PERDÃO DE PENA
30 ANOS
CRIMES EXCLUÍDOS DO PERDÃO (O ROUBO E O TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES) E CRIMES NÃO EXCLUÍDOS DO PERDÃO
PENA ÚNICA
Sumário


I- O arguido, nascido em ../../1982, foi condenado na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão, resultante do cúmulo das seguintes penas parcelares: 2 anos de prisão pela prática, no dia 15-3-2017, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1, do Código Penal; 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, cometido desde início de Janeiro de 2012 a finais de 2012 e; duas penas de 6 meses de prisão, pela prática em ../../2012 e ../../2012, de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro.
II- O perdão de penas e a amnistia previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, aplicam-se apenas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19.06.2023, por pessoas que tivessem entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos, como estabelece o seu artigo 2.º, nº 1.
Tal limite etário, no seu máximo, abrange as pessoas que tiverem 30 anos e enquanto os tiverem, como se apreende diretamente da letra da lei, que consigna expressamente «entre 16 e 30 anos de idade» e não até 30.
Aliás, esse limite coincide precisamente com o do evento que deu origem à Lei de clemência, que como se pode ler nas instruções fornecidas para s respetivas inscrições no próprio site oficial da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, se destinou a «peregrinos de todo o mundo com idades entre os 14 e 30 anos de idade», ou seja, para peregrinos cujo limite etário mínimo eram os 14 anos de idade (e não a partir dos 14) e o limite etário máximo eram os 30 anos (e não até aos 30).
III- A coexistência de dois crimes excluídos do perdão e da amnistia (o roubo e o tráfico de estupefacientes) e de dois crimes não excluídos do perdão (os dois crimes de condução sem habilitação legal), conforme estatui o artigo 7.º, nº 3 da Lei 38-A/20023 não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e 4.º do mesmo diploma.
Respeitando a situação a um caso de cúmulo jurídico, no âmbito do qual foram englobadas as quatro penas parcelares, o perdão incide sobre essa pena única, sem qualquer desvio às regras dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, por ser precisamente nesse sentido a previsão expressa do nº 4 do artigo 3º, da Lei de clemência em análise.
IV- Não há necessidade de realizar um novo cúmulo jurídico, que não é imposto pela Lei nº 38-A/20023, 02.08, ao contrário do que acontecia em leis de clemência anteriores, em que a medida do perdão era variável em função da medida concreta da pena de prisão aplicada
V- A medida do perdão sobre a pena única apenas não pode ser superior à soma das penas parcelares que dele beneficiam (com o limite máximo de 1 ano de perdão); e, por outro lado, o remanescente da pena única decorrente da aplicação do perdão também não poderá ser inferior à pena parcelar mais elevada daquelas que integram o cúmulo jurídico mas não beneficiam do perdão (ou seja, não podendo a aplicação do perdão ter como resultado a redução da pena única abaixo da medida dessa pena parcelar mais elevada).
VI- No descrito contexto factual e legal, não se vislumbram motivos que impeçam a aplicação à pena única em que o recorrente foi condenado do perdão de um ano de prisão, o que deve ser feito por simples despacho.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)

I. RELATÓRIO

No processo comum singular nº 5030/20...., do Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em que é arguido AA, foi proferido o seguinte despacho, datado de 12 de outubro de 2023:
«Cúmulo Jurídico
No passado dia 01.09.2023, entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Importa, assim, verificar, in casu, a eventual aplicação ao condenado AA do perdão/amnistia estabelecidos na referida Lei.
Com relevo para a apreciação de tal questão, há que ter em conta os seguintes dados, que se retiram da tramitação dos autos:
. Por acórdão cumulatório proferido a 11.10.2021, transitado em julgado a 10.11.2021, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelas que lhe foram aplicadas nos processos: o n.º269/17.... – pela prática, no dia 15.03.2017, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1, do Código Penal, na pena (parcelar) de 2 anos de prisão; e, o n.º1/12.... – pela prática, desde início de janeiro de 2012 a finais de 2012, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-lei n.º15/93, de 22.01, na pena (parcelar) de 4 anos e 6 meses de prisão e, em 09.04.2012 e 17.09.2012, de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º2, do Decreto-lei n.º3/98, de 02.01, nas penas (parcelares) de 6 meses de prisão por cada um dos crimes.
. O arguido nasceu a ../../1982.
. Em 20.11.2021, o condenado foi colocado à ordem dos presentes autos para cumprimento da referida pena única de prisão, com o fim da pena previsto para 20.01.2025 (os 2/3 foram atingidos em 05.03.2023) (cf. fls.389 e 400).
Estabelece o artigo 2.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023, de 02.08, que «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º».
Já o artigo 3.º, da referida Lei n.º38-A/2023, estatui que:
«1. Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2. São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;
c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e
d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
3. O perdão previsto no n.º1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena.
4. Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
(…)».
O artigo 4.º, por sua vez, dispõe: «São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa».
Por fim, o artigo 7.º elenca as situações de exclusão da aplicação das medidas estabelecidas pela presente Lei, não podendo beneficiar do perdão/amnistia, no que ao caso interessa, os condenados pela prática de crime de tráfico de estupefacientes previsto nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-lei n.º15/93, de 22.01 – cf. alínea f), subalínea ix) do n.º1, do artigo 7.º.
Nos termos do n.º3 do artigo 7.º, a exclusão do perdão e da amnistia previsto nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.
São, assim, desde logo, pressupostos da aplicação da amnistia/perdão contidos na Lei n.º 38-A/2023, que:
. Se trate de ilícito(s) praticado(s) até às 00:00 horas de 19.06.2023;
. O/a condenado/a tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos;
. Não se verifique nenhuma das exceções previstas no artigo 7.º da citada lei.
Postas estas singularidades, vejamos o caso dos autos.
Perante os elementos acima expostos e o respetivo quadro legal, verificamos, desde logo, não se estar perante uma situação de aplicação da amnistia contida no artigo 4.º, na medida em que todos os crimes em que o arguido foi condenado são puníveis com pena superior à nele prevista.
Posto isto, analisemos agora se estão reunidas as condições legais para a aplicação do perdão.
Como se retira da breve resenha factual exposta, todos os crimes foram cometidos em data anterior a 19.06.2023 e ao arguido foi aplicada uma pena única de prisão inferior a 8 anos.
Por outro lado, à data da prática dos factos a que se reporta a condenação no processo n.º1/12...., com exceção do crime de condução sem habilitação legal praticado em 17.09.2012, o condenado tinha idade inferior a 30 anos.
No que respeita ao crime de condução sem habilitação legal cometido em 17.09.2012, o condenado já tinha completado 30 anos, mas ainda não atingido os 31 anos.
Desta forma, e dado que entendemos que os 30 anos a que se faz referência no artigo 2.º, n.º1, da Lei n.º38/2023, de 02.08 engloba todo o período até o condenado perfazer os 31 anos, consideramos que, também em relação a esse crime, se verifica tal requisito legal (parece ir nesse sentido Pedro de Brito, Notas Práticas referentes à Lei n.º38-A/2023, de 02.08 que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude in Julgar Online de Agosto de 2023).
De facto, se a lei pretendesse excluir aqueles que já perfizeram 30 anos à data da prática dos factos teria tido o cuidado de o afirmar expressamente (por exemplo, afirmando que a lei se aplica a pessoas com idade superior a 16 anos e até – ou com idade inferior a - 30 anos de idade), o que não fez.
Acontece que, o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido foi condenado no processo n.º1/12.... integra a exceção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea f), subalínea ix).
E, com relação aos factos ilícitos pelos quais foi condenado no processo n.º269/17.... – ocorridos a 15.03.2017 -, o condenado já tinha mais de 30 anos de idade, daí que não se encontram abrangidos pelo âmbito da Lei.
Assim, e em face do disposto no artigo 7.º, n.º3, é possível afirmar que o condenado está em condições de beneficiar do perdão de pena previsto na Lei n.º38-A/2023, de 02.08, relativamente aos outros crimes (não excluídos), ou seja, restrito à parte sobrante da pena única expurgada as penas aplicadas aos crimes excluído [crime de tráfico de estupefacientes] e não abrangido [crime de roubo] do benefício do perdão.
Contudo, e em face da medida da pena única (5 anos e 8 meses) e considerando a pena fixada para o crime excluído (4 anos e 6 meses) e a pena aplicada ao crime não abrangido (2 anos), não se vislumbra que o condenado possa beneficiar do referido perdão, pois a pena residual ficaria aquém da medida das penas parcelares aplicadas pelos crimes excluído e não abrangido de tal benefício.

*
Decidindo
Por todo o exposto, e em conformidade com as disposições legais acima referidas, decide-se declarar que não se verificam, em relação ao condenado AA, os pressupostos para que possa beneficiar do perdão/amnistia estabelecidos na Lei n.º38.º A/2023, de 02.08.
Notifique e dê conhecimento ao TEP, ao EP e à DGRSP.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:
«1. Vem o recorrente AA interpor recurso ao despacho de 12.10.2023 que considerou não se encontrarem reunidas as condições legais para lhe ser aplicado o perdão de um ano previsto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n. 38-A/2023, de 2 de Agosto de 2023.
2. O despacho recorrido entendeu que as penas parcelares dos dois crimes de condução sem habilitação legal, pelos quais foi o Recorrente condenado e foram considerados no cúmulo jurídico, não podem ser objeto de perdão.
3. O Tribunal a quo entendeu que “é possível afirmar que o condenado está em condições de beneficiar do perdão de pena previsto na Lei n.º38- A/2023, de 02.08” mas, logo de seguida, concluiu pelo inédito, a saber: “não se vislumbra que o condenado possa beneficiar do referido perdão, pois a pena residual ficaria aquém da medida das penas parcelares aplicadas pelos crimes excluído e não abrangido de tal benefício”.
4. Este entendimento e interpretação do regime legal oriundo do perdão papal são violadores do princípio da legalidade e da igualdade, bem como violam frontalmente os art.º 3.º n.º 1, 3.º n.º 4 e art.º 7º n.º 3 da Lei n.º 38-A, de 2 de Agosto.
5. Existindo, como existem, crimes cumulados, na pena única de 5 anos e 8 meses, que permitem a aplicação do perdão, porque não foram excluídos da mesma, tal como é o caso dos dois crimes de condução sem habilitação legal, e encontrando-se reunidos os pressupostos objetivos para o efeito, o Tribunal recorrido deveria ter aplicado um ano de perdão.
6. Os art.º 3.º n.º 1, art.º 3.º n.º 4 e art.º 7.º n.º 3 da Lei n.º 38- A/2023, de 2 de Agosto, devem ser interpretados no sentido de que, existindo num cúmulo jurídico penas parcelares englobadas por crimes não excluídos do perdão, é de se aplicar um ano de perdão.
7. Pelo exposto, deve a decisão datada de 12/10/2023 ser revogada e substituída por outra que, de acordo com a Lei, com a vontade do Legislador, a melhor e mais correta interpretação e aplicação do Direito e, ainda, com as motivações e conclusões deste recurso, determine a IMEDIATA aplicação de um ano de perdão à pena que o Recorrente se encontra a cumprir.»
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A Senhora Procuradora da República que representou o Ministério Público na 1ª instância respondeu, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer, o qual conclui do seguinte modo: «Assim, e concluindo, somos de parecer que o recurso deverá ser declarado parcialmente procedente devendo ser aplicado o perdão de 6 meses ao crime de condução sem habilitação legal praticado pelo arguido em 9 de Abril de 2012, quando ainda não tinha completado 30 anos de idade.
Sem prescindir, e caso se entende que o perdão é extensivo ao crime de condução ilegal praticado em 17 de Setembro de 2012, depois do arguido ter completado 30 anos de idade, deverá a primeira instância proceder à realização de dois cúmulos jurídicos: um com as penas referente a crimes excludentes do perdão; e um outro com as penas parcelares aplicadas por crimes abrangidas pelo perdão, e é sobre a pena única aqui fixada que incidirá o perdão.»
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, com resposta do arguido, que finaliza nos seguintes termos: «Pugna-se, pois então, pelo entendimento segundo o qual, em primeiro lugar, há lugar à aplicação do perdão – revogando-se o despacho recorrido nesse aspeto,
. Em segundo lugar cabe apenas discutir o quantum desse perdão face ao englobamento e compressão dessa pena parcelar numa pena única (o cúmulo jurídico).
Defendemos, nesta matéria, a tese mais favorável ao arguido, sabendo-se de antemão que, quando há sérias dúvidas na aplicação da lei por omissão do legislador, o caminho a adotar deve ser, sempre, a interpretação mais favorável ao cidadão.»
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].

1. Questões a decidir:

Saber se, no âmbito da Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, em caso de cúmulo jurídico entre penas parcelares aplicadas por crimes excluídos da amnistia e do perdão e outras por crimes excluídos da amnistia mas não do perdão, o condenado continua a beneficiar do perdão e, em caso afirmativo, como se processa a sua aplicação.
***
III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

No âmbito dos presentes autos, por acórdão proferido em 11.10.2021, transitado em julgado a 10.11.2021, o arguido/recorrente AA, nascido em a ../../1982, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão, resultante do cúmulo das quatro penas parcelares que lhe foram aplicadas:

a) no processo n.º269/17....:
- pela prática, no dia 15.03.2017, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena (parcelar) de 2 anos de prisão;
b) no processo n.º1/12....:
- pela prática, desde início de janeiro de 2012 a finais de 2012, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, na pena (parcelar) de 4 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, em 09.04.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 3/98, de 02.01, na pena (parcelar) de 6 meses de prisão;
- pela prática, em 17.09.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 3/98, de 02.01, na pena (parcelar) de 6 meses de prisão;
Com referência aos crimes acabados de enunciar, o arguido/recorrente, nascido em ../../1982, tinha:
- 34 anos de idade quando, em 15.03.2017, praticou o crime de roubo, punido com a pena parcelar de 2 anos de prisão (processo n.º269/17....);
- 29 e 30 anos de idade quando, em início de janeiro de 2012 a finais de 2012, praticou o crime de tráfico de estupefacientes, punido com a pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão (processo n.º1/12....);
- 29 anos de idade quando, em 09.04.2012, praticou um crime de condução sem habilitação legal, punido com a pena parcelar de 6 meses de prisão (processo n.º1/12....);
- 30 anos de idade quando, em 17.09.2012, praticou um crime de condução sem habilitação legal, punido com a pena parcelar de 6 meses de prisão (processo n.º1/12....);
O perdão de penas e a amnistia previstos na Lei n.º 38-A/2023 [2], de 02.08, aplicam-se apenas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19.06.2023, por pessoas que tivessem entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos, como estabelece o seu artigo 2.º, nº 1.
Tal limite etário, no seu máximo, abrange as pessoas que tiverem 30 anos e enquanto os tiverem, como se apreende diretamente da letra da lei, que consigna expressamente «entre 16 e 30 anos de idade» e não até 30 [3].
Aliás, esse limite coincide precisamente com o do evento que deu origem à Lei de clemência, que como se pode ler nas instruções fornecidas para s respetivas inscrições no próprio site oficial da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 [4], se destinou a «peregrinos de todo o mundo com idades entre os 14 e 30 anos de idade», ou seja, para peregrinos cujo limite etário mínimo eram os 14 anos de idade (e não a partir dos 14) e o limite etário máximo eram os 30 anos (e não até aos 30).
Voltando ao caso dos autos, temos assim que a aplicação da Lei 38-A/2023, de 02.08, encontra-se logo excluída no que respeita ao crime de roubo, pois aquando da sua prática o recorrente tinha já 34 anos de idade.
Por sua vez, o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, está contemplado no artigo 7.º, alínea f), subalínea ix) da citada Lei de clemência, como uma das exceções que exclui o perdão e a amnistia.
Quanto a ambos os crimes de condução sem habilitação legal, ps. e ps. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 3/98, de 02.01, estão excluídos da amnistia de infrações penais prevista no artigo 4.º da mesma Lei 38-A/20023, 02.08, porquanto não reúnem os pressupostos aí exigidos para tal; mas não se enquadram no elenco das exceções previstas no artigo 7.º da mesma Lei, que excluem o perdão e a amnistia.
Estamos, pois, perante a coexistência entre dois crimes excluídos do perdão e da amnistia (o roubo e o tráfico de estupefacientes) e dois crimes não excluídos do perdão (os dois crimes de condução sem habilitação legal), o que, como estabelece o artigo 7.º, nº 3 da Lei 38-A/20023, 02.08, não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e 4.º do mesmo diploma.
Porém, respeitando a situação a um caso de cúmulo jurídico, no âmbito do qual foram englobadas as quatro penas parcelares, o perdão incide sobre essa pena única, sem qualquer desvio às regras dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, por ser precisamente nesse sentido a previsão expressa do nº 4 do artigo 3º, da Lei de clemência em análise.
Sem necessidade de realizar um novo cúmulo jurídico, que não é imposto pela Lei nº 38-A/20023, 02.08, ao contrário do que acontecia em leis de clemência anteriores, em que a medida do perdão era variável em função da medida concreta da pena de prisão aplicada (cf. artigo 13.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 16/86, de 11.07; artigo 14.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 23/91, de 04.07; artigo 8.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 15/94, de 11.05; e artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 29/99, de 12.05).
Sendo ainda que, na situação em apreço (de coexistência entre dois crimes excluídos do perdão e da amnistia e dois crimes não excluídos do perdão) da conjugação dos artigos 3.º, nº 4, e 7.º nº 3, da 38-A/20023, 02.08, resulta que a medida do perdão sobre a pena única apenas não pode ser superior à soma das penas parcelares que dele beneficiam (com o limite máximo de 1 ano de perdão); e, por outro lado, que o remanescente da pena única decorrente da aplicação do perdão também não poderá ser inferior à pena parcelar mais elevada daquelas que integram o cúmulo jurídico mas não beneficiam do perdão (ou seja, não podendo a aplicação do perdão ter como resultado a redução da pena única abaixo da medida dessa pena parcelar mais elevada).
Como escreve a propósito Pedro José Esteves de Brito[5], «Não estando englobados no cúmulo jurídico penas parcelares de prisão aplicadas por crimes abrangidos pela amnistia, não se verificando a alteração da moldura abstrata, nem sendo na presente Lei a medida do perdão a aplicar nas penas de prisão variável em função da medida destas, não se impõe reformular o cúmulo jurídico de penas já efetuado, pelo que nada obsta à aplicação do perdão à pena única de prisão por despacho, sem necessidade de designar dia para a realização de audiência e subsequente prolação de decisão. 
(…)  Caso tal cúmulo englobe várias penas parcelares de prisão aplicadas por crimes não excluídos do perdão, nada impede que o perdão seja de 1 ano no caso de a soma das penas parcelares aplicadas por crimes não excluídos do perdão seja superior a tal medida, sendo que, no caso de ser inferior, o perdão não poderá ser superior a tal soma, por força da conjugação dos ditos preceitos legais e das regras de determinação da pena única em caso de cúmulo jurídico.
(…) Acresce que, caso tal cúmulo englobe várias penas parcelares de prisão aplicadas por crimes excluídos do perdão, por força da conjugação dos ditos preceitos legais e das regras de determinação da pena única em caso de cúmulo jurídico, o remanescente decorrente da aplicação do perdão não poderá ser inferior à mais elevada da pena parcelar de prisão aplicada por crime excluído do perdão.»
Revertendo novamente ao caso dos autos, logo se constata que as duas únicas penas parcelares que beneficiam do perdão são de seis meses cada uma; que a pena mais elevada entre as que não beneficiam de perdão é de 4 anos e 6 meses de prisão; e que está em causa uma pena única de única de 5 anos e 8 meses de prisão.
Aplicando o perdão de um ano a essa pena única de 5 anos e 8 meses de prisão, o remanescente da pena única não perdoada é de 4 anos e oito meses de prisão, que continua a ser superior à pena mais elevada entre as que não beneficiam de perdão (e que, em respeito pelo disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal, não poderia ser atingida pelo perdão, por ser o limite mínimo da pena única).
No descrito contexto factual e legal, não vemos motivos que impeçam a aplicação à pena única em que o recorrente foi condenado do perdão de um ano de prisão, o que deve ser feito por simples despacho.
Não podendo subsistir a decisão recorrida.
***
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aplique o perdão de um ano de prisão à pena única, com a(s) condição(ões) e consequências legalmente previstas.
Sem tributação.
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Guimarães, 19 de março de 2024
(Texto integralmente elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal –, encontrando-se assinado na primeira página, nos termos do artigo 19.º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.)

Fátima Furtado (Relatora)
Fernando Chaves (1º Adjunto)
Júlio Pinto (2º Adjunto)


[1] Cf. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, tendo entrado em vigor a 01.09.2023.
[3] Neste sentido, aprofundando a questão, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-2-2024, proc.º n.º 19/19.8GASTC-E.E1, relatado por Carlos Campos Lobo.
[4] https://register.wyd-reg.org/Welcome/resources/pilgrims/Istruzioni_iscrizione_pellegrini_pt.pdf (Consultado em 07.03.2024)
[5] Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, Revista Julgar Online, janeiro de 2024, páginas 8 e 9.