em processo civil, “no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança”.

Ainda sobre esta temática explica PIRES DE SOUSA[5] que o standard que opera no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável do que não”, o qual se consubstancia em duas regras fundamentais que enuncia nos termos seguintes: “(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”.

No caso presente, as proposições factuais que foram dadas como não provadas dizem essencialmente respeito ao alegado valor de mercado do ajuizado veículo do demandante na data da ocorrência do ajuizado sinistro tendo por referência veículos da mesma marca, ano de fabrico, modelo e quilometragem, sendo de sublinhar, neste conspecto, que, como resultou demonstrado (facto provado nº 1.105), o modelo do veículo do autor (modelo F01) foi fabricado em fevereiro de 2014, sendo que, no ano seguinte, foi produzido o novo modelo (G11), o que fez desvalorizar aquele modelo.

Ora, os mencionados subsídios probatórios (que não foram contraditados por quaisquer outros) são de molde a permitir, em termos objetivos, a emissão de um juízo probatório positivo quanto às ditas proposições factuais, posto que da respetiva concatenação emerge que o valor venal ou de mercado da viatura do autor na data em que foi furtado cifrar-se-ia em valor próximo do aí indicado.

Como assim, devem os pontos factuais nºs 2.14 e 2.15 dos factos não provados transitar para o elenco dos factos provados.


***

3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como emerge do quadro factual apurado (e ora estabilizado) entre as partes foi celebrado e estava em vigor na data do sinistro um contrato de seguro de danos que, além das coberturas obrigatórias (próprias do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), incluía também coberturas facultativas, sendo justamente numa destas coberturas – ou seja, como e enquanto seguro facultativo de danos – que se situa a essencial divergência recursiva da apelante, centrada no montante do pagamento contratualmente devido.

Com efeito, entre essas coberturas incluía-se o furto ou roubo do veículo seguro, indicando-se como capital seguro do mesmo (incluindo extras) a quantia de 46.452,03€, com a franquia de 1.000,00€ (cfr. facto provado 1.10), sendo que no momento do sinistro o respetivo valor venal[6] cifrava-se em 32.000,00€.

Tal como se reconheceu na sentença recorrida - e não é fundadamente posto em causa no presente recurso -, é incontroverso que, tendo ocorrido o furto da viatura[7], se verificam os pressupostos da responsabilidade contratual da ré com a inerente obrigação de realizar a “prestação indemnizatória” devida ao autor (tomador de seguro/segurado).

É precisamente na determinação do quantum dessa prestação que reside o cerne da questão que é trazida à apreciação deste tribunal ad quem, já que veio a verificar-se que o capital seguro é superior ao valor venal da viatura segurada.

Estamos, assim, perante uma hipótese típica de sobresseguro (ou seguro excedente), situação que ocorre sempre que, no início ou no decurso do contrato, o objeto do seguro tenha um valor inferior ao valor pelo qual se encontra seguro.

Essa problemática encontra regulação normativa nos arts. 128º e 132.º, ambos do DL nº 72/2008, de 16.04 (vulgarmente denominada Lei do Contrato de Seguro), sendo que o último dos referidos preceitos legais, sob a epígrafe de “Sobresseguro”, dispõe no seu n.º 1 que «[S]e o capital seguro exceder o valor do interesse seguro, é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato». Por seu turno, postula esse art. 128.º que «[A] prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro».

A questão supra enunciada tem vindo a ser solucionada na jurisprudência pátria[8] através da aplicação dos transcritos incisos normativos, que consagram o denominado princípio indemnizatório[9], segundo o qual o contrato de seguro destina-se a repor a situação real existente à data do sinistro e, dessa forma, a seguradora responde até ao valor do dano determinado em função do valor do bem segurado. Significa isto, pois, que o valor da indemnização não é aferido em função do valor do capital indicado na apólice, tendo antes em conta o valor venal ou comercial do veículo por forma a seguradora repor a real situação económica existente à data do sinistro.

É que, como tem sido sublinhado na doutrina[10], nos seguros de danos (natureza de que também comunga o ajuizado contrato de seguro) o segurado deve ser ressarcido pelo prejuízo que efetivamente sofreu como consequência do sinistro, já que a função típica desta tipologia de seguros é de natureza exclusivamente indemnizatória, não sendo lícito aos segurados que deles beneficiam utilizá-los para fins especulativos. Portanto, o seguro de danos visa, apenas e no máximo, suprimir o dano efetivo, sofrido pelo segurado, não podendo ir mais além, proporcionando um lucro ao mesmo segurado.

 No caso vertente, no ato decisório sob censura fixou-se o montante indemnizatório com base no capital seguro do veículo indicado no contrato (€46.452,03 – correspondendo €43.164,26 ao valor do veículo e €3.287,77 ao valor dos equipamentos indicados como “extras”), subtraindo a esse montante o valor dos “extras” (por ter ficado demonstrado que, ao invés do indicado, o sistema “CO2 Package Selection Of Co” já vinha instalado no veículo de origem quando este saiu de fábrica) e bem assim a franquia contratualmente prevista.

A apelante rebela-se contra esse segmento decisório por considerar que o montante indemnizatório a liquidar não deve exceder o valor venal da viatura segurada.

Como resulta do substrato factual apurado o veículo em causa é um veículo usado que o autor adquiriu em 30 de abril de 2019 (pontos 1.1 e 1.2), cuja 1ª matrícula data de fevereiro de 2014, tendo sido importado da Alemanha (ponto 1.44), contando, à data do furto (23 ou 24 de abril de 2020), cerca de 200.000 Km (ponto 1.100). Também resultou demonstrado (ponto 1.106) que aquando da subscrição do contrato de seguro, o autor indicou como extra do veículo o sistema “CO2 Package Selection Of Co”, ao qual foi atribuído o valor de 3.287,77 €, equipamento este que já vinha instalado no veículo de origem quando este saiu de fábrica (não se tratando, assim, de um equipamento que tenha sido incorporado no veículo em data posterior à sua saída de fábrica), sendo que o seu valor venal à data do sinistro ascendia a cerca de €32.000,00.

Ainda a este propósito haverá que atentar que nos termos contratuais[11] (cfr. cláusula 42ª das condições gerais) a determinação do valor seguro para cada cobertura facultativa contratada seria da responsabilidade do tomador do seguro/segurado, tendo ficado provado (pontos 1.41 e 1.43) que o autor preencheu e submeteu à apreciação da ré a proposta de seguro, tendo sido aquele quem escolheu as concretas coberturas e franquias que pretendia subscrever, “indicando como capital do objeto seguro, a quantia de 43.164,26€ como a correspondente ao valor venal do veículo a essa data, e a quantia de 3.287,77€ como a correspondente ao valor dos equipamentos que identificou com extras do veículo, também a essa data”.

Consequentemente, considerando que, como se enfatizou, o valor da indemnização é aferido tendo em conta o valor de mercado do veículo na data em que o sinistro ocorreu, a prestação indemnizatória a que o autor terá direito ascenderá ao montante de €31.000,00 (correspondente ao valor venal do veículo a que há que descontar a franquia contratada), por ser esse o valor que deve ser pago pela seguradora, por efeito da redução operada ao abrigo do disposto no art. 132.º, n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro, em correspondência com o princípio indemnizatório contido no transcrito art. 128.º, nos termos do qual a prestação devida por aquela está limitada ao dano decorrente do sinistro. Só atendendo a este valor venal do veículo se observa – como notam os citados acórdãos do STJ de 3.03.2020 e de 24.04.2012 - o princípio geral contido no art. 562.º do Código Civil, que esteve subjacente à realidade normativa constante dos arts. 128.º e 132.º e que é estruturante da nossa ordem jurídica, segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano.

Para além desse montante, tendo o autor contratado a cobertura “indemnização Extra-Max”, assiste-lhe igualmente o direito ao pagamento do complemento de indemnização previsto na cláusula 1ª da respetiva condição especial[12], posto que não recuperou a viatura furtada (cfr. ponto 1.35 dos factos provados).

Sobre os limites dessa indemnização rege a cláusula 2ª da referida condição especial, nos termos da qual «[O] valor do Complemento de Indemnização a pagar em caso de Perda Total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras:

a) Durante os primeiros vinte e quatro (24) meses a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, o complemento de indemnização a pagar corresponderá à diferença entre o valor venal e o valor de aquisição em novo de um veículo idêntico, à data do sinistro.

b) Após o vigésimo quinto (25º) mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro.»

Deste modo, considerando que a 1ª primeira matrícula do veículo seguro data de fevereiro de 2014 e que o sinistro ocorreu em 23 ou 24 de abril de 2020, segue-se que, por aplicação da transcrita alínea b), terá o autor direito ao pagamento de um complemento de indemnização no montante de €6.400,00 [€32.000,00x20%].

Portanto, o valor da “prestação indemnizatória” global que a ré, ao abrigo do ajuizado contrato de seguro, deve pagar ao autor cifra-se em €37.200,00 [€31.000,00 + 6.200,00].

Impõe-se, por conseguinte, a procedência do recurso.


***


III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença nos segmentos contidos nas alíneas a) e b) do respetivo dispositivo, em consequência do que se condena a ré a pagar ao autor:

(i) a quantia de €31.000,00 (trinta e um mil euros), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, referente ao valor seguro do veículo furtado;

(ii) a quantia de 6.400,00 (seis mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, ao abrigo da cobertura “Indemnização Extra – Max”.

Custas do recurso a cargo do apelado (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto,4.3.2024.
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Martins Ribeiro
Ana Paula Amorim

__________________________________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] No ponto 1.100 deu-se como provado que por ocasião do sinistro o veículo do autor contava 197.061 Kms.
[3] Conforme escreve PIRES DE SOUSA (in Prova por presunção no Direito Civil, 2ª edição, Almedina, pág. 149), um standard de prova consiste “numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira”.
[4] In Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 160 e seguinte.
[5] In Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, págs. 55 e seguintes.
[6] De acordo com a definição vertida na cláusula 38ª das condições gerais da apólice valor venal para os “efeitos do contrato e em relação às coberturas facultativas (…) corresponde ao valor de venda do veículo seguro imediatamente antes da ocorrência de um sinistro”.
[7] Sendo que de acordo com a definição constante da cláusula 1ª das condições especiais previstas para o furto ou roubo, se considera como tal “o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados)”.
[8] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 19.09.2019 (processo nº 181/16.1T8HRT.L1.S2), de 3.03.2020 (processo nº 1021/17.0T8LRS.L1.S1), de 18.06.2015 (processo nº 184/12.5TBVFR.P1.S1), de 23.01.2014 (processo nº 703/10.1TBEPS.G1.S) e de 24.04.2012 (processo nº 32/10.0T2AVR.C1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Sobre a ratio deste princípio – de que o regime do sobresseguro constitui uma das suas diversas manifestações – vide, para maior desenvolvimento, entre outros, JOSÉ VASQUES, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, págs. 145 e seguintes, ARNALDO OLIVEIRA, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, Almedina, págs. 362 e seguintes, FRANCISCO ROCHA, in Do princípio indemnizatório no seguro de danos, 2015, Almedina, págs. 77 e seguintes e MENEZES CORDEIRO, in Direito dos Seguros, 2013, Almedina, págs. 748 e seguintes, sendo que este último autor alinha três justificações para o mesmo, concretamente: (i) no plano histórico, havia que esconjurar a hipótese de usura, posto que se o tomador/segurado recebesse mais do que o dano, estaríamos perante uma retribuição do capital; (ii) no plano significativo-ideológico, cabia manter o seguro longe do jogo ou da aposta, sendo que uma indemnização superior ao dano implicaria um intuito de ganho e não, apenas, de transferência de risco; (iii) no plano social, a hipótese de o tomador/segurado lucrar com o sinistro poderia conduzir a uma multiplicação de fraudes e de desastres, com fitos de enriquecimento.
[10] Cfr., inter alia, ARNALDO OLIVEIRA, ob. citada, págs. 374 e seguinte, FRANCISCO ROCHA, ob. citada, págs. 93 e seguinte e FILIPE MATOS, Princípio do indemnizatório e seguros de danos: algumas questões, in Revista Julgar, nº 43 (janeiro-abril de 2021), Almedina, págs. 32 e seguintes.
[11] Em sintonia, aliás, com o que se estipula no nº 2 do art. 49º da Lei do Contrato de Seguro.
[12] Na qual, sob a epígrafe âmbito da cobertura, se dispõe:
«1. A presente Condição Especial garante ao segurado o pagamento de um complemento de indemnização em caso de perda total do veículo seguro causada por um sinistro cuja responsabilidade seja exclusivamente imputada a intervenientes distintos do tomador de seguro, do segurado e/ou condutor do veículo seguro, i.e., a responsabilidade seja imputada a terceiros.
2. Quando tenham sido contratadas simultaneamente as coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e de Furto ou Roubo, a presente Condição Especial poderá igualmente garantir o pagamento de um complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto ao abrigo das referidas coberturas, desde que expressamente contratualizada esta opção.»