SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE PENA
INCUMPRIMENTO CULPOSO E GRAVE DAS CONDIÇÕES E SUSPENSÃO
REVOGAÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA DA HABITAÇÃO
NATUREZA E FINALIDADES DA PENA
Sumário


I- Os arguidos foram condenados pela prática de um crime de usurpação de imóvel, p. e p. pelo artigo 215º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 03 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada aos seguintes deveres: a) No prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, abandonarem o prédio identificado em 1) a 3) dos factos provados, dele removendo todos os bens móveis nele depositados, bem como animais também nele existentes e, bem assim, quaisquer estruturas nele fixadas ou montadas, deixando-o totalmente devoluto de pessoas e bens – artigo 51º, nº 1 e 2, do Código Penal ; b) Até ao final do prazo de suspensão da pena supra, pagarem o montante indemnizatório cuja condenação consta infra;c) No prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, pedirem desculpa ao lesado, através de carta(s) registada(s), a enviar para o escritório do il. mandatário do assistente.
II- Decorridos quase dois anos entre a data em que a sentença se tornou obrigatória para os recorrentes e a data em que foi proferida a decisão ora recorrida, verifica-se que não foi cumprido qualquer dos deveres condicionantes da pena de substituição, sendo certo que o atraso em relação ao pagamento da indemnização é de cerca de oito meses e que o atraso em relação aos restantes deveres é de cerca de 1 ano e 10 meses.
Além disso, é insofismável que a conclusão de que as violações dos deveres impostos são repetidas (continuadamente repetidas, diga-se) não merece qualquer hesitação, assumindo particular importância a não remoção dos objetos e haveres que permanecem no imóvel e o não pagamento da indemnização devida.
Ora, a remoção dos objetos e causa é dimensão quase insignificante: um barraco, um galinheiro, uns móveis cobertos com um toldo e um automóvel.
O ritmo de pagamento da indemnização é de evidentíssima suavidade.
A única explicação para o comportamento destes condenados é a sua olímpica indiferença em relação às ordens e decisões do tribunal, reveladora de um total alheamento do seu processo de reintegração social, de um absoluto desprezo pelos esforços do sistema jurídico para a sua recuperação em liberdade, passíveis de um seríssimo juízo de reprovação (e, portanto, de culpa) e causadores do total soçobro do alegado juízo de prognose que esteve na base da opção pela pena de substituição.
Estamos, pois, perante um caso de grosseira e repetida infração dos deveres impostos sendo-lhe aplicável, portanto, a previsão do artigo 56.º do Código Penal, justificando-se a decretada revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicadas aos arguidos.
III- o legislador, para além de outros fins, pretendeu com a instituição da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, obviar aos inconvenientes do ingresso dos condenados em pena curtas de prisão no problemático ambiente prisional, permitindo assim aos tribunais a opção pela aplicação ao condenado da pesadíssima sanção da perda da liberdade, sem que, contudo, esta seja acompanhada do reconhecido estigma da reclusão prisional e dos potenciais perigos da germinação pantográfica no seu espírito de uma qualquer compulsão criminosa, seja pelo convívio com os outros reclusos, seja pela interior inconformismo que tal reclusão lhe aporte.
IV- O que parece fundamental em face do quadro em análise é que os condenados compreendam que a decisão deve ser cumprida, pois só assim a sua reintegração social será plena, uma vez que enquanto permanecerem nesta atitude de negação a reação criminal não atingiu, nem vai atingir o seu principal fim. E para essa interiorização, só a privação da liberdade resta, pois, todas as outras opções se encontram já exauridas, sem qualquer indício do mais incipiente sucesso. Todavia, entendemos que a inexistência de antecedentes criminais, a avançada idade dos condenados e a relativamente baixa gravidade do ilícito em causa, permitem, ainda, encarar como suficiente para alcançar aquele desiderato legal esta forma relativamente recente e especial de execução da privação da liberdade, dando, ainda, e simultaneamente, cumprimento aos desígnios claramente assumidos pelo legislador penal nesta sede.

Texto Integral


I RELATÓRIO

1
No processo n.º 674/17...., do Juízo Local Criminal de Guimarães – J ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicadas aos arguidos AA e BB, determinando-se o cumprimento pelos mesmos da pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

2
Não se tendo conformado com a decisão, os condenados AA e BB interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, afigura-se aos Recorrentes carecer fundamento de facto e de direito que justifique a condenação dos arguidos AA e BB, na revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, condenando-os no cumprimento pelos mesmos da pena de um ano e três meses de prisão.
2º) Salvo o devido respeito e melhor opinião não andou bem o Mmo. Juiz a quo, tanto mais que não existem quaisquer elementos objectivos que possam ser imputaveis aos arguidos para que lhes pudesse ser revogada a suspensão.
3º) Por sua vez, constitui um seu pressuposto formal que a medida da pena não seja superior a cinco anos. O regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º, em termos substantivos, e nos artigos 492.° a 495.° do Código de Processo Penal, em termos adjectivos, assumindo três modalidades: (i) suspensão simples; (ii) suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres e/ou regras de conduta); (iii) suspensão acompanhada de regime de prova. No que concerne ao incumprimento das condições e injunções da suspensão de uma pena de prisão podem ser compagináveis dois grandes tipos de situações em função daquelas que podem ser as suas consequências. 6º)
Quando no decurso do período de suspensão o condenado, com culpa, deixar de cumprir os deveres/regras de conduta que lhe foram impostas ou não corresponde ao “plano de reinserção”, pode o Tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal.
Mas quando de uma forma grosseira e/ou repetida viola deveres ou regras de conduta impostas ou o “plano de readaptação” ou comete um novo crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estiveram na base da suspensão da sua pena não puderam por intermédio desta ser alcançadas, deve, então, a suspensão da pena ser revogada (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal).
4º) A revogação da pena suspensa determina o cumprimento da pena de prisão. Está-se perante arguidos que à data da sua condenação nestes autos eram primários, não registando condenações anteriores, que são pessoas idosas, doentes e pobres, que invocaram sempre os factos que os impediram de cumprir aquilo a que se encontravam obrigados e que sempre justificaram, quer mediante documentos, quer mediante a sua audição, mas que se constata agora que, salvo o devido respeito, nem sequer foram levados em devida consideração pelo Mmo. Juiz a quo.
5º) Os arguidos são pessoas sem antecedentes criminais, que não tem conexão comportamental e sistemática com este tipo de crimes ou com quaisquer outros, familiarmente e socialmente integradas, bem reputadas, e que não atuou com intenção de aplicar ao Assistente lesão demasiado gravosas. Resulta, para nós, então, que a factualidade que subjaz à aplicação das medidas das penas, que estão concretamente aplicadas, não se mostram adequadas por ultrapassar o necessário para a estrita reintegração das normas afetadas pelo comportamento dos arguidos e cremos que são ultrapassados não apenas os limites da prevenção, geral e especial, como também o grau de culpa dos arguidos e da medida da pena, o que nos leva a peticionar a reapreciação da suspensão da pena.
6º) Posto isto, temos que – como já se deixou antever –, desde cedo se vem apontando a ideia de preservação dos condenados relativamente aos efeitos deletérios e criminógenos das penas (essencialmente curtas, mas também médias) de prisão enquanto baluarte histórico e político-criminal do mecanismo da suspensão, tornando-se agora inequívoco e manifesto o intuito político- criminal que domina o instituto da suspensão da execução da pena: o afastamento dos agentes da criminalidade.
7º) O que essencialmente se pretende, pois, com a suspensão, através da ameaça da privação da liberdade e da conservação dos agentes desse meio corruptor por excelência que constitui a prisão, é evitar a prática de novos actos criminosos ou o regresso à vida delinquente. Assim sendo, vemos que o fim último da pena suspensa nada tem que ver directamente com intuitos correctivos ou com questões de metanóia, mas antes com a salvaguarda dos indivíduos, com a intenção de evitar que eles tornem a cometer crimes, actuando a ameaça da prisão como um estímulo para os afastar da delinquência. Em suma, são vectores de socialização e de prevenção da reincidência que justificam fundadamente a opção pela suspensão da execução da pena, processo que resulta naturalmente catalisado e potenciado quando condicionado pela imposição de deveres, regras de conduta ou escoltado pelo regime de prova.
8º) Na verdade, não se concebe que o Mmo. Juiz a quo não tenha sopesado, essencialmente, as consequências da posterior condenação na manutenção da suspensão decretada e agora colocada em crise, para concluir que a solene advertência transmitida por tal forma de substituição da pena de prisão não teria sido irremediavelmente deslegitimada pela actuação dos arguidos, não tendo estes comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável que levou à suspensão.
9º) Nessa sua avaliação, deveria ter sido determinante «a idade do arguidos, as suas condições economicas e a maturidade que lhe está associada», mas também, e sobretudo, a percepção que não houve qualquer culpa na sua conduta, que foi sempre justificada, quer pela doença, quer pela falta de meios de que padecem.
10º) Posto isto, a questão de que cumpre conhecer no recurso, tal como acaba se ser delineada, restringe-se a saber se, nos termos do art. 56º, nº 1, b), do C. Penal, deve ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão porque, no seu decurso, o aqui arguidos não cumopriram intencional e dolosamente as injunções pelos quais veiram a ser condenados e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas e a resposta final creemos, que sem qualquer juizo de valor e com total isenção, apenas poderá ser negativa.
11º) Na verdade, os arguidos não repeliram o prognóstico favorável à suspensão da execução da pena que lhes foi imposta, que teve subjacente a fundada esperança de que a sua ressocialização poderia ser alcançada em liberdade e de que essa condenação ainda emergiria, por isso, como isolada.
12º) Efectivamente, pode concluir-se, com um mínimo de objectividade, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão tiveram o efeito que deveria ter e não foi em vão o juízo de prognose favorável feito aquando da suspensão da pena.
13º) Tudo ponderado, concluímos que os arguidos sempre temeram ameaça da pena de prisão, que não cumpriram as injunções impostas por motivos objectivos que tiveram sempre o cuidado de alertar o Tribunal, e não defraudaram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão decretada nestes autos, contrariamente á decisão constante dos presentes autos, que deverá ser revogada por outra que mantenha a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada, ou quando assim não se entenda, então atenta a idade (65 e 70 anos) e o estado de saude de ambos, sendo que o arguido marido se encontra gravemente doente já tendo sido operado e estando junto aos autos relatórios médicos do mesmo e a arguida já se encontra igualmente muito debilitada, seja equacionada que o cumprimento da pena seja feito na respectiva habitação.
14º) O Douto despacho violou, entre outros, o disposto nos artigos 40º, 56º, 70º e 71º todos do Código Penal.
Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar se provimento ao recurso e em consequência julgar-se procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e/ou substituindo-a por outro, que mantenha a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada, ou quando assim não se entenda, então atenta a idade (65 e 70 anos) e o estado de saude de ambos, sendo que o arguido marido se encontra gravemente doente já tendo sido operado e estando junto aos autos relatórios médicos do mesmo e a arguida já se encontra igualmente muito debilitada, seja equacionada que o cumprimento da pena seja feito na respectiva habitação, assim se fazendo, uma vez mais, J U S T I Ç A !


3
O Ministério Público respondeu ao recurso, propondo a sua improcedência.

4
No mesmo sentido se pronunciou o assistente na resposta apresentada.

5
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

6
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada foi dito.

7
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

II FUNDAMENTAÇÃO

1
Objeto do recurso:

A
A pena de suspensão de execução da pena em que os recorrentes foram condenados nos presentes autos deve ser revogada?

B
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deverá a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação?

2
Decisão recorrida:

Por sentença proferida em 03-12-2020, transitada em julgado em 22-11-2021, AA e BB foram condenados nestes autos, pela prática de um crime de usurpação de imóvel, p. e p. pelo artigo 215º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 03 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada aos seguintes deveres:
a) No prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, abandonarem o prédio identificado em 1) a 3) dos factos provados, dele removendo todos os bens móveis nele depositados, bem como animais também nele existentes e, bem assim, quaisquer estruturas nele fixadas ou montadas, deixando-o totalmente devoluto de pessoas e bens – artigo 51º, nº 1 e 2, do Código Penal;
b) Até ao final do prazo de suspensão da pena supra, pagarem o montante indemnizatório cuja condenação consta infra;
c) No prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, pedirem desculpa ao lesado, através de carta(s) registada(s), a enviar para o escritório do il. mandatário do assistente.
Os arguidos foram ainda condenados a pagar, solidariamente, ao demandante CC:
a) a quantia de €615,00 (seiscentos e quinze) euros a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da notificação do PIC até integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado;
b) a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até integral pagamento. (fls. 781/792)

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Decorridos 30 dias sobre o trânsito em julgado da sentença, foi informado pelo assistente, por requerimento de 22-04-2022, que no terreno em causa continua instalada uma barraca e bens móveis cobertos com um toldo, não tendo sido cumprido qualquer dos deveres (fls. 896/898).
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Por requerimento de 20-07-2022, o assistente informou os autos que, com vista a evitar ser acoimado por falta de limpeza do terreno, contratou os serviços de terceiro para proceder à limpeza do terreno, não tendo concluído o serviço por oposição da arguida, que entende que o assunto do terreno ainda não está definitivamente decidido. Arrolou uma testemunha (fls. 912/913).
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Os arguidos foram ouvidos presencialmente no 06-12-2022, a respeito do in/cumprimento dos deveres (fls. 940).
Em sede de audição, o arguido AA explica não ter ainda removido todos os bens existentes no terreno porque se encontra doente, comprometendo-se a fazê-lo, logo que recupere a saúde. Quanto ao pedido de desculpa ao assistente, por via posta, o arguido referiu que não o fez porque “passou da ideia” (sic). Quanto à indemnização, ainda nada pagou porque não tem meios económicos para tanto, tanto mais que, como comerciante, não tem feito festas, designadamente no verão de 2022, sendo a sua fonte de rendimento o subsídio de doença, no montante mensal de € 450,70.
Por sua vez, a arguida BB também afirmou ainda não ter removido os bens do terreno em causa porque tem problemas de saúde. Quanto ao pedido de desculpas, alegou que nem sabia que estava obrigada a fazê-lo. Sabe que andou uma pessoa a limpar a vegetação do terreno, a mando do assistente, até porque aquela pessoa foi falar com ela. Admite que no terreno ainda permanecem um carro, um barraco e um galinheiro.
Foi ouvida a testemunha DD, que, num registo seguro e descomprometido, confirmou ter sido contratado pelo assistente para limpar apenas a vegetação existente no terreno em causa. Limpou uma parte do terreno e quando lhe constou que a arguida havia andado por lá a perguntar quem teria entrado no terreno, foi à sua procura para saber o que pretendia, altura em que a arguida lhe referiu que não tinha autorização para limpar o terreno, já que o assunto ainda não estava resolvido e que se assim não fosse chamaria a GNR! Face à postura da arguida e porque já a conhece, não pretendendo problemas, interrompeu os trabalhos de limpeza.
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Decorrido todo o período da suspensão da execução da pena de prisão, foi, a 06-03-2023, novamente informado pelo assistente que os arguidos não cumpriram qualquer dos deveres condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão, mantendo-se, designadamente os bens e demais estruturas no terreno em causa (fls. 989/992).
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Face ao então informado foram, em 19-04-2023, novamente ouvidos os arguidos, de forma presencial (fls. 1003).
O arguido AA, visivelmente insatisfeito por ter sido, mais uma vez, chamado a tribunal, reiterou as anteriores declarações, refugiando-se na doença para não remover os bens do terreno. Quanto ao pedido de desculpas, de forma peremptória, afirmou que, por não ter feito mal a ninguém, não tem nada que cumprir tal dever. Verbalizou, ainda, que continua a achar que o terreno em causa lhe pertence!
A arguida BB, reiterou as anteriores declarações refugiando-se na doença para não remover os bens do terreno. Quanto ao pedido de desculpas, não o fará, porque não fez mal a ninguém. Inconformada com a situação, verbalizou que tem na sua posse documentos a comprovar que o terreno lhe pertence! A arguida, com esta postura, apenas confirma o depoimento da testemunha DD.
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Foram os autos com vista ao Ministério Público, que promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e cumprimento da pena de prisão (cfr. fls. 1005/1006).
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Cumprido o contraditório, os arguidos pugnam pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão (fls. 1013/1014).
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Do supra exposto, conclui-se, pois, até porque os arguidos o confirmaram, que os diversos deveres que condicionaram a suspensão da execução de pena de prisão, estão por cumprir.
Cumpre apreciar e decidir:
O instituto da suspensão da execução de pena surge como o culminar do movimento legislativo e doutrinal de luta contra a pena de prisão, sobretudo das de curta duração.
Tem como pressuposto material de aplicação o juízo de prognose de que a mera censura do facto e da ameaça de prisão se mostram como bastante e adequado à luz das necessidades preventivas do caso.
O recurso a este instituto tem a inegável vantagem de se alcançarem as finalidades preventivas da punição sem que o agente tenha que se sujeitar aos efeitos criminógenos provenientes de um ambiente prisional e do consequente afastamento da vida em sociedade.
Contudo, não deixa de constituir verdadeira pena e como tal deve ser percepcionada pelo condenado.
Importará, por isso, salientar que, pese embora esta reacção punitiva funcionar como medida de substituição, a mesma não pode ser vista como forma de compaixão legislativa mas como medida que comporta igualmente um conteúdo punitivo, expurgado, é certo, do efeito estigmatizante que anda, inevitavelmente, associado às penas privativas da liberdade.
A sua aplicação justifica-se sobretudo (ou apenas, segundo doutrina maioritária) atendendo às necessidades de prevenção especial, onde impera a ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência, atendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior ou posterior ao facto punível e às circunstâncias deste (cfr. artigo 50º, n.º 1, do Código Penal).

Dispõe o artigo 56º, do Código Penal:

“1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.” Quer se trate de uma hipótese de um comportamento grosseiro ou de um procedimento repetido de infracção dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social, o requisito estabelecido na segunda parte da alínea b) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal (ou seja, que por força desse comportamento, o condenado “revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) diz respeito a ambas as alíneas do nº 1. Como explicitou o Professor Figueiredo Dias nos trabalhos preparatórios desta norma, “as alíneas não são cumuláveis, mas a condição vale para ambas” “Actas e Projecto da Comissão de Revisão, MJ, 1993, página 66).
As causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. Neste sentido, o arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
O primeiro dos pressupostos justificativos da revogação da suspensão é a “infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação social”.
A lei penal não define o que deve entender-se por violação grosseira dos deveres, deixando ao critério do seu aplicador a fixação dos seus contornos. Em consequência, socorrendo-nos do conceito de negligência grosseira, este corresponde à figura da culpa temerária ou esquecimento de deveres.
Tal violação dos deveres ou regras de conduta há-de constituir uma actuação indesculpável e insuportável para a comunidade e deve demonstrar inequivocamente que as finalidades da punição não puderam ser alcançadas através da simples ameaça de pena de prisão (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 1997, C.J., Ano XXII, Tomo I, p. 166).
Trata-se, como surte da lei, de uma situação/limite, a denunciar linearmente que o condenado assumiu uma conduta significativamente culposa, destruindo a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projecto tinha aderido (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 712, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002).
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-09-2015, publicado em www.dsi.pt: “A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção.”
Assim, ao lado do elemento objectivo da violação do dever, a lei penal torna dependente a concorrência de um elemento subjectivo, traduzido na culpa, enquanto infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória.
Resulta do supra exposto, que os arguidos, à semelhança do que levou à condenação nestes autos, continuam a adoptar um comportamento de desprezo pelas sucessivas decisões judiciais que não foram ao encontro dos seus interesses. Neste ponto, há que reconhecer que os arguidos têm sido coerentes, ao, sistematicamente, desprezar as sucessivas decisões judiciais, inclusive a condenação nestes autos, sendo patente, das declarações dos arguidos, que os mesmos continuam inconformados, ao ponto de dizerem que removem do terreno o que lá existe quando e se recuperarem das doenças de que padecem. Aliás, esse inconformismo e desprezo pelas decisões judiciais e do próprio Estado de Direito, está bem patente quando os arguidos, de forma explícita e arrogante, até se recusam a cumprir o dever de pedirem desculpas ao assistente, alegando não terem ou estarem a prejudicar ninguém, o que explica, de igual modo, o não pagamento da indemnização, ainda que parcial.
De resto, o facto de o arguido estar de baixa médica é, na nossa perspectiva, completamente irrelevante para avaliar da culpa no não cumprimento do dever, na medida em que este pode ser cumprido através de terceiros (contratados para o efeito), sendo de notar que apenas se trata de remover umas estruturas e alguns objectos, tarefas que não demandarão muito tempo e despesa. Ademais, a responsabilidade pelo cumprimento da regra de conduta cabe, igualmente, à arguida, que pode e deve diligenciar nesse sentido, caso o arguido esteja totalmente incapaz para qualquer acto.
Na verdade, segundo os arguidos, cumprirão o dever em causa, se e quando estiverem bem de saúde (conceito relativo), devendo o assistente aguardar por essa condição incerta.
Na verdade, conclui-se que os arguidos não cumpriram os deveres de forma consciente, alheando-se completamente do processo, revelando total indiferença ao juízo de censura inerente à condenação. Dito de outro modo, os arguidos têm vindo a incumprir o referido dever de forma reiterada, culposa e grosseira. Na verdade, não podemos deixar de salientar que os arguidos continuam a achar que, apesar das sucessivas decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis, o terreno lhes pertence e que o assunto ainda não está resolvido!
A persistência dos arguidos em afrontar, apoucar e desvalorizar as decisões dos tribunais é patente quando se conclui que, não obstante, em 23-03-2022, no âmbito do Processo 1454/15...., terem visto revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que ali foram condenados, mantêm tal postura de indiferença ainda agora.
Perante este percurso, conclui-se que os arguidos não cumpriram os referidos deveres, nem se perspectiva que o venham a fazer, atenta a postura adoptada.
É manifesto, pois, que os arguidos actuaram com manifesta inconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, donde estão ausentes as cautelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos actos da vida, que consistem no facto de não ter actuado com especial vinculação ao Direito, como se esperaria de quem se encontra com uma pena de prisão suspensa na sua execução.
Optaram antes os arguidos por desperdiçarem a oportunidade que lhes foi dada.
Daí que, nesta ambiência, é de perguntar se tal conduta permite antever que as finalidades das penas se alcançaram.
Entendemos que não.
Com efeito, a prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, “na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral”, no dizer de ROXIN, de modo algum foi alcançada.
Já no que tange à reintegração dos arguidos na sociedade, tais condutas, objectivamente, demonstram que, durante o período de suspensão, não houve por parte daqueles um real esforço no cumprimento do dever ou uma genuína interiorização do desvalor da conduta praticada.
Parece-nos, assim, que os arguidos não tendo sabido aproveitar a suspensão da execução da pena de prisão para pautar a sua conduta conforme às regras jurídicas, revela ausência de capacidade de adaptação e ajustamento às regras e normas sociais, pelo que a ameaça da pena, consubstanciada no instituto da suspensão, não tiveram reflexos sobre o seu comportamento, infirmando assim o juízo de prognose social favorável que esteve na origem da decisão de suspender a execução da pena de prisão. Como é referido no Acórdão da Relação do Porto, de 26-06-2013, publicado em www.dgsi.pt: “Legitimamente podemos então concluir que o arguido, ao incumprir a aludida condição e ao praticar novos crimes durante o período da suspensão da execução da pena de prisão, não interiorizou, como era suposto que fizesse, a gravidade da sua conduta e a gravidade da pena que nestes autos lhe foi aplicada. Ou, então, que a suspensão da execução da pena foi por si considerada como uma não punição, o que infelizmente cada vez mais se vai vulgarizando na mentalidade dos arguidos condenados nesta pena, que apesar de conscientes que foram condenados numa pena, como não têm que desembolsar uma determinada quantia em dinheiro para pagar uma multa, ou como não ficam de imediato privados da liberdade, sentem que nada de concreto de imediato lhes aconteceu naquilo que entendem ter sido o fim do processo, mas que efectivamente não o é. E então a este propósito surge-nos como elucidativa e lapidar a seguinte expressão: “Recordai-vos que uma boa lei penal vale pouco se não lhe corresponde uma eficaz execução” (Giuseppe Lattanzi, Conferenze, Tomo II citado por Soreto de Barros in Execução da Pena (o Coração do Problema Penal), Revista do Ministério Público, nº 18, página 9). Isto é, a fim de garantir a eficácia da própria pena que consiste a suspensão da execução da pena de prisão e reafirmar o Direito violado uma única solução se impõe, qual seja a da revogação da suspensão da pena nestes autos aplicada.”
Cremos, perante o que vem de ser exposto, que os arguidos, culposamente, infringiram ou violaram, de forma grosseira, os deveres impostos, revelando, assim, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas – artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Dito de outro modo, através da intensidade do grau de culpa posto na sua conduta, os arguidos inutilizaram o capital de confiança na reinserção em liberdade que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão significou.
Destarte, entende-se que só o cumprimento da pena de prisão criará nos arguidos uma contramotivação suficientemente forte para os convencer a adoptar uma conduta fiel ao direito e, deste modo, reafirmar a confiança da comunidade na norma violada. Dito de outro modo: a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, com o consequente cumprimento da pena de prisão, é reclamada pela finalidades das penas, quer ao nível da prevenção especial de ressocialização, pois que a prisão efectiva será a única forma de os arguidos se ressocializarem para o direito e convencerem-se da gravidade da conduta que praticaram e da pena em que foram condenados, quer ao nível das necessidades de prevenção geral, que são elevadas, quer ao nível da prevenção especial. Com efeito, atento a conduta anterior e posterior à condenação, é manifesto que as necessidades de prevenção especial são elevadas, o que, de resto, levou a que o tribunal optasse, oportunamente, pela pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, tendo formulado, quiçá, de forma ingénua, um juízo de prognose favorável, convencendo-se que os arguidos passariam a adoptar uma postura conforme ao Direito e, sobretudo, conforme às decisões judiciais que os mesmos, de forma inaudita, continuam a querer afrontar. Cremos que, neste momento, qualquer decisão que não seja a revogação da execução da pena de prisão, constituiria uma forma de sancionar ou legitimar a conduta dos arguidos no sentido de continuar a afrontar e apoucar as decisões judiciais, como se estas só valessem para os outros, ao ponto do assistente, que ao fim de vários anos e apesar de sucessivas decisões judiciais a reconhecerem-lhe a propriedade do terreno, ainda hoje, perante uma aparente passividade ou inoperância do sistema judicial, ainda não logrou garantir o direito pleno de propriedade sobre o terreno, uma vez que lá permanecem bens dos arguidos, que os mesmos, quiçá, vêm como uma extensão de si próprios. Isto é, a não revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nestas circunstâncias, contribuirá, por um lado, para o descrédito das decisões judiciais e, por outro lado, para a existência da convicção, no seio da comunidade, de uma incapacidade de o ordenamento jurídico garantir o cumprimento daquelas, pondo em causa, de forma mais ampla, a própria validade das normas, contributo que este tribunal se recusa a acalentar.
Dispõe o artigo 43º, do Código Penal que:
 “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.” (…).
In casu, perante o grau de contrariedade dos arguidos à decisão do Tribunal, a postura de afronta e de persistência em não cumprir a decisão, invocando, ainda agora, uma (não explicada) não definitiva definição judicial sobre a propriedade do terreno, revelam uma personalidade manifestamente avessa ao Direito e às mais básicas regras de convivência em sociedade que reclamam manifestas necessidades de prevenção especial, que não se compadecem com o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Ditou de outro modo, resulta de todo o exposto, que os arguidos não criaram a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e, por isso, devem ser cumpridas, e que são portadores de uma personalidade avessa aos interesses tutelados pela lei, pelo que não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, concluindo-se que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação não se mostra adequada à satisfação das exigências de prevenção geral e especial e por isso, se impõe o cumprimento da pena em estabelecimento prisional.
*
3 O direito.

A
A pena de suspensão de execução da pena em que os recorrentes foram condenados nos presentes autos deve ser revogada?

Está em causa nos presentes autos, em primeiro lugar, averiguar se a decisão que revogou a suspensão de execução da pena de prisão aplicada aos aqui condenados é correta.
Os recorrentes aludem com acerto e de forma demorada às inconveniências da prisão.
Estamos de acordo com o mencionado discurso, apoiado pelas mais autorizadas Doutrina e Jurisprudência.
“O tema das penas de substituição reconduz-se, do ponto de vista histórico e político-criminal, ao tempo de descrença na pena de prisão como instrumento de ressocialização do condenado e ao movimento de luta contra essa pena privativa de liberdade. De luta contra os efeitos criminógenos que foram sendo apontados a essa «instituição total», fruto do enraizamento de uma subcultura prisional e da inevitável desinserção familiar, social e profissional do condenado. Ao mesmo tempo que se ia diluindo a ideia da liberdade enquanto valor supremo que fez da pena de prisão a pena por excelência, de forma generalizada, a partir do século XVIII.
Por outro lado, a essa descrença e a esse movimento foi-se juntando também a constitucionalização dos direitos fundamentais, na passagem de um Estado legislativo de direito para um Estado constitucional, com a consequência de a pena de prisão ter passado a ser vista como restrição do direito fundamental à liberdade e passar a estar sujeita, por isso mesmo, à exigência de ser aplicada somente quando for necessária, o que equivale a dizer que passou a estar legitimada apenas quando outras soluções menos restritivas se mostrem não adequadas e suficientes do ponto de vista das finalidades de punição.
A evolução verificada não oferece, contudo, alternativa às penas de prisão de longa duração, e, segundo uns, não exclui totalmente que, relativamente a certos crimes e contra determinados agentes, possa haver até penas curtas de prisão «de choque» (sharp, short shock). Entendimento que fica irremediavelmente abalado se a pena de multa tiver eficácia político-criminal e se houver um catálogo amplo e diversificado de penas de substituição, às quais poderão sempre acrescer penas acessórias em nome de exigências preventivas.” – cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, pag. 37.

Efetivamente, logo nas operações de escolha da pena, temos em debate a dicotomia entre cumprimento ou não cumprimento de penas de prisão de curta ou relativamente curta duração.

Por vezes, logo em seguida à determinação da moldura penal aplicável, outras vezes – mais frequentemente -, após a determinação da pena concreta, tem ainda o juiz legalmente à sua disposição mais do que uma espécie de pena. Assim, logo que o juiz determine que a moldura penal aplicável é a de prisão (…) não poucas vezes, a própria moldura aplicável admite, em alternativa, as penas principais de prisão ou de multa (…). Por outro lado, se o juiz determinar, em concreto, uma pena de prisão não superior a 5 anos ele pode substituí-la pela suspensão de execução da prisão (art.º 50.º); se a pena concreta for de prisão não superior a 1 ano, pode ainda substituí-la por multa (art.º 45.º, n.º 1); e se for de prisão não superior a  dois anos, pode ainda substituí-la por prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º, n.º 1) ou determinar que seja cumprida em regime de permanência na habitação (art.º 43.º, n.º1). O juiz está assim colocado, em qualquer dos casos referidos perante uma nova tarefa, a da escolha da pena, na qual se deixará guiar pelo critério geral legalmente instituído na matéria constante do art.º 71.º; e (ou) por critérios especiais constantes das restantes normas atrás citadas. Esta tarefa faz ainda parte, sob qualquer perspetiva, da determinação da pena, falando-se por vezes a este respeito, com razoável exatidão e fundamento, de uma determinação ou mesmo de uma medida da pena em sentido amplo – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pag. 211, que se segue de muito perto, alterando-se as remissões para as disposições legais atualmente em vigor.

O problema que se coloca essencialmente em relação à opção ou não pelas penas de substituição, e aqui essencialmente pela pena de suspensão  da execução da pena de prisão ou pela sua revogação, tem que ver com o arreigado movimento de luta contra a pena de prisão, em particular das penas de prisão de curta duração, iniciada em meados do sec. XIX (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cti., pag. 327 e segs.; Eduardo Correia, Direito Criminal, Almedina, Vol. II, pag. 392), que tem granjeado para o seu seio grande parte dos autores e, consequentemente, das decisões judicias, dando lugar a movimentos jurisprudenciais extensos no sentido da imposição aos juízes de deveres acrescidos de justificação e fundamentação da opção pela pena de prisão, contribuindo decididamente para esta exigência a cada vez mais vasta panóplia de opções não privativas da liberdade que o legislador vem inscrevendo na lei, implicando tudo isto que não só o juiz deva fundamentar o que pretende como o que (embora legalmente previsto) não pretende fazer.

Repare-se que é o autor citado em primeiro lugar no anterior parágrafo quem primeiramente chama a atenção para a questão, designadamente em relação à pena de suspensão de execução da pena: “ O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos (5, atualmente), terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao caráter favorável ou desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico. Outro procedimento configuraria um verdadeiro erro de direito, como tal controlável mesmo em revista, por violação, para além do mais, do disposto no art.º 71.º, Só assim não terá de proceder o tribunal quando, sendo a medida determinada da pena de prisão inferior a 6 ou 3 meses ( 6 meses e 2 anos, atualmente), ele se decida logo (fundadamente) por outra substituição aplicável (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade (…)” ou, em face das alterações mais recente, execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação – cfr. Figueiredo Dias, ob., cit., pag. 345.

O critério a adotar é o seguinte: “(…) o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes á realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação” – cfr. ob. cit. pag. 331.

“Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, resta determinar como se comportam, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva politico-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. E, prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
Em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente, do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido caráter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.

Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efetiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstratamente aplicáveis deve ser a eleita. Neste sentido pode afirmar-se que não existe em abstrato, pelo menos sob a forma rígida e em via de princípio, << uma hierarquia legal das penas de substituição>>; só em concreto ela se dá, isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que nas hipóteses se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer.

Mas – qual então o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral da substituição? Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.” Ob. cit., pag. 332/333.

Finalmente, o conceito de reprovação que está intimamente ligado a várias das normas que regulam estas questões deve ser entendido, não como um envolvimento da culpa neste campo, mas antes como fator impeditivo da opção por pena alternativa ou de substituição sempre que isso puser em causa “o sentimento de reprovação social do crime” (Beleza dos Santos) ou “o sentimento jurídico da comunidade” (AC. STJ de 21/03/90) – autores citados na obra acima referida, pag. 332.

Todos estes contributos doutrinais relevam também na decisão de revogar ou não a suspensão de execução da pena de prisão, devendo ser ponderadamente sopesados, pois, na verdade, está-se perante a opção entre a liberdade e a reclusão, ou, pelo menos, neste caso, no âmbito da segunda questão cima enunciada, a privação da liberdade dos seus destinatários.

Ora, resumidamente, o que os autos demonstram é o seguinte:

Por sentença transitada em julgado em 22-11-2021, os recorrentes foram condenados nestes autos, pela prática de um crime de usurpação de imóvel, p. e p. pelo artigo 215º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 03 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada aos seguintes deveres:
a) No prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, abandonarem o prédio identificado em 1) a 3) dos factos provados, dele removendo todos os bens móveis nele depositados, bem como animais também nele existentes e, bem assim, quaisquer estruturas nele fixadas ou montadas, deixando-o totalmente devoluto de pessoas e bens – artigo 51º, nº 1 e 2, do Código Penal;
b) Até ao final do prazo de suspensão da pena supra, pagarem o montante indemnizatório cuja condenação consta infra;
c) No prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, pedirem desculpa ao lesado, através de carta(s) registada(s), a enviar para o escritório do il. mandatário do assistente.
Os arguidos foram ainda condenados a pagar, solidariamente, ao demandante CC:
a) a quantia de €615,00 (seiscentos e quinze) euros a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da notificação do PIC até integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado;
b) a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até integral pagamento. (fls. 781/792)
*
Decorridos 30 dias sobre o trânsito em julgado da sentença, no terreno em causa continua instalada uma barraca e bens móveis cobertos com um toldo, não tendo sido cumprido qualquer dos deveres.
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O assistente, com vista a evitar ser acoimado por falta de limpeza do terreno, contratou os serviços de terceiro para proceder à limpeza do terreno, não tendo concluído o serviço por oposição da arguida, que entende que o assunto do terreno ainda não está definitivamente decidido. Arrolou uma testemunha.
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Os condenados foram ouvidos presencialmente no 06-12-2022, a respeito do in/cumprimento dos deveres.

Em sede de audição, o condenado AA explica:
-  não ter ainda removido todos os bens existentes no terreno porque se encontra doente, comprometendo-se a fazê-lo, logo que recupere a saúde;
- quanto ao pedido de desculpa ao assistente, “passou da ideia”;
 - quanto à indemnização, ainda nada pagou porque não tem meios económicos para tanto, tanto mais que, como comerciante, não tem feito festas, designadamente no verão de 2022, sendo a sua fonte de rendimento o subsídio de doença, no montante mensal de € 450,70.
- a recorrente  BB também se justificou com problemas de saúde.
Quanto ao pedido de desculpas, alegou que nem sabia que estava obrigada a fazê-lo. Sabe que andou uma pessoa a limpar a vegetação do terreno, a mando do assistente, até porque aquela pessoa foi falar com ela. Admite que no terreno ainda permanecem um carro, um barraco e um galinheiro.
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Decorrido todo o período da suspensão da execução da pena de prisão, a 06-03-2023 os condenados não cumpriram qualquer dos deveres condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão, mantendo-se, designadamente os bens e demais estruturas no terreno em causa).
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Em 19-04-2023, foram novamente ouvidos os condenados, de forma presencial.
O condenado AA, reiterou as anteriores declarações, refugiando-se na doença para não remover os bens do terreno. Quanto ao pedido de desculpas, afirmou que, por não ter feito mal a ninguém, não tem nada que cumprir tal dever; disse, ainda, que continua a achar que o terreno em causa lhe pertence.
A condenada BB, reiterou as anteriores declarações refugiando-se na doença para não remover os bens do terreno. Quanto ao pedido de desculpas, não o fará, porque não fez mal a ninguém. Inconformada com a situação, disse que tem na sua posse documentos a comprovar que o terreno lhe pertence.

Ou seja, decorridos quase dois anos entre a data em que a sentença se tornou obrigatória para os recorrentes e a data em que foi proferida a decisão ora recorrida, verifica-se que não foi cumprido qualquer dos deveres condicionantes da pena de substituição, sendo certo que o atraso em relação ao pagamento da indemnização é de cerca de oito meses e que o atraso em relação aos restantes deveres é de cerca de 1 ano e 10 meses.

Não obstante, os recorrentes afirmam que “inexistem quaisquer elementos objectivos que possam ser imputáveis aos arguidos para que lhes pudesse ser revogada a suspensão”.
A isso, contrapõe, com inteiro acerto na sua resposta o Ministério Público:
Ora, não assiste qualquer razão aos recorrentes pois o que não falta são elementos objectivos para lhes imputar o incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, como ficou supra exposto:
- não foi feita qualquer prova da alegada doença de ambos os arguidos, durante todo o período da suspensão;
- ainda que tal correspondesse à realidade, sempre poderiam e deveriam ter contratado terceiro para levar a cabo o cumprimento da obrigação de remoção das estruturas e objectos do terreno do lesado;
- o incumprimento do pedido de desculpas, foi, como os próprios arguidos confessam, consciente e doloso, pois não o fizeram por entenderem que não o deveriam fazer, dado que “não fizeram mal a ninguém” e o terreno lhes pertence.
Daqui resulta inequivocamente que os autos contêm elementos mais do que suficientes para aferir da culpa dos condenados no não cumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão.
Quanto ao argumento de que os arguidos são pessoas de idade – 65 e 70 anos -, doentes, sem antecedentes criminais e familiar e socialmente integrados é manifestamente desadequado para afastar a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão de cada um dos condenados, uma vez que, a culpa no incumprimento é manifesta e elevada.
Na verdade, os condenados, pelo seu incumprimento reiterado e doloso – mesmo após terem sido solenemente advertidos quando ouvidos pela primeira vez -, repeliram de forma irremediável qualquer possibilidade de um juízo de prognose favorável.

Vejamos as disposições pertinentes do Código Penal:

Artigo 55.º
Falta de cumprimento das condições da suspensão
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º

Artigo 56.º
Revogação da suspensão
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Podemos conceder que o incumprimento do pedido de desculpas dificilmente poderia justificar uma revogação de uma suspensão da pena, pois trata-se de um dever mais do que lateral na recuperação os delinquentes e pouco ou nada contribui para o reequilíbrio das posições jurídicas, que, no fundo, é o que se pretende com a decisão que ora se aprecia. Mas a forma como é recusado o seu cumprimento, associado o local e perante a entidade que tal sucede, denuncia personalidade totalmente alérgica ao conceito de obediência, invulgarmente afrontadora do poder do Estado, o que permite a conclusão legítima de que noutros contextos menos adstringentes, por assim dizer, essa maneira de ser assumirá intolerável exuberância, reduzindo a escombros todo o cuidado que o tribunal dedicou à estruturação de uma decisão que repousou na confiança prognóstica em relação ao realinhamento comportamental dos condenados com o direito, sustentando a certeza de que só pela via da reclusão os condenados se consciencializarão de que foram alvo de um ato de soberania a que se devem sujeitar com humildade. Repare-se que os condenados poderiam até, por uma, aliás, muito vulgar, intrínseca dificuldade de, sequer, aproximação a uma das mais inalcançáveis virtudes do ser humano, a humildade, recusar o dito pedido, mas fazê-lo de modo obtemperado. Todavia, o seu íntimo optou pela desabrida confrontação com a autoridade e o poder jurisdicional, o que é absolutamente inaceitável e autoriza extrapolações muito preocupantes em relação ao seu comportamento futuro a respeito das questões que aqui se apreciam.

Além disso, é insofismável que a conclusão de que as violações dos deveres impostos são repetidas (continuadamente repetidas, diga-se) não merece qualquer hesitação, assumindo particular importância a não remoção dos objetos e haveres que permanecem no imóvel e o não pagamento da indemnização devida.

Ora, a remoção dos objetos e causa é dimensão quase insignificante: um barraco, um galinheiro, uns móveis cobertos com um toldo e um automóvel.
O ritmo de pagamento da indemnização é de evidentíssima suavidade.
Mas, em pura congeminação hipotética, ainda que por alguma razão, não demonstrada, diga-se, as tarefas de remoção e o pagamento da indemnização se revelassem incomportáveis ou dificilmente exequíveis para os condenados, sempre se pode observar que nem sequer uma, ainda que incipiente, tentativa de remoção ou um pagamento parcial ocorreu ou tiveram lugar, o que adensa o veredicto de que os condenados assumem atitudes adrede sustentadas no sentido da absoluta ineficácia da decisão jurisdicional, tal como resulta do compreensível  e totalmente justificado lamento que o assistente faz constar da resposta por si apresentada ao presente recurso.
E no que concerne ao caráter grosseiro ou não da infração de deveres por parte de um condenado, deve ter-se como linha de orientação que ele é tanto mais evidente quanto mais simples é de cumprir o dever em causa -  na verdade, com se disse, qual a dificuldade de retirar os objetos em causa do prédio em que se encontram? Absolutamente nenhuma, certamente. E, note-se, neste caso, já numa situação de “segunda oportunidade”, digamos assim, atenta a paciência revelada aquando da primeira audição dos condenados, já em plena infração dos ditos deveres.
  A única explicação para o comportamento destes condenados é a sua olímpica indiferença em relação às ordens e decisões do tribunal, reveladora de um total alheamento do seu processo de reintegração social, de um absoluto desprezo pelos esforços do sistema jurídico para a sua recuperação em liberdade, passíveis de um seríssimo juízo de reprovação (e, portanto, de culpa) e causadores do total soçobro do alegado juízo de prognose que esteve na base da opção pela pena de substituição.

Também não releva aqui, como perfunctoriamente já se referiu, ao citar a resposta ao recurso, o facto de os condenados terem invocado problemas de saúde, uma vez que tal alegação é absolutamente conclusiva, não se conhecendo qual a ou as doenças em causa nem as suas consequências sobre capacidade de decisão daqueles, uma vez que, fundamentalmente, é isso que está em causa, pois os condenados decidiram não cumprir os deveres condicionantes da suspensão de execução da pena. Não se trata de puro desleixo ou descuido, pois o que resulta dos autos é uma obstinada, plenamente assumida e recalcitrante rebeldia em relação a uma decisão jurisdicional transitada em julgado, pensada e estruturada também em seu benefício, dando cabal cumprimento às acima aludidas generalizadas convicções de inconveniência da privação de liberdade, por um lado, e às necessidades de reposição da ordem jurídica, por outro, mostrando-se equilibrada, ponderada e, acima de tudo, justa, exceto para os seus destinatários, aos quais apenas a jactância do seu alvedrio ou capricho serve de guia comportamental – lembremos que, os problemas de saúde, a verificarem-se, poderão ser tidos em conta no cumprimento da pena, por parte dos serviços prisionais, se for o caso, mas não são atendíveis na ponderação da decisão que aqui se analisa, pelos motivos supra explicitados.

Tenha-se presente que para que o incumprimento dos deveres impostos possa ter consequências sobre o conteúdo ou subsistência da pena de substituição, deve afirmar-se previamente o “pressuposto material comum” (Figueiredo Dias, ob. cit., pag. 355), que é a culpa do condenado na comissão dessa infração. Não só a culpa psicológica (dolo ou negligência), mas também a culpa normativa, ou seja, o juízo de censura ético jurídico em face do comportamento adotado – sobre o tema da culpa penal, com muito interesse, veja-se: António José Neves, Diálogos com Augusto Silva Dias: Culpa Penal, Exculpação e Formas de Vida, por Prof. Doutor Augusto Silva Dias, In Memoriam, AAFDL, Vol. I, pag. 59, e Souto de Moura, Problemática da Culpa e Droga, in Centro de Estudos Judiciários, Textos, 1990-91, pag. 205.

Contudo, “a culpa no incumprimento, porém, sendo assim pressuposto da consequência jurídica, em nada deve influenciar a escolha da medida que  o tribunal vai tomar: mesmo esta deve ser função exclusiva das probabilidades, porventura ainda subsistentes, de manter o delinquente afastado da criminalidade no futuro e, deste modo, do significado que o incumprimento assuma para o juízo de prognose que foi feito no momento da aplicação da suspensão da execução d apena de prisão” – Figueiredo Dias, ob. cit., pag. 355/356.

Assim, apesar de se entender que o grau de culpa dos condenados na infração dos deveres impostos é elevadíssimo e evidente, não é por isso que se descrê neles: a aludida descrença deriva da atual, obstinada e irredutível atitude interior de recusa de aceitação e cumprimento da condenação, apesar de exauridos todos os prazos, quer relativos aos deveres impostos quer relativos à duração da própria pena de substituição, o que denuncia particulares necessidades preventivas.

Assim, o caso em análise não é, portanto, de incumprimento culposo dos deveres impostos, mas sim de grosseira e repetida infração destes, sendo-lhe aplicável, portanto, a previsão do artigo 56.º do Código Penal, acima citado.

Muito menos e compreende a invocação da idade dos condenados como fator impeditivo de revogação da suspensão da execução – não esqueçamos que estão aqui em causa essencialmente parâmetros de prevenção especial, pelo que, os comportamentos acima descritos em anciãos como os ora recorrentes assumem muito mais grave significado do que num jovem, pois os expectáveis níveis de maturidade, serenidade, ponderação e comedimento de um septuagenário inculcariam ser impossível assistir a tamanhos desmandos em pessoas com essa experiência de vida.

A decisão recorrida é, aliás, extensamente fundamentada em relação à violação dos deveres impostos aos condenados, à sua gravidade, censurabilidade e pertinentes consequências, com alongadas referências jurisprudenciais e doutrinais, pelo que, por com ela concordarmos integralmente, para aí remetemos, por evidente economia processual.
Assim sendo, concorda-se integralmente com a decisão recorrida, não havendo condições para qualquer outra tentativa de resolver a situação através de meios não privativos da liberdade.

B
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deverá a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação?

Também no caso de revogação da suspensão de execução da pena, deve o tribunal ponderar a aplicação do cumprimento em regime de permanência na habitação, se para isso estiverem reunidos os legais pressupostos – cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pag. 112.

A decisão recorrida ponderou esta opção legal nos seguintes termos:

Dispõe o artigo 43º, do Código Penal que:
 “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.” (…).
In casu, perante o grau de contrariedade dos arguidos à decisão do Tribunal, a postura de afronta e de persistência em não cumprir a decisão, invocando, ainda agora, uma (não explicada) não definitiva definição judicial sobre a propriedade do terreno, revelam uma personalidade manifestamente avessa ao Direito e às mais básicas regras de convivência em sociedade que reclamam manifestas necessidades de prevenção especial, que não se compadecem com o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Dito de outro modo, resulta de todo o exposto, que os arguidos não criaram a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e, por isso, devem ser cumpridas, e que são portadores de uma personalidade avessa aos interesses tutelados pela lei, pelo que não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, concluindo-se que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação não se mostra adequada à satisfação das exigências de prevenção geral e especial e por isso, se impõe o cumprimento da pena em estabelecimento prisional.

Nesta parte, não acompanhamos o decidido, não obstante se reconhecer e apreciar o denodo com que todo a raciocínio fundamentador da decisão é apresentado, designadamente no que concerne à afirmação inquebrantável da autoridade e poder do tribunal, bem como às necessidades de prevenção especial e de reposição dos níveis e confiança no sistema jurídico.

Todavia, cumpre ter em consideração, também, que o legislador, para além de outros fins, pretendeu com a instituição da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, obviar aos acima aludidos inconvenientes do ingresso dos condenados em pena curtas de prisão no problemático ambiente prisional, permitindo assim aos tribunais a opção pela aplicação ao condenado da pesadíssima sanção da perda da liberdade, sem que, contudo, esta seja acompanhada do reconhecido estigma da reclusão prisional e dos potenciais perigos da germinação pantográfica no seu espírito de uma qualquer compulsão criminosa, seja pelo convívio com os outros reclusos, seja pela interior inconformismo que tal reclusão lhe aporte.

“O ponto 3, alínea b), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004, de 28 de outubro, refere aquele regime (…) como alternativa à execução das penas de prisão efetiva de curta duração (…)”, tal como nos dá nota Maria João Antunes, ob. cit., pag. 107 e segs. onde se procede a uma compreensiva síntese da evolução legislativa do instituo em causa. Refere-se aí, ainda, que se lê na Exposição de Motivos que deu origem á Lei n.º 94/2017, de 23/08, que introduziu no Código Penal a redação dos seus atuais artigos 43.º e 44.º que se “pretendeu clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação.”
Ora, o que nos parece fundamental em face do quadro em análise é que os condenados compreendam que a decisão deve ser cumprida, pois só assim a sua reintegração social será plena, uma vez que enquanto permanecerem nesta atitude de negação a reação criminal não atingiu, nem vai atingir o seu principal fim. E para essa interiorização, só a privação da liberdade resta, pois, todas as outras opções se encontram já exauridas, sem qualquer indício do mais incipiente sucesso. Todavia, entendemos que a inexistência de antecedentes criminais, a avançada idade dos condenados e a relativamente baixa gravidade do ilícito em causa, permitem, ainda, encarar como suficiente para alcançar aquele desiderato legal esta forma relativamente recente e especial de execução da privação da liberdade, dando, ainda, e simultaneamente, cumprimento aos desígnios claramente assumidos pelo legislador penal nesta sede.

Ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 4, alínea b), mantém-se, contudo, a obrigação de retirada do prédio em causa dos haveres dos condenados que lá ainda se encontram, no prazo de 30 dias, tarefa que facilmente pode ser executada por terceiros a mando e a expensas dos condenados, diligenciando para isso a partir da sua habitação. Quanto à obrigação de indemnização, a sentença condenatória é título executivo, e o pedido de desculpas já não se justifica neste contexto.

Assim sendo, nesta parte o recurso merece provimento, devendo a pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, com a obrigação a cargo dos condenados de mandarem proceder à retirada do prédio em causa dos haveres que lá ainda se encontram, no prazo de 30 dias, tudo nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1, e 4, alínea b), do Código Penal.
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III DISPOSITIVO

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso e, por via disso, decidem que a pena de prisão de 1 ano e 3 meses aplicada aos condenados ora recorrentes deve ser executada em regime de permanência na habitação, com a obrigação a cargo dos condenados de mandarem proceder, no prazo de 30 dias, à retirada do prédio em causa dos seus haveres que lá ainda se encontram, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1, e 4, alínea b), do Código Penal, confirmando a decisão no restante.

Sem custas.
Guimarães 19 de Março de 2024,

Os Juízes Desembargadores

Bráulio Martins
António Teixeira
Florbela Sebastião e Silva