CONTRATO PROMESSA
FORMA
INTERVENÇÃO DO CÔNJUGE
Sumário


1. Quanto à forma, o contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel (cfr. artigo 875º do C.Civil) - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes.
2. A exigência da assinatura para a validade formal do contrato promessa cinge-se à do contraente promitente, aquele que se obriga a contratar, que se vincula a celebrar o contrato definitivo (como decorre dos artigos 410º e 411º do C.Civil).
3. O contrato promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como deste não decorrem direitos para quem não subscreveu o contrato celebrado.
4. Trata-se, no fundo, e também de uma decorrência dos princípios da força vinculativa dos contratos o que significa que uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes e da eficácia relativa dos contratos, o que significa, que, salvas as excepções consagradas na lei, os efeitos contratuais não afectam terceiros, restringindo-se às partes contratantes.
5. Pese embora os réus à data da celebração do contrato promessa fossem casados, nada obstava que o contrato-promessa fosse, como o foi, apenas outorgado pelo marido da ré como promitente comprador.
6. Não sendo o contrato-promessa válido nem vinculativo para quem não outorga como promitente e não o assina, resulta evidenciado que não tendo a 2ª ré outorgado o contrato promessa de compra e venda, não pode com fundamento no seu incumprimento deduzir os pedidos que formulou em sede reconvencional, seja quanto à sua execução específica, restituição do sinal em dobro ou restituição do sinal pago com base no enriquecimento sem causa.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

AA, solteiro, residente em Rua ..., ..., ... ..., instaurou contra BB e mulher CC, residentes no Bairro ..., lugar..., ... ..., acção com processo comum, peticionando a final, que julgada procedente a acção, seja proferida decisão a:

a) Declarar o Autor como dono e legitimo proprietário do prédio identificado no artigo 1.º da PI;
b) Condenar os réus a restituir ao autor o imóvel em causa, livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
c) Condenar os Réus ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor a ocupação do imóvel, calculada nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C., que nunca poderá ser inferior a 91.200,00 euros, conforme descrição nos artigos 36 a 50 e 56 a 59 da petição inicial;
d)Condenar os Réus ao pagamento das quantias vincendas até à efectiva restituição do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens;
e) Condenar os Réus ao pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração do prédio urbano nos termos peticionados nos artigos 51 a 53 da P.I.;
f) Condenar os Réus ao pagamento ao Autor da quantia de 1.500,00 euros a título de danos não patrimoniais;
g) Condenar os Réus ao pagamento ao Autor dos juros de mora referentes às quantias supra descritas, à taxa legal de 4% a contar desde a citação e até integral e efectivo pagamento;
h) Condenar os Réus ao pagamento ao Autor da quantia de 50,00 euros, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia que passe desde o trânsito em julgado da sentença que os condene, até à efectiva reparação dos danos emergentes e dos lucros cessantes decorrente da ocupação ilícita que fazem do imóvel do Autor.
i) Pagar custas e demais procuradoria condigna.
j) Condenar os Réus, subsidiariamente, ao pagamento da indemnização supra a título de enriquecimento sem causa, caso não subsista o dever de indemnizar por via da responsabilidade civil;

Alegou, para tanto, e em síntese:
Encontra-se descrito na Conservatória Registo Predial, sob o número ...28 um prédio urbano a favor do autor, por via da Partilha aberta por óbito de seu pai, DD e, de sua mãe, EE, onde viveu sozinho entre 2003 e 2005, tendo a partir de então permitido que os Réus fossem para ali morar juntamente com as filhas, a solicitação do réu, devido á amizade e à situação de fragilidade em que se encontrava (decorrente do consumo de drogas e álcool) e considerando que a permanência na habitação do Autor seria de curta duração, não convencionando qualquer tipo de pagamento pelo uso e fruição do imóvel do Autor.
O tempo foi passando e os réus não saíram da casa do Autor, tendo por várias vezes o Autor solicitado aos Réus que se fossem embora e que deixassem de ali morar, até porque havia começado a namorar e ali pretendia instalar a sua família, não pretendendo continuar a partilhar a sua casa, o que gerava discussões acesas, agressões e até a expulsão do autor da referida casa, mantendo-se aqueles contra a sua vontade desde 2006 a ali residir até à actualidade, impedindo o seu uso e fruição e causando-lhe prejuízos já que durante estes 17 anos nunca efectuaram àquele qualquer pagamento pelo mesmo, tendo o autor acabado por arrendar uma casa, aí passando a residir com a companheira e a filha de ambos.

Regularmente citados, os réus contestaram e apresentaram reconvenção.
O réu FF, arguiu que o casamento entre o R e CC, foi dissolvido por divórcio decretado pela Conservatória do Registo Civil e Predial ... no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº 195/2022, pelo que são atualmente divorciados.
Impugnou os efeitos que o autor pretende retirar da certidão da CRP por não haver registo de inscrição a favor do autor, aceitando, contudo, que a casa era propriedade dos pais daquele.
Alega que em inícios do ano de 2005, o A. o R. e a então mulher deste, CC, acordaram, que aquele venderia a estes a casa em causa nos autos, inscrita na matriz predial urbana da freguesia ... no artigo ...08, bem como lhes venderia dois prédios rústicos também sitos na freguesia e concelho ... pelo preço que fixaram em € 50.000,00 (cinquenta mil euros), mais acordaram que o R e sua esposa lhe pagariam nessa data € 25.000,00 a título de sinal sendo que o remanescente do preço seria pago aquando da outorga da escritura definitiva de compra e venda e que os RR poderiam, a partir dessa data – inícios de 2005 - passar a residir na casa em causa, já que a tinham sinalizada, bem como o autor dada a relação de amizade, cujas assinaturas nele apostas por A e R foram, nessa mesma data reconhecidas presencialmente no extinto cartório notarial ....
O R, por diversas vezes interpelou verbalmente o A, no sentido da outorga da escritura definitiva de compra e venda, no que este nunca anuiu, tendo enviado cartas que foram ambas recebidas pelo A, uma em 11 de dezembro de 2022 e outra em 12 de dezembro de 2022 e atingida a data prevista, o A não compareceu para outorgar a escritura, nem deu qualquer justificação válida para a ausência que foi registada pela Ex.ma senhora Notária, ocorrendo, assim, incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo A.
Requer por isso a execução específica do contrato e se tal não for possível a condenação do réu no pagamento do sinal em dobro, ou ainda e subsidiariamente a devolução ao R. da quantia paga por enriquecimento sem causa.
Juntou cópia do contrato promessa de compra e venda celebrado com o autor, como doc. ... da contestação.

A ré também apresentou articulado de contestação e deduziu reconvenção, reproduzindo, no essencial, a alegação do co-réu e peticionando em sede reconvencional, nos seguintes termos:
«1. Ser atendida a impugnação e improceder a acção, por não provada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos;
2. Deve a reconvenção ser julgada procedente por provada e em consequência:
2.1 Ser proferida sentença que produza os efeitos da venda prometida pelo A/Reconvindo e da sua faltosa declaração negocial, ou seja que se declara que o A/Reconvindo vende à Ré/Reconvinte, livre de ónus ou encargos e pelo preço de € 50.000,00, dos quis já foram pagos € 25.000,00:
a) Metade de um prédio rústico, sito no Ribeiro ..., localidade de ..., composto de vinha com 6 fruteias, 7 amendoeiras, pomar e mato, a confrontar a norte GG, nascente HH, sul II, poente ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...21;
b) Um prédio rústico, sito nas ..., localidade e ... composto de sequeiro com 5 fruteiras e vinha, a confrontar a norte JJ, nascente KK, sul Estrada, poente LL, inscrito na matriz predial sob o artigo ...34 e
c) Uma casa de habitação sita nas ..., com a superfície coberta de 180 m2 e logradouro com 480 m2, composta de ... com seis divisões e ... andar com cinco divisões e cave com quatro divisões, a confrontar de norte com MM, sul LL, nascente com a Estrada Nacional e poente com terrenos próprios, inscrita na matriz predial no artigo ... - Subsidiariamente, ao acabado de solicitar, deve o A/Reconvindo ser condenado a restituir à Ré/Reconvinte, o dobro do sinal que dele recebeu, ou seja, a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como o valor das benfeitorias realizadas por esta cuja concretização será a que se vier a apurar em sede de peritagem, montantes aos quais acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
2.2 - Subsidiariamente, ao acabado de solicitar, deve o A/Reconvindo ser condenado a restituir à Ré/Reconvinte, o dobro do sinal que dele recebeu, ou seja, a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como o valor das benfeitorias realizadas por esta cuja concretização será a que se vier a apurar em sede de peritagem, montantes aos quais acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
2.2 – Ainda subsidiariamente, deve o A/Reconvindo ser condenado a restituir à Ré/Reconvinte, por enriquecimento sem causa, quantia equivalente à medida em que se locupletou, que é de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) bem como o valor das benfeitorias realizadas por esta cuja concretização será a que se vier a apurar em sede de peritagem, montantes aos quais acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
3 Cumulativamente a qualquer dos pedidos anteriores, deve o A ser condenado a pagar custas e tudo o mais que for de lei.
Respondeu o autor, impugnando os factos alegados na reconvenção e aduzindo que os RR. procuram explorar uma situação de necessidade, incapacidade, inépcia, inexperiência, fragilidade ou fraqueza de carácter do Autor, a qual era, sobejamente, conhecida dos Réus, havendo uma manifesta desproporcionalidade dos valores em causa no contrato e valor real dos bens.
O contrato promessa junto com a reconvenção, não corresponde nem nunca correspondeu à real vontade do Autor, nem foi assinado por si, pelo seu próprio punho e tão pouco corresponde a uma vontade livre e esclarecida, só dele tomando agora conhecimento, sendo que os Réus (na altura casados) nunca pagaram ao Autor a quantia de 25.000,00 euros, valor a que alude a cláusula terceira do contrato promessa.

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Em sede de acta de audiência prévia realizada em 20.11.2023 e após alguns esclarecimentos prestados pelas partes, consignados em acta, foi proferida decisão parcial quanto aos pedidos da acção e das reconvenções, tendo sido decidido quanto à reconvenção formulada pela ré CC julgar improcedentes os pedidos 2.1, 1ª parte de 2.2 e 1ª parte de 2.2,, absolvendo o A. dos referidos pedidos.
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Inconformada com a decisão, dela recorreu a ré CC, formulando no termo da motivação as seguintes “conclusões”, que se passam a transcrever:

« I. O presente recurso vem interposto do despacho saneador dos presentes autos a fls. (…), datado de 20 de Novembro de 2023, com a referência ...62.
II. O despacho-sentença aqui em causa decidiu julgar improcedente os pedidos 2.1, 1ª parte de 2.2 e 1ª parte de 2.2, da reconvenção da R., absolvendo o A. dos referidos pedidos, considerando assim, que a aqui Apelante não celebrou qualquer contrato- promessa com o aqui Apelado, o que não corresponde à realidade dos factos.
III. E, concomitantemente, que o preço não constitui um bem comum do ex-casal, e, portanto, a mesma não poderá exigir nada do aqui Apelado a esse propósito.
IV. O Tribunal a quo tomou – ainda que erradamente – a mencionada decisão devido aos esclarecimentos que foram tomados no início da diligência.
V. No entanto, tal “esclarecimento” apenas se reporta ao acto material de entrega, nada está relacionado com a propriedade do preço pago, existindo confusão na interpretação dada pelo Julgador sobre as respostas oferecidas no início da audiência e que motivaram este recurso.
VI. Na verdade, e apesar do respeito que se nutre pelo Tribunal de 1.º instância, o douto Tribunal ainda não estaria em condições para adiantar uma decisão de mérito relativamente aos pontos da reconvenção da Apelante, uma vez que a presente acção se encontra numa fase embrionária, em que quase nenhuma prova foi produzida nestes autos.
VII. Refira-se que, do esclarecimento aqui em causa não foi confessado qualquer facto – a intervenção humana é distinta do regime jurídico aplicável que é sustentado pelo próprio desenho da relação controvertida efetuada pelo Autor nos presentes autos.
VIII. Ademais, a decisão recorrida contraria legislação aplicável, designadamente o artigo 1724.º b) do Código Civil, que no regime da comunhão de adquiridos os bens comprados na constância do matrimónio estão integrados na comunhão.
IX. Nem faz sentido o Tribunal julgar improcedente a reconvenção mas manter todos os pedidos do Autor em relação à aqui Apelante.
X. Nesta senda, no que tange à impugnação propriamente dita, refira-se que a reconvenção da Apelante não deveria ter sido julgada improcedente, pois o preço aqui em questão é um bem comum ao casal, não se confundindo com a materialidade de quem levou efetivamente o dinheiro ao Apelado.
XI. Na mesma linha, devia o aludido despacho ter outra redação, considerando que foram os Réus e no seu interesse (e não unicamente o Réu marido) que promoveram pelo envio da mencionada missiva, da qual o Autor, aqui Apelado, confessou a sua recepção.
XII. Fazendo uma pequena resenha do caso em apreço: no início do ano de 2005, o Apelado acordou vender ao ex-casal diversos bens pelo valor de 50.000,00€ (cinquenta mil euros).
XIII. Os Réus – enquanto casal e em proveito comum – pagaram o montante de 25.000,00€ a título de sinal e princípio de pagamento, sendo que o remanescente do preço seria pago aquando da outorga da escritura definitiva de compra e venda.
XIV. A escritura definitiva de compra e venda nunca foi outorgada.
XV. Entretanto, o casamento da Apelante dissolveu-se.
XVI. De modo contrário à realidade, o despacho recorrido decidiu o seguinte:
“Os R.R. esclareceram, no início da anterior sessão de audiência prévia que, o único contrato promessa celebrado foi aquele que foi junto aos autos. Ora, tal contrato apenas se mostra assinado pelo R. e não também pela R. (aliás, no art. 39º, da contestação/reconvenção, a R. alega que, no contrato promessa de compra e venda, reduzido a escrito particular, o A. prometeu vender ao R. e este prometeu vender-lhe).
Assim, a R. não outorgou o referido contrato promessa. Consequentemente, através do referido contrato, o A não se vinculou a nada perante a R., assim como esta a nada se vinculou perante aquele.”
XVII. Ora, no espírito da lei e do senso comum, o facto de apenas um cônjuge outorgar o contrato promessa de compra e venda e entregar o preço, não desobriga o outro da obrigação contraída na constância do casamento.
XVIII. Apesar de tal casamento se encontrar dissolvido, in casu, na outorga da escritura, a Apelante terá de comparecer atendendo que o imóvel lhe pertence na proporção de 50%.
XIX. Devendo o Tribunal de 1.º instância proferir sentença atendendo à relação controvertida configurada pelo Autor, que em nada se colide com o petitório efetuado na reconvenção da Apelante, requerendo a V. Exa. que, ao contrário do despacho recorrido, considere tal pedido procedente.
XX. Neste prisma, também assiste razão à Apelante quando pretende a condenação do Apelado a restituir-lhe, o dobro do sinal que dele recebeu, ou seja, a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros). Como igualmente, de requerer a condenação do Apelado a restituir-lhe, por enriquecimento sem causa, quantia equivalente à medida em que se locupletou, que é de € 25.000,00.
XXI. A Apelante tem os mesmos direitos que o seu ex-marido, pois os seus interesses derivam do seu anterior casamento.
XXII. Embora figure uma só assinatura no contrato promessa – a do seu ex- marido- na verdade o mesmo constituiu o casal na obrigação de adquirir o bem, sendo os efeitos jurídicos de tal contrato produzidos na esfera jurídica também da aqui Apelante, não colhendo a posição do despacho recorrido que defende precisamente o contrário.
XXIII. Face ao circunstancialismo exposto, requer-se a V. Exa. que revogue o saneador-sentença aqui em causa no que concerne ao objeto do presente recurso, e concomitantemente, considere os pedidos reconvencionais procedentes ou, em alternativa, relegue a decisão de mérito para após a realização da audiência de julgamento.
XXIV. O Saneador-sentença violou, ainda, o disposto 1724.º do CC: “Fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio.”
XXV. Reitere-se que, não é por um cônjuge assinar sozinho um contrato ou proceder à entrega material do preço, que se pode presumir que o faz apenas em proveito próprio.
XXVI. O Tribunal de 1.º instância acabou por aplicar uma exceção à regra do supra citado artigo.
XXVII. Inexiste qualquer cláusula no contrato de promessa que conste nos autos que corrobore a tese do douto Tribunal.
XXVIII. E, muito menos, qualquer declaração negocial que comprove que a Apelante não tem direito sobre o preço e o bem em causa.
XXIX. Nesta esteira, requer-se aos Venerandos Desembargadores a revogação da decisão do Tribunal a quo, e concomitantemente, que a reconvenção da Apelante seja considerada totalmente procedente, ou, em alternativa, que os autos baixem ao Tribunal de 1.º instância e seja tomada uma decisão após a produção de toda a prova nestes autos, como, com o devido respeito, deveria ter acontecido.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Face às conclusões das alegações de recurso, a questão a decidir é a da verificação dos pressupostos de facto para o conhecimento no despacho saneador do mérito da reconvenção deduzida pela ré e no caso da sua verificação, aferir do bem fundado quanto à improcedência da mesma.
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III – Fundamentação fáctica.

Não foram fixados factos provados e não provados, pelo que a factualidade a ter em conta é aquela que resulta do relatório.

É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):
«Dos pedidos 2.1, 2.2 e 2.2 da reconvenção da R.:
A R. pediu, nomeadamente, que:
Seja proferida sentença que produza os efeitos da venda prometida pelo A/Reconvindo e da sua faltosa declaração negocial, ou seja que se declara que o A/Reconvindo vende à Ré/Reconvinte, livre de ónus ou encargos e pelo preço de € 50.000,00, dos quis já foram pagos € 25.000,00:
a) Metade de um prédio rústico, sito no Ribeiro ..., localidade de ..., composto de vinha com 6 fruteias, 7 amendoeiras, pomar e mato, a confrontar a norte GG, nascente HH, sul II, poente ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...21;
b) Um prédio rústico, sito nas ..., localidade e ... composto de sequeiro com 5 fruteiras e vinha, a confrontar a norte JJ, nascente KK, sul Estrada, poente LL, inscrito na matriz predial sob o artigo ...34 e
c) Uma casa de habitação sita nas ..., com a superfície coberta de 180 m2 e logradouro com 480 m2, composta de ... com seis divisões e ... andar com cinco divisões e cave com quatro divisões, a confrontar de norte com MM, sul LL, nascente com a Estrada Nacional e poente com terrenos próprios, inscrita na matriz predial no artigo ...08.
A R. pretende a execução específica de um contrato promessa de compra e venda.
Os R.R. esclareceram, no início da anterior sessão de audiência prévia que, o único contrato promessa celebrado foi aquele que foi junto aos autos.
Ora, tal contrato apenas se mostra assinado pelo R. e não também pela R. (aliás, no art. 39º, da contestação/reconvenção, a R. alega que, no contrato promessa de compra e venda, reduzido a escrito particular, o A. prometeu vender ao R. e este prometeu vender-lhe).
Assim, a R. não outorgou o referido contrato promessa. Consequentemente, através do referido contrato, o A não se vinculou a nada perante a R., assim como esta a nada se vinculou perante aquele.
Por força do princípio da relatividade dos contratos - art. 406º, n º 2, do C.C., o referido contrato promessa apenas produziu efeitos entre os contratantes.
Consequentemente, não assiste à R., o direito à execução específica de um contrato promessa no qual não foi contratante.
Como é que o tribunal poderá emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo, entre o A. e a R., quando o A. nada prometeu vender à R.?
Cremos que, simplesmente, não pode.
A R. pretende também que, se condene o A./Reconvindo a restituir-lhe, o dobro do sinal que dele recebeu, ou seja, a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
E pretende ainda que, se condene o A./Reconvindo a restituir-lhe, por enriquecimento sem causa, quantia equivalente à medida em que se locupletou, que é de € 25.000,00.
A R., fundando-se no incumprimento do contrato promessa por parte do A., pretende que este seja obrigado a pagar-lhe o dobro do sinal que recebeu do R., no montante de € 50.000,00.
Ora, como acima se disse, quem celebrou o contrato promessa foram o A. e o R., não tendo a R. celebrado o contrato promessa em causa.
Do referido contrato promessa e, do seu eventual incumprimento, não pode advir qualquer direito à R., nomeadamente, o direito a ser indemnizada em montante equivalente ao dobro do sinal prestado, já que, do mesmo não lhe advêm obrigações, nem direitos.
Quanto à pretendida restituição da quantia de € 25.000,00, com fundamento em enriquecimento sem causa, dir-se-á que, como a própria R. invocou no art. 40º, da contestação, e como esclareceu em audiência prévia, foi o R. que entregou o sinal ao A., nada se sabendo, porque nada foi alegado a esse respeito, se acaso se tratava de dinheiro que fosse da R. ou também da R.
Consequentemente, não se vê como possa, face à factualidade alegada, a este respeito, considerar-se ter havido algum empobrecimento da R., na referida quantia, que justifique a sua restituição à R., como por ela peticionado.
Pelo exposto, julgo improcedentes os pedidos 2.1, 1ª parte de 2.2 e 1ª parte de 2.2, da reconvenção da R., absolvendo o A. dos referidos pedidos.
Custas, nesta parte (€ 50.000,00) pela R. - art. 527º, do C.P.C.
Registe e notifique.
O estado dos autos não permite que se conheça, desde já, do demais mérito.».

IV- Fundamentação de Direito.

A questão da apelação centra-se em saber se a ré mulher/reconvinte não tendo sido outorgante e subscritora do contrato promessa de compra e venda celebrado na vigência do seu casamento (entretanto dissolvido por divórcio) e outorgado pelo seu então marido como promitente comprador, pode demandar o aí promitente vendedor por incumprimento deste e peticionar a execução específica desse contrato ou, subsidiariamente, a restituição do sinal pago em dobro, ou em último caso, por enriquecimento sem causa.

Vejamos:
O autor deduziu contra os RR. acção de reivindicação do imóvel (prédio urbano identificado na PI) – art. 1311º do Código Civil –, alegando a sua ocupação ilícita por estes, tendo por fim o reconhecimento do seu direito de propriedade e a restituição do imóvel.
Os RR., por seu turno, sustentam em articulados autónomos, que a sua ocupação é legítima, já que decorre da celebração de um contrato promessa de compra e venda, incidente, para além do mais, sobre esse imóvel, na sequência do qual foi autorizado que passassem a nele habitar. Ambos deduzem reconvenção com fundamento no incumprimento do citado contrato, peticionando, em primeira linha, a sua execução específica.
Para reverter a decisão proferida quanto à improcedência dos pedidos reconvencionais formulados na acção pela ré/reconvinte CC (referentes ao incumprimento do contrato promessa), e não obstante o contrato promessa celebrado conter apenas a assinatura do co-réu, seu ex-marido, de quem entretanto se divorciou, vem a apelante aduzir no recurso, essencialmente, que tendo o contrato promessa sido celebrado na constância do matrimónio e constituindo o sinal entregue bem comum do casal, inexiste fundamento para a improcedência dos pedidos reconvencionais por si formulados (execução específica ou na sua improcedência restituição de sinal em dobro, ou, na improcedência deste, restituição do valor entregue a título de enriquecimento sem causa), a que acresce a circunstância de, segundo a relação controvertida da acção deduzida pelo autor/apelado, esta ter interesse e legitimidade para a sua dedução. Sustenta outrossim, que os autos não reuniam nesta fase processual os factos suficientes para conhecimento do mérito quanto a tais pedidos reconvencionais.
Apreciemos:
Na decisão recorrida entendeu-se que os pedidos formulados pela ré /apelante CC não poderiam proceder, considerando que o contrato promessa cujo incumprimento fundamenta os seus pedidos não foi por esta outorgado e nele o apelado não se vinculou a nada perante a R., assim como esta a nada se vinculou perante aquele, pelo que por força do princípio da relatividade dos contratos - art. 406º, n º 2, do C.C., o referido contrato promessa apenas produziu efeitos entre os contratantes.
Tais considerações e decisão, desde já adiantamos, merecem a nossa concordância.
Mostra-se assente entre as partes que à data da celebração do contrato-promessa de compra e venda aqui em causa os RR. eram casados entre si e que, actualmente, se encontram divorciados, bem como que no documento que titula o contrato promessa de compra e venda aqui em causa, datado de 16.03.2005 (doc. ... da contestação), apenas constam como outorgantes, do lado do promitente vendedor o autor/apelado AA, e do lado do promitente comprador, o réu FF, contrato esse que apenas se mostra assinado pelos referidos outorgantes, tendo ambas as assinaturas sido reconhecidas presencialmente, nele não constando como outorgante a 2ª ré, que não o assinou.

Estabelece o art.º 410º do C. Civil que: “1.–À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. (…)”
O contrato promessa é, assim, o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410º, nº 1 do Código Civil).
Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo e designadamente, a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido.
Quanto à forma, o contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel (cfr. artigo 875º do C.Civil) - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes e no caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, impõe-se o reconhecimento presencial das assinaturas (artº 410º, nº 2 e 3 do Código Civil).
Vale dizer, que quem outorga no contrato e seja neste promitente, tem de o assinar.  Trata-se de uma formalidade ad substantiam, já que a sua violação gera, em principio, a nulidade do contrato promessa (artº 220º do Código Civil), com o desvio resultante da parte final do n.3 do artigo 410º do C.C.[1] .
Assim, a exigência da assinatura para a validade formal do contrato promessa cinge-se à do contraente promitente, aquele que se obriga a contratar, que se vincula a celebrar o contrato definitivo (como decorre dos artigos 410º e 411º do C.Civil).
Como se salienta no Ac. da R.E. de 08.07.2010[2] « A especial exigência legal de forma para os contratos-promessa com as mesmas características do que se discute nos presentes autos tem, pois, como consequência que só fica obrigado pelo contrato quem o assina.» E refere mais à frente « o artº 410º, nº 2, do C.Civil é taxativo a considerar a validade do contrato-promessa absolutamente dependente da vinculação através da assinatura (negrito nosso). Por isso, se tem discutido, na doutrina e na jurisprudência, a questão de saber como deve ser perspectivado o contrato-promessa (bilateral) que seja assinado apenas por um dos contraentes: nunca foi admitida a hipótese de o contrato ser plenamente válido, nem vinculativo para quem não assina. Qualquer solução teria sempre como pressuposto que, nesse caso, a promessa não poderia valer como bilateral, precisamente por faltar a assinatura vinculativa de um dos promitentes, como bem assinalou ANTUNES VARELA (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p.324).»
Decorre do que vem de se expor, que o contrato promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como deste não decorrem direitos para quem não subscreveu o contrato celebrado. E tal não vinculação pelo contrato não é sequer susceptível de ser suprida pela eventual participação em negociações ou sequer por eventual pedido de empréstimo bancário com vista à celebração do contrato definitivo, já que uma tal participação informal não pode tornar outorgante em negócio formal quem neste não intervém, como elucidativamente se refere no acórdão que citámos supra. Daí que aí se defenda, que, na pendência do casamento, o cônjuge não outorgante do contrato promessa não é interessado com direito a intervir na causa (art. 325º do CPC) nas acções em que se discuta o seu incumprimento, por não se mostrar sequer verificada qualquer das situações previstas nos artigos 33º e 34º do CPC, prosseguindo esse aresto, dizendo a propósito «Vale, assim, a orientação jurisprudencial, pacificamente aceite, de que tem legitimidade, para a acção em que se discutam questões relativas a contrato-promessa, o cônjuge outorgante, podendo este estar na acção desacompanhado do outro cônjuge (neste sentido, v., por todos, o Ac. RL de 11/1/2001, Proc. 0058002, idem) – e pode mesmo dizer-se que é parte ilegítima para essa acção o cônjuge não outorgante do contraente (como o fez o Ac. RP de 17/1/1980, Proc. 0000014, idem). Aliás, em aplicação dessa ideia geral, afirmou-se no Ac. RP de 17/1/1995, perante acção com configuração próxima da presente, que «a lei não exige que o cônjuge que pede uma indemnização por incumprimento contratual se faça acompanhar do outro cônjuge, mesmo que o produto da indemnização reverta para o património comum» (Proc. 9420603, idem). »
Trata-se, no fundo, e também de uma decorrência dos princípios da força vinculativa dos contratos o que significa que uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes e da eficácia relativa dos contratos, o que significa, que, salvas as excepções consagradas na lei, os efeitos contratuais não afectam terceiros, restringindo-se às partes contratantes.
De facto, diz-nos o artigo 406º do C.Civil que: «1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.[3]»
Como se refere no Ac. da R.C. de  27-09-2016[4] « Vigora entre nós o princípio geral da relatividade das convenções, princípio plasmado no art.º 406º, n.º 1 do CC, que assim determina: “em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”. Dos contratos não podem derivar ou nascer obrigações para terceiros, como também não podem surgir direitos para quem não é parte no acordo contratual, isto por respeito ao princípio clássico de que entendido o “contrato como produto da vontade humana, seria inimaginável que pudesse ser beneficiado ou prejudicado alguém cuja vontade não tivesse intervindo no contrato considerado”» (negrito nosso).
Como decorre do que já acima referimos, o contrato promessa cria para o promitente uma obrigação de contratar, de celebrar o contrato prometido. O seu objecto é, assim, uma prestação de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido nos precisos termos que constam da promessa.
O incumprimento culposo desta obrigação gera direitos distintos para o contraente fiel, em função da parte outorgante a quem o mesmo é imputável e características do comportamento do inadimplente. (arts. 441.º e 442.º, n.º 2, 830º do CC).
Desde logo, se o promitente que constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal, tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou (artigo 442º, nº 2, do Código Civil). Em qualquer dos mencionados casos, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica, ou seja, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, se a isso não se opuser a natureza da obrigação assumida, nos termos do artigo 830º do Código Civil (artigo 442º, nº 3, do Código Civil). Neste caso visa-se obter pela via judicial o efeito que se obteria pela realização do contrato de compra e venda entre as partes contratantes na promessa. Ou por outras palavras, o tribunal como que se substitui às partes contratantes, obtendo-se pela sentença os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso, o que claramente permite evidenciar que o exercício de tais direitos se circunscreve aos outorgantes do contrato e não a terceiros (salvo se outro for o conteúdo contratual).

Feitos estes breves considerandos, resulta evidenciado que no contrato promessa em causa nos autos-  vide documento junto com o requerimento de 28.11.2023-, apenas o autor/reconvindo e o 1º. réu se obrigaram como promitentes e que apenas estes podem exigir da contraparte incumpridora do contrato os direitos que lhe advêm do inadimplemento. A 2ª ré não é outorgante nesse contrato e, por isso, não o assinou.
De facto, o autor, promitente vendedor, nada prometeu vender à ré/apelante e esta a nada se obrigou perante aquele em função do dito contrato. Pelo que não pode a ré/apelante pretender que da sua celebração nasceram quaisquer deveres daquele perante si, que nele não interveio, o que é mera decorrência do princípio da relatividade dos contratos já referido. Os únicos obrigados no contrato-promessa são o A e o 1º.R.
Neste contexto, é perfeitamente irrelevante a circunstância de à data da celebração do contrato promessa a ré e o promitente comprador serem casados (designadamente no regime de bens de comunhão de adquiridos), desde logo porque contrariamente ao que se depreende da sua alegação recursória, da celebração desse contrato-promessa pelo seu ex-marido na qualidade de promitente comprador não decorreram quaisquer efeitos translativos da propriedade dos imóveis para a esfera patrimonial do então casal, ele gera apenas, nos termos já referidos, uma obrigação de contratar, produzindo assim mero efeito obrigacional de realizar o contrato prometido. O efeito translativo só se concretizará com a realização do contrato prometido (cfr. arts. 874º e 879º do CC), pelo que carece de sentido, com todo o respeito, a convocação feita na apelação do disposto pelo artigo 1724º, al. b) do C.C. quanto aos bens integrados na comunhão.
Diga-se, aliás, que pese embora os réus à data da celebração do contrato promessa fossem casados, nada obstava que o contrato-promessa fosse, como o foi, apenas outorgado pelo marido da ré como promitente comprador. Aliás, mesmo quando devam intervir ambos os cônjuges no contrato definitivo (vg. quando haja alienação e não aquisição-cfr. 1682º-A do CC-), nem aí se exige para a validade do contrato promessa a presença de ambos os cônjuges como promitentes vendedores, a promessa é válida, apenas passando o cônjuge vinculado (outorgante) a estar obrigado a obter o consentimento do outro (não outorgante) para a celebração do contrato definitivo, sob pena de incorrer em responsabilidade civil contratual[5].
Acresce, com todo o respeito, que a apelante incorre mais uma vez em erro, quando procura sustentar um alegado direito, em face do incumprimento do contrato promessa, na proveniência da quantia entregue como sinal, arguindo agora, em sede de recurso, que a mesma fazia parte dos rendimentos comuns do casal e foi entregue ao promitente vendedor pelo casal.
Ora, como já se anuncia do que atrás deixámos exposto, a proveniência das quantias entregues pelo promitente comprador no âmbito do contrato promessa em causa nos autos, no qual a 2ª ré não foi parte outorgante, não altera os pressupostos da legitimidade a nosso ver substantiva, quanto ao exercício de direitos/deveres que decorrem da sua celebração.
Destarte, é despiciendo a essa questão saber quem entregou o dinheiro para o sinal, ou a quem este pertencia, se ao 1º. Réu que nele outorgou, se a rendimentos do então casal formado por este e pela 2ª ré, pois como referido, a 2ª ré não outorgou o contrato como promitente compradora e não subscreveu a promessa, a nada se obrigou e, perante a mesma, ninguém se obrigou. Não se trata como alega, de meros comportamentos logísticos e materiais, mas de um requisito formal de natureza imperativa para que possam ser exercidos os direitos que do contrato decorrem, mesmo que os réus ainda fossem casados[6].
De facto, a proveniência da quantia entregue a título de sinal, se propriedade do casal ou de algum dos seus membros, ou o acordo feito entre o casal quanto à futura aquisição e direitos resultantes do contrato (se o direito de crédito participa ou não no património comum), são questões que são estranhas ao contrato  e ao promitente vendedor e que apenas dizem respeito aos ex-cônjuges, designadamente, para efeito de partilha do património conjugal.
Ainda que assim não fosse, e é, sempre se teria de considerar que tal questão (relativa à proveniência da quantia entregue a título de sinal – designadamente, se se trata de bem comum do casal-) é uma questão nova, não oportunamente alegada nos articulados respectivos e objecto de apreciação e decisão na acção, pelo que está subtraída aos poderes de cognição deste tribunal.
Como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, estando vedado ao recorrente suscitar questões novas, a não ser que a lei permita ou imponha o seu conhecimento, o que não é manifestamente o caso (cfr. art.ºs 627.º, n.º 1 e 635.º, n.ºs 2 e 3). O recurso visa a reapreciação da decisão nas condições em que se encontrava o tribunal “a quo” aquando da sua prolação, irrelevando como fundamentos do recurso argumentos baseados em factualidade que, conforme é o caso, nem sequer foi alegada.
Por último, importa referir que perante a factualidade alegada e já assente nos autos (com pertinência à questão) e teor do documento junto (contrato promessa de compra e venda), resulta que o processo já fornecia, em nosso entender, à data da decisão recorrida (intercalar e antes da produção de prova), os elementos de facto que eram necessários à decisão de mérito quanto aos pedidos nesta apreciados e, designadamente, quanto ao conhecimento dos pedidos 2.1 ; 1ª parte de 2.2 e 1.ª parte de 2.2 da reconvenção formulada pela 2ª ré. Desde logo, considerando os requisitos de ordem formal do contrato-promessa de compra e venda (conforme acima referimos) e a circunstância de não ser objecto de discussão que a 2ª ré não foi neste outorgante, não o subscreveu e não o assinou. Acrescendo o facto de que as referidas exigências legais de forma para a celebração do contrato promessa conduzem a que o mesmo só possa provar-se por documento, não podendo sequer existir confissão ficta nesse domínio (cfr. artigo 568º, al. d) do CPC).
Aqui chegados e em sede conclusiva, não sendo o contrato-promessa válido nem vinculativo para quem não outorga como promitente e não o assina, resulta evidenciado que não tendo a 2ª ré outorgado o contrato promessa de compra e venda em causa nos autos, não pode com fundamento no seu incumprimento deduzir os pedidos que formulou em sede reconvencional, seja quanto à sua execução específica, restituição do sinal em dobro ou restituição do sinal pago com base no enriquecimento sem causa, o que, nos termos expostos, conduz, sem necessidade de demais considerandos à improcedência da sua alegação e consequente, também por tal razão, improcedência do recurso.
A apelação está assim votada ao insucesso, mantendo-se por isso, a decisão recorrida.
*
V. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 4 de Abril de 2024
                                                        
Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
Anizabel Sousa Pereira
(assinado digitalmente)


[1] Trata-se, porém neste caso, de uma nulidade mista ou atípica, que se afasta do regime geral da nulidade (consagrado no art. 286º do Código Civil), já que quanto à legitimidade (activa) para a sua arguição: o direito de invocar a invalidade correspondente à omissão das formalidades prescritas no cit. nº 3 do art. 410º é, em princípio, reservado ao destinatário da protecção - o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real sobre edifício.
[2] In Processo 7268/09.5TBSTB-A.E1 in www.dsgi.pt
[3] Como designadamente, o chamado contrato a favor de terceiro, figura prevista no art.º 443.º do C. Civil.
[4] Processo 3559/13.9TBLRA.P1.C1 in www.dgsi.pt 
[5] Cfr. entre outros Ac. STJ  de 13.01.2005; 27.11.2007; 6.05.2008;  Ac. RE de 8.7.2010, processo 7268/09.5TBSTB-A.E1, in www.dgsi.pt 
[6] Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2011, Proc. 4092/09.9TDVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt. citado no Processo 1487/11.1TBVNG.P1, nenhuma disposição legal ou cláusula contratual impõe a intervenção de ambos os cônjuges em acção de execução específica com base em contrato-promessa de compra e venda celebrado por algum deles, com a posição de promitente-comprador.