IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
FALTA DE JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Sumário


I – O prazo de 15 dias para o empregador apresentar o articulado a motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar fixado pelo art.º 98º-I, nº 4, al. a), do CPT, sendo um prazo legal, porque fixado por lei, tem natureza perentória. Ou seja, o seu decurso determina a extinção do direito de praticar tais atos; é improrrogável, porque a lei não prevê a possibilidade da sua prorrogação; e, consagra o efeito cominatório como consequência para a revelia do empregador.
II – O procedimento disciplinar é constituído por um conjunto sequencial de atos em ordem a um determinado fim, sendo esse conjunto, que não as peças dispersas que o integram, que deve ser junto aos autos, na sequência da notificação efetuada em audiência de partes, pois só assim o trabalhador estará munido de todos os elementos para que se possa defender, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

Na pendência da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que AA, residente na Av. ..., em ..., ..., instaurou contra - “EMP01..., Lda.”, com sede na Av. ..., em ..., ..., veio o empregador interpor recurso do despacho interlocutório, que por falta de junção do procedimento disciplinar, declarou a ilicitude do despedimento, com a seguinte fundamentação.
 “(…) Na audiência de partes designada para 23.03.2023, onde estiveram presentes o autor/trabalhador e a ré/empregador não foi possível obter a conciliação das partes, pelo que, se ordenou a notificação da ré/empregadora nos termos e para os efeitos do art. 98.º-I, n.º 4, al. a) do C.P.Trabalho, ou seja, «… para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas (…)». – cfr. acta de fls. 21 e verso.
A 10.04.2023 a ré/empregador apresentou o articulado motivador do despedimento de fls. 22 a 40, com o qual juntou cinco documentos.
 O autor/trabalhador apresentou contestação a 26.04.2023, onde, entre o mais, pede que seja declarada a ilicitude do despedimento decidido pela ré, nos termos do art. 98.º-J, n.º 3 do C.P.Trabalho, visto não ter sido junto o original do processo disciplinar, mas sim algumas peças que o compõem, assinalando, entre outros, a falta da nota de ocorrência, da decisão de início do processo e da nomeação do instrutor. Para além disso, alega a caducidade do procedimento disciplinar, desde logo porque reportando-se o facto imputado a Março de 2022, a ré não podia só dele ter tomado conhecimento a 23.09.2022, pelo que quando foi iniciado já tinha decorrido o prazo de 60 dias previsto no art. 339.º do C.P.Trabalho. Além disso, alega que foi suspenso preventivamente a 4.10.2022 (doc. ... da contestação), e que foi notificado da nota de culpa a 11.11.2022, pelo que foi violado o prazo do art. 354.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho.
 A ré ofereceu resposta à reconvenção nos termos do art. 98.º-L, n.º 4 do C.P.Trabalho, articulado onde, em exercício de contraditório, se posicionou contra a alegada falta de apresentação do original do processo disciplinar.

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Por despacho proferido a 16.06.2023 ordenou-se que a secção averiguasse se havia sido junto o aludido processo em suporte físico e/ou digital e, em caso contrário, que se insistisse pela junção junto da ré. – cfr. fls. 86.
A 30.06.2023 a ré requereu, em resposta ao despacho, a junção do “Processo Disciplinar” (fls. 89 a 116), inserindo agora no leque de peças enviadas, além das já juntas com a contestação – nota de culpa, resposta à nota de culpa e três autos de inquirição – a comunicação da suspensão preventiva de 4.10.2022 (fls. 89) e a decisão final com as notificações à Directora de recursos humanos da ré de 27.01.2023 e ao trabalhador, esta com a menção ao envio por carta com AR a 8.02.2023 (fls. 104 a 116).  A 11.08.2023 o autor insistiu não se mostrar junto o PD, faltando a participação, o despacho que determinou o seu início e a nomeação do instrutor, os comprovativos de envio e recepção das cartas e o despacho que fixou as diligências a fazer.
 Por fim, a 29.08.2023 a ré defendeu que a junção do auto de notícia e do despacho a determinar a abertura de instrução são facultativas, que o despacho a nomear o instrutor não tem de ser reduzido a escrito, quanto aos comprovativos de envio e recepção das missivas, admite não os ter junto, porém, defende que o autor as recebeu e que também não põe em causa essa recepção, por fim, e quanto ao despacho que determina a realização das diligências probatórias defendeu que não é obrigatório constar do procedimento por escrito, sendo que todas as diligências feitas na fase instrutória foram reduzidas a escrito.
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 Atendendo às posições das partes nos articulados, entendo que os autos reúnem todos os elementos necessários à decisão imediata parcial do mérito – cfr. art. 595.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil (ex vi arts. 98.º-M, n.º 1 e 49.º, n.º 2 do C.P.Trabalho).
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Os presentes autos constituem uma acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, introduzida pelo D.L n.º 259/2009, de 13 de Outubro, que reveste de natureza urgente (cfr. art. 26.º, n.º 1, al. a) do diploma) e se mostra vocacionado à impugnação do despedimento individual promovido pelo empregador. Tal forma de processo, mostra-se disciplinada nos arts. 98.º-B e segs. do C.P.Trabalho, com a redacção dada pelo aludido D.L. n.º 259/2009.
Consagra o n.º 1 do art. 98.º-C que, nos termos do art. 387.º do Cód. do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, do requerimento em formulário electrónico ou em suporte papel, do qual conste a declaração de oposição ao despedimento. Tal formulário deu entrada em juízo, no caso, a 20.02.2023, com ele juntando o autor/trabalhador a decisão final proferida a 27.01.2023, e ao mesmo alegadamente notificada por carta registada com AR de 8.02.2023. - cfr. fls. 2 a 14
Realizada a audiência de partes a 23.03.2023, frustrou-se a conciliação, pelo que foi o empregador, que estava representado por Advogado com poderes especiais – cfr. fls. 18 e 19 e acta de fls. 21 - notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento, juntar o processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, nos termos dos arts. 98.º-F a 98.º-I.
No entanto, o empregador limitou-se a apresentar o aludido articulado com os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento, acompanhado de cinco documentos, a saber, a nota de culpa de 7.11.2022 (cfr. fls. 41 a 43 verso), que diz “juntar à comunicação de despedimento”, a resposta à nota de culpa de 18.11.2022 (cfr. fls. 44 a 50), e ainda três autos de inquirição de duas testemunhas e do próprio autor, todos datados de 14.12.2022 (cfr. fls. 51 a 55).
Insistindo o Tribunal pela junção do processo disciplinar integral a 16.06.2023, veio a ré remeter a 30.06.2023, além dos aludidos cinco documentos já juntos, ainda a comunicação da suspensão preventiva de 4.10.2022 (cfr. fls. 89) e a decisão final com as notificações feitas aos recursos humanos da ré de 27.01.2023 e ao próprio trabalhador, esta com a menção à remessa por carta com AR a 8.02.2023 (cfr. fls. 104 a 116).
Ora, é bom de ver que, se a ré entende que o autor tenta “encontrar uma forma de evitar a realidade dos factos”, como faz questão de afirmar no introito do requerimento de 29.08.2023, salvo o devido respeito, parece querer a ré evitar, a todo o custo, o cumprimento de uma formalidade legal absolutamente essencial para que o Tribunal possa verificar da validade e regularidade do procedimento disciplinar.
Aquilo que à primeira vista pode parecer uma questão de natureza meramente formal - exigência da junção de um processo disciplinar organizado, sequencial, com os actos praticados devidamente rubricados e datados – tem, na realidade, implicações de natureza substancial na medida em que essa exigência se reflecte no exercício do direito do trabalhador a uma defesa efectiva e completa.
Parece esquecer a ré que, mesmo que o autor nada invocasse a propósito da regularidade formal do procedimento, questionando só o despedimento - quer por negar os factos imputados, quer ao pôs em causa a proporcionalidade e adequação da sanção - sempre o Tribunal estaria obrigado a verificar daquela regularidade formal, pelo que, a alegação feita, desde logo quanto ao facto de o autor não questionar ter recebido as comunicações/decisões que lhe foram endereçadas pela ré, é perfeitamente inócua, sendo obviamente essencial, desde logo, para efeitos de contagem de prazos, nalguns casos preclusivos, que os documentos comprovativos de envio e/ou recepção dessas comunicações/decisões, fossem eles registos postais ou termos de entrega e recepção assinados pelo trabalhador, estivessem juntos aos autos.
Ora, a ré limitou-se a juntar cinco documentos que integram o aludido processo disciplinar com o AMD e, mesmo perante a insistência do Tribunal, juntou ainda a decisão final e a decisão de suspensão preventiva, documentos a que o Tribunal teve acesso anteriormente por ter o autor, como lhe impõe o art. 98.º-E, al. c) do C.P.Trabalho, junto a decisão de despedimento com o formulário a que alude o art. 98.º-C, bem ainda por ter junto a comunicação da suspensão preventiva com a contestação ao AMD.
Ora, se é certo que inexiste norma que obrigue o empregador a lavrar nota de ocorrência ou formular por escrito a comunicação de instauração do PD - embora no caso, na própria nota de culpa a ré mencione que vem “juntar à comunicação de instauração de procedimento disciplinar … a respectiva nota de culpa”, o que pressupõe que existiu decisão  escrita de instauração do procedimento - ou norma que obrigue o empregador a reduzir a escrito a nomeação de instrutor ou a determinação de diligências instrutórias, já é certo que a nota de culpa tem de ser redigida por escrito, como o foi, assim como nos parece evidente que terão de estar juntos ao PD todos os comprovativos de envio e recepção das comunicações trocadas entre as partes, mormente para que seja possível sindicar a data em que foi comunicada a suspensão preventiva, a data em que foi notificada a nota de culpa e ainda a data em que foi feita a comunicação da decisão final.
Reitere-se que junto que foi pela empregadora o articulado motivador, não logramos constatar a junção do “Processo Disciplinar”, cuja junção sequer é referida naquele articulado, onde apenas consta: “Junta: … 5 documentos”.
Consultados tais documentos, constatamos que são meras cópias absolutamente avulsas, sem qualquer numeração, e não obstante ali identificarmos “peças” que respeitam ao “Processo Disciplinar”, além de não lograrmos encontrar sequer a folha de rosto de indicação de “Processo Disciplinar”, nem o seu encerramento, nem mesmo qualquer numeração da páginas, ou certificação que permita concluir tratar-se efectivamente do que se entende por “Processo Disciplinar”, mostram-se elas desacompanhadas da decisão final e dos comprovativos de envio da nota de culpa e da decisão final ao trabalhador, bem como da decisão de suspensão preventiva.
Mais, apesar de o Tribunal ter dado a chance à ré de juntar o original integral do “Processo Disciplinar”, a ré insistiu em juntar de novo aqueles cinco documentos agora acompanhados da decisão final e da decisão de suspensão preventiva, mantendo todas as peças sem qualquer capeamento, termo de início e/ou fim/encerramento, e sempre sem juntar as notificações feitas ao autor/trabalhador da nota de culpa e da decisão final, embora quanto a esta última mencione que foi remetida por via postal registada.
Ora sendo o “Processo Disciplinar” constituído pela prática de uma sequência de actos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador ou do trabalhador, e sendo que os arts. 98.º- I, n.º 4 e 98.º-J, n.º 3 se reportam ao PD, a todo ele, integrado por todos os actos organizados lógica e sequencialmente, não se mostra cumprido pela ré o legalmente imposto.
Ora, o prazo de 15 dias de que a empregadora dispõe, para fazer a junção do “Processo Disciplinar”, integrado por todos os elementos que hajam sido levados a cabo, é um prazo peremptório, cujo decurso determina a extinção do direito de praticar tais actos. De facto, nos termos do n.º 3 do art. 98.º-J para que opere a cominação nele estatuída, ou seja, que seja declarado ilícito o despedimento, basta que o empregador deixe de proceder à junção do procedimento disciplinar no prazo fixado.
A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, e dos vários estudos prévios elaborados sobre a matéria, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.
Apesar de o PD ser um instrumento complementar ao AMD - que constitui a peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos: nos casos em que existe um PD interno à empresa, exige-se a sua junção em 15 dias, por se supor que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a defesa e permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos actos praticados, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situam dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.
Não tendo sido junto o “Processo Disciplinar” em prazo, e ainda que a ré tenha feito a junção da decisão final e da decisão de suspensão preventiva a 30.06.2023, não pode considerar-se cumprido o formalismo prescrito pelo art. 98.º-I, n.º 4, al. a) do C.P.Trabalho, ou  seja, a obrigação legal do empregador em juntar o PD com o AMD. Mais as peças juntas com o AMD não configuram um “Processo Disciplinar”, integral/completo, organizado lógico e sequencialmente, pelo que pela não junção, e/ou, pela sua junção incompleta, é de aplicar o disposto no art. 98.º-J, n.º 3.
A propósito desta questão lê-se no acórdão da Relação do Porto proferido no processo n.º 1558/18.3T8VLG-A.P1, que “….O procedimento disciplinar é constituído pela prática de uma sequência de actos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de eventuais outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador, sejam por iniciativa do trabalhador (no exercício do seu direito de defesa). E os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3, reportando-se ao procedimento disciplinar, reporta-se a todo ele, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, incluindo, pois, a resposta à nota de culpa, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar.”.
No mesmo sentido se pronunciou a Relação do Porto, no acórdão de 26.5.2015, em que se diz, que “(…) O texto da lei não diz que o empregador demonstrará que procedeu disciplinarmente contra o trabalhador mediante a junção de algumas partes dele, o texto diz expressamente que o empregador tem de juntar o procedimento disciplinar. (…)”, in www.dgsi.pt. E o acórdão da Relação de Évora de 16.01.2014, no processo n.º 187/13.2TTPTM-A.E1, também publicado in www.dgsi.pt, que refere que: “ii) A junção do procedimento disciplinar com o articulado motivador de despedimento a que se alude na al. a) do n.º 4 do art. 98º-I do Código do Trabalho não exige que a mesma seja feita mediante a apresentação de um volume em papel contendo o procedimento disciplinar em si. Deve, no entanto, o empregador remeter para o tribunal, no prazo que lhe foi concedido para apresentação do articulado motivador do despedimento e independentemente da via que pretender utilizar, todas as peças do procedimento disciplinar. iii) A não junção, com o articulado motivador de despedimento, do procedimento disciplinar completo e sequencial, com inclusão do procedimento prévio de inquérito, importa a declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador ao abrigo do disposto no art. 98º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.”
A tudo acresce, que o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime; que o processo disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e que o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final (nºs 1, 2 e 3 do art. 329.º do Cód. do Trabalho).
Porém, a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos dos nºs 1 ou 2 do art. 329.º (n.º 3 do art. 353.º do Cód. do Trabalho) e o empregador, sob pena de caducidade, dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento a contar da recepção do parecer da CT a partir da data da conclusão da última diligência de instrução (nºs 1 e 2 do art. 357.º do Cód. Trabalho).
Por fim, relembre-se que o empregador pode suspender o trabalhador, com a notificação da NC, bem como o pode suspender preventivamente se a sua “presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.” Porém, segundo o art. 354.º do Cód. do Trabalho, “A suspensão a que se refere o número anterior pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação, ….”
Ora, tendo o autor sido suspenso preventivamente a 4.10.2022, e tendo a NC sido proferida a 7.11.2022, bem como notificada àquele a 11.11.2022, crendo no que o próprio assume, já que nos autos também não foi junto o comprovativo da notificação dela ao autor, é já certo que a NC foi proferida mais de 30 dias após a suspensão preventiva.
Vinque-se que apesar de a NC estar datada de 7.11.2022 e tenha sido apresentada defesa, não se sabe a data em que o trabalhador recebeu aquela NC e a data em que concretamente apresentou a defesa, bem como desconhece o Tribunal se o último acto instrutório realizado foram as inquirições de 14.12.2022, uma vez que inexiste menção ao fim da instrução.
Por fim, desconhece em absoluto o Tribunal a data em que o autor recebeu a comunicação do despedimento/decisão final de 27.01.2023, já que também não se mostra junto qualquer registo postal de remessa daquela ao autor, mencionando-se apenas que foi remetida via postal a 8.02.2023, sendo certo que o requerimento eletrónico para impugnação do despedimento entrou em juízo a 20.02.2023.
Ora, os direitos do trabalhador em poder invocar a caducidade, nos termos dos citados normativos, só pode operar se lhe for dado conhecimento, designadamente da data em que foi instaurado o PD e data em que ocorreu o último acto de instrução, o que implica a junção integral do PD e não a junção avulsa de peças desse PD.
Mais, a ter havido, como parece, inquérito prévio, reclamava-se a sua junção para que, em sede judicial, o trabalhador tivesse a possibilidade de solicitar a verificação do circunstancialismo em que ocorreu esse inquérito (cfr. art. 352º do Cód. do Trabalho).
Por fim, com especial relevância para o caso que nos toma, é óbvio que a caducidade que se reflecte no direito de aplicar a sanção disciplinar, que tem verificação quando concluída a instrução do processo, não seja, no prazo de 30 dias, proferida a decisão final – cfr. art. 357.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho, não pode no caso ser sindicada, porque não tendo sido junto o PD integral, desconhece o Tribunal a data de realização da última diligência instrutória, logo está impedido de verificar se a decisão final datada de 27.01.2023 foi proferida dentro do aludido prazo legal.
Pelo exposto, terá que se declarar a ilicitude do despedimento e condenar o empregador de harmonia com o n.º 3 do art. 98.º-J do C.P.Trabalhador
Não podemos esquecer que o ónus da prova da verificação dos factos que fundamentam a aplicação do despedimento, bem como da regularidade do procedimento formal instaurado, recai sobre o empregador.  Assim, se o mesmo não expõe ao tribunal os motivos que determinaram o despedimento (cuja verificação lhe compete demonstrar), ou não apresenta o suporte formal em que tal despedimento foi instruído e decidido, incumbe ao tribunal declarar a ilicitude do despedimento.
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Nestes termos, decido de imediato:

- declarar ilícito o despedimento do autor, AA, que foi decidido pela ré, “EMP01... Lda.”, com data de 27 de Janeiro de 2023;
- condenar a ré, “EMP01... Lda.”, a pagar ao autor uma indemnização, em substituição da reintegração, face à opção já assumida no art. 65.º da reconvenção;
- condenar a ré, “EMP01... Lda.”, a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde ../../2023, até ao trânsito em julgado da presente decisão.  A responsabilidade por custas será determinada a final, de acordo com o decaimento global da acção.
 Como a acção terá de prosseguir para decidir o valor da indemnização e para apreciar os danos não patrimoniais reclamados por via reconvencional e/ou para decidir de outros créditos emergentes do contrato de trabalho que o autor queira reclamar, não pode ainda ser proferido o despacho-saneador, o que se fará em momento oportuno.
Dê cumprimento ao disposto no art. 98.º-J, n.º 3 al. c) do C.P.Trabalho.
Registe e notifique. – cfr. n.º 4 do art. 98.º-J. “

Inconformada com esta decisão, dela veio o empregador interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

”A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, a qual, de imediato, de mérito e de forma parcial, decidiu:
(…)
B - Considerou o Tribunal a quo que i) a Recorrente não juntou aos autos o processo disciplinar, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 98º-I do CPT; ii) a nota de culpa foi proferida mais de trinta dias após a suspensão preventiva; e iii) está impedido de verificar se a decisão final datada de 27.01.2023 foi proferida dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 357º do Código do Trabalho (CT); concluindo pela declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da empregadora, aqui Recorrente, de harmonia com o n.º 3 do artigo 98º-J do CPT.
C - Com o devido respeito, que é muito, entende a Recorrente que a Meritíssima Juiz a quo, ao declarar a ilicitude do despedimento do Autor, violou e fez errada interpretação dos artigos 98º-I, n.º 4, alínea a) e 98º-J, n.º 3, ambos do CPT, assim como dos artigos 354º e 357º, n.º 1, ambos do CT.
D – O Tribunal a quo decidiu que a aqui, Recorrente não cumpriu, aquando da apresentação do articulado de motivação do despedimento, o formalismo prescrito pelo artigo 98º-I, n.º 4, alínea a) do CPT, que consiste, de acordo com a decisão de que se recorre, na obrigação legal do empregador em juntar o processo disciplinar com o referido articulado de motivação do despedimento.
E - Em suma, defende o Tribunal a quo, atendendo às expressões e considerações constantes da sentença de que se recorre, que a Recorrente:
i) Não juntou aos autos “o original integral” do processo disciplinar;
ii) Não juntou um processo disciplinar organizado, sequencial, com os atos praticados devidamente rubricados e datados;
iii) Limitou-se a juntar, com o articulado de motivação do despedimento, cinco documentos, a saber, a nota de culpa, a resposta à nota de culpa e três autos de inquirição de duas testemunhas e do Autor;
iv) Após ter sido notificada para juntar o processo disciplinar, apenas acrescentou a decisão da suspensão preventiva e a decisão final;
v) Juntou cópias avulsas, sem numeração;
vi) Não juntou folha de rosto, capeamento, termo de início e/ou fim/encerramento.
F - A questão em análise, objeto do presente recurso, está em saber se a Recorrente cumpriu o disposto na referida norma da alínea a) do n.º 4 do artigo 98º-I do CPT, que prescreve “procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas  e requerer quaisquer outras provas”, norma com base na qual o Tribunal a quo fundamenta a declaração de ilicitude do despedimento proferida.
G - É consensual que o procedimento disciplinar é entendido como um conjunto de diligências e atos tendentes à confirmação de um litígio emergente de uma relação laboral, cuja finalidade é apurar da existência de uma conduta suscetível de configurar uma infração disciplinar, as suas circunstâncias e o grau de culpa, bem como aplicar a sanção disciplinar adequada.
H - O procedimento disciplinar deve ser conduzido seguindo determinados trâmites, desde logo obedecendo ao princípio da imparcialidade e, tal como escreve António Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra), observando o direito de audiência prévia do trabalhador, o que, na perspetiva do referido autor, configura a “única verdadeira exigência legal” de um procedimento disciplinar.
I - Não existindo uma norma específica que determine o que se considera por “procedimento ou processo disciplinar”, sendo o conceito definido e densificado pela jurisprudência e pela doutrina, com recurso a um amplo conjunto de normas legais, destacam-se três fases cruciais: da acusação (nota de culpa), da defesa (resposta à nota de culpa) e da decisão final.
J - O processo disciplinar, entendido como um conjunto de diligências e atos tendentes à confirmação de um litígio emergente de uma relação laboral não tem de ser reduzido a escrito, nos termos do artigo 329.º a contrario do Código do Trabalho, à exceção de atos específicos, a saber, a nota de culpa, a suspensão preventiva do trabalhador, a resposta à nota de culpa e a decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
K , L (…)
M - Sendo assente na jurisprudência e na doutrina que são atos essenciais do processo disciplinar, a nota de culpa, a resposta à nota de culpa e a decisão final, os quais devem ser reduzidos a escrito.
N - A folha de rosto, o termo de abertura, de nomeação de instrutor ou de encerramento do processo a que se alude na decisão recorrida, são documentos instrumentais, facultativos, cuja inexistência não fere de ilegalidade o processo disciplinar.
O – No caso sub iudice, a Recorrente juntou ao articulado de motivação do despedimento cinco documentos: a nota de culpa, a resposta à nota de culpa e três autos de inquirição de duas testemunhas e do Autor; juntando posteriormente, a convite do Tribunal, além dos documentos supra indicados, a decisão de suspensão preventiva e a decisão final.
P - A decisão final já tinha sido junta aos autos pelo Autor com o formulário inicial, e que este não impugnou.
Q - Não podemos deixar de entender que os documentos obrigatórios do processo disciplinar
– a nota de culpa, a resposta à nota de culpa, a decisão final e a decisão de suspensão preventiva, que neste caso existiu, foram apresentados pela Recorrente nos autos.
R - Num primeiro momento, aquando da apresentação do articulado de motivação do despedimento, juntou a nota de culpa e a resposta à nota de culpa, além de autos de inquirição; num segundo momento, após convite do Tribunal, que concedeu prazo para o efeito, a decisão de suspensão preventiva e a decisão final.
S - O que o Tribunal a quo não pode ignorar, tendo aceitado a junção dos documentos pela Recorrente, não podendo invocar, posteriormente, a caducidade do direito de praticar os atos previstos na referida alínea a) do n.º 4 do artigo 98º-I do CPT.
T - O direito ao contraditório foi exercido pelo Autor, o qual, no momento próprio e dentro do prazo que lhe foi concedido, apresentou a sua defesa escrita à nota de culpa e requereu a junção de documentos e a inquirição de testemunhas, diligências que foram realizadas no processo disciplinar; bem como, apresentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, no seguimento da notificação da decisão final.
U - É, pois, notório que as exigências formais do processo disciplinar – a junção dos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas - estão cumpridas com a junção, pela Recorrente, dos documentos supra indicados – nota de culpa, resposta à nota de culpa, decisão de suspensão preventiva e decisão final -, que permitiram ao Autor exercer uma cabal defesa, o que este não coloca em causa.
V - O entendimento defendido na decisão de que se recorre, de que o processo disciplinar deve estar sequenciado e numerado, com os atos praticados devidamente rubricados e datados, configura uma interpretação claramente excessiva e para lá do disposto na Lei, que define o processo disciplinar como um conjunto de atos que visam assegurar os direitos dos intervenientes, designadamente do trabalhador.
W - O facto de os documentos apresentados pela Recorrente não estarem complicados num volume, sequencial e numerado, não lhes retira validade nem configura uma ilicitude do despedimento, por ausência de junção do processo disciplinar ou dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
X - Deste modo, mal andou o Tribunal a quo ao declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador, nos termos do n.º 3 do artigo 98º-J do CPT, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, prosseguindo os autos os demais trâmites, com vista ao julgamento.
Y - Não obstante o Tribunal a quo fundamentar a declaração de ilicitude do despedimento apenas no disposto no n.º 3 do artigo 98º-J do CPT, invoca, também, na decisão em crise, que desconhece a data em que o Autor recebeu a nota de culpa, bem como a decisão final, porque a Recorrente não juntou os comprovativos das comunicações enviadas, o que impede o Autor de exercer o direito de invocar a caducidade, desde logo, do direito de aplicar a sanção disciplinar.
Z - O Autor, na contestação que apresenta, afirma e assume que foi suspenso preventivamente em 04.10.2022 e que foi notificado da nota de culpa em 11.11.2022 (juntando cópia dos documentos respetivos), alegando que a Recorrente não cumpriu o prazo previsto no artigo 354º, n.º 2 do CT, proferindo a nota de culpa mais de 30 dias após a suspensão preventiva, o que sentença recorrida também defende, sem, contudo, apontar qualquer consequência para tal.
AA - Pois, é certo, o não cumprimento do referido prazo de 30 dias previsto no artigo 354º, n.º 2 do CT não fere de invalidade o processo disciplinar, antes, pode constituir contraordenação grave, como prescreve o n.º 3 do mesmo artigo.
BB - Já no que concerne à notificação ao Autor da decisão final, o Tribunal a quo afirma que não pode sindicar o cumprimento do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 357º, n.º 1 do CT, porque não foi junto o processo disciplinar integral, “desconhece o Tribunal a data da realização da última diligência instrutória, logo está impedido de verificar se a decisão final datada de 27.01.2023 foi proferida dentro do aludido prazo legal”.
CC - O Tribunal a quo antecipou-se, a nosso ver, erradamente, ao proferir a sentença de que se recorre, sem lograr apurar, através dos meios disponíveis, desde logo, prova testemunhal, factos relevantes e importantes para a descoberta da verdade material, ignorando que podem existir diligências probatórias no processo disciplinar, não reduzidas a escrito, levadas a cabo por iniciativa do empregador, além das diligências requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa.
DD - Impondo-se, pois, ao Tribunal prosseguir os normais trâmites do processo de forma a apurar toda a matéria de facto relevante, ao abrigo dos princípios da investigação e da descoberta da verdade material.
EE - Não podendo, por outro lado, o Tribunal a quo ignorar que o Autor, nos articulados, dá como assentes, e assim confessadas por acordo porque não impugnadas pela Recorrente, as datas de recebimento da nota de culpa e da decisão final de despedimento.
FF – Por fim, acompanhando Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Princípia, Cascais, pp. 200, “existe jurisprudência fixada no sentido de entender que a questão do incumprimento destes prazos não é de conhecimento oficioso, independentemente da qualificação dos mesmos como prazos de prescrição ou caducidade.” – referindo-se, desde logo, ao prazo previsto no artigo 357º, n.º 1 do CT.
GG - Logo, não tendo o Autor arguido a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, com base no disposto no artigo 357º, n.º 1 do CT, não cabe ao Tribunal a quo, oficiosamente, verificar se a decisão final foi proferida dentro do prazo aí estabelecido.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer: Seja o presente recurso julgado totalmente procedente e, em consequência, seja a douta sentença recorrida revogada, julgando-se cumprido, pela Recorrente, o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 98º-I do CPT, prosseguindo os autos na primeira instância os normais termos, com vista ao julgamento.”
Não foi pelo Recorrido apresentada contra-alegação.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta do apelado, o qual veio manifestar a sua concordância com a posição assumida pelo Ministério Público.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o âmbito do recurso pelas conclusões da Recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), a questão que importa solucionar é a de apurar se a Ré juntou aos autos o procedimento disciplinar em cumprimento do prescrito no n.º 3 do art.º 98.º-J do CPT.
 
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra, acrescidos dos seguintes:
- Na audiência de partes que teve lugar no dia 23.03.2023 e onde estiveram presentes o autor/trabalhador e a ré/empregador não foi possível obter a conciliação das partes, pelo que, foi ordenada a notificação da ré/empregadora «… para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas (…)».
- Em 10.04.2023 a ré/empregadora apresentou o articulado motivador do despedimento, com o qual juntou cinco documentos.
- Por despacho proferido a 16.06.2023 foi determinado que a secção averiguasse se havia sido junto o procedimento disciplinar em suporte físico e/ou digital e, em caso contrário, que se insistisse pela sua junção junto da ré.
 - A 30.06.2023 a ré requereu, em resposta ao despacho, a junção do “Processo Disciplinar” (fls. 89 a 116), juntando aos autos, além das peças já juntas com a contestação (nota de culpa, resposta à nota de culpa e três autos de inquirição), a comunicação da suspensão preventiva de 4.10.2022 (fls. 89) e a decisão final com as notificações à Diretora de recursos humanos da ré de 27.01.2023 e ao trabalhador, esta com a menção ao envio por carta com AR a 8.02.2023 (fls. 104 a 116). 

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Defende a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao ter declarado a ilicitude do despedimento do Autor, por violação do disposto no art.º 98º-J n.º 3 do CPT, isto é, por falta de junção do processo disciplinar.
Podemos desde já, dizer, que concordamos com a decisão recorrida que, aliás, já acima deixámos reproduzida, apenas deixando um pequeno reparo não quanto à decisão, mas quanto à prolação do despacho para possibilitar à recorrente a junção do procedimento disciplinar completo, já que a Mm.ª Juiz foi para além do que seria expectável, atento o prescrito nos artigos 98.º -I, n.º 4, al. a), e 98.º-J, n.º 3, do CPT.
Decorre do prescrito no artigo 98.º-I n.º 4, al. a) do CPT que, frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes, o juiz “[P]rocede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas [..]”.
E resulta do prescrito no art.º 98.º-J n.º 3, do CPT, que «Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
[..]».
É de ressalvar que da conjugação destas disposições legais com o n.º 1 do art.º 98.º-C do CPT., permite perceber que há uma distinção entre “procedimento disciplinar” e “os documentos comprovativos do cumprimento de formalidades”, pois o uso da conjunção “ou”, indica que a junção de um ou de outros é devida consoante as razões que motivaram a decisão de despedimento individual comunicado por escrito ao trabalhador. Assim, se a decisão tiver como fundamento facto imputável ao trabalhador, incumbe ao empregador apresentar o processo disciplinar, uma vez que o despedimento, deve ser sempre procedido do processo disciplinar, sob pena de invalidade. E se a decisão respeitar a extinção do posto de trabalho ou inadaptação, então deverão ser juntos “os documentos comprovativos do cumprimento de formalidades”, também sob cominação de invalidade, conforme decorre, dos artigos 384.º e 385.º do CT, respetivamente.
Acresce dizer que como tem sido pacificamente entendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, o prazo de 15 dias para o empregador apresentar o articulado a motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar fixado pelo art.º 98º-I, nº 4, al. a), do CPT, sendo um prazo legal, porque fixado por lei, tem natureza perentória. Ou seja, o seu decurso determina a extinção do direito de praticar tais atos; é improrrogável, porque a lei não prevê a possibilidade da sua prorrogação; e, consagra o efeito cominatório como consequência para a revelia do empregador - cfr. Ac. TRP de 7-12-2014, Proc.º n.º 78/14.0TTPRT.P1; Ac. TRP de 07-07-2016, Proc. n.º 4885/15.8T8MTS-A.P1; Ac. TRP de 03-06-2019, Proc.º 1558/18.3T8VLG-A.P1; Ac. TRL de 11-04-2018, Proc.º 2271/16.1T8FNC.L1-4; Ac. TRE de 16.04.2014, Proc. n.º 187/13.2TTPTM-A.E1; Ac. TRE de 12-09-2018, Proc.º 2195/17.5T8STR-A.E1; e Ac. TRG de 2.06.2016, Proc. n.º 2080/15.5T8BRG-B.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.; Susana Martins da Silveira, “A nova ação de impugnação judicial e licitude do despedimento”, Julgar, n.º15, 2011, pág. 93, nota 34; Viriato Reis/Diogo Ravara “A ação de impugnação da  regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código do processo civil”, pág. 53; e Joana Vasconcelos, “Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento – Comentário aos artigos 98.º P e segs. Do Código do Processo do Trabalho”, 2015, pág. 82 e segs.
De tudo isto resulta que, na estrutura desta forma de processo especial é imposto ao juiz o dever de indagar se o empregador, cumpre as formalidades impostas pelo art.º 98.º I, n.º 4. al. a) do CPT., dentro do prazo legal. Se o juiz concluir que a entidade empregadora não cumpriu, quer porque não apresentou o articulado motivador do despedimento, quer porque não juntou o procedimento disciplinar – nos casos em que a decisão de despedimento tenha por fundamento a justa causa por facto imputável ao trabalhador – ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas - nos casos em que a decisão de despedimento tenha por fundamento a extinção do posto de trabalho ou a inadaptação – a lei impõe-lhe que aplique a cominação estabelecida no art.º 98.º J, n.º 3, do CPT., declarando imediatamente a ilicitude do despedimento com as consequências legais, designadamente condenando o empregador na reintegração do trabalhador ou em indemnização em função da antiguidade, bem como no pagamento das retribuições intercalares desde o despedimento até ao trânsito em julgado.
Porém, o Tribunal a quo proferiu o despacho acima mencionado, concedendo à Ré, um novo prazo para juntar aos autos o procedimento disciplinar.
Na sequência de tal despacho a Ré veio juntar algumas peças do procedimento disciplinar que considerou serem relevantes, sem que tivesse dado cumprimento ao ordenado, ou seja, a empregadora nem com o seu articulado motivador do despedimento, nem na sequência da notificação que lhe for efetuada para o efeito, juntou o procedimento disciplinar, ao invés limitou-se a juntar um conjunto de documentos, que constituem cópias de peças do procedimento disciplinar.
Resulta das disposições combinadas dos art.º 352.º a 357.º do Código de Trabalho que o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, por imperativo legal, deve revestir a forma escrita e comporta diversas fases a saber: inquérito prévio (facultativo) + nota de culpa + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar,[1]devendo também, por imperativo legal, revestir-se de forma de um processo documental escrito, pelo menos, em relação às suas fases essenciais.
Daqui resulta que o sentido e alcance da obrigação que impende sobre a entidade empregadora inserta no art.º 98.º-I, n.º4, alínea a) do Código de Processo de Trabalho é o da junção de todo o processo disciplinar, tal qual ele existe, com todos os seus atos e elementos (inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar + respetivas notificações), sob pena de funcionar o efeito cominatório pleno previsto no art.º 98.º-J, n.º3 do Código de Processo de Trabalho, ou seja o decretamento imediato da ilicitude do despedimento. Não está assim na disponibilidade do empregador escolher as peças que pretende juntar aos autos ao invés de juntar o procedimento disciplinar tal qual se encontre.
Com efeito, não é só a ausência absoluta de processo disciplinar que determina a ilicitude do despedimento, e tal resulta claro das citadas disposições imperativas do Código do Trabalho (artigos 352.º a 357.º), mas também o não cumprimento das suas formalidades/fases essenciais, ou seja, como acima referimos (inquérito prévio (facultativo) + nota de culpa + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar + respetivas notificações).
Importa frisar que o procedimento disciplinar comporta muito mais atos, que não os limitados à decisão de suspensão do despedimento, à nota de culpa, à resposta, à inquirição de testemunhas e à decisão final, pois pressupõe o cumprimento de uma séria de formalidades, tais como as comunicações à comissão de trabalhadores ou à associação sindical (quando hajam representantes sindicais), as consultas, decisões acerca da realização ou não de atos instrutórios e o inquérito prévio, quando a ele haja lugar.
Como defende a Procuradora-Geral Adjunta, no parecer junto aos autos “A lei não fala em peças do procedimento disciplinar, mas sim “o procedimento disciplinar”, o que pressupõe o procedimento completo, com todos os elementos que o compõem. Com vista a permitir uma decisão que se quer célere, atendendo ao que está em causa (o despedimento) e de modo a que, perante o processo integral, o trabalhador possa defender-se, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais.”
Em suma, o procedimento disciplinar é constituído por um conjunto sequencial de atos em ordem a um determinado fim, sendo esse conjunto, que não as peças dispersas que o integram, que deve ser junto aos autos, na sequência da notificação efetuada em audiência de partes, pois só assim o trabalhador estará munido de todos os elementos para que se possa defender, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais. Só com o procedimento integral é possível aferir do cumprimento de todas as formalidades legais, designadamente os comprovativos das notificações e comunicações efetuadas, que são elementos decisivos para se verificar se foram ou não cumpridos os prazos legais, independentemente de o trabalhador necessitar ou não de tais elementos para se defender, pois uma cabal defesa só poder ser levada a cabo se se estiver na posse do todos os elementos que constem do procedimento.
Revertendo ao caso dos autos, temos por certo que após duas notificações para que a Ré apresentasse o procedimento disciplinar, esta limitou-se a juntar inicialmente com o articulado de motivação do despedimento cinco documentos - a nota de culpa, a resposta à nota de culpa e três autos de inquirição – vindo a juntar posteriormente, na sequência de nova notificação do Tribunal, a decisão de suspensão preventiva e a decisão final.
Ora, o Recorrido apresentou contestação, suscitando, além do mais, a caducidade do prazo para iniciar o procedimento disciplinar ilicitude do despedimento (cfr. art.º 329.º n.º 2 e 4 do CT), sendo certo que ao que tudo indica existiu inquérito prévio, o qual também não foi junto aos autos.
Na verdade, dos parcos documentos juntos aos autos pela Recorrente, apelidados de processo disciplinar não nos permitem concluir que o trabalhador teve acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa.
No caso dos autos a necessidade de junção deste conjunto ordenado de peças é premente, porquanto se alega a caducidade do procedimento disciplinar, sem que se tenha junto o inquérito prévio. E por outro lado, os documentos juntos aos autos não permitem indagar da data em que terá sido praticado o último ato de instrução para se possa aferir da oportunidade da prolação da decisão disciplinar.
Nem se argumente que o procedimento disciplinar não tem de ser escrito- cfr. art.º 329.º do CPT a contrario-, pois o procedimento disciplinar conducente ao despedimento tem de ter forma escrita (cfr. 353.º n.º 1 do CT (nota e culpa); 354.º (suspensão preventiva); art.º 355.º n.º 1 do CT (resposta à nota de culpa); e art.º 357.º n.º 6 do CT (decisão de despedimento)), apesar de tal forma não ser exigível para todo o processo, já que nem todas as diligências tem de obedecer à forma escrita, mas no caso não é isto que está em causa, mas sim o facto da Recorrente não ter junto o procedimento disciplinar que instaurou ao recorrido e que conduziu ao seu despedimento.
Na verdade, a Ré não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, o que equivale à ausência do mesmo como um todo, razão pela qual mais não restava ao Tribunal a quo, por imposição do disposto no citado art.º 98. -J n.º 3 do CPT. do que declarar de imediato a ilicitude do despedimento, com as demais consequências legais.
Consequentemente mantemos a decisão recorrida e improcede a apelação.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da Recorrente.
Guimarães, 4 de Abril de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/2012, Proc.º n.º 3040/09.0TTLSB-D.L1-4, acessível em www.dgsi.pt