CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
ACEITAÇÃO DA OBRA SEM RESERVA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Sumário


I – Decorre do disposto no artigo 1219.º, nº1, do Código Civil que o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles (caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida).
II - A aceitação corresponde a um ato de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento.
III - A aceitação da obra não se confunde com a entrega material da mesma. A aceitação importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efetuada, nos termos acordados.
IV - Também o pagamento do preço, salvo disposição ou acordo nesse sentido, não corresponde a uma aceitação tácita.
V – Se após a verificação da obra, na comunicação ao empreiteiro se indicarem os defeitos, o comitente está a proceder a uma denúncia e a obra considerar-se-á como não aceita.
VI - Realizada a obra com defeitos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção, havendo recusa poderá o dono da obra proceder à reparação à custa do empreiteiro.
VII - Verificando-se o incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro, não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio ou através de terceiro, efetuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento dos custos dessas obras.
VIII - As consequências do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos da obra ou de reconstrução, não se encontrando especialmente previstas para a empreitada, são naturalmente as constantes do regime do incumprimento das obrigações em geral.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

EMP01... S.A., com sede em 26, Rue ... ..., ..., veio propor a presente ação declarativa de condenação contra EMP02... Limitada, com sede na Zona Industrial ..., Travessa ..., ..., ... ..., concelho ..., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €26.696,50, respeitante ao valor que despendeu para a reparação dos defeitos deixados em obra pela ré, e juros legais até ../../2017, acrescidos de juros legais vincendos, à taxa comercial, a partir desta data e até integral pagamento.
Para tanto alegou, em suma, que celebrou com a ré vários contratos de empreitada, todos com vista à colocação da caixilharia marca ..., referentes às janelas e portas, de modo a fechar o imóvel sito em 12 ..., em ..., pelo preço global de €97.266,11.
Alega ainda que a obra foi dada como terminada pela ré, em finais de Junho de 2017, não tendo, no entanto, sido recebida pela autora, face aos defeitos que a mesma apresentava os quais foram imediatamente denunciados à ré.
Apesar de instada a reparar os defeitos, a ré recusou e, a fim de evitar o avolumar dos prejuízos, a autora providenciou pela reparação dos defeitos, tendo pago o montante de €26.120,00.

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Regularmente citada, a ré contestou, invocando que a obra levada a cabo pela ré foi fiscalizada pela autora, que tinha um técnico próprio para o efeito e finda a mesma foi e entregue à autora, que a aceitou, sem qualquer reserva, e procedeu ao pagamento do preço acordado.
No mais, nega a existência de quaisquer defeitos, aceitando, no entanto, que os perfis fornecidos pela EMP03..., Lda. apresentavam defeitos, estavam torcidos, e deduziu pedido de intervenção acessória da EMP03..., Lda..
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O pedido de intervenção foi deferido e foi chamada a EMP03..., Lda. como interveniente acessória que, citada não interveio nos autos.
Em audiência de julgamento a ré e EMP03..., Lda. chegaram a acordo.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que considerou ter ocorrido aceitação da obra pela autora o que tem como consequência a renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo incumprimento defeituoso, assim a absolvendo a ré do pedido.
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Inconformada com a sentença a autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
A. A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 154.º do Código de Processo Civil, constituindo o princípio da motivação das decisões judiciais uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito.
B. O julgamento da matéria de facto tem que ser claro, sem recurso a conceitos vagos, pré formatados, e do mesmo deve ser extraída de forma clara a razão pela qual se considera que um determinado meio de prova deve ou não ser valorado e as razões pelas quais se formou a convicção do tribunal.
C. Na sua fundamentação fáctica, a sentença deve conter, ainda, a motivação da decisão de facto, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e fundamentar tal decisão, indicando as provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
D. Sendo que, o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
E. No caso vertente, não se compreende como a Julgadora, após a prova documental e testemunhal carreada para os autos e escrutinada em sede de audiência de Julgamento, teve o entendimento da absolvição da Ré pelo simples facto de entender que a Autora aceitou a obra sem reclamar da mesma, ou seja, sem reserva.
F. Mas tal não resulta, quer dos factos provados, quer da prova realizada em sede de julgamento, quer ainda dos documentos juntos, havendo uma clara contradição entre todos estes itens e a decisão que ora se sindica.
G. Percebamos que, conforme resulta dos factos provados (facto 22) a Autora no final da obra e em sede de reunião conjunta detetou a existência dos perfis colocados em obra pela Ré Recorrida deformados e em consequência, dos defeitos inerentes a tal deformação, sendo que, em momento algum, se declara haver aceitação da obra sem reserva, até porque a deformação dos perfis estava aceite por todos os intervenientes.
H. Mais, após tal circunstância, a Autora realizou um auto de constatação / verificação, documento junto e aceite nos autos, onde foram identificados os defeitos resultantes deformação de tais perfis.
I. E ainda, posteriormente a tal reunião e ainda ao auto de constatação, a Autora notificou a Ré dos defeitos, concedendo-lhe um prazo para a sua reparação, sendo que a Ré não procedeu à sua reparação alegando que a obra já havia sido concluída em boas condições, olvidando que em reunião de obra conjunta, no seu final, havia sido verificado por todos os seus intervenientes, incluindo a Ré, a existência dos perfis deformados.
J. E toda a prova realizada em sede de audiência de julgamento foi no sentido dos perfis em bruto, com barras de 6 ou 6,5 metros terem sido fornecidos pela EMP03... à Ré, e esta ter procedido à sua transformação, nas suas instalações, criando com tais perfis as janelas e portas que colocou na obra “sub judice”, sendo que em obra os perfis encontravam-se deformados, levando à existência dos defeitos alegados pela Autora e comprovados pelo auto de constatação.
K. E a existência de tais defeitos encontra-se suporte na confissão das Ré, quando esta na sua contestação, elenca (artigo 26º da sua contestação) que “as situações descritas nas alíneas h) e i) resultam do defeito dos perfis aplicados na obra” e ainda no artigo 34º da mesma contestação “os perfis fornecidos pela EMP03..., Lda, encontravam-se deformados, gerando folgas excessivas”, acrescendo no seu artigo 27º da contestação “…o que contribuiu para a deformação dos mesmos”.
L. E resulta ainda das declarações de parte do sócio gerente da Autora, AA registadas e gravadas em acta de audiência de discussão e julgamento do dia 17/10/2022 (passagens Minuto 07:00 ao minuto 08:50, Minuto 09:00 ao minuto 10:40, Minuto 26:00 ao minuto 28:00, Minuto 29:30 ao minuto 30:30, Minuto 43:00 ao minuto 45:00), das declarações do sócio gerente da Ré EMP02..., Sr. BB, registadas e gravadas em acta de audiência de discussão e julgamento do dia 25/10/2022 (passagem Minuto 47:00 ao minuto 50:00), dos testemunhos de CC, registado e gravado em acta de audiência de discussão e julgamento do dia 25/10/2022 (passagens do Minuto 03:20 ao minuto 05:50, do Minuto 06:10 ao minuto 07:30, do Minuto 24:30 ao minuto 26:30), de DD, registado e gravado em acta de audiência de discussão e julgamento do dia 13/12/2022 (passagens do minuto 06:20 ao minuto 08:50) e por fim da testemunha EE, registado e gravado em acta de audiência de discussão e julgamento do dia 13/12/2022 (passagens do Minuto 21:00 ao minuto 25:00, e do Minuto 26:40 ao minuto 27:05) a aceitação dos defeitos em obra pela Ré, sendo que estes resultaram, inequivocamente do errado manuseamento dos perfis vendidos em bruto pela EMP03... à Ré EMP02..., que posteriormente em obra deram lugar aos defeitos elencados e reclamados pela Autora na sua carta registada com aviso de receção datada de 25/07/2017.
M. Assim, face a tão profícua prova, não poderia a Julgadora, como ora se requer, dar como provados os factos elencados nos n.ºs 14 (a obra foi concluída pela autora e entregue à Ré, que a aceitou e procedeu ao pagamento do preço), 20 (os perfis fornecidos pela EMP03..., Lda, encontravam-se deformados e geravam folga excessiva), 21 (quando da execução da obra, a ré alertou a A. para as deficiências verificadas aos perfis fornecidos pela EMP03..., Lda.) e 26 (… que ao longo da realização da obra e aquando da sua entrega não apresentou qualquer reclamação) dos FACTOS PROVADOS pois na verdade resulta dos autos que o facto 14 deverá ser alterado no sentido de PROVADO APENAS que a obra foi entregue à Autora, tendo esta procedido ao pagamento do preço, tendo havido reclamação de defeitos durante e após a execução da obra os defeitos foram sim denunciados pela Autora e aceites pela Ré, que os imputou a terceiros.
N. Quanto ao FACTO 20, também face à prova carreada para os autos e já devidamente escalpelizada, deverá ser alterado no sentido de NÃO PROVADO, provando-se apenas que a deformação dos perfis ocorreu nas instalações da Ré a quando da sua transformação e manuseamento.
O. Os FACTOS 21 e 26 deverão também serem alterados, face a tal prova, no sentido de provado apenas que a Ré aceitou os defeitos após denúncia em obra realizada pela Autora.
P. Em consequência de tai alterações, que se pugnam, devem as alíneas c), d), e) e g) dos FACTOS NÃO PROVADOS serem dados como PROVADOS, por serem consequência lógica da alteração pretendida dos factos 14, 20, 21 e 26.
Q. Destarte, da apreciação da prova testemunhal produzida, conjugada com a demais prova documental, cremos que a Julgadora “a quo” em sede de decisão, deveria ter condenado a Ré Recorrida nos termos peticionados pela Autora Recorrente e não proceder à sua absolvição, até porque, resulta claramente da prova produzida e da própria confissão daquela que a Autora contratou a obra à Ré, exigindo que os perfis das janelas e portas a fornecer fossem da marca ..., sendo que a representante da ... em Portugal, à data da contratação, era a EMP03..., que sabendo de tal negócio contactou a Ré.
R. Nesse seguimento, a Ré contratou com a EMP03... a compra dos perfis em ferro ..., com a dimensão de 6 metros ou 6,5 metros, os quais foram transformados nas suas instalações da Ré, construindo nessa transformação as janelas e as portas encomendadas pela Autora, sendo que os perfis em obra apresentaram-se deformados e geraram folgas excessivas, tendo tais defeitos sido confirmados em obra por todos os intervenientes, incluindo a Ré Recorrida.
S. Ora, tendo a Autora já pago a totalidade do preço, não lhe restou outra alternativa senão, admonitoriamente, interpelar a Ré para esta reparar os defeitos em 25/07/2017, sendo que esta nada reparou, afirmando que a Autora não havia reclamado da mesma obra, o que é incompreensível pois existiu reunião em obra (aceite a existência dos perfis deformados), posterior auto de constatação e ainda notificação para reparação de defeitos, cabendo a Autora por despender a quantia de 26.120,00 € para reparar os mesmos, face àquela resposta negativa da Ré.
T. Concludentemente, face à alteração da matéria de facto ora pretendida (14, 20, 21 e 26 dos Factos Provados) e à demais alteração, consequência daquela (alíneas c), d), e) e g) dos FACTOS NÃO PROVADOS), e ainda à demais dada como provada, impõe-se revogar a decisão recorrida e ser condenada a Ré a liquidar à Autora a quantia de 26.120,00 €, referente ao valor que esta liquidou para reparar os defeitos em obra, que a Ré não quis realizar, ainda que interpelada para o efeito, com os demais juros legais, o que ora se requer.
Pugna a recorrente pela revogação da decisão recorrida, com a condenação da recorrida no pedido formulado.
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Foram apresentadas contra-alegações defendendo a Recorrida a improcedência do recurso.
Subsidiariamente a recorrida, ao abrigo do artigo 636.°, n.º2, do Código de Processo Civil, veio requerer a ampliação do recurso para impugnar a decisão proferida sobre o ponto 7 da matéria de facto provado, o qual entende deve ser considerado não provado.
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Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões dos recursos, consistem em determinar se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, e, consequentemente, se deve ser alterado o mérito da decisão.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A recorrente veio impugnar a decisão da matéria de facto.
A recorrida considera, que nessa impugnação, não foram observados os requisitos impostos pelo art. 640.º, do Código de Processo Civil.
Sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art. 640.º, do Código de Processo Civil, que:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)».
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Isto posto.
A recorrente considera que houve erro na decisão de facto quanto aos factos provados n.ºs 14 (a obra foi concluída pela autora e entregue à ré, que a aceitou e procedeu ao pagamento do preço), 20 (os perfis fornecidos pela EMP03..., Lda, encontravam-se deformados e geravam folga excessiva), 21 (quando da execução da obra, a ré alertou a autora para as deficiências verificadas aos perfis fornecidos pela EMP03..., Lda.) e 26 (… que ao longo da realização da obra e aquando da sua entrega não apresentou qualquer reclamação).
Quanto ao facto 14 defende a recorrente que o mesmo deverá ser alterado no sentido de que: «a obra foi entregue à Autora, tendo esta procedido ao pagamento do preço, tendo havido reclamação de defeitos durante e após a execução da obra».
Assiste-lhe razão.
Os defeitos foram denunciados pela autora, durante a execução da obra, apesar de a ré os imputar ao fornecedor do material, tendo posteriormente a autora procedido a uma vistoria de que resultou a confirmação dos defeitos e por comunicação escrita dirigida à ré foi-lhe solicitada a sua reparação, para o que fixou prazo.
Nessa comunicação que consubstancia o documento nº ... junto com a petição inicial refere a autora expressamente que com vista à receção definitiva da obra deverá a ré diligenciar pela reparação dos defeitos.
Além da ré reconhecer a existência de deformação nos perfis, decorre de forma clara e segura das declarações do legal representante da autora, que se afiguraram sinceras e assertivas, e que foram corroboradas, com essencialidade, pelo depoimento da testemunha FF, que durante a execução da obra foram comunicadas as anomalias e que no final o próprio arquiteto da obra não a aceitou em virtude das mesmas.
Pelas mesmas razões o facto 26, deverá ser considerado não provado.
Quanto ao facto 20 e 21, a sua redação inculca a ideia de que a EMP03..., Lda, forneceu perfis deformados. Para mais de não ter resultado prova bastante nesse sentido, a verdade é que tal não desresponsabilizaria a ré, na medida em que, enquanto empreiteiro, obrigou-se a executar a obra sem defeitos e responde mesmo que o defeito não proceda de culpa sua. Como afirma Antunes Varela[1], ele é que é técnico da arte e deve, por conseguinte, saber, quando se obriga, se lhe é ou não possível fazer a obra sem vícios.
Na verdade, tem razão a impugnante quando afirma que, caso os perfis marca ... fornecidos pela EMP03... à ré tivessem defeitos, cabia a esta e não à autora reclamar dos mesmos e não iniciar a construção das janelas e portas, se sabia de antemão que resultariam deformados.
Ademais, resultou da prova produzida, com destaque para o depoimento de CC da empresa que forneceu o material, mas também de EE e DD que os perfis vendidos pela EMP03..., foram vendidos em bruto e transformados pela ré, nas suas instalações, pelo que não é crível que as deformações apresentadas se devam aos perfis enquanto tais, sendo mais plausível que resultassem da sua transformação, no processo de fabrico das janelas e portas.
Donde, os factos 20 e 21 devem ser considerados não provados.
Por serem consequência lógica da alteração realizada os factos constantes das alíneas c), d), e) e g) dos factos não provados, devem ser excluídos, até pelo seu caracter conclusivo.
Procede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto feita pela recorrente.
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A recorrida veio requerer a ampliação do recurso, impugnando o facto 7 dos factos provados que, em seu entender, deveria ser considerado não provado.
Não lhe assiste razão.
O facto em questão consiste no elenco das anomalias detetadas na obra.
Das declarações de parte de AA e do depoimento das testemunhas GG, CC e EMP04... resulta a existência dos defeitos descritos.
Ao contrário do defendido pela recorrida na sua impugnação, a constatação de defeitos não é só possível por meio de prova pericial. Talvez para o apuramento da sua causa e modo de resolução, a perícia seja o meio mais idóneo à sua demonstração, já não para a simples verificação.
 Por outro lado, o relatório de vistoria de 13/07/2017 - em que estiveram presentes além do legal representante da autora e das duas pessoas por esta indicada para fiscalizar a obra, um técnico da ... e CC, antigo gerente da empresa EMP03..., distribuidor da marca ... -, mostra-se circunstanciado e acompanhado de registos fotográficos demonstrativos dos defeitos assinalados.
Assim, tal facto é de manter.
Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto feita pela recorrida em sede de ampliação do objeto do recurso.
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3.1.2. Factos

Em consequência da modificação da decisão de facto, a ordenação dos factos é a seguinte:

Factos Provados

1) A Ré é uma sociedade que se dedica à construção e acabamentos de obras de construção civil.
2) A Autora, em dezembro de 2016, acordou com a ré que esta procederia à colocação de caixilharia marca ..., referentes às janelas e portas, de modo a fechar o imóvel sito em 12 ..., em ....
3) O preço global acordado foi de 97.266,11 €, aceite por ambas as partes.
4) A referida construção iniciou-se em finais do ano de 2016, sendo que a obra em causa se situava em 12 ..., ...16 ..., ...,...
5) E tinha como empreiteira principal a Autora.
6) A obra foi dada como terminada pela Ré.
7) No dia 13 de Julho de 2017, a obra apresentava-se da seguinte forma:
- NO RÉS DO CHÃO:
a) As duas janelas de duas folhas não fecham na parte superior, por força do desalinhamento que apresentam e ao ajuste dos pontos de fecho com os pinos de bloqueio que não estão colocados no sítio correto, levando a um esmagamento da junta de vedação ao nível inferior.
b) As esquadrias das diagonais do quadro da janela apresentam uma diferença superior a 2 cm, pelo que as folhas não funcionam corretamente.
c) No que toca à planicidade, existe um deslocamento entre os dois elementos de abertura, pelo que as filas da janela não ficam alinhadas.
d) As junções entre as juntas de vedação no canto não foram suficientemente coladas/ligadas, razão pela qual algumas se encontram soltas.
e) Existem traços visíveis de ferrugem.
f) Não foi respeitado a distância mínima de 4,5 mm entre as duas janelas, pelo que os aros estão lado a lado, o que prova um conflito na abertura simultânea das folhas, impossibilitando tal abertura simultânea.
g) Colocação de junta de vidro não pertencendo ao material contratado (...), pelo que tal junta não segura devidamente os elementos da janela e permite infiltrações
- NO ANDAR SUPERIOR
h) A folha da porta foi fabricada muito curta, pelo que foi colocado erradamente uma fita de espuma para compensar tal falta de dimensão.
i) Junta não estanque entre os dois caixilhos, o que se verifica quando se encontra dentro do imóvel (visão do interior para o exterior).
j) Não concordância entre as ferragens das janelas e os restantes perfis das janelas, pelo que os parafusos da nova ferragem não são consentâneos para a obra em causa, retirando-lhe qualidade de funcionamento e de segurança à janela, pelo que vários elementos da caixilharia ficaram com furações de fabrico descobertas e desprotegidas, originando infiltrações.
- VÃO DA ESCADA
k) Colocação de uma travessa “à posteriori” no caixilho, a fim de o dividir, mas tal travessa não foi soldada, pelo que não existe a devida segurança e estanquicidade.
- ÚLTIMO ANDAR
l) O caixilho foi cortado muito curto e compensado com silicone.
8) Na sequência do facto referido em 6), a Autora pagou à Ré a totalidade do preço combinado.
9) Por carta registada com aviso de receção, datada de 25/7/2017, a autora declarou “são notificados para providenciar a reparação de tais defeitos, no prazo máximo de 7 dias, com vista à receção definitiva da obra ...”, conforme documento junto aos autos a fls. 11, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
10) Em resposta, a Ré informou que a Autora não havia reclamado da obra.
11) A Autora avançou, a expensas suas, com a reparação do referido em 7)...
12) ... tendo para o efeito contratado a EMP05..., SARL e a EMP04..., Indústria de Mobiliário por Medida Limitada.
13) O custo de tais reparações, por parte da ... foi de 20.000,00 €, e por parte da EMP04... Lda foi de 6.120,00 €, tendo ascendido ao total de 26.120,00 €.
14) A obra foi entregue à Autora, tendo esta procedido ao pagamento do preço, tendo havido reclamação de defeitos durante e após a execução da obra.
15) Aquando da conclusão da obra, não eram visíveis os sinais de ferrugem descritos em 7, e).
16) Os perfis colocados em obra foram fornecidos pela sociedade EMP03..., Lda.
17) Quando contratou os serviços da ré, a autora exigiu que as caixilharias a colocar fossem da marca ....
18) A EMP03..., Lda. é a representante oficial dessa marca em Portugal.
19) A ré adquiriu os perfis à EMP03..., Lda.
20) Foi realizada reunião em obra, com a presença da autora e da ré, em que todos os intervenientes verificaram que os perfis estavam deformados.
21) A alteração das ferragens referida em j) ocorreu a pedido da autora.
22) A obra executada pela ré foi executada durante vários meses.
23) Todos os trabalhos foram acompanhados e fiscalizados pela autora que dispunha de técnicos para o efeito.
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Factos Não Provados

Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
a) Além do referido em 1), autora e ré hajam ainda acordado outros negócios em 3/3/2017, 7/3/2017 e 16/6/2017.
b) A obra foi dada como terminada pela ré em finais de Junho de 2017.
c) A Ré sabia que a autora não conseguia entregar a obra ao seu dono, pois este não a aceitava nos termos em que a mesma se encontrava.
d) A junta em borracha foi colocada a pedido da autora, que solicitou essa mudança porque o cliente final não gostou da junta em silicone.
e) Foi a autora quem contactou a EMP03..., Lda. para fornecer as caixilharias para a obra.
f) Só após negociações entre a autora e a EMP03..., Lda. é que esta última contactou a autora, apresentando-lhe um orçamento do material a aplicar em obra.
g) A aquisição do material pela autora foi na sequência de um acordo celebrado entre a EMP03..., Lda. e a autora.
h) A autora exigiu que o material na obra fosse fornecido pela EMP03..., Lda.
i) Os perfis fornecidos pela EMP03..., Lda. encontravam-se deformados e geravam folga excessiva.
j) Aquando da execução da obra, a ré alertou a autora para as deficiências verificadas nos perfis fornecidos pela EMP03..., Lda..
k) A EMP03..., Lda. haja participado na reunião referida em 22).
l) O responsável técnico da A. comprometeu-se a tapar as ferragens referidas em 7 j).
m) O vão da porta do último andar apenas foi feito após a porta ter sido fabricada.
n) Esse vão não respeitou as medidas do orçamento.
o) Ao longo da realização da obra e aquando da sua entrega a autora não apresentou qualquer reclamação.
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3.2. Da subsunção jurídica:

- Da aceitação da obra;
- Do incumprimento definitivo;
- Direito do dono da obra a ser reembolsado das despesas com a reparação dos defeitos

A relação estabelecida entre as partes configura um contrato de empreitada, cuja disciplina jurídica se encontra regulada nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil, sendo definido como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
O empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado – efetuar a obra completa e isenta de defeito - sendo responsável pelos vícios ou defeitos que a obra apresentar ou nela se venham a revelar.
Assim é que, na execução da obra, o artigo 1208.º, do Código Civil dispõe que empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Como refere Pedro Romano Martinez, na empreitada o cumprimento será defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades, porque desconforme com o plano convencionado, ou com vícios, se as imperfeições verificadas excluam ou reduzam o valor da obra ou afetem a sua aptidão para o seu uso ordinário ou fim previsto no contrato[2]. Quanto a estes últimos, esclarece Cura Mariano que vícios são anomalias objetivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas[3].
Se a obra apresenta defeitos, tem o empreiteiro o dever de os eliminar, como decorre, respetivamente, do disposto nos artigos 1221º, nº 1 e 1226º do Código Civil.
Recai sobre aquele que invoca a prestação inexata, no caso a existência de defeitos na obra, como fonte da responsabilidade, o ónus de demonstrar os factos que integram o incumprimento, competindo à outra parte fazer prova de que os defeitos verificados não procedem de culpa sua.
Como defende Cura Mariano[4], ao dono da obra bastará provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual, para afastar a sua responsabilidade terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Este ónus de prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem de provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve do processo executivo da prestação. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra por si realizada[5].
Mais, o empreiteiro será responsável pela realização defeituosa da obra, independentemente de qualquer juízo de censura sobre a sua atuação pessoal, sempre que a existência dos defeitos seja imputável a alguém que interveio no processo de realização da obra, por sua iniciativa, seja este representante, trabalhador, colaborador, auxiliar ou subempreiteiro.[6]
Portanto, tendo ficado provada a existência de defeitos, não tendo o empreiteiro demonstrado que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, é ele quem tem de assumir a responsabilidade pelos defeitos perante o dono da obra.
Defende a ré a exclusão da sua responsabilidade resultante da aceitação da obra sem reservas pela autora.
Com efeito, o artigo 1219.º do Código Civil consagra uma situação de exclusão legal da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, sem necessidade de este elidir a presunção de culpa que sobre ele recai relativamente à existência desses defeitos.
De acordo com este normativo, a responsabilidade do empreiteiro é afastada, relativamente aos defeitos conhecidos pelo dono da obra à data da sua aceitação, se este a aceitou sem reservas, verificando-se aqui um caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida. O legislador presumiu de forma absoluta que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse ato, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação[7].
Relativamente aos defeitos aparentes, verifica-se o estabelecimento duma presunção ilidível, mediante a prova do contrário, de que os mesmos são conhecidos do dono da obra, independentemente de ter sido realizado exame de verificação (art.1219.º, nº 2, do Código Civil). São considerados defeitos aparentes aqueles que se revelam perante um exame diligente da obra, sendo o grau dessa diligência medido pelo critério objetivo do bom pai de família, sem conhecimentos especiais das regras técnicas de realização da obra em causa.
Decorre da alegação da ré que, não obstante os defeitos, na data de conclusão da obra, a autora pagou o preço devido, pelo que a aceitou sem deles reclamar.
Esta adução do réu empreiteiro é no sentido de atribuir à autora uma aceitação da obra sem reservas, apesar da existência dos defeitos.
Vejamos se é assim.
Depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono de que ela está em condições de ser verificada, assim lhe permitindo averiguar se a obra foi realizada nas condições convencionadas ou se apresenta vícios.
A verificação corresponde em simultâneo a um direito do dono da obra e a um ónus que sobre ele impende. É um direito, na medida em que ela confere ao comitente a possibilidade de averiguar se a obra foi realizada a seu contento. Por outro lado, constitui um ónus, pois a falta de verificação importa a aceitação da obra sem reservas (artigo 1218.º, nº5)[8].
Decorre do disposto no artigo 1218º, do Código Civil que o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (n.º1), que a verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer (n.º2), sendo que qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos (n.º3) e os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro (n.º 4), tendo como consequência que a falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra (n.º5).
A verificação não se confunde com a fiscalização que o dono da obra pode efetuar durante o período de execução dos trabalhos (art. 1209.º). Como afirma Romano Martinez as fiscalizações efetuadas no decurso de execução da obra são provisórias, e mesmo que então não se tenha formulado qualquer reserva, não fica comprometida a liberdade de verificação final, que pode ter um resultado negativo[9].
Efetuada a verificação, deve o resultado dela ser comunicado ao empreiteiro.
Levantam-se dúvidas quanto à natureza jurídica da comunicação. A comunicação propriamente dita identifica-se com uma mera operação técnica de informação ou com uma declaração de ciência.
A distinção é feita por Romano Martinez. No caso de o comitente informar o empreiteiro de que a obra não apresenta vícios, esta comunicação consubstancia uma aceitação, ainda que tácita; se, pelo contrário, na comunicação se indicarem os defeitos da obra, o comitente está a proceder a uma denúncia e a obra considerar-se-á como não aceita. Nestas situações, a comunicação ou se identifica com a aceitação ou com a respetiva recusa.
A comunicação já terá autonomia quando o dono da obra se limita a informar a contraparte que efetuou a verificação em determinado dia, ou que necessita de tempo para exames mais prolongados e peritagens[10].
A aceitação, por sua vez, corresponde a um ato de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço.
A aceitação pode ser expressa ou tácita ou presumida por lei. É expressa se manifestada em documento subscrito pelas partes. É tácita se resulta de atos que a revelam, como seja se o dono da obra manifesta adesão à obra entregue, e presumida na falta de verificação ou de comunicação.
A aceitação pode, ainda, ser feita com reserva, quando o dono da obra constatar vícios, mas a aceitar com essa menção, manifestando uma aceitação condicional, isto é, sem prescindir de reclamar tutela para os seus direitos[11].
Na decisão recorrida considerou-se ter ocorrido aceitação da obra, sem reserva.
Fundamentou-se da seguinte forma: «No caso concreto, salvo o devido respeito, estamos perante uma situação típica de aceitação da obra, já que se mostra provado que a ré procedeu à entrega material da obra à autora e, nessa sequência, a autora pagou o preço à ré, sem que tenha apresentado qualquer reclamação – factos provados 14) e 24) a 26).
Por outro lado, competia à autora alegar e provar a recusa tempestiva de aceitação da obra, uma vez que feita pelo empreiteiro a prova da entrega, tem-se como presumida (presunção absoluta e inilidível) a aceitação da obra, neste sentido, de entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2011, proferido no processo nº 226/05.0TBALJ.P1.S1.
Assim sendo, dúvida não há de que a autora aceitou a obra, sem reservas.
Aqui chegados, importa, porém, ter em atenção que nos situamos no âmbito de uma subempreitada.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-01-2012, proferido no processo nº 8609/06.2TBVNG.P1, afirma-se a este propósito: “podem suscitar-se dúvidas quanto à aceitação da obra, designadamente quem tem de a aceitar - se o empreiteiro ou se o dono da obra (sendo que este não é parte na relação jurídica resultante da celebração do contrato de subempreitada, como já dissemos) – e quando deve considerar-se aceite.”
Mais se defende aí: “Um dos Autores já atrás citado [Romano Martinez, in “Contrato de Empreitada”, pg. 125; idem in “O Subcontrato”, pg. 38] refere que: No que à aceitação concerne, cabe perguntar se ela deverá efectuar-se quando terminar a subempreitada, ou só no termo da obra principal. RUBINO considera que a aceitação da obra por parte do empreiteiro está condicionada à aceitação, sem reserva, pelo dono da obra. Esta solução não tem, porém, directo apoio na lei italiana, nem na portuguesa. De facto, o art. 1670º CCIt. (como o art. 1226º do correspondente diploma português) estabelece unicamente que o empreiteiro deverá comunicar a denúncia ao subempreiteiro, para agir de regresso. Mas se o problema da aceitação não ficou resolvido no contrato de subempreitada, e se o empreiteiro não aceitou a obra sem reserva (art. 1219º nº 1), a solução preconizada por RUBINO é a mais justa, tendo em conta a necessária cooperação entre subempreiteiro e empreiteiro na prossecução do interesse do dono da obra”.
João Cura Mariano, na obra já citada dá nota dessas dúvidas e defende que “… o ato de aceitação pelo empreiteiro não tem a virtualidade de desresponsabilizar definitivamente o subempreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação, apenas ocorrendo essa desresponsabilização quando o dono da obra a aceita”, in pág. 190.
Salvo o devido respeito, porém, acompanhamos a reflexão de Romano Martinez: a solução preconizada não tem qualquer apoio na letra da lei, pelo contrário.
O artigo 1219º é aplicável tanto ao contrato de empreitada como ao de subempreitada e o art. 1226º estabelece unicamente que o empreiteiro deverá comunicar a denúncia ao subempreiteiro, para agir de regresso.
Assim sendo, salvo o devido respeito, nada obsta a que o empreiteiro aceite a obra sem reservas e responda depois diretamente junto do dono da obra.
A este propósito, acompanhamos o defendido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto citado: “Temos então que, relativamente aos trabalhos compreendidos numa subempreitada, a aceitação pode ocorrer de um dos seguintes modos:
● Em princípio (em regra), a aceitação de tais trabalhos deve ter lugar após a conclusão e a entrega destes, pelo subempreiteiro, ao empreiteiro (no prazo fixado no contrato ou, na sua falta, sucessivamente, no prazo usual ou num prazo razoável, como atrás se referiu), cabendo a este a verificação daqueles e a sua subsequente aceitação ou comunicação/denúncia de defeitos, se for o caso, uma vez que no contrato de subempreitada o empreiteiro assume vários direitos e deveres que são do dono da obra no contrato de empreitada (contando-se entre eles o de verificação da obra);
● Excepcionalmente, se isso for acordado no contrato de subempreitada, a aceitação da obra poderá ocorrer apenas no final dos trabalhos a cargo do empreiteiro (incluindo quer os trabalhos directamente realizados por este, quer os que foram levados a cabo pelo subempreiteiro), ficando a aceitação por parte do empreiteiro condicionada à aceitação do dono da obra.
No caso concreto, nada foi alegado no sentido de que a aceitação do empreiteiro ficasse condicionada à aceitação do dono da obra.
Assim sendo, a aceitação pela autora produziu efeitos jurídicos, desonerando a ré.
Em consequência, deverá a ré ser absolvida do pedido contra si deduzido».
Cremos que não se decidiu com acerto.
Sem entrar nos termos da controvérsia sobre o ato de aceitação pelo empreiteiro quanto à obra realizada pelo subempreiteiro, a verdade é que a situação concreta não se subsume a uma aceitação da obra.
Como elementos objetivos temos, por um lado, que a obra foi concluída pela ré e o preço foi pago, por outro que durante a execução da obra foram detetados defeitos, reconhecidos pela ré, e na verificação final a que a autora procedeu, após a conclusão da obra, foram comunicados à ré os defeitos detetados.
Ora, a aceitação da obra não se confunde com a entrega material da mesma. A aceitação importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efetuada, nos termos contratuais, a seu contento, correspondendo, simultaneamente, à entrega material, acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada, nos termos acordados[12].
Por outro lado, o pagamento do preço, salvo disposição ou acordo nesse sentido, não corresponde a uma aceitação tácita (a aceitação faz vencer o pagamento, mas o pagamento não corresponde a aceitação).
Mas a questão esvazia-se de sentido, quando à falta de declaração expressa, ocorre a comunicação de defeitos, o que afasta qualquer possibilidade de se concluir por uma aceitação tácita ou presumida.
Na verdade, como já referido, a comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, em conformidade com o disposto pelo art. 1218.º, nº 4, do Código Civil, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita.
Donde, no caso, em face da comunicação de defeitos em consequência da verificação efetuada, ocorre a não aceitação da obra (isto é, a sua recusa), pelo que não está excluída a responsabilidade do empreiteiro pela existência destes defeitos.
Importa saber os direitos que assistem ao dono da obra.
O empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado, encontrando-se vinculado a realizar a obra, conforme o acordado, isto é, sem deformidades, nem imperfeições que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Realizando a obra com defeitos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
A não eliminação dos defeitos ou a não repetição da prestação pelo empreiteiro confere ao dono da obra o direito de por si, ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra, reclamando indemnização das despesas necessárias.
Certo que o dono da obra tem que dar ao empreiteiro a oportunidade de eliminar os defeitos da obra ou de realizar nova construção, não podendo, sem mais, efetuar essa reparação – por si ou por terceiro.
Essa oportunidade deve ser dada através duma interpelação judicial ou extrajudicial do empreiteiro para efetuar as obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução.
A interpelação admonitória é uma intimação formal dirigida ao devedor para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento definitivo[13]. Esta comunicação deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório para o cumprimento; c) a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.
Verificando-se o incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro, não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio ou através de terceiro, efetuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento dos custos dessas obras.
As consequências do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos da obra ou de reconstrução, não se encontrando especialmente previstas para a empreitada, são naturalmente as constantes do regime do incumprimento das obrigações em geral.
A isso não obsta a disposição normativa que determina que “não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina” - n.º1 do art. 1222º, pois aí não se pretende estabelecer consequências especificas para o não cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos e de reconstrução, mas apenas conferir ao dono da obra direitos subsidiários, para a hipótese do direito de eliminação dos defeitos ou de reconstrução não terem sido satisfeitos.
O acionamento dos mecanismos previstos para o incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada.
O dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-la, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer ou falhou no cumprimento, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato (artigo 1222º), ou a efetuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos[14].
No quadro do direito obrigacional, ao credor, em caso de incumprimento definitivo, é conferido o direito de ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art. 798.º do Código Civil), o que, tratando-se de uma empreitada, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efetuadas ou a efetuar pelo dono da obra.
O regime legal previsto ao não consentir que o dono da obra, sem mais, em administração direta, proceda à eliminação dos defeitos à custa do empreiteiro, visa assegurar que a este é dada a oportunidade de os eliminar. Concorda-se, pois, que o dono da obra não goza do direito de, em auto-tutela, executar, por outrem, a obra defeituosamente realizada pelo empreiteiro e a expensas deste.
Todavia, conferida essa oportunidade, e uma vez rejeitada, cessa esse impedimento, por se ter entrado no campo do incumprimento.
Por conseguinte, a possibilidade de o dono da obra proceder por si, ou utilizando terceira pessoa, à eliminação dos defeitos não se traduz em qualquer situação de auto-tutela do direito, inadmissível no nosso sistema jurídico, na medida em que ele apenas está a exercer os seus poderes de administração sobre uma coisa que lhe pertence, tendo-se já extinguido, por incumprimento definitivo da respetiva prestação, o “direito a cumprir” do empreiteiro que lhe tolhia o exercício daqueles poderes[15].
Além dos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, imputável ao empreiteiro, também a urgência na realização desses trabalhos pode justificar que eles sejam efetuados pelo dono da obra, por terceiro por ele contratado, assistindo àquele um direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações[16].
Em suma, o regime previsto nos arts. 1220.º e seguintes, é específico do contrato de empreitada para o cumprimento defeituoso. No entanto, num contrato de empreitada pode também ocorrer uma situação de incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, designadamente, verificando-se qualquer uma das circunstâncias referidas no art. 808.º, nº 1: perda de interesse, interpelação admonitória (recusa no cumprimento) que transformam a mora em incumprimento definitivo[17]. Havendo incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, não se impõe a aplicação do regime especial da empreitada, mas sim as regras gerais do incumprimento contratual.
No caso concreto, a obra foi realizada com defeitos, o dono da obra (autora) denunciou os defeitos, interpelou o empreiteiro (ré) para a sua eliminação, concedeu-lhe um prazo para o efeito, com a cominação de que procederia à reparação à sua custa, tendo o empreiteiro recusado proceder à eliminação.
Assiste, assim, à autora o direito de ser indemnizada pelos custos da reparação a que procedeu, com recurso a terceiros.
Procede, pois, a apelação.
*
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I – Decorre do disposto no artigo 1219.º, nº1, do Código Civil que o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles (caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida).
II - A aceitação corresponde a um ato de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento.
III - A aceitação da obra não se confunde com a entrega material da mesma. A aceitação importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efetuada, nos termos acordados.
IV - Também o pagamento do preço, salvo disposição ou acordo nesse sentido, não corresponde a uma aceitação tácita.
V – Se após a verificação da obra, na comunicação ao empreiteiro se indicarem os defeitos, o comitente está a proceder a uma denúncia e a obra considerar-se-á como não aceita.
VI - Realizada a obra com defeitos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção, havendo recusa poderá o dono da obra proceder à reparação à custa do empreiteiro.
VII - Verificando-se o incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro, não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio ou através de terceiro, efetuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento dos custos dessas obras.
VIII - As consequências do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos da obra ou de reconstrução, não se encontrando especialmente previstas para a empreitada, são naturalmente as constantes do regime do incumprimento das obrigações em geral.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, e assim, revogar a decisão recorrida, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 26.120,00 (vinte seis mil cento e vinte euros), acrescida de juros contados desde a citação e até integral pagamento.
Custas da ação e do recurso pela ré/recorrida.
Guimarães, 4 de Abril de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes



[1] In Código Civil Anotado, 3ª Edição, anotação ao artigo 1219.º, pag. 817.
[2] In Contrato de Empreitada, pag. 189.
[3] In Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pag. 48
[4] In Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pag. 58
[5] Neste sentido, também, o Acórdão da Relação de Lisboa de 21.02.2013, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Ob. cit., pag. 55.
[7] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 19/03/2007, Processo 0655958, Relator Cura Mariano, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, pag. 149.
[9] Ob. Cit. pag. 151.
[10] Ob. cit., pag. 152.
[11] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 31/01/2012, Processo:191/07.0TBGDM.P1, Relatora Maria Cecília Agante, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, acórdão do STJ de 08/09/2015, Processo nº 477/07.3TCGMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[13] Neste sentido, Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Obras Dispersas, vol. I, pág. 164.
[14] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 03/11/2005, Processo 0534832, Relator Oliveira Vasconcelos, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 03/11/2005, Processo 0534832, Relator Oliveira Vasconcelos, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, págs. 346-347.
[17] Cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2022, Processo nº 70/19.8T8VNC.G1, Relator Jorge Santos, acessível em www.dgsi.pt.