NULIDADE DE SENTENÇA
CAUÇÃO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Sumário


1. A convolação da qualificação da contra exceção material deduzida, atendendo ao efeito prático-jurídico pretendido, decretando a inoponibilidade quando se pretendia a nulidade, baseada em penhora alegada como fundamento do conhecimento da situação de insolvência em que se fundava a exceção de simulação invocada, não viola o princípio do dispositivo.
2. Devem ser objeto de apreensão em processo de insolvência do subempreiteiro as quantias, que eram devidas a título de parte do preço devido pela execução da obra da subempreitada, retidas pelo empreiteiro como caução para garantia do bom cumprimento da obra durante o prazo de garantia e por isso têm que ser entregues à massa falida:
i. -- tais quantias são da titularidade do insolvente visto serem parte do preço que lhe é devido pela obra construída;
ii. -- servem apenas como garantia de uma obrigação de garantia (do bom cumprimento);
iii. Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente,
iv. com a declaração de insolvência todos os credores têm que exercer os seus direitos no âmbito desse processo, ali se devendo reconhecer os privilégios ou garantias nos termos previstos nos termos do CIRE.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I - Relatório

Autora e Apelada: Massa Insolvente de EMP01..., S.A.
Ré e Apelante: EMP02..., S.A.
Autos de: apelação em ação declarativa de condenação com processo comum

A Autora formulou os seguintes pedidos: que a Ré seja condenada a entregar à Autora a quantia de 216.358,63 €, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que a sociedade da qual a Autora é Massa Insolvente celebrou com a Ré contratos de subempreitada e realizou obras para esta. Nesse âmbito, a Ré fez retenções sobre o valor de cada fatura que lhe pagava, como caução do cumprimento do contrato, para garantia do bom cumprimento desses contratos de subempreitada, por 10 anos a contar da receção provisória de cada uma das obras, quantias que deveria devolver após a receção definitiva das obras e que se recusa a entregar á Autora.
A Ré contestou, invocando, em súmula, que foi celebrado um acordo entre a Autora, duas outras sociedades e a Ré, em 30/04/2019, pelo qual as partes intervenientes compensaram expressamente e mutuamente créditos, extinguindo-os.
Mais pediu a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de 2.500,00 Euros a seu favor, por litigância de má-fé.

A Autora respondeu, invocando, em sinopse, que este “Acordo” foi celebrado quando a sociedade da qual é massa insolvente já se encontrava em situação de insolvência, como muito bem sabia a Ré, por ter sido notificada no dia 18 de junho de 2018 para penhora do crédito referente às retenções que lhe efetuara; esse documento foi um veículo utilizado para a Ré não entregar esse montante à massa insolvente. Concluiu, por fim, pela nulidade desse acordo de compensação, por simulação. Juntou elementos documentais referentes à penhora, que não foram impugnados.
    
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à autora a quantia de 86.200,00€, acrescida de juros moratórios legais comercial, previstos no art.º 102.º, §3 do Código Comercial, contados desde a citação até efetivo e integral, com custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Fundamentou-se, além do mais, na consideração de que o crédito penhorado na execução n.º 3668/17...., em relação ao qual era inoponível o acordo relativo às cauções, invocado pela Ré, passou a integrar a massa insolvente com a declaração de insolvência da EMP01..., SA e em consequência a titularidade parcial daquele crédito (no valor de 86.200,00€) cabe à massa insolvente da EMP01..., SA., ora Autora.

Apresentado recurso, veio a ser julgado parcialmente procedente, determinando-se que a sentença fosse substituída por despacho que determinasse o cumprimento do princípio do contraditório.
 Foi proferido despacho convidando as partes a pronunciarem-se sobre a inoponibilidade parcial do acordo compensatório em virtude de penhora previamente efetuada na execução n.º 3668/17.....
A Autora veio alegar, além do mais, que a penhora do crédito o torna indisponível e, por isso, o mencionado acordo é inoponível à execução e depois à massa insolvente, nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 36º, do nº 1 do artigo 46º e da alínea a), do nº 1 do artigo 149º do CIRE.
A Ré invocou, em síntese, que foram considerados factos novos não alegados, que não consta da causa de pedir qualquer facto relativo à alegada penhora de créditos, nem dos seus efeitos jurídicos, pelo que não se trata de um enquadramento jurídico, mas um enquadramento factual novo, sobre o qual a Ré não pôde exercer o contraditório. Pôs em causa a manutenção da execução e da penhora e qual o seu estado à data do acordo celebrado entre as partes.
Seguidamente foi proferido despacho no qual se afirmou que a invocação da penhora em sede de resposta é matéria de contra exceção cognoscível pelo Tribunal e que não importa qualquer violação do princípio da estabilidade da instância, mas porque a Ré manifestou dúvidas quanto à vigência dessa penhora à data em que foi celebrado o acordo de compensação de créditos, solicitou informação sobre esse facto.
Foi junta informação a certificar que nem a execução, nem as penhoras efetuadas em 24.07.2018 e 05.04.2019, se achavam extintas, à data de 30.04.2019 e que que a execução se encontrava suspensa nos termos do artigo 88º, nº 1, do CIRE, conforme despacho datado de 15.07.2019, devidamente notificado às partes, a aguardar o desfecho do processo de insolvência da executada.
 Notificadas as partes, mais nada disseram.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 86.200,00€, acrescida de juros moratórios legais comercial, previstos no art.º 102.º, §3 do Código Comercial, contados desde a citação até efetivo e integral, com os mesmos fundamentos da anterior sentença.

É desta decisão que a Ré apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:
1. Vem pela presente via, a Recorrente interpor recurso de apelação da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Braga – J..., proferida no âmbito do processo identificado em epígrafe, no qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada apenas em partes, e, consequentemente, decido:
A) Condenar a Ré EMP02..., SA a pagar à autora MASSA INSOLVENTE DE EMP01..., SA a quantia de 86.200,00€ (oitenta e seis mil e duzentos euros), acrescida de juros moratórios legais comercial, previstos no art.º 102.º, §3 do Código Comercial, contados desde a citação até efetivo e integral, e;    
B) Condenar a Ré EMP02..., SA e a autora MASSA INSOLVENTE DE EMP01..., SA no pagamento das custas processuais da ação, na proporção dos respetivos decaimentos.”
2. Sucede que, salvo o devido e merecido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com a decisão proferida pelo Tribunal ad quo, uma vez que é entendimento da Recorrente que são assacáveis vários vícios àquela, conforme aduziremos infra.
3. A sentença proferida pelo Tribunal ad quo e que ora se sindica é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, porquanto o Tribunal ad quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que consubstancia vício de excesso de pronúncia.
4. Isto por que, a Recorrida instaurou a presente ação de condenação com vista à restituição das cauções prestadas ao abrigo dos contratos de subempreitada no montante de €215.091,43.
5. Não obstante, e como se deu provado na douta sentença proferida, designadamente, nos pontos 61) a 72) dos factos dados como provados, entre a ora Recorrente e EMP01..., S.A. (sendo a Recorrida a Massa Insolvente desta), a EMP03..., S.A. e a EMP03..., SGPS, S.A., foi celebrado acordo por conta do qual se operou compensação de créditos dos referidos valores.
6. Vale por isto dizer que as retenções efetuadas no decurso dos contratos de subempreitada celebrados entre aquelas, serviram para a Recorrente extinguir a sua obrigação perante a EMP01..., S.A., no valor de 215.091,43€, a EMP01..., S.A., extinguir a sua obrigação perante a EMP03..., S.A., no exato montante e, por fim, a EMP03..., S.A., abater este montante na obrigação que detinha sobre a Recorrente.
7. De modo que, o resultado da presente ação, na qual se peticionou a restituição das cauções teria de estar condenado ao insucesso, uma vez que, em bom rigor, aquelas cauções, no âmbito do acordo celebrado, extinguiram obrigações de parte a parte.
8. E, neste conspecto, refira-se que, em bom rigor, o Tribunal ad quo não condenou a ora Recorrente à restituição das referidas cauções. O que o Tribunal ad quo fez foi condenar a ora Recorrente no pagamento do montante de €86.200,00 (oitenta e seis mil e duzentos euros), como vimos, por ter sido realizada penhora – indevida, adiante-se, desde já – daquele montante sobre as retenções efetuadas, antes da celebração do referido acordo.
9. Dito isto, a sentença subverte em €86.200,00 a extinção de obrigação firmada e que a própria EMP01..., S.A., quis com a celebração do acordo, e condena a Recorrente num efeito que não foi o pretendido pela Recorrida.
10. No mais, a sentença proferida tem um efeito amplamente penalizador para a Recorrente, já que, em bom rigor, subverte aquela que foi a vontade da sociedade EMP01..., S.A.,
11. Inverte, também, a extinção da obrigação dada por assente com a celebração do acordo, penalizando, dessa forma, a Recorrente, quando em bom rigor o acordo foi celebrado não só com vista à extinção da obrigação da Recorrente mas também da EMP01..., S.A., e da EMP03..., S.A., e da EMP03..., SGPS, S.A., e portanto, em benefício da própria massa insolvente, ora Recorrida, diga-se.
12. Dito isto, somos do entendimento, que, in casu, o Tribunal ad quo violou o princípio do dispositivo, uma vez que o campo de cognição do tribunal, fixado pelas partes, e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, não foi respeitado, indo a decisão além desse campo de cognição, em termos de fundamentos - causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente - e/ou de pretensão – pedido -, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
13. Deste modo, a sentença em causa é nula, devendo, portanto, ser substituída por uma outra que se pronuncie quanto e apenas em relação às questões relevantes para o conhecimento da causa atento o concreto pedido e causa de pedir formulados pela Recorrida, o que, desde já, se invoca, para os devidos efeitos legais. Sem prescindir,
14. É entendimento da Recorrente que a sentença recorrida é nula por constituir decisão surpresa, designadamente, por violar o princípio do dispositivo e do princípio do contraditório.
15. Como se disse, compulsada a sentença constata-se que a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de €86.200,00 teve por base a consideração de que o acordo celebrado é parcialmente inoponível à penhora efetuada no processo executivo n.º ....
16. Sucede que, em bom rigor, nos presentes autos, a matéria factual atinente aos autos de execução supramencionados não foi invocada pelas Partes, designadamente, para que dela se pudesse retirar qualquer efeito jurídico.
17. Isto é, tal matéria factual não foi invocada pela Recorrida, a quem, entre o mais, competia a alegação de todos os factos essenciais da causa de pedir, ao abrigo do disposto no artigo 5.º do CPC, isto é, do princípio do dispositivo.
18. De resto, como consabido, o pedido do autor, conformando o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito, com que o tribunal lhe responderá e o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, não podendo ocupar-se de outras (artigo 608.º, n.º 2 do CPC), e “não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (art.º 609.º, n.º 1 do CPC).
19. A decisão surpresa resulta da consideração pelo Tribunal ad quo, de factos novos não alegados, suportados por um documento junto pela A. para prova de outros factos, nomeadamente para prova do estado de insolvência, e assim, com consequências jurídicas não previsíveis pelas Partes.
20. Acresce que, nem a própria EMP01..., S.A., teve em conta a penhora efetuada sobre as referidas retenções, já que não se inibiu de celebrar o referido acordo, de se fazer “pagar” mediante a utilização das retenções que havia prestado, assim como não se inibiu de intentar a presente ação, bem sabendo que já tinha disposto das referidas retenções para diminuir as dívidas que à data ia acumulando e que não poderia ignorar.
21. No mais, e relativamente à sobredita penhora, refira-se que não se trata assim apenas de um enquadramento jurídico, mas de todo um enquadramento factual novo, sobre o qual a Recorrente não teve oportunidade de exercer o direito ao contraditório.
22.    Ao longo de todo processo não houve valoração crítica, nem prognose do ponto de vista jurídico quanto ao processo executivo e das suas potenciais influências nos presentes autos, sendo que não se revela oportuna qualquer tipo de ampliação ou alteração da causa de pedir.
23. Nem tampouco a Recorrida havia discutido ou dado qualquer relevância à alegada penhora de créditos em momento anterior à prolação da 1.ª sentença, o que apenas veio a fazer posteriormente, alegando factos que não constavam da sua causa de pedir.
24. De modo que, a decisão proferida pelo Tribunal ad quo constitui decisão-surpresa, já que se trata de solução dada a uma questão que, embora previsível, não foi configurada pelas partes, e que a mesmas tivessem obrigação de a prever, como ocorreu in casu.
25. Em suma, decidiu-se uma questão não prevista, com a qual, legitimamente, não se contava, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
26. Dito isto, é entendimento da ora Recorrente que a sentença proferida é nula, por constitui decisão-surpresa e, designadamente, violar o artigo 5.º do CPC, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais. Sem prescindir,
27. Salvo melhor entendimento, a sentença proferida pelo Tribunal ad quo e que ora se sindica é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, porquanto o Tribunal ad quo condenou a ora Recorrente em objeto diverso do pedido.
28. Isto por que, em bom rigor, foi decretado um efeito NUNCA peticionado com a sentença que se sindica, já que, como sobredito, a Recorrida intentou a presente ação para peticionar o valor de 215.091,43€ (duzentos e quinze mil e noventa e um euros e quarenta e três cêntimos), a título de retenções, e o Tribunal ad quo emanou uma sentença que prevê a condenação da aqui Apelante em €86.200,00, alicerçada em autos totalmente alheios a este, acabando por, em bom rigor, proferir uma sentença ultra petitium, ficando a Recorrente duplamente prejudicada.
29. Em bom rigor, tal sentença constitui uma dupla penalização da Recorrente, pois se pelas bandas do acordo ficou líquido que as partes extinguiram as dívidas peticionadas pelo Autor no valor de €215.091,43, por outro, encontra-se plasmado na sentença ora recorrida que haverá lugar ao pagamento de €86.200,00.
30. De facto, atento o pedido formulado e a concreta factualidade discriminada nos presentes autos impunha-se a total improcedência desta ação, já que ao dar como bom o acordo fechado entre as partes, o Tribunal ad quo reconheceu que a Recorrida não tem direito a receber as retenções prestadas ao abrigo dos contratos de subempreitada por já ter disposto das mesmas.
31. Termos em que se verifica a nulidade prevista na alínea e) do artigo 615º, n.º 1, do CPC, o que, desde já, se invoca para os devidos efeitos legais, devendo ser a sentença proferida revogada e consequentemente substituída por uma outra que determine a total improcedência do peticionado. Sem prescindir,
32. A presente pretensão recursiva abrange quer a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova, que o Tribunal ad quo julgou erroneamente, e bem assim não aplicou, como o devia fazer, o direito à matéria de facto.
33. Dito isto, a Recorrente considera que o Tribunal ad quo deu como provados factos incorretamente julgados, os quais se passam a discriminar infra:
34. No facto 60) dos factos dados como provados, o Tribunal ad quo deu como provado que: “Os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados íntegra, nos termos contratados e sem defeitos”
35.. Sucede que, não resulta de qualquer depoimento testemunhal, nem dos documentos apresentados pelas partes, e admitidos aos autos, que os trabalhos referentes às obras supra identificadas, foram executados na íntegra, nos termos contratados e sem defeitos como escorre da sentença recorrida.
36.. Em bom rigor, dos factos provados 10 e 11, 15 e 16, 20 e 21, 26 e 27, 31 e 32, 36 e 37, 41 e 42, 46 e 47, 51 e 52, 56 e 57, resulta que o prazo de garantia dos trabalhos realizados pela Autora/Recorrida é de 10 anos.
37. E dos factos provados 12, 17, 23, 28, 33, 38, 43, 48, 53 e 58, que os trabalhos executados pela autora/recorrida ainda não foram objeto de receção definitiva.
38. Também resulta dos autos e das datas de conclusão dos trabalhos prevista contratualmente constantes dos factos provados 9 (27/08/2013), 14 (11/12/2015), 19 (17/05/2014), 25 (23/01/2015), 30 (14/08/2015), 35 (31/03/2015), 40 (31/01/2017), 45 (13/01/2017), 50 (20/07/2017) e 55 (23/09/2016), que os prazos de garantia de 10 dos trabalhos, ao abrigo dos respetivos contratos, não se encontram esgotados.
39. O que significa que o prazo de garantia ainda se encontra em curso, e que a Recorrida ainda pode ser responsabilizada pela existência de defeitos que venham a surgir até ao termo desse prazo de garantia de 10 anos.
40.. Vale por isto dizer que, a obrigação contratual de eliminação de defeitos que eventualmente venham a surgir durante o prazo de garantia e até ao seu termo (o que não se apurou em concreto para cada contrato em causa nos autos) não se encontra cumprida totalmente.
41. Por outras palavras, nunca poderia o Tribunal ad quo ter julgado como provado o facto 60, pois o termo “na íntegra” comporta um cumprimento integral, total e definitivo que não se verifica, sendo que o termo “sem defeitos”, sempre levaria à conceção errónea de que os trabalhos referentes às obras se encontram à data, e futuramente, sem ocorrência de defeitos, o que igualmente é merecedor de censura na medida em que não se vislumbra possível aferir da existência ou inexistência de defeitos à posterior.
42. Assim, do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta apenas refletido que até à data nenhum defeito havia sido reportado, o que não permite concluir que não os mesmos não irão suceder, estando os prazos de garantia ainda em curso.
43. Por outras palavras, a todo o tempo e até ao termo dos prazos de garantia respetivos, podem ser apurados e denunciados defeitos, ao abrigo dos contratos celebrados, eplo que não se poderá concluir - como concluiu o Tribunal ad quo - que as obras foram “executados íntegra, nos termos contratados e sem defeitos”, como verte o ponto 60, dado como provado na sentença alvo de recurso.
44. Assim, pelo exposto e pelo douto suprimento, deve ser alterado o facto provado 60, sendo o mesmo alterado por: Os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados íntegra, nos termos contratados e sem denúncia de defeitos até à data, mas ainda sujeitos à obrigação de boa execução durante o prazo de garantia, o que se requer para os devidos efeitos legais. Sem prescindir,
45. No facto 66., o Tribunal ad quo deu como provado que:
“66.A Ré EMP02..., SA aceitou antecipar o vencimento do crédito referido em 59), detido pela EMP01..., SA, prescindido da retenção desse capital a título caução antes do decurso integral dos prazos de garantia (05 e 10 anos).”
46. Sucede que, da prova produzida quanto ao acordo celebrado entre a Recorrente e a Recorrida decorre que a Recorrente aceitou antecipar a liberação das retenções (e não do “crédito”, conforme veremos de seguida) apenas e só no âmbito e para o efeito do identificado acordo, conforme resulta da factualidade provada n.º 60 a 65, e não para quaisquer outros efeitos.
47. Assim, e por tudo quanto se disse até agora e sem prejuízo do mencionado de seguida, o facto 66 deverá ser objeto de alteração, devendo passar a ter a seguinte redação: “66. No âmbito do acordo descrito no facto 61, a Ré EMP02..., SA, aceitou antecipar as retenções referidas em 59), detido pela EMP01..., SA, antes do decurso do prazo de garantia de 10 anos, apenas e só no âmbito e para o efeito do identificado acordo, conforme resulta da factualidade provada n.º 60 a 65. E não para quaisquer outros efeitos.”                              
48. Não obstante, o facto 66 padece ainda de erro de julgamento quando refere que os prazos de garantia eram de 5 e 10 anos, pois, resulta provado dos documentos juntos (contratos de subempreitada) e dos factos provados que os consideraram, designadamente dos factos 10, 15, 20, 26, 31, 36, 41, 46, 51 e 56, que os prazos de garantia contratados e acordados eram todos de 10 anos, não se encontrando previsto qualquer prazo de 5 anos de garantia.
49. Assim, o facto 66 não deve referir-se ao prazo de 5 anos de garantia, mas somente ao de 10 anos, passando a ter a seguinte redação, sem prejuízo do referido de seguida:
50. Ainda, o Tribunal ad quo qualificou o valor referido no facto 59) como um “crédito”, quando mencionado no facto 66: “(…) aceitou antecipar o vencimento do crédito referido em 59) (…)”.
51. Sendo que, o facto 59 apresenta a seguinte redação: “O valor total das retenções efetuadas ao abrigo dos contratos mencionados em 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foi de 215.091,43€”. 52. Vale por isto dizer que, o que resulta provado do facto 59 é o valor das retenções.
53. Pelo que, em termos de matéria de facto e atendendo à remissão do facto 66 para o facto 59, o que deveria constar era o seguinte: “(…) aceitou antecipar o vencimento das retenções referido em 59) (…)”.
54. De resto, compulsada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, houve sempre menção a retenções e nunca a créditos – veja-se a este propósito o depoimento da testemunha AA (Ficheiro áudio n.º
20230117155232_6040718_2870507, tempo de áudio 10:07, dia 17/01/2023
(audiência de julgamento)), minutos [00:05:32] a [00:06:19].
55. Ademais, refira-se que resulta dos pontos 73. a 75., dos factos dados como provados, que a Recorrente foi notificada no âmbito da execução n.º 3668/17...., nos termos do artigo 773.º do CPC, para se pronunciar quanto à existência de créditos a favor da EMP01..., o que veio a fazer em sentido positivo.
56. Contudo, tal factualidade dada como provada carece uma vez mais, de enquadramento geral, não podendo ser desgarrada do facto de a Recorrente não ter tido oportunidade de nos presentes autos, de se pronunciar quer quanto à declaração plasmada no ponto 74), que adiante-se desde já que foi feita por funcionário da Recorrente, que desconhecia por completo a qualificação jurídica a atribuir às retenções efetuadas no âmbito dos contratos de subempreitada, bem como da penhora propriamente dita e ainda os prazos de vencimento ali vertidos. Sem prescindir,
57. Posto isto, e salvo melhor opinião, estamos em crer o Tribunal ad quo levou a efeito uma errónea interpretação e subsunção dos factos e do Direito, o que culminou na prolação de uma decisão violadora de vários preceitos legais – os quais iremos discriminar infra – e, bem assim, na produção de um resultado que se nos afigura injusto substantivamente.
58. Assim, e após a presente pronúncia recursiva, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal ad quem se encontrará em condições de rever e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, sem prescindir das nulidades que lhe são assacadas supra.
59. É entendimento da Recorrente que o Tribunal ad quo incorreu em erro de julgamento no que respeita à qualificação jurídica das retenções identificadas nos autos como um “crédito”, sendo este, salvo melhor entendimento, uma errónea qualificação.
60. Isto por que estamos nestes autos, perante relações jurídicas em que existem duas principais obrigações: por um lado, a da Recorrida, como subempreiteira, de realizar a obra/trabalhos subcontratados, e por outro, a obrigação da Recorrente, de pagar esses trabalhos.
61. Sendo a Recorrente credora da obrigação da Recorrida da execução dos trabalhos subcontratados, e esta, credora dos montantes acordados a título de prestação monetária pela sua execução.
62. Resulta ainda, como vimos, do disposto nos artigos 406º e 1208º do CCIV, que o subempreiteiro (neste caso, a recorrida) deve executar os trabalhos contratados em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário.
63. Assim, e ao abrigo do princípio da liberdade contratual, enquanto corolário do princípio da autonomia privada, no âmbito daqueles contratos de subempreitada, e como dado por provado no ponto 59 da douta sentença, foram levadas a efeito retenções no montante de €215.091,43, a título de caução para garantia do bom cumprimento daqueles. O mecanismo de funcionamento das referidas cauções assentava no seguinte:
a. Em cada fatura era deduzido o montante de 10% ou de 5% (nos contratos 40), 45) e 50), por essa forma se constituindo uma caução para garantia do bom cumprimento do contrato;
b. As obras apresentam prazo de garantia de 10 anos;
c. Após a conclusão da obra, a mesma era recebida provisoriamente mediante a elaboração do correspondente auto de receção provisória;
d. Durante o prazo de garantia, a subempreiteira fica obrigada a reparar os defeitos existentes e, caso não o fizesse, a empreiteira poderia realizar tal reparação por si ou através de terceiro, mediante o acionamento das cauções prestadas;
e. A liberação das cauções prestadas apenas tem lugar verificado que seja o prazo de garantia de 10 anos e, bem assim, quando, após esse prazo (apenas), seja elaborado auto de receção definitiva que ateste que a obra se encontra em condições de ser recebida definitivamente por não ter quaisquer defeitos.
64. Isto posto, diga-se, antes de mais, que o cumprimento integral da obrigação de resultado da execução dos trabalhos, sem vícios nem defeitos, apenas se concretiza no final do prazo de garantia, e aquando da receção definitiva, que verifica esse integral cumprimento, pelo que é credora desta obrigação de resultado a Recorrente e devedora desta obrigação a Recorrida.
65. Tendo sido as retenções efetuadas servido de caução para garantia da boa execução.
66. Ora, a respeito do regime da caução, alvitra-se que a caução encontra-se regulada de uma forma genérica na lei, nos arts. 623.º e s. do CC, no capítulo reservado às garantias especiais das obrigações, sendo que decorre da disciplina legal da caução que ela pode ser imposta ou autorizada por lei, decisão judicial ou estipulada negocialmente, assumindo, consoante os casos, as mais várias formas.
67. Neste enquadramento legal e tendo em conta as concretas relações jurídicas em causa nos autos, o credor é a Recorrente (credora da obrigação dos trabalhos por si contratados - e pagos - não padecerem de defeitos, nem vícios).
68. Sendo que, como se disse, as retenções caucionam o cumprimento dessa obrigação, pelo que o devedor dessa obrigação é a Recorrida.
69. Dito isto, a conversão de uma obrigação de resultado, de um dever ao qual se encontra associado uma caução que garante o seu cumprimento, em crédito, ou seja, em direito patrimonial, a favor da Recorrida, consiste numa total subversão do contratualmente acordado entre as partes e do regime legal aplicável, como vimos.
70. Refira-se, também, que de acordo com a natureza jurídica que assume a caução prestada, nunca aquela poderia ter sido penhorada no âmbito do processo executivo n.º 3668/17...., já que, em bom rigor, não é legalmente admissível a penhora de caução prestada a título de garantia para a boa execução do contrato - neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 9750575, datado de 27-10-1997, disponível em www.dgsi.pt.
71. Isto posto, o Tribunal ad quo incorre em erro de julgamento já que a caução em causa nos presentes autos não assume natureza de crédito, pelo que não poderia ter sido penhorada, sendo, portanto, a penhora de desconsiderar face ao acordo compensatório celebrado pelas partes e dado como bom pelo Tribunal ad quo.
72. Pelo que, requer-se a revogação da sentença proferida, por erro de julgamento na subsunção dos factos ao Direito, tudo com as devidas consequências legais. Sem prescindir,
73. Nos presentes autos, deu-se como provado – pontos 73 a 75 – que a ora Recorrente declarou em sede de processo executivo ter créditos condicionados da EMP01..., S.A., no entanto, não se pode ignorar um evidente erro na declaração por parte de quem prestou essa informação.
74. Antes de mais, esclareça-se que o facto provado n. º74 considera que a “Ré declarou”, mas não foi a Ré/Recorrente, mas sim uma colaboradora sua chamada BB que integra o departamento de contabilidade, que procedeu à consulta da conta corrente e respondeu ao Agente de Execução (doravante e por económica AE).
75. É claro que esta matéria podia e devia ter sido objeto dos autos, atendendo à relevância factual e jurídica que a sentença deu aos factos 73, 74 e 75, que foram trazidos aos autos, sem que, em bom rigor, qualquer direito ao exercício do contraditório pela Ré/Recorrente, como já vimos em sede de arguição de nulidade desta decisão, em recurso.
76. Sucede que, a resposta a uma penhora constitui matéria eminentemente jurídica e de complexidade, como vimos supra, sendo que, em abono da verdade, sem instruções superiores e sem conhecimentos jurídicos que respaldasse o teor da resposta, a referida BB respondeu ao AE, nos termos constantes do documento junto aos autos e considerado como provado no facto 74.
77. Pelo que, não podemos aceitar que se considere que tenha sido a Ré, ora Recorrente, a declarar, pois que tal declaração não se encontra subscrita nem pela administração, nem por procurador da Recorrente, nem tampouco resultou de instruções desta.
78. Em face do exposto, verifica-se que existe aqui um erro material na declaração, que o Tribunal ad quo poderia e deveria ter suprido, de acordo com o disposto no art. 239º do CCIV.
79. Por outro lado, existe igualmente, um erro nesta declaração, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 236º do CCIV.
80. A mais, o supra mencionado, entronca uma vez mais, na tão clamada, decisão surpresa.
81. Isto porque, não facultou o tribunal a quo, como é devido, uma audiência de discussão e julgamento, onde fosse possível às partes escamotear esta e todas as questões de real importância.
82. Onde fosse possível à ora recorrente, arrolar para prova testemunhal a já identificada, BB que prestou a aludida declaração, que como se viu supra, desconhece os termos jurídicos, bem como as suas consequências.
83. A verdade, é que esta matéria podia e devia ter sido objeto dos autos, atendendo à relevância factual e jurídica que a sentença deu aos factos, e sobretudo “a declaração” que constitui em bom rigor o epicentro dos presentes autos.
84. Acresce que, em bom rigor, a colaboradora declarante não tinha conhecimentos jurídicos para perceber o âmbito e a extensão do que estava a declarar, devendo nessa senda, a aludida parte ser ouvida para aferir do teor das suas declarações.
85. Refira-se ainda que, o acórdão de 07.06.2023, do tribunal da Relação de Guimarães, revogou a sentença a datada de 23.01.2023, uma vez que se considerou por não respeitado o princípio do contraditório, ordenado assim por essa via que fosse concebido às partes a possibilidade de contraditar. Tendo a ora recorrente, explanado entre outros, o facto de nunca ter sido discutido ou dado qualquer relevância à alegada penhora de créditos, não sendo como já foi amplamente vertido, a causa de pedir dos presentes autos.
86. Ou seja, uma vez mais o tribunal ad quo, salvo o devido e merecido respeito, não cumpriu com o ordenado, colidindo uma vez mais com o princípio do contraditório, bastando-se a emanar despacho a aferir o estado dos autos executivos n.º 3668/17.....
87. Porquanto crê a Recorrente, com firme convicção que uma vez mais, viu e vê violado e coartado o seu direito ao contraditório, na medida em que, dispõe a lei, que mesmo depois de encerrada a audiência, o juiz pode reabri-la para que se proceda a diligências complementares de instrução da causa. Tal significa que o processo deve regressar à fase da audiência de julgamento, aproveitando-se toda a prova produzida, mas observando-se o contraditório relativamente aos factos agora em pleito.
88. Vale isto por dizer que, deveria o Mmº Juiz a quo proferir despacho informando as partes da possibilidade de o Tribunal, na sentença final, atender a tais factos, e concedendo às mesmas a possibilidade de indicarem e produzirem prova, o que se repita, não sucedeu.
89. Só assim seria observado o contraditório, ou seja, só assim seriam produzidas as provas que houver que produzir relativamente aos factos, devendo por essa via a audiência ser concluída, com a produção de alegações.
90. É assim , entendimento da Recorrente que houve violação do princípio do inquisitório, o qual resulta plasmada no artigo 411.º do CPC, que estipula que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, bem como violação do princípio do contraditório, na medida em que, deveria o tribunal a quo fazer regressar os autos à fase de audiência de julgamento, com vista a ser produzida prova, mormente a ser ouvida em sede de prova testemunhal a referida BB. Sem embargo,
91. No caso das relações jurídicas dos autos, a aceitação ocorre com a receção provisória dos trabalhos, vulgo, obras, iniciando-se depois um prazo de garantia, que como já vimos, no caso dos trabalhos executados pela Recorrida é de 10 anos.
92. Assim, e em face da factualidade dada por assente pelo Tribunal ad quo a respeito dos contratos de subempreitada, sempre se dirá que a obrigação inscrita na esfera jurídica da Recorrente, isto é, de devolução das retenções prestadas, caracteriza-se, no que concerne ao tempo do seu vencimento, por ser:
1. A PRAZO: porquanto não pode exigir o seu cumprimento antes de decorrido o prazo de garantia que foi fixado contratualmente em 10 (dez) anos;
Sendo certo que o próprio PRAZO da obrigação qualifica-se como: 2. CONVENCIONAL: porque fixado contratualmente por acordo entre as Partes à luz do princípio da liberdade contratual;
3. ORIGINÁRIO: na medida em que é contemporâneo da obrigação;
4. SUSPENSIVO: em virtude de o seu vencimento ocorrer após a Receção Definitiva da                             Subempreitada pelo Dono de Obra, a qual por sua vez sucederá findo o prazo de garantia dos trabalhos que constituem a Subempreitada, a saber 10 (dez) anos a contar da data em que o Dono da Obra rececionou provisoriamente a obra;
5. ESSENCIAL OBJECTIVO: a essencialidade do prazo da obrigação in casu resulta de o facto da mesma ser enxertada de uma garantia constituída a favor da Empreiteira Recorrente que, pela sua própria natureza, está ligada ao decurso de um período de tempo – o chamado “prazo de garantia”; de modo que o prazo está assim intimamente ligado ao conteúdo da prestação.
93. In casu, na perspetiva da Recorrida, enquanto credora, o negócio foi celebrado sob condição suspensiva; por sua vez, já na ótica da Recorrente, na qualidade de devedora, este mesmo negócio espelha uma condição resolutiva, a qual é “suspensiva da dissolução” do negócio condicionado celebrado. Em suma, trata-se, no fundo, “das duas faces da mesma moeda”.
94. Isto posto, tendo presente que o prazo de garantia dos vários contratos de subempreitada encontra-se, ainda, à data de hoje, em curso, e bem assim, que não se encontram verificados todos os requisitos de que depende(ria) a liberação das retenções prestadas a título de caução para a boa execução do contrato, a sentença recorrida, que condena a ora Recorrente ao pagamento no montante de €86.200,00, de modo imediato, a favor da Massa Insolvente, por alegada inoponibilidade da penhora – ilegal, frise-se – ao acordo compensatório celebrado, sempre se terá como violadora do disposto no artigo 779.º do Código Civil.
95. De facto, a Recorrida, na qualidade de credora, nunca poderia exigir o cumprimento desta obrigação antes do vencimento do prazo convencionado, o que, e de acordo com a factualidade provada nos presentes autos, através da propositura da presente ação acabou por fazer.
96. Melhor dizendo, a Recorrida, bem conhecendo todas as condições de que dependia a liberação das cauções, designadamente, a necessidade do decurso do prazo de garantia de 10 anos e da elaboração do auto de vistoria para efeitos de receção definitiva, não se imiscuiu de intentar a presente ação quando sabia perfeitamente que esse direito ainda não lhe assistia. 97. E mesmo que, teoricamente, assistisse, a Recorrida era conhecedora – porque tinha de o ser – da celebração do acordo compensatório que visou saldar dívidas que aquela detinha, dispondo das retenções efetuadas ao abrigo do mesmo, não se imiscuindo, uma vez mais, de lançar mão dos presentes autos.
98. De todo o modo, em face da concreta factualidade dos presentes autos impunha-se, como se vem reiterando, a total improcedência do peticionado – a devolução das retenções prestadas ao abrigo de diversos contratos de subempreitada.
99. Não obstante a ora Recorrente entender que as retenções em discussão não constituem um crédito, mas sim uma garantia especial da obrigação de boa execução do contrato, motivo pelo qual nunca poderiam ter sido objeto de penhora, sempre se dirá que a condenação, no presente momento, ao pagamento da quantia de €86.200,00, é violadora do artigo 779.º do Código Civil, e bem assim, do artigo 780.º do Código Civil.
100. Antes de mais, alvitra-se que quem foi declarada insolvente foi a Subempreiteira, a qual deu origem à Massa Insolvente, ou seja, a Recorrida nos presentes autos.
101. Assim sendo, e salvo melhor opinião, verifica-se que o sentido da decisão recorrida teve o condão de inverter a regra da perda do benefício do prazo, subvertendo a própria ratio legis da norma legal.
102. Por outras palavras, ao condenar a Recorrente no pagamento imediato das “cauções de garantia”, a decisão proferida acabou por premiar a subempreiteira com base na sua própria declaração de insolvência, a qual, recorde-se, consubstancia o reconhecimento judicial de uma “situação de insolvência” segundo a qual “o devedor que se encontre[a] impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
103. Ora, a norma aqui em apreço visa tutelar o interesse do credor, permitindo-lhe exigir imediatamente o cumprimento da obrigação por parte do devedor, quando este último seja declarado insolvente, ou esteja numa situação de insolvência ainda que não declarada judicialmente.
104. Dito isto, a norma não visa, em caso algum, beneficiar o credor pela sua própria situação de insolvência. Conforme flui dos autos, a Recorrente não foi declarada insolvente, nem tampouco se encontra numa situação de insolvência; já em relação à Recorrida, tratando-se de uma massa insolvente, pouco ou nada cumpre acrescentar.
105. Pelo que, em caso e em momento algum, a Recorrente poderia e deveria ter perdido o benefício do prazo. Já não tanto assim em relação à Recorrida, e às suas obrigações [durante o prazo de garantia] de corrigir, à sua custa, todos os defeitos existentes que lhe sejam imputáveis, nos termos e nos prazos que a Primeira Contraente venha a indicar.
106. Aliás, em bom rigor, a questão da perda do benefício do prazo coloca-se em relação à Recorrida, a qual, por ter sido declarada insolvente, e por ter cessado qualquer atividade, jamais estará em condições de cumprir com as suas obrigações caso se venham a verificar o aparecimento de defeitos até ao terminus do prazo de garantia.
107. No entanto, voltando ao caso, conclui-se inelutavelmente que a decisão recorrida acabou por violar clamorosamente o artigo 780.º do C.C., ao inverter indevidamente a regra da perda do benefício do prazo a favor da Recorrente, subvertendo a própria ratio legis do preceito. Ainda,
108. Sempre se refira que a decisão do Tribunal ad quo violou o disposto no artigo 610.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação”.
109. Neste âmbito, refira-se, uma vez mais, que a obrigação de devolução das retenções prestadas tem prazo resolutivo de 10 anos, o qual se encontra ainda a correr. 110. Assim sendo, conclui-se inelutavelmente que, mesmo que a obrigação pudesse ser reconhecida através da douta sentença recorrida, o facto de a mesma não ser exigível, levaria a que a Recorrente fosse “condenado[a] a satisfazer a prestação no momento próprio” nos termos do nº 1 do citado artigo 610.º do C.P.C.
111. Contudo, mesmo que assim não fosse, i.e., mesmo que não houvesse litígio relativamente à existência da obrigação, e ainda que a mesma se vencesse em data posterior à decisão, a Recorrente deveria ter sido condenada a satisfazer a prestação “sem prejuízo do prazo” de acordo com a alínea a) do nº 2 do referido artigo 610.º do C.P.C.
112. Posto isto, poderá concluir-se, com alguma propriedade, que o artigo 610.º do C.P.C. acaba por constituir a refração ou a garantia a nível processual do benefício do prazo estabelecido na Lei substantiva no já citado artigo 779.º do C.C.
113. Por outras palavras, a sentença recorrida também violou o disposto no artigo 610.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC.
114. No mais, refira-se, ainda, que conforme se retira do ponto anterior, o busílis da questão radicava no prazo e na exigibilidade da obrigação. Todavia, também conforme já se viu exaustivamente, ao negócio jurídico celebrado pelas Partes foi aposta uma condição.
115. Dito isto, somos do entendimento, devidamente sustentado, que quando o juiz constate que a condição suspensiva, estipulada pelas partes (art. 270 CC), não está verificada, designadamente:
1) Decurso do prazo de garantia: 10 anos a contar da data em que o Dono da Obra rececione provisoriamente a obra;
2) Elaboração de um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada, no qual se verificarão duas situações:
a. Caso a obra se encontre em condições de ser recebida, isso mesmo será declarado no respetivo Auto;
b. Caso se verifiquem deficiências, elas serão exaradas no Auto e a Primeira Contraente fixará um prazo para a Segunda Contraente proceder às reparações necessárias. Logo que estejam concluídas e aceites pela Primeira Contraente, será emitido um Auto de Receção Definitiva.
116. Dependendo o direito invocado (de devolução das garantias) da observância desses requisitos, sendo que na data da prolação da referida sentença os mesmos não se encontram verificados, o direito não pode ser reconhecimento ou constituído e o réu há de ser absolvido do pedido.
117. Posto isto, e salvo melhor opinião, a decisão recorrida acabou também por fazer uma errada interpretação do artigo 621.º do C.P.C., porquanto não foi capaz de vislumbrar que “não esta(va) verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto.”
118. Acresce que do próprio auto de penhora resulta que o valor (indevidamente, diga-se) penhorado apenas se venceria em momento posterior à data de prolação da sentença recorrida.
119. Motivo pelo qual, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma outra que observe o disposto no artigo 610.º e 621.º do CPC, o que, desde já, se requer, para os devidos efeitos legais. Ainda,
120. A sentença proferida e que ora se sindica é violadora do princípio da liberdade contratual, vertido no artigo 405.º do CC.
121. Uma vez que, no caso sub judice, as Partes celebraram diversos contratos de subempreitada, fixando livremente o respetivo conteúdo, designadamente reunindo diversas regras de diferentes negócios jurídicos típicos e atípicos. Por outras palavras, as Partes conformaram o respetivo conteúdo contratual de acordo com os seus interesses e vontades.
122. A sentença recorrida acabou por violar grosseiramente o artigo 405.º do C.C., na medida em que, sem qualquer fundamento, alterou o conteúdo contratual fixado livremente pelas Partes, designadamente eliminando o chamado “prazo de garantia fixado” bem como as condições resolutivas estabelecidas contratualmente, na medida em que, as partes acordarem por sua livre e espontânea vontade, ao abrigo da clamada liberdade contratual que lhes assiste, tendo a sentença ora recorrida, subvertido e enviesar o contratualizado pelas partes.
123. Refira-se ainda que salvo melhor opinião, parece indiscutível que o prazo de garantia foi estabelecido a favor da Recorrente, enquanto devedora da prestação (condicionada) de devolução das quantias retidas / caucionadas. Assim sendo, a Recorrida na qualidade de credora, não poderá exigir o cumprimento desta obrigação antes do vencimento do prazo convencionado.
124. Contudo, sentença ora recorrida, ao decidir pela condenação em €86.200,00 (oitenta e seis mil e duzentos euros, está a violar ostensivamente o artigo 779.º do C.C. e a regra basilar do benefício do prazo.
125. De igual modo, é entendimento da Recorrente que houve igualmente a violação do acordo compensatório firmado entre as partes e que, no mais, foi dado como bom pelo próprio Tribunal ad quo, designadamente, pela sua subversão.
126. Em bom rigor, o acordo compensatório beneficiou a sociedade EMP01..., S.A., e consequentemente, a aqui Recorrida, uma vez que viu o seu passivo diminuir por conta da sua celebração. Sem embargo,
127. É, ainda, entendimento da ora Recorrente que os presentes autos sempre deveriam improceder uma vez que a condenação no pagamento da quantia de €86.200,00 constitui um abuso de direito, por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do mesmo.
128. De facto, está em causa a celebração de vários contratos de subempreitada que, em bom rigor, e no que respeita ao prazo de garantia dos mesmos, ainda se encontram a decorrer.        
129. No mais, a Recorrida é a Massa Insolvente nascida de uma Insolvente declarada judicialmente como tal, em virtude de se encontrar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vincendas, uma vez que deixou de ter qualquer atividade, não tendo trabalhadores, materiais, ferramentas, entre outros meios, não tendo, portanto, capacidade de proceder a qualquer reparação que se venha a tornar necessária.
130. Ainda, refira-se que, em bom rigor, a Recorrida, consubstanciada numa Massa Insolvente, demandou a aqui Recorrente para receber uma prestação que já havia sido prestada.
131. Vale por isto dizer que a Recorrida está a tentar receber a sua prestação sem assegurar a respetiva contrapartida: a eventual reparação de defeitos que venham a aparecer, e bem assim, bem sabendo que já dispôs daquela no âmbito de um acordo anterior e celebrado também em seu benefício.
132. Ora, ao fazê-lo, a Recorrida está a exceder os mais elementares ditames da boa fé e o próprio fim económico do direito que porventura lhe pudesse assistir.
133. Contudo e Infelizmente, foi precisamente o que o Tribunal ad quo fez ao proferir a sentença objeto da presente impugnação, o qual viola ostensivamente o artigo 334.º do Código Civil, sendo o abuso de Direito de conhecimento oficioso. Sem prescindir,
134. Advoga-se que, tendo a Insolvente EMP01..., S.A., celebrado acordo em que utilizou as retenções efetuadas ao abrigo dos contratos de subempreitada já identificados para diminuir o passivo, com a prolação da sentença ora recorrida, a Recorrida enriquece sem uma justa causa.
135. Porquanto, admitir-se uma sentença que condena a Recorrente ao pagamento de 86.200,00 Euros mais não é que invalidar o acordo firmados pelas partes (e reconhecido pelo tribunal a quo) permitindo à Recorrida que utilizou as retenções efetuadas ao abrigo dos contratos de subempreitada já identificados para diminuir o passivo, enriquecer à custa da ora recorrente, que se vê sem as retenções, com a possibilidade de ter de arcar por si os custos de reparação de eventuais defeitos que surjam, tendo ainda de pagar montante que a própria EMP01..., S.A., dispôs com a celebração do acordo.
136.  Deste modo, a sentença em causa deve ser revogada, sendo substituída por uma outra que determine a improcedência total do pedido da Recorrida.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
1. se a sentença é nula por excesso de pronúncia, por condenação em objeto diverso do pedido e ultrapetitum e por decisão-surpresa;
2. se ocorreu erro na apreciação da prova, conhecendo da impugnação da matéria de facto provada;
3. se as retenções efetuadas pela Recorrente são um crédito da Recorrida e se a sentença violou o artigo 779.º do CC, quanto ao “benefício do prazo” de garantia;
4. se se deve considerar que ocorreu um erro na declaração aquando da penhora;
5. se foi violado o disposto no artigo 610.º do Código de Processo Civil;
6. se o princípio da autonomia privada não foi desrespeitado;
7. se ocorreu abuso de Direito e enriquecimento sem causa

III- Fundamentação de Facto

Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença, com indicação das alterações provenientes da decisão da impugnação da matéria de facto efetuada neste recurso:

A) Factos Provados:

1. A sociedade anónima EMP01..., SA foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 244/19.... (Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz ...), por sentença proferida às 19.15h, do dia 30/04/2019, a qual transitou em julgado a 22/05/2019 (nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
2. No processo referido em 1), foi nomeado como administrador da insolvência o Dr. CC;
3. No dia 17/06/2019, realizou-se assembleia de credores para apreciação de relatório e, nessa data, ordenado o prosseguimento dos autos apresentação de um plano de insolvência no prazo de 60 dias;
4. Apresentado plano de insolvência pela devedora EMP01..., SA, por despacho de 30/01/2020, o mesmo foi julgado não aprovado e, como tal, declarada cessada a administração da massa insolvente pela devedora e determinado o prosseguimento dos autos para liquidação, com encerramento imediato da atividade da insolvente;
5. A insolvente EMP01..., SA dedicava-se à fabricação, comercialização, aplicação de materiais pré-esforçados, pré-fabricados, à conceção de projetos na área de pré-fabricação em betão e produtos afins,
6. A Ré EMP02..., SA dedica-se à atividade de construção civil;
7. No exercício desta sua atividade, a Ré EMP02..., SA celebrou com a EMP04... um contrato de empreitada referente à construção de edifício, designado como “...”, sito em ..., ...;
8. Na qualidade de adjudicatária da referida obra, no dia 06/06/2013, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou a realizar os trabalhos conexos com a estrutura de betão do “...”, pelo valor de 1.539,000,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...08 –docs. ... e ... - e que aqui se dão por reproduzido);
9. Nos termos do contrato referido em 8), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de fatura, emitida com base em auto de medição mensal, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2013 [cláusula 5.ª];
10. Nos termos do contrato referido em 8), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 9) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª];
11. Nos termos do contrato referido em 8), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
12. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 8), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
13. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral de «Expansão do ... – EMP04...», no dia 27/10/2015, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou a realizar os trabalhos de betão «Madre M40», pelo valor de 95.400,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...08 – doc. ... e ... - e que aqui se dá por reproduzido);
14. Nos termos do contrato referido em 13), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2015 [cláusula 5.ª];
15. Nos termos do contrato referido em 13), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contados desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 14) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª];
16. Nos termos do contrato referido em 13), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achesse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
17. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 13), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
18. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «... – 1.ª fase», em ..., no dia 17/12/2014, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou a realizar os trabalhos de «estrutura pré-fabricada», pelo valor de 525.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...20 - docs. ... e ... - e que aqui se dá por reproduzido);
19. Nos termos do contrato referido em 18), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2014 [cláusula 5.ª];
20. Nos termos do contrato referido em 18), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contados desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 19) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª];
21. Nos termos do contrato referido em 18), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achesse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
22. Por documento reduzido a escrito, celebrado a ../../2014, intitulado de «conta final do contrato», a EMP02..., SA e a EMP01..., SA acertaram que o valor final dos trabalhos realizados e dos trabalhos a mais executados foi o de 532.669,08€, acrescido de IVA, tudo sem prejuízo «das retenções contratuais efetuadas pela EMP02..., SA, que funcionarão conforme previsto no contrato e anexos subscritos, bem como todos os trabalhos que sejam obrigação do subempreiteiro a executar durante o período de garantia, conforme estabelecido no contrato e anexos» [tudo em conformidade com o documento n.º ... que aqui se dá por reproduzido]
23. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 18), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
24. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «... – 2.ª fase», em ..., no dia 31/10/2014, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou a realizar os trabalhos de «estrutura pré-fabricada», pelo valor de 615.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...60 - docs. ... e ... - e que aqui se dá por reproduzido);
25. Nos termos do contrato referido em 24), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2015 [cláusula 5.ª];
26. Nos termos do contrato referido em 24), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 25) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª];
27. Nos termos do contrato referido em 24), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
28. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 24), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
29. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «... – 4.ª fase», em ..., no dia 26/06/2015, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou a realizar os trabalhos de «estrutura pré-fabricada», pelo valor de 225.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...60 - docs. ... - e que aqui se dá por reproduzido);
30. Nos termos do contrato referido em 29), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2015 [cláusula 5.ª];
31. Nos termos do contrato referido em 29), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 30) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª];
32. Nos termos do contrato referido em 29), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
33. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 29), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
34. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «EMP05...», em ..., ..., cujo dono da obra era EMP05... – Produtos Médicos e Farmacêuticos, Ld.ª, no dia 10/01/2015, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou ao fornecimento, transporte e montagem de «estrutura pré-fabricada», pelo valor de 237.500,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...60 - docs. ...0 - e que aqui se dá por reproduzido);
35. Nos termos do contrato referido em 34), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2015 [cláusula 5.ª];
36. Nos termos do contrato referido em 34), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 35) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª]
37. Nos termos do contrato referido em 34), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
38. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 34), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
39. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «...», em ..., cujo dono da obra era EMP06... S.A.U. – Sucrusal em Portugal, no dia 09/12/2016, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou ao fornecimento, transporte e montagem de «suporte de silos», pelo valor de 223.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...61 - docs. ...1 - e que aqui se dá por reproduzido);
40. Nos termos do contrato referido em 39), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 5% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2017 [cláusula 5.ª];
41. Nos termos do contrato referido em 39), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 40) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª]
42. Nos termos do contrato referido em 39), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
43. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 39), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
44. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «...», em ..., cujo dono da obra era EMP06... S.A.U. – Sucrusal em Portugal, no dia 06/12/2016, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou ao fornecimento, transporte e montagem de túneis em betão armado, para a obra designada por «subempreitada box», pelo valor de 41.400,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...61 - docs. ...2 - e que aqui se dá por reproduzido);
45. Nos termos do contrato referido em 44), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 5% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2017 [cláusula 5.ª];
46. Nos termos do contrato referido em 44), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contados desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 45) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª]
47. Nos termos do contrato referido em 44), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
48. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 44), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
49. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «Requalifica-ção da Segunda Circular – Ligação à Avenida ...», em ..., no dia 27/04/2017, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou ao fornecimento, transporte e montagem de lajes, painéis e cornijas pré-fabricadas em betão armado, pelo valor de 76.700,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...60 e que aqui se dá por reproduzido);
50. Nos termos do contrato referido em 49), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 5% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2017 [cláusula 5.ª];
51. Nos termos do contrato referido em 49), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contados desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 50) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª]
52. Nos termos do contrato referido em 49), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
53. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 49), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
54. Na qualidade de adjudicatária de empreitada geral denominada «EMP07...», na zona industrial de ..., em ..., no dia 08/06/2016, a Ré EMP02..., SA acertou com a EMP01..., SA um contrato de subempreitada, mediante o qual esta se obrigou ao fornecimento, transporte e montagem de estrutura pré-fabricada em betão armado, pelo valor de 247.500,00€, acrescido de IVA à taxa legal (tudo em conformidade com o teor integral do contrato junto sob a ref.ª ...60 e que aqui se dá por reproduzido);
55. Nos termos do contrato referido em 54), ficou acordado que o pagamento da obra seria feito mediante apresentação de faturas, emitidas com base em autos de medição mensais, retendo a Ré o equivalente a 10% de cada uma dessas faturas, para caução do bom cumprimento do contrato [clausula 4.ª], obra essa a concluir até ao dia ../../2016 [cláusula 5.ª];
56. Nos termos do contrato referido em 54), ficou ainda acordado que o prazo de garantia dos trabalhos que constituíam a subempreitada era de 10 anos, contado desde a data da receção provisória da obra, podendo o dono de obra acionar a caução referida em 55) para reparação de eventuais defeitos [clausula 6.ª]
57. Nos termos do contrato referido em 54), estabeleceu-se que, findo o prazo de garantia de 10 anos, seria realizado auto de vistoria para receção definitiva da obra e, caso a mesma se achasse em condições de ser recebida, por ausência de quaisquer deficiências, as quantias retidas seriam devolvidas (a 100%) pela EMP02..., SA à EMP01..., SA [cláusula 6.ª];
58. A EMP01..., SA concluiu a obra referida em 34), tendo sido elaborado, em momento não apurado, auto de receção provisória da obra, sem que, até à data, tenha sido elaborado auto de receção definitiva da mesma;
59. O valor total das retenções efetuadas ao abrigo dos contratos mencionados em 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foi de 215.091,43€;
60. Os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados íntegra, nos termos contratados e sem defeitos;
61. No dia 30/04/2019, por acordo reduzido a escrito celebrado entre EMP02..., SA (1.ª outorgante), EMP03..., SA (2.ª outorgante), EMP01..., SA (3.ª outorgante), e EMP08..., SA (4.ª outorgante), estas últimas três representadas pelos mesmos administradores (DD e EE) foi celebrado o seguinte acordo: «Considerando que: a) No âmbito das relações contratuais e comerciais entre si havidas, a SEGUNDA OUTORGANTE deve à PRIMEIRA OUTORGANTE, o montante de 465.441,57€;
b) No âmbito das relações contratuais e comerciais entre si havidas, a PRIMEIRA OUTORGANTE reteve a SEGUNDA OUTORGANTE, a título de caução para garantia do bom e pontual cumprimento dos trabalhos de subempreitada por esta executados para aquela, o montante de 215.091,43€, (…); c) A SEGUNDA OUTORGANTE é detentora de um crédito sobre a TERCEIRA OUTORGANTE, no valor de 231.707,99€, decorrente do pagamento de salários aos trabalhadores desta última, durante o ano de 2018 até ../../2019 (…); d) A SEGUNDA e TERCEIRA OUTORGANTES encontram-se em relação de grupo, sendo a totalidade do seu capital social detido pela QUARTA OUTORGANTE, havendo justificado interesse destas sociedades na celebração do presente acordo; É celebrado o presente ACORDO que se regerá pela seguinte CLÁUSULA ÚNICA: 1. Pelo presente, as OUTORGANTES expressamente acordam, por ser essa a sua real e esclarecida vontade, que, por intermédio do mecanismo de compensação de créditos, as dívidas existentes entre si se encontram saldadas até ao montante de 215.091,43€. 2- Deste modo, encontrando-se extinta a dívida da PRIMEIRA OUTORGANTE para com a TERCEIRA OUTORGANTE, entre as OUTORGANTES permanecem em dívidas as quantias que excedam o montante de 215.091,43€»;
62. Aquando da celebração do acordo referido em 61), a Ré EMP02..., SA detinha um crédito sobre a EMP03..., SA, no valor de 465.441,57€;
63. Aquando da celebração do acordo referido em 61), a EMP03..., SA detinha um crédito sobre a EMP01..., SA no valor de 231.707,99; 64. Aquando da celebração do acordo referido em 61), a totalidade do capital social da EMP03..., SA e da EMP01..., SA era detido pela EMP03... SGPS, SA
65. Aquando da celebração do acordo referido em 61), as sociedades nele intervenientes pretenderam efetuar um encontro de contas, acertando os créditos e débitos existentes entre elas;
66. A Ré EMP02..., SA aceitou antecipar o vencimento do crédito referido em 59), detido pela EMP01..., SA, prescindido da retenção desse capital a título caução antes do decurso integral dos prazos de garantia ( 10 anos) – redação proveniente da impugnação da matéria de facto, sendo que a anterior redação deste ponto era a seguinte “ A Ré EMP02..., SA aceitou antecipar o vencimento do crédito referido em 59), detido pela EMP01..., SA, prescindido da retenção desse capital a título caução antes do decurso integral dos prazos de garantia (05 e 10 anos)”.
67. As sociedades detidas pela EMP03... SGPS, SA, da qual a EMP03..., SA e da EMP01..., SA faziam parte, mantinham, à data, múltiplos negócios com a Ré EMP02..., SA, sendo habitual efetuarem compensações semelhantes às referidas em 61);
68. Os contratos referidos em 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) contemplam, na sua cláusula de «Pagamentos, deduções e retenções», entre o mais, o seguinte: «Os pagamentos poderão ser realizados pela primeira à segunda contraente, por intermédio de compensação com os créditos sobre a segunda outorgante ou qualquer empresa do grupo económico em que esta se insira (…) dando a segunda contratante, pelo presente, o seu expresso consentimento para tal»;
69. Por carta datada de 11/02/2021, a autora Massa Insolvente da EMP01... – PRÉ-FABRICADOS, SA interpelou a Ré EMP02..., SA a fim de que esta procedesse ao pagamento do valor global de 216.358,63, a título de retenções efetuadas em obas concluídas nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017;
70. Por carta datada de 18/02/2021, a Ré EMP02..., SA a negou dever a quantia solicitada em 69) e informou a autora do acordo descrito em 61).
71. No dia 09/04/2019, a sociedade EMP03..., SA foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 27481/18...., sentença esta que veio a ser revogada pode decisão judicial que transitou em julgado a 18/06/2019;
72. No dia 06/08/2019, a sociedade EMP03..., SA foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 6746/19...., por sentença transitada em julgado a 29/10/2019;
73. No dia 18/06/2018, no âmbito da execução n.º 3668/17...., a Ré EMP02..., SA foi notificada, nos termos do art.º 773.º do CPC, de que os créditos detidos pela EMP01..., SA se achavam penhorados até ao limite de 86.200,00€;
74. Na sequência da notificação referida em 73), a Ré declarou o seguinte: «Com referência ao V. ofício de 18/06/2018 (…), informamos que temos créditos perante a sociedade EMP01..., Sa, no montante de 215.091,43€, mas cuja obrigação reconhecemos de forma condicionada, uma vez que esses créditos respeitam todos a retenções contratuais prestadas para garantia de boa execução, cuja verificação está prevista começar a partir de 2020, no valor de 23.600,17€, e o restante valor a partir de 2027, caso inexistam vícios na empreitada que recamem a sua utilização, só então será possível aferir o saldo efetivo do fornecedor executado»;
75. No dia 05/04/2019, no âmbito da execução referidas em 73), foi elaborado auto de penhora no valor de 86.200,00€.

B) Factos Não Provados

a) O valor acertado para a subempreitada mencionada em 54) foi o de 262.613,77€;
b) No dia e hora da celebração do acordo referido em 61), a sociedade EMP01..., SA já havia sido declarada insolvente;
c) No dia e hora da celebração do acordo referido em 61), a declaração de insolvência da EMP01..., SA era do conhecimento dos legais representantes da mesma, bem como os legais representantes da Ré;
d) A Ré tinha conhecimento da declaração de insolvência referida em 71);
e) A Ré reclamou créditos na insolvência referida em 71);
f) As partes intervenientes no acordo referido em 61) não pretendiam celebrar qualquer compensação de créditos;
g) O acordo referido em 61) foi elaborado com o propósito de subtrair o valor referido em 59) aos credores da EMP01..., SA e não entregar tal quantia à respetiva massa insolvente.

IV -Fundamentação de Direito

Atenta a atomização de assuntos que são opostos pelo Recorrente à sentença sob recurso, por simplicidade na exposição, seguir-se-á no essencial a sua ordem de exposição, embora efetuando, quando possível, a aglutinação num só ponto de assuntos conexos levantados pelo Recorrente como se fossem diversos (como se faz já no primeiro ponto).

.1.a - Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, por condenação em objeto diverso do pedido e ultrapetitum

A sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil. Da mesma forma, a sentença padecerá de nulidade, nos termos da alínea e) deste preceito, caso o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Há, pois, em primeiro lugar, que verificar quais são as questões a que se refere a citada alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Tem sido entendimento pacífico que estas são aquelas a que se reporta o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e abrangem os fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e nas exceções, englobando as contra-exceções, atendendo ainda aos pedidos formulados.
É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações jurídicas ou factos puros e simples: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados).
Assim, tem-se salientado que estas «questões» se prendem com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Há também neste aspeto que distinguir a restrição que incide sobre o juiz relativa às questões colocadas pelas partes e a liberdade que o mesmo tem de apreciar os fundamentos ou argumentos que sustentem a decisão de tais questões.
Consideram-se questões os assuntos juridicamente relevantes, o centro jurídico do que está em discussão, definido pelo pedido, causa de pedir, exceções e contra exceções.
 Não há nulidade por excesso de pronúncia se o juiz aborda uma questão de direito nova, já que, não estando este sujeito às alegações das partes na sua tarefa de indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas, aquela abordagem se insere no que é objeto de conhecimento oficioso, embora se tenha que conceder às partes a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.
É tendo em conta o que se protege com esta nulidade que podemos com mais facilidade alcançar o que é abrangido pela mesma: a invalidade da decisão por excesso de pronúncia decorre do princípio do dispositivo, baseado no respeito da autonomia privada e liberdade inerente, defendendo as partes de uma invasão do poder jurisdicional no âmbito dos seus direitos disponíveis. Por aqui também se defende a parte contrária, dando corpo ao princípio do contraditório, por se conseguir a delimitação da relação jurídica material controvertida submetida a julgamento e logo o thema decidendum, o qual abrange também a defesa que o réu venha a apresentar na contestação, abrangendo as exceções que alegue e as que lhe sejam opostas pelo autor.
O princípio do dispositivo não pode ser ignorado, porque central no Código de Processo Civil, tendo em conta que o mesmo é elemento preponderante no nosso sistema jurídico, intimamente ligado ao direito fundamental da autonomia privada, direito à ação e ao contraditório. Tem-se, no entanto, vindo a aceitar que é possível a alteração formal do pedido, desde que se respeite o seu cerne substancial, porquanto se deve dar prevalência, sempre que possível, à justiça material sob uma justiça formal. Por maioria de razão, também  se pode operar certa e limitada reconfiguração das exceções e contra exceções, desde que com respeito das limitações impostas por este princípio, que infra se concretizarão.
Tem-se defendido que os princípios que enformam o Código de Processo Civil, como princípio do pedido, se têm que aplicar com alguma flexibilidade (do que são exemplos o  Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2015 no processo 607/06.2TBCNT.C1.S1 e acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães em 01/26/2017, no processo 33/10.9TBMUR.G1 , bem como Miguel Mesquita, A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC” RLJ, ano 143º, págs. 134 e seguintes) e mais recentemente, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2023, no processo 21025/19.7T8PRT.P1.S1 e de 01/09/2024, no processo 95/16.5T8ARC.P1.S1. 
Hoje predomina já a ideia que há que reconhecer “que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. (…) mas também uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático-jurídico que este pretende alcançar” (Cf cit. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/2009, no processo 308/1999.C1.S1. Posição também esta seguida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/13/2019, no processo 1294/17.8T8VCT.G1.).
 “Assim, é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efetivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.” (Cf. acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/2016, no processo 842/10.9TBPNF.P2.S1 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/24/2019, no processo 577/13.0TNLSB.L1-6)
As questões de que tratamos no artigo 608º do Código de Processo Civil definem-se em concreto em função das pretensões das partes, dos articulados e do devir do processo, havendo que ter em atenção que “O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado,” como se definiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/2016, no processo 842/10.9TBPNF.P2.S1.
Como escreveu o Relator nesse acórdão, “Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, pags. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da acção inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a acção correcta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal acção ser objectivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspectivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo actualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efectiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma acção reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exactamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…”.
Assim, pode-se convolar a qualificação da pretensão material deduzida ou a qualificação do pedido, atendendo ao efeito prático-jurídico que resulta do pedido, ao abrigo do artigo 293º do Código Civil, mas apenas se se mantiverem, pelo menos no essencial, os seus efeitos e fins, se se não se agravar a posição do demandado ou de terceiros e se se verificar coincidência entre os interesses tutelados por ambos os pedidos, como escrevemos no acórdão de 05/21/2020, no processo 181/19 0T8CBC-A.G1.
Se se deve observar esta flexibilidade no âmbito da analise das pretensões do Autor relacionadas com a causa de pedir, também se deve observá-la no que toca à consideração das exceções invocadas pelo Réu e contra exceções invocadas pelo Autor, por serem as mesmas as razões que a tal conduzem.
Postas estas ideias mestras, achamo-nos em condições para apreciar esta questão.

materialização

A Autora fundou o seu pedido na titularidade de um direito de crédito sobre a Ré consistente na retenção por esta de parte do preço devido à Autora pela realização de determinadas obras. Retenção esta efetuada como caução, a título de garantia, por 10 anos, da conformidade da obra.
A Ré excecionou a compensação operada por acordo escrito, pelo qual as partes intervenientes – entre outras, a própria sociedade de que a Autora é massa insolvente e a Ré - expressamente se pagaram mutuamente com tais créditos, extinguindo-os.
A Autora, em resposta, trouxe contra exceção, defendendo a nulidade desse acordo, por simulação. Referiu, também, juntando documentos que não foram impugnados, que a Ré foi notificada no dia 18 de junho de 2018 para penhora do crédito referente a tais retenções e que haviam sido objeto desse acordo, o que invocou para demonstrar que a Ré conhecia a situação de insolvência da sociedade de que a Autora é massa insolvente.
Na sentença, com base nos documentos apresentados, a realização dessa penhora foi levada á matéria de facto provada, com a sua notificação á ora Ré, na qualidade de devedora da sociedade de que a Autora é massa insolvente, e a resposta que esta apresentou a tal notificação (pontos 73 a 75 da matéria de facto provada).
Na fundamentação, a sentença considerou que esta penhora determinou a inoponibilidade do acordo compensatório relativamente à parte penhorada do crédito aqui exigido pela Autora, com base nos artigos 819º e 820º do Código Civil, da qual beneficia também a insolvência, porque integrou tal crédito na apreensão e por isso considerou que nesta parte o acordo compensatório não operou.
E condenou a Ré no valor que havia sido objeto da penhora, absolvendo-a do mais, por considerar que o referido acordo compensatório produziu efeitos na parte restante.
A segunda sentença, ora em apreço, foi proferida depois de ter sido dada a possibilidade a ambas as partes para se oporem a esta nova abordagem quanto à contra exceção invocada pela Autora, o que fizeram, com total observância do princípio do contraditório, pronunciando-se quanto aos factos em que se sustentava e quanto ao Direito.
Há que verificar se a sentença foi para além das questões levantadas no processo por ter ocorrido um afastamento em relação à forma como a contra exceção como foi configurada pelas partes. Observemos o problema atendendo ao conteúdo que atribuímos às “questões” que o juiz deve e pode apreciar.
Quanto à pretensão: a Autora afirmava ser credora da Ré, fundando-se nos contratos de empreitada que com esta celebrou, na realização das obras e na falta de entrega da totalidade do preço por ter sido objeto de retenção para garantia, a título de caução, do cumprimento do contrato. A sentença teve em conta tais circunstâncias para a condenação em parte da quantia peticionada.
Quanto às exceções perentórias: a Ré, entendendo que o valor da caução que detinha era um crédito a seu favor, excecionou que o crédito se extinguiu por ter sido entregue pela sociedade de que a Autora é massa insolvente para compensar outros créditos para com sociedades terceiras, num encontro de contas, no dia em que a insolvência foi declarada, mas antes desta declaração. A sentença julgou parcialmente procedente esta exceção.
Quanto às contra exceções: a Autora contrapôs a nulidade desse acordo por simulação, chamando à colação a penhora que havia sido efetuada em data anterior ao mesmo para demonstrar essa causa de invalidade do negócio. A sentença teve em conta o efeito dessa penhora para concluir pela  inoponibilidade parcial desse negócio.
Entende-se que a sentença conheceu claramente da causa de pedir, conforme resulta desde já patente de parte dos excertos que se seguem: “Isto posto, através da presente ação, pretende a autora obter a condenação da Ré na entrega do valor global das cauções assim constituídas (que, por acordo obtido em audiência, as partes aceitaram ser de 215.091,43€)”…“Já no que diz respeito à sua imediata exigibilidade, importa considerar que, nos termos do art.º 102.º, n.º 1 do CIRE… também se acha provado que os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados íntegra, nos termos contratados e sem defeitos a reclamar [facto 60)]. Daí que, neste circunstancialismo, assiste à autora o direito de obter a condenação da Ré na restituição da quantia de 86.200,00€ (oitenta e seis mil e duzentos euros), acrescida de juros moratórios legais comercial, previstos no art.º 102.º, §3 do Código Comercial, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento (art.º 805.º, n.º 1 e 806.º do CC).“
A sentença também analisou a exceção invocada pela Ré, concluindo, aliás, pela sua procedência parcial.
Julgou a contra exceção de simulação improcedente, mas atentou nos efeitos jurídicos da penhora e concluiu pela ineficácia (inoponibilidade) do acordo excecionado pela Ré na parte em que abrangia a parte anteriormente penhorada.
Condenou a Ré no pagamento de parte do pedido, absolvendo no demais.
Do exposto, verifica-se que efetivamente a sentença configurou a contra exceção invocada pela Autora de forma diferente da invocada: não verificou a simulação do acordo, mas a inoponibilidade de parte do acordo, por não ter sido respeitado pela Ré o efeito da penhora que lhe havia sido notificada.
 Entendemos, no entanto, que se manteve no âmbito das questões em disputa, consistentes na obrigação de devolução da caução e dos efeitos do acordo de encontro de contas, limitando-os em função da notificação da penhora que havia sido efetuada à Ré: invocada pela Autora também como prova da vontade de que a Ré agiu para fugir com este crédito dos demais credores da sociedade de que a Autora é massa insolvente. É certo que a sentença não deu o passo necessário para a simulação, mas utilizou parte do que fora invocado com o objetivo de a fundar para obter efeito dentro da mesma ordem de natureza e descobrir a inoponibilidade como efeito da penhora.
Visto que a Autora invocou a invalidade (latu senso, em que se traduz a nulidade) do negócio face à situação em que se encontrava a sociedade de que a Autora é massa falida, com a decretação da insolvência iminente e conhecimento da penhora que lhe havia sido efetuada sobre os seus créditos, o conhecimento da inoponibilidade advinda dessa penhora, não sendo a mesma coisa, ainda cabe dentro do tema arvorado em contra exceção e por isso a sua apreciação é uma conformação que não viola os limites do princípio do dispositivo. Está dentro da mesma ordem de questões relativas à validade e eficácia do acordo de encontro de contas, trocando a nulidade pela inoponibilidade. Utiliza um fundamento que ainda cabe dentro do centro de questões que foram arvoradas como razões dessa inoperância: o conhecimento da situação de insolvência e da notificação da penhora e a sua resposta e a vontade de esconder estes montantes dos credores da sociedade de que a Autora é massa insolvente.
Enfim, embora não sendo a mesma, respeita de forma suficiente os limites em que a contra exceção estava construída, quer no que toca ás razões, quer no que toca aos efeitos: mantendo-se dentro do mesmo cerne de questões relativas à validade (onde se enquadra, latu senso, a eficácia e oponibilidade) do “acordo de encontro de contas”, não decretou a total nulidade do acordo, mas a sua inoponibilidade parcial.
Concluimos que foram respeitadas as questões que estavam em disputa: foi seguida à risca a causa de pedir; foi apreciada a exceção perentória invocada pela Ré também nos exatos termos em que foi desenhada por esta; só quanto à contra exceção, relativa à limitação da eficácia do “acordo de encontro de contas” é que ocorreu um desvio do traçado jurídico efetuado pela Autora, mas com respeito pelos factos e natureza desta, com a convolação da nulidade por conhecimento da situação de insolvência da titular do crédito penhorado em inoponibilidade com base nessa penhora.
Este desvio não alterou de modo algum o centro das questões em disputa (validade e eficácia do acordo de contas face á preterição dos interesses dos demais credores pela Ré que conhecia do seu estado de insolvência e da penhora) nem extravasou o âmbito das matérias que as partes trouxeram para a liça, apenas determinou a aplicação de normas jurídicas diferentes das esperadas por estas aos factos normativos em que centraram as suas pretensões.
Tal não impede, parece-nos claro, que as partes tivessem que ser convidadas, como foram, a pronunciar-se sobe esta alteração na conformação da contra exceção, questão com que não contavam.
Não há um enquadramento factual novo, mas sim um enquadramento jurídico novo de factos que haviam sido alegados na resposta às exceções invocadas na contestação. O tribunal podia buscar esta solução jurídica, exposta em termos inovatórios no que toca à contra exceção, mas não sem dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a mesma, o que foi efetuado antes da prolação da segunda sentença.
A condenação não foi além do peticionado: não há nenhuma diferença, no que toca ao tipo de condenação, entre condenar a Ré “a entregar à Autora a quantia de …, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento” e “condenar a Ré a pagar à autora a quantia de …, acrescido de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral…”, fundando-se, como se viu, na mesma causa de pedir.
Nas questões a decidir tal como definidas pelo tribunal recorrido logo vinha autonomamente salientada a “ineficácia do acordo de compensação”, como questão diferente da sua simulação, dando conta desta nova configuração jurídica.
A Recorrente defende também que o Tribunal condenou a Ré duplamente por ter dado por assente que foram extintas as dívidas existentes através do acordo provado nos autos  e ter condenado a ora recorrente ao pagamento de €86.200,00. No entanto, o tribunal não apreciou a manutenção das dívidas que a Autora tivesse perante as terceiras sociedades que beneficiaram do acordo de contas. De qualquer forma, não condenou a Ré no reconhecimento dessa extinção, pelo que não se verifica qualquer dupla condenação.
Por fim, a Recorrente também invoca uma omissão de pronúncia, mas não esclarece que questões foram levantadas e não foram apreciadas e nenhuma se vislumbra.
Não se verifica a nulidade da sentença por excesso ou falta de pronúncia ou inobservância das limitações impostas pelo pedido.

.1.b Da nulidade por decisão surpresa

Voltando ao início, a Recorrente invoca nesta sede que a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de € 86.200,00 teve por base a consideração de que o acordo celebrado é parcialmente inoponível à penhora efetuada no processo executivo n.º ..., mas que a matéria factual atinente aos autos de execução supramencionados não foi invocada pelas Partes, designadamente, para que dela se pudesse retirar qualquer efeito jurídico.
No entanto, a matéria factual atinente aos autos de execução foi efetivamente invocada pela Recorrida: “7.Por ter sido notificada no dia 18 de junho de 2018 para penhora do crédito referente às retenções feitas à EMP01..., conforme documento, cujo teor dá integralmente por reproduzido, que junta sob o número 1. 8. A Ré na resposta à notificação datada de 27 de julho de 2018, referiu existia e que o seu vencimento tinha início no ano de 2020 referente à quantia de … 10. O que os intervenientes pretenderam foi esconder este montante dos credores da EMP01...”.
É certo que, no rigor, o fez para fundar o conhecimento que a Recorrida tinha da sua situação de insolvência, com a penhora desse crédito, pelo que o tribunal fez diferente aplicação do direito e nessa medida convolou a contra exceção invocada.
Porque antes de o fazer (pela primeira vez) não ouviu as partes, considerou-se que se estava perante uma decisão surpresa e revogou-se a primeira sentença, a qual foi substituída por despacho que deu ás partes a possibilidade de fazerem uso do contraditório, o que fizeram.
Assim, embora não tivesse antes da primeira sentença sido dada as partes a possibilidade de se pronunciarem sobre os efeitos da penhora em sede de contra exceção, essa omissão foi sanada no entretanto, pela concessão de prazo às partes para o efeito, que o fizeram, pronunciando-se de facto e direito, observando-se o princípio do contraditório em toda a linha. A Recorrente, de facto, invocou questões relativas ao estado da execução que vieram a ser investigadas (mas não invocou qualquer erro na declaração), foi notificada das respostas ao oficiado e nada disse ou requereu, pelo que foi proferida sentença.
Voltando agora a esta questão, já na discussão desta segunda sentença, a Recorrente invoca que houve erro na declaração aquando da realização da penhora e que esteve inibida de a provar. No entanto, não podia provar exceção que não alegou no decurso do processo na primeira instância.
Não se verifica qualquer preterição do direito ao contraditório.

.2- Do erro no julgamento da matéria de facto

Sem necessidade de enunciações introdutórias, entra-se de imediato na apreciação das concretas pretensões da Recorrente no que toca à impugnação da matéria de facto provada.
---- Em primeiro lugar a Recorrente visa o facto
n.º 60.,
 no qual Tribunal ad quo deu como provado que: “Os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados na íntegra, nos termos contratados e sem defeitos”.
Apesar de afirmar que nenhuma testemunha o afirmou, da transcrição das declarações de parte do legal representante da recorrente resulta claro que este afirma que até à data foram detetados zero defeitos.
A realização dos autos de receção provisórios sem qualquer menção de defeitos também o demonstra.
Da mesma forma, a Recorrente aceita que do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta apenas refletido que até à data nenhum defeito havia sido reportado.
Assim, os trabalhos não apresentam defeitos, o que não significa que os mesmos não irão aparecer ou que se encontrem ocultos, mas não é esse o conteúdo deste ponto da matéria de facto provada.
Observadas as obras, estas apresentam-se executadas na íntegra, nos termos contratados e sem defeitos. A isto se reporta este ponto da matéria de facto provada que por isso se mantém.
Pretende o Recorrente que se dê como provado que “Os trabalhos referentes às obras mencionados 8), 13), 18), 24), 29), 34), 39), 44) 49) e 54) foram executados íntegra, nos termos contratados e sem denúncia de defeitos até à data, mas ainda sujeitos à obrigação de boa execução durante o prazo de garantia”, mas não se percebe o que pretende afirmar com a sujeição dos trabalhos “à obrigação de boa execução durante o prazo de garantia”.
Esta obrigação não incide sobre os trabalhos, mas sobre a subempreiteira que os realizou. Uma coisa é a entrega dos trabalhos sem vícios que lhes diminuam o valor, outra coisa a obrigação de garantir que aparecendo vícios supervenientes ou que se encontravam ocultos se efetuará a sua reparação.
Assim, não se lhe pode dar razão quanto a este ponto.
---- A Recorrente também impugna o ponto
n.º 66.,
 no qual o Tribunal ad quo deu como provado que: “66.A Ré EMP02..., SA aceitou antecipar o vencimento do crédito referido em 59), detido pela EMP01..., SA, prescindido da retenção desse capital a título caução antes do decurso integral dos prazos de garantia (05 e 10 anos).”
A Recorrente pretende que se assente que: “66. No âmbito do acordo descrito no facto 61, a Ré EMP02..., SA, aceitou antecipar as retenções referidas em 59), detidas pela EMP01..., SA, antes do decurso do prazo de garantia de 10 anos, apenas e só no âmbito e para o efeito do identificado acordo conforme resulta da factualidade provada n.º 60 a 65. E não para quaisquer outros efeitos.”
Pretende, sem se fundar em qualquer meio de prova, a alteração deste ponto da matéria de facto provada, sendo que o mesmo tem origem nos artigos 21.º e 22º da sua contestação (“Antecipando assim, o direito da A., reaver os valores por si prestados, muito antes do termo dos prazos de garantia dos trabalhos por si executados, que como a A. invoca são de 10 anos, e da verificação do integral cumprimento das obrigações da A., facto este que lhe concede o efetivo direito a essa restituição. 22.º Passando assim a configurar um crédito.”) que não fazem a distinção pretendida. De qualquer modo, este facto não aparece descontextualizado, como afirma a Recorrente, porquanto surge na sequência dos factos 61 a 65, ou seja, da factualidade provada quanto ao acordo celebrado entre a recorrente e a recorrida.
Pretende igualmente que se substitua a menção a créditos para retenções, mas como se viu foi a própria Ré que entendeu que as partes com essa antecipação passaram a entender estar-se perante um crédito, em sentido comum, pelo que há que manter os dizeres da matéria de facto provada.
Tem, sim, razão a Recorrida quanto ao prazo de garantia que não é de cinco anos, mas de dez, procedendo-se nessa parte à correção do erro, que já se apontou supra.
Critica ainda os factos nºs 73 a 75 da matéria de facto provada, entendendo estarem desgarrados e não ter podido pronunciar-se sobre os mesmos, mas não peticiona a sua alteração, pelo que quanto a tal não há que apreciar qualquer modificação.

3- Da aplicação do Direito aos Factos apurados

.a. - Da qualificação das retenções e da violação do disposto no artigo 779.º do CC, quanto ao “benefício do prazo” de garantia
Tem-se como certo que o princípio da liberdade contratual no âmbito dos contratos de empreitada de natureza civil permite às partes clausular a retenção de uma percentagem do valor dos trabalhos faturados a pagar pelo dono da obra (ou pelo empreiteiro ao subempreiteiro) a título de garantia da obrigação de garantir o bom cumprimento da obra.
Esta é uma garantia especial das obrigações subsumível na figura da caução prestada por depósito em dinheiro, o qual é havido como penhor (artigos  623.º, n.º 1 e 666.º, n.º 2, do Código Civil). A obrigação garantida pelo penhor pode ser futura ou condicional (artigo  666.º, n.º 3, do Código Civil). A obrigação garantida pela caução está sujeita a condição suspensiva: a de virem a ocorrer defeitos e que a construtora da obra os não corrija.
No presente caso, a caução garante uma obrigação de garantia, sem que se tenha verificado a constituição de qualquer dívida sobre o insolvente, por não se ter apurado qualquer defeito oculto ou superveniente.
Afirma a Recorrente (ao invés do que afirmou no artigo 22º da contestação, como se viu) que não se pode considerar que o montante retido configurava um crédito da Recorrida sobre a Recorrente.
A Recorrente foi credora da obrigação da Recorrida da execução dos trabalhos subcontratados, e esta, credora dos montantes acordados a título de prestação monetária pela sua execução. Entregues os trabalhos integralmente realizados e sem vícios (deixando-se a receção definitiva para momento posterior ao decurso do prazo de garantia) foram levadas a efeito retenções no montante de €215.091,43, a título de caução para garantia do bom cumprimento daqueles.

A Recorrida esclarece, e bem, como operavam as cauções:

a. Em cada fatura era deduzido o montante de 10% ou de 5% (nos contratos 40), 45) e 50), por essa forma se constituindo uma caução para garantia do bom cumprimento do contrato;
b. As obras apresentam prazo de garantia de 10 anos;
c. Após a conclusão da obra, a mesma era recebida provisoriamente mediante a elaboração do correspondente auto de receção provisória;
d. Durante o prazo de garantia, a subempreiteira fica obrigada a reparar os defeitos existentes e, caso não o fizesse, a empreiteira poderia realizar tal reparação por si ou através de terceiro, mediante o acionamento das cauções prestadas;
e. A entrega dos valores retidos a título de caução ocorreria findo o prazo de garantia de 10 anos, sendo elaborado auto de receção definitiva.

Os valores que se discutem correspondem, pois, a parte do preço devido pela obra realizada que ficou retido pela Recorrente para garantia da correção de eventuais defeitos que futuramente aparecessem na obra, “a título de caução para garantia do bom cumprimento”.
Dúvidas não se colocam que, tal como o regime foi instituído pelas partes, a Ré ao reter as quantias e a aceitação pela sociedade de que a Autora é massa falida que fossem considerados como caução do bom cumprimento da obra, implica sempre a assunção pela Ré da obrigação de as devolver àquela sociedade, findo o prazo de garantia, exceto se verificasse uma determinada condição: a necessidade de recorrer a tais valores para correção da obra que a subempreiteira não corrigisse voluntariamente.
Se se considerasse a Recorrente credora da Recorrida não o era de qualquer montante pecuniário, mas de uma obrigação de corrigir defeitos que se venham a encontrar nos trabalhos já entregues, a qual beneficiou, por sua vez, de uma garantia especial, prestada por caução.
Assim, na execução foi penhorada a obrigação creditícia que impendia sobre a Ré de entregar à subempreiteira o montante pecuniário retido a título de caução (que era devido pela realização da obra).
Pretende o Recorrente que só decorrido o prazo de garantia se pode concluir que os trabalhos foram realizados na íntegra e sem defeitos, opondo-se novamente ao ponto 60 da matéria de facto provada, mas, como vimos, é possível à data da entrega da obra verificar se a mesma se encontrava concluída e sem defeitos aparentes, independentemente da garantia e é essa circunstância que este ponto refere.
Mais afirma que a obrigação de devolver a quantia que reteve ainda se não venceu (embora se refira ao prazo da garantia), mas carece de razão, face à declaração de insolvência ocorrida no entretanto e os seus efeitos.
A quantia em causa era nitidamente da titularidade da insolvente que a entregou como caução para garantia de uma obrigação de garantia do bom cumprimento da obra.
Um dos efeitos da insolvência é a apreensão dos bens do devedor, que seja suscetível de ser penhorado, com exceção dos bens que se encontrem apreendidos em processo penal ou contra-ordenacional, por virtude, respetivamente, de infração criminal ou de mera ordenação social (artigo 149º do CIRE). Esta apreensão é necessária para que sejam pagos os créditos de todos os credores em condições de igualdade consoante a natureza dos seus créditos e suas garantias, os quais têm que os reclamar no processo de insolvência e aí exercer os seus direitos.
Assim, a Recorrente tem que entregar o montante que detinha a título de caução (que não dispôs validamente) por integrar a massa insolvente e querendo exercer as garantias do seu crédito relativo à garantia de bom cumprimento, devia reclamá-lo na insolvência, sujeitando-o ao escrutínio nesse processo.
Fazemos nossos os dizeres do acórdão de 09/17/2015, no processo 09908/13, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por claros e certeiros, embora com pequenas adaptações ao nosso caso concreto: “Os objetivos prosseguidos pelo processo de insolvência passam, fundamentalmente, por num único processo reunir todos os bens que constituem o património do devedor/insolvente, por meio da sua apreensão para a massa insolvente, seguindo-se a sua liquidação para posterior satisfação dos créditos dos credores daquele. O processo de insolvência tem a natureza de execução universal e “manifesta-se, desde logo, no facto de a declaração de insolvência implicar a apreensão e liquidação de todos os bens penhoráveis. Mas para ela ganhar a sua plena consagração, torna-se necessário que se criem mecanismos que assegurem: a) a participação de todos os credores no processo; b) o tratamento igualitário dos credores, segundo a qualidade dos seus créditos” (cfr. Luís Carvalho Fernandes, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, p. 199).
Ou, como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo 2060/14.8YYPRT.P1 de 19-05-2016:“a razão de ser do processo de insolvência é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias, que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece.
Ora, a fim de prosseguir – e garantir – este desiderato, o artigo 149.º, n.º 1, do CIRE estabelece que: 1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infração, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;(…)
E tanto basta para perceber que a pretensão do Autor terá que proceder, como decidido pelo tribunal a quo, independentemente de ter ou não ocorrido a Receção Definitiva da Obra e da existência ou não de defeitos, pois que para efeitos da situação em análise tal mostra-se irrelevante. De facto, a assim não ser, estaria a privilegiar-se, sem fundamento em norma legal que o estatuísse, o alegado crédito da ora Recorrente. (sublinhado nosso)
Na verdade, tal só assim não seria se as quantias retidas o tivessem sido em virtude de infração de carácter criminal ou contra-ordenacional, o que, manifestamente, não é o caso. As quantias retidas para garantir a boa execução da obra têm natureza distinta daquelas que integram a ressalva contida na parte final do citado art. 149.º, n.º 1, al. a), do CIRE.
Por outro lado, e dando resposta ao problema … que a adoptar-se a tese expressa na sentença recorrida conduziria a que as cauções deixassem de ter razão de existir …, em caso de insolvência dos empreiteiros, ficando as obras por concluir, com as consequências inerentes, certo é que a reparação dos vícios ou a indemnização pela eventual falta de conclusão dos trabalhos é do devedor/insolvente e não da massa insolvente, pelo que sempre dispõe a interessada de mecanismo judicial adequado para tutelar o direito reclamado: acção judicial a peticionar a condenação da insolvente no pagamento da quantia necessária para a reparação ou conclusão da(s) obra(s) e a posterior reclamação desse crédito no processo de insolvência, onde será devidamente graduado para pagamento…é esse o mecanismo legalmente plasmado nos artigos 46.º, 47.º, 99.º, n.º 4, al. c), 128.º, 149.º e 172.º a 184.º todos do CIRE, o qual se deve aplicar ao caso dos autos.”
No mesmo sentido, salientando como os bens objeto da garantia integram a massa insolvente: “o credor do insolvente que disponha de uma garantia real, para obter a satisfação do seu crédito pelo produto da liquidação dos bens que compõem a massa, tem de o reclamar (princípio da exclusividade [21]) e ver o seu crédito verificado e graduado por sentença judicial, sendo que a graduação para os bens a que respeitem direitos reais de garantia é especial – art 140 /2 – pelo que se verá satisfeito de acordo com a graduação efectuada e o valor dos bens da massa.«Não poderá satisfazer-se isoladamente pelo valor do bem objecto da sua garantia, nem judicial, nem extrajudicialmente» .Desde logo, pela simples razão, de que os bens objecto de uma garantia real integram a massa insolvente.O regime insolvencial das garantias reais das obrigações implica que os bens onerados façam parte da massa e os credores sejam pagos de acordo com a prioridade que lhes caiba pelo produto dos mesmos e de acordo com as regras do concurso insolvencial – arts 172º e 174º…. Ora, já se viu, que no caso de crédito garantido por garantia real – como o é o penhor – o objecto da garantia – no nosso caso um direito de crédito da insolvente sobre o valor do depósito dado em garantia – tem de integrar a massa insolvente, não sendo permitido ao credor pignoratício que se sirva do objecto da garantia para obter uma satisfação isolada e privilegiada pelo valor desse objecto, com o que lograria que o bem objecto da garantia não tivesse que suportar as custas do processo de insolvência e as restantes dívidas da massa – arts 46º/1, 51º e 172º/1 e 2.”  como tão bem se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 961/08.1TYLSB-K.L1-2, no processo 03/06/2014, onde se sumaria: “I – O regime insolvencial das garantias reais das obrigações implica que os bens onerados façam parte da massa e os credores sejam pagos de acordo com a prioridade que lhes caiba pelo produto dos mesmos e de acordo com as regras do concurso na insolvência – art 174º. II - Assim, no quadro do processo falimentar, admitir o pagamento por compensação com recurso a um penhor (direito real de garantia), com o que implica de criação de uma causa de preferência não prevista na lei ao permitindo-se ao credor que assim proceda que obtenha melhor tratamento no concurso com os demais credores do que lhe permitiria aquele direito real de garantia, constitui uma violação do princípio da igualdade dos credores.”
Enfim, antes da penhora, a obrigação de pagamento do preço por parte da Recorrente venceu-se e por isso, cumprindo-se cláusula contratual, foi retido para garantia de uma obrigação eventual e futura (correção de defeitos ocultos ou supervenientes).
O crédito até ao montante de 86.200,00 € - que abarcava os valores retidos que a Ré tinha a obrigação de entregar à subempreiteira decorrido o prazo de garantia e caso não tivesse que recorrer aos mesmos para satisfazer os seus direitos à reparação- á data da penhora ainda não estava vencido e estava sujeito a condição, mas tal não impediu, como não devia impedir, a sua penhora, que ocorreu validamente.
Decretada a insolvência, esse crédito foi apreendido nos termos do artigo 149º, n.º 1, al. a), do CIRE, sem que decorresse, entre a penhora e esta apreensão, qualquer momento em que a Ré ganhasse a disponibilidade desse crédito, pelo que o ato de disposição que dele efetuou era inoponível à execução e à apreensão.
Com a declaração de insolvência, a Ré, como todos os outros credores, passou a ver os seus créditos e garantias sujeitos ao regime da insolvência, a qual exige que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo, apenas se reconhecendo os privilégios ou garantias nos termos previstos nos termos do CIRE.
Assim, com a apreensão no âmbito da insolvência a Recorrente perdeu justificação para a detenção dessas quantias da insolvente e para fazer valer créditos tem que os reclamar   na insolvência: tem, pois, a obrigação de entregar tal quantia à massa insolvente, independentemente desta lhe ter sido entregue para caucionar a obrigação de garantia do bom cumprimento da obra que tem a seu favor.
Dúvidas não temos que a sentença decidiu bem ao entender “Daí que, neste segmento de 86.200,00€, o crédito penhorado na execução n.º 668/17...., em relação ao qual era inoponível o acordo referido em 61), passou a integrar a massa insolvente com a declaração de insolvência da EMP01..., SA, por decorrência dos preceitos legais que determinam a sua imediata apreensão (a qual, de resto, foi expressamente determinada na sentença de insolvência) e, por esta via, tal valor passou a responder pelo pagamento dos créditos reclamados na insolvência.”
A decisão proferida não acabou por premiar a subempreiteira com base na sua própria declaração de insolvência, como diz a Recorrente, mas congregou todos os bens da subempreiteira insolvente para que respondam pelas dívidas perante todos os credores reclamantes segundo as regras próprias da insolvência.
Insurge-se a Recorrente por ter perdido o beneficio do prazo (de 10 anos) da obrigação da garantia do bom cumprimento, mas com a apreensão ou com a devolução dessa quantia, que se traduz no mesmo, o que perdeu foi a caução, que era a garantia dessa garantia; apenas foi obrigada a devolver parte do bem que que assegurava o cumprimento dessa obrigação (da qual, aliás, já havia livremente prescindido).
Há, pois, ainda que salientar que na própria data da insolvência a Recorrida prescindiu do prazo de que beneficiava até tal declaração, como refere a sentença.
Mais afirma que os contratos de empreitada não estavam cumpridos, por ainda beneficiarem de uma obrigação de garantia do bom cumprimento, mas não se entende assim: o contrato estava findo e por isso é que apenas estava já só em causa a garantia do bom cumprimento do contrato para assegurar que defeitos ocultos ou supervenientes fossem corrigidos.

.b. - Do erro na declaração

A Recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre a relevância da penhora e as suas declarações no âmbito do processo, quer de facto, quer de direito, antes da prolação da sentença ora em recurso, bem conhecendo previamente todo o seu argumentário, visto que a anterior foi revogada para tal efeito. Se não o fez em maior extensão, foi porque o não quis.
Pretende o Recorrente que se supra erro na declaração aludida no ponto 74 da matéria de facto provada, mas não explica o que pretende que seja alterado (nem se percebe) e afirma que houve um erro na declaração, que aliás não é visível, por se depreender do seu teor o que de facto se deu como provado nestes autos, no que diz respeito às retenções efetuadas ao preço devido para garantir o bom cumprimento do contrato.
De qualquer forma, a intenção e circunstâncias que rodeiam uma declaração são factos que não podem ser agora arguidos em sede de recurso, quando o não foram anteriormente, no momento em que se deu às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria relacionada com a penhora e seus efeitos. São, agora, questões novas que não podem ser conhecidas, visto que os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas, a não ser que de conhecimento oficioso, como é pacífico.
Assim, não tendo sido levantada na primeira instância qualquer questão relativamente à forma como foi realizada a penhora e as declarações prestadas no seu âmbito, não se vê como pretende a Recorrente que se produzisse prova sobre matéria totalmente desconhecida dos autos, não havendo de conhecer dos invocados erros na declaração, que, aliás, ainda não estão expressos de forma compreensível.

.c. - Da violação do disposto no artigo 610.º do Código de Processo Civil

Entende a Recorrente que a obrigação não era exigível e que por isso a condenação da Ré no pagamento de determinada quantia acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento implica que foi efetuada uma condenação condicional.
Como se viu a obrigação era exigível e a condenação não condicionou o pagamento a qualquer facto futuro, pelo que não ocorreu tal violação.

.d. - Da violação do princípio da autonomia privada

Mantendo-se fiel à ideia que foi violado o artigo 779º do Código Civil, porque o prazo foi escolhido livremente entre as partes, entende a Recorrente que não foi respeitada a sua autonomia privada.
Ora, como vimos, o que ocorreu no presente caso é que a insolvente não pôde cumprir todas as obrigações que assumiu no exercício dessa mesma autonomia, pelo que, havendo que proteger os credores dessa situação, operam regras específicas do processo falimentar, que exigem a imediata apreensão de todos os bens da insolvente para que respondam por tais dívidas segundo os específicos critérios estipulados para o efeito.
O tribunal recorrido, aliás, respeitou o acordo de encontro de contas efetuado às portas da insolvência, apenas limitando os seus efeitos na parte em que dispôs do crédito já penhorado.

.e. Do abuso de Direito e Do enriquecimento sem causa

Como afirma a Recorrente, o abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil pressupõe o ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Por sua vez, são pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa: a existência de um enriquecimento; a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; iii) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento; iv) a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
A Recorrente vem afirmar que a Recorrida está a tentar receber a sua prestação sem assegurar a respetiva contrapartida: a eventual reparação de defeitos que venham a aparecer, e bem assim, bem sabendo que já dispôs daquela no âmbito de um acordo anterior e celebrado também em seu benefício.
No entanto, nem a sociedade de que a Autora é massa insolvente é a Autora, sendo entidades diferentes, nem se pode permitir que o eventual ganho que a insolvente teria com tal acordo poderia postergar o direito de crédito de outro seu credor: primeiro o que deduziu execução e a favor do qual fora realizada a penhora de parte do crédito que esta detinha sobre a Ré e depois de apreendido esse crédito o direito de todos os demais credores reclamantes admitidos na insolvência.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE, a massa insolvente constitui um património de afetação a uma finalidade específica que se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.
A massa falida pode, legitimamente, pôr em causa atos jurídicos do insolvente que a tenham prejudicado, em determinadas circunstâncias.
Por outro lado, não se pode dizer que o coletivo dos credores ganhou com o acordo em que não participou, datado do próprio dia da declaração da insolvência, e pelo qual a Ré prescindiu da caução para extinguir totalmente um crédito da insolvente a favor de um só credor, subordinado, que com esta estava relação de grupo, representado pelos mesmos administradores. Nem se pode dizer que a massa insolvente tenha ganho com a escolha que o insolvente fez do credor (subordinado) de quem obteve a declaração de quitação dessas dívidas.
Não se vislumbra que a invocação da simulação desse acordo por parte da massa falida possa de alguma forma configurar um abuso de direito ou que a massa falida tenha tido algum ganho com a celebração do acordo firmado entre as partes, mormente na parte em que pretendeu preferir a crédito já garantido por penhora.
De qualquer forma, sabendo a Ré que havia sido penhorada a quantia que reteve, deveria, por seu turno, respeitar tal penhora e não tentar utilizar o crédito penhorado para saldar créditos de terceiros, mais a mais subordinados (artigo 48.º e 49.º, n.º 2, alínea b) do CIRE; nos presentes autos já se encontra extinta a discussão das partes sobre o valor do acordo na parte relativa ao crédito não penhorado pelo que não há que entrar nessa averiguação).
Não se vislumbra qualquer abuso de direito ou enriquecimento sem causa.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga-se improcedente a apelação interposta e em consequência confirma-se a sentença recorrida.
 Custas do recurso pela Recorrente, que saiu vencida (artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.

Guimarães,  4 de abril de 2024

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes