CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
ERROS MÁXIMOS ADMISSÍVEIS
EMA
CÁLCULO
Sumário


I- O legislador, além de impor a expressa menção, no auto de notícia, do valor registado no aparelho ou instrumento de medição devidamente aprovado e igualmente o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico respetivo, discrimina também que prevalece o valor apurado, ou seja, impõe uma regra de valoração da prova (artigo 170.º do Código da Estrada, aprovado pela Lei nº 72/2013, de 3 de setembro).
Muito embora a previsão se refira, como é natural, apenas às contraordenações, desde logo por o Código da Estrada não prever crimes, não se identifica qualquer razão válida para não aplicar a regra probatória, inserta no referido artigo 170.º, aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime. Por outras palavras, tal regra probatória não pode deixar de ser extensível a qualquer ilícito punitivo, designadamente o penal, sempre que um tipo esteja dependente de uma quantificação de Taxa de Álcool no sangue (TAS) mensurável por aparelho legalmente aprovado.
Seria mesmo incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra-ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.
II- Ao valor apurado no exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado e realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, terá sempre que ser feito o desconto do erro máximo admissível (EMA), nos termos constantes do quadro anexo à Portaria 1556/2007 de 10/12, cujo artigo 8.º dispõe: «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE), são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante»
O quadro anexo prevê a definição dos erros máximos admissíveis (EMA) tendo em consideração:
- os valores da TAE: até 0,4, de 0,4 a 2, e de mais de 2 miligramas por litro de ar expirado – para cada um destes teores sendo prevista uma margem de erro admissível, a qual, é tanto maior, quanto maior for a quantidade de álcool por litro de ar expirado; e
- relativamente ao aparelho usado: se estamos perante «aprovação de modelo/primeira verificação» ou «verificação periódica/verificação extraordinária» – para cada uma destas situações sendo também prevista uma margem de admissível, a qual é menor aquando da aprovação de modelo/primeira verificação e maior aquando da verificação periódica/verificação extraordinária.
Por fim, importa salientar que o artigo 4.º da Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, que alterou o Código Penal, prescreve: «Para efeito do disposto no artigo 292.º do Código Penal, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) baseia-se no princípio de que 1mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue».
III- No caso em apreço nos autos foi considerado apurado que o arguido «o arguido conduzia (…) sujeito a uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,605 g/l, deduzido o erro máximo admissível», com base no talão do alcoolímetro e ficha de controlo de fls. 9., a esse propósito expressamente referidos na motivação.
De tal documento constando que o exame do álcool no ar expirado foi realizado num aparelho alcoolímetro quantitativo, marca ..., modelo ... ..., com o nº de série ...31 e data de verificação 07.12.22, tendo o arguido/recorrente acusado uma TAS de 1,69 g/l. Valor que se mostra compreendido entre «igual a 0,400 e igual ou inferior a 2,000 mg/l».
Esse concreto aparelho alcoolímetro foi submetido a aprovação de modelo n.º 701.51.19.3.26 (D.R. 2ª série n.º 178, de 17 de setembro), aprovado para fiscalização pelo despacho n.º 9911/2019, da ANSR de 31 de outubro e verificado pelo IPQ em 07.12.2022, pelo que estamos perante uma situação de «aprovação de modelo/primeira verificação» e não de «verificação periódica/ verificação extraordinária».
Conjugando tais elementos factuais com as disposições legais supracitadas, agora com especial incidência no quadro anexo à Portaria 1556/2007 de 10/12 e a que se refere o seu artigo 8.º, o erro máximo admissível (EMA) aplicável ao caso é de 5%, sendo por isso o «valor apurado» para esse efeito de, precisamente, uma TAS de 1,605 g/l; [5% do valor registado pelo alcoolímetro corresponde a 0,0845 (1,69 x 0,05 = 0,0845.); subtraindo ao valor registado pelo alcoolímetro (1,69 g/l) os 5% do EMA (0,0845), obtém-se uma TAS de 1,605 g/l.]
Não há, assim, qualquer erro na determinação da TAS mencionada no final do ponto 1 dos Factos Provados.

Texto Integral


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
Secção Penal

I. RELATÓRIO

No processo sumário nº 57/23.6PTBRG.G1, do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido AA, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida e depositada em 10 de novembro de 2023, tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se condenar o arguido AA:
a)  Pela prática, em autoria material e na forma de em, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º n.º 1 do C.Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa por um ano e seis meses, sujeita a regime de prova;
b) Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º n.º 1 al. a) do C.Penal, pelo período de um ano;
c)  No pagamento das custas criminais, que se fixam em 1 (uma) UC, conforme o disposto nos arts.º 513.º e 514.º n.º 1, do C.P.Penal e artigo 8.º e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, tendo a consideração a confissão do arguido.

*
Após trânsito:
a)  Remeta boletim à D.S.I.C., nos termos dos arts.º 5.º e 6.º al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio;
b)  Comunique a presente decisão à ANSR e ao IMTT, nos termos do art.º 500.º n.º 1 do C.P.Penal e art.º 69.º n.º 4 do C.Penal;
c)  Comunique a presente decisão ao Proc. n.º 406/12....;
d)  Solicite à DGRSP elaboração de plano de reinserção social.
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Para efectivação da proibição de conduzir, deverá o arguido, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência e de ser ordenada a apreensão daquele título, nos termos do art.º 500.º n.ºs 2 e 3 do C.P.Penal e art.º 69.º n.º 3 do C.Penal.
Fica ainda o arguido advertido que se conduzir um veículo automóvel no período de inibição comete o crime previsto no art.º 353.º do C.Penal (violação de imposições, proibições ou interdições).
*
Notifique e deposite (art.º 372.º n.º 5 do C. P. Penal).»
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«a) Ora, a discordância do ora recorrente resulta da matéria de facto dada por provada e não provada, uma vez que entende que, a prova testemunhal e documental produzida, a não sustenta e/ou com ela está em contradição, e que se verificou erro notório na apreciação da prova. 
b) Ora, o Tribunal a quo não poderia, com base no auto de notícia, ter dado como provado que o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue pelo menos igual à taxa de 1,605 g/l, correspondente à taxa de 1,69 g/l registada deduzido o valor do erro máximo admissível, porquanto apenas resulta que ao arguido foi aplicada uma taxa de redução.
c) Na verdade, o valor do Erro Máximo Admissível (EMA), constante da Tabela Anexa à Portaria 1556/2007, de 2007, de 10 de Dezembro, aplicáveis a alcoolímetros quantitativos analisadores quantitativos determina os valores definidos para o erro máximo admissível.
d)  Para se apurar qual o valor de erro máximo admissível aplicável, dever-se-á ter em consideração se estamos perante uma aprovação de modelo/primeira verificação, ou uma verificação periódica/verificação extraordinária, por contraposição com o teor de álcool no ar expirado (TAE).
e) Nos autos, e do auto de notícia consta que: “…submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, através de alcoolímetro marca ..., modelo ... ..., n.º ..., aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 8219/2019, de 29 de Julho, aprovação de modelo n.º 701.51.19.3.26 (D. R. 2.ª Série, n.º 178, de 17 de Setembro), aprovado para fiscalização pelo Despacho n.º 9911/2019, da ANSR, de 31 de Outubro e verificado pelo IPQ em 2022-12-07, …”
f) Ora, a considerar o teor de álcool no ar expirado (TAE) constante nos autos, teremos que os valores de erro máximo admissível, serão de 5% ou 8%, consoante estejamos perante uma aprovação de modelo/primeira verificação, ou uma verificação periódica/verificação extraordinária, respectivamente.
g) Nos termos combinados das disposições dos, artigo 158, n.º 1, alíneas a) e b) do Código da Estrada, artigos 1º e 14º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool (introduzido pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, este revogado entretanto pela Lei 18/2007, de 17 de Maio que introduziu o Novo Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool), prescreve-se que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, exigindo-se, previamente a esta aprovação, a existência de homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
h) O Alcoolímetro utilizado nos autos encontra-se sujeito a controlos metrológicos, nos termos definidos pelo artigo n.º 1 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que introduziu a versão actual do Regulamento de Controlo Metrológico, e onde se determinam as competências de controlos metrológicos e os erros máximos admissíveis em função do teor do álcool expirado na Tabela Anexa que da Portaria faz parte.
i) Segundo o artigo 5º do Regulamento de Controlo Metrológico, o controle metrológico compreende: a)Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária, mais estabelecendo o referido artigo que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ.
j) Sendo que, por um lado, a Tabela Anexa, estabelece quais os valores definidos para os Erros Máximos Admissíveis, estes variáveis em função do teor de álcool no ar expirado, e por outro lado, o artigo 9.°, n.° 2, prescreve quais os elementos que os registos da medição devem conter, relativamente aos quais se realça, a data da última verificação metrológica.
k) Dos autos consta especificamente que a última verificação aconteceu em 20/06/2016, sendo contudo omissa quanto à natureza da verificação (se esta foi primeira verificação, verificação periódica ou verificação extraordinária, e o que releva para determinação do valor máximo legalmente admissível definido naquela Tabela Anexa)  
l) Contudo, considerando que no artigo 7º, n.º 2 e 3 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, se determina que por um lado, a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo, e que a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade, e por outro lado, nos autos consta a seguinte data de verificação correspondente a 20/06/2016, ter-se-á forçosamente de concluir, em respeito pelo princípio in dubio pro reo, tinha o Tribunal de dar por assente que a tal verificação apenas se poderia sindicar à verificação extraordinária
m) Tanto mais que, aquele princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa e, como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto.
n) Tal verificação periódica extraordinária, por determinação legal da Tabela Anexa à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, e tendo presentes os considerandos legais e factuais supra, impõe no caso dos autos, e em função do teor de álcool no ar expirado, uma percentagem de erro máximo admissível de 8% (oito por cento).
o) Por aplicação deste valor de 8% de erro máximo admissível ao valor registado de 1,69 g/l, resultaria numa taxa de 1,5448 g/l.
p) O artigo 170.º, n.º 1, al. b), do Código da Estrada, na versão introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, determina que o valor apurado após dedução do erro máximo admissível prevalece sobre o valor registado.
q) E tal aplicabilidade da taxa de Erro Máximo Admissível impõe-se legalmente por força do artigo 13º do Código Civil segundo o qual, a lei interpretativa considera-se, para efeitos da sua aplicação, integrada na lei interpretada.
r) O Tribunal a quo, ao não proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, o tribunal recorrido incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova, e violou as normas constantes dos artigos 170º, n.º 1 a) e b) do Código da Estrada (na redacção introduzida pela Lei 72/2013, de 3 de Setembro), e artigos 1º, 5º e 8º da Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro, fazendo uma incorrecta aplicação da Tabela Anexa a esta.
s) Por isso, entende o recorrente que, tendo em consideração o erro máximo admissível de 8%, o “valor apurado” da alcoolemia com que o arguido/recorrente conduzia, nas referidas circunstância de tempo e lugar, o seu veículo automóvel, será de 1,5448 g/l, distinto dos 1,605g/l dados como provado pelo Tribunal recorrido.
t)  Sendo este o entendimento que o recorrente perfaz da correcta apreciação da matéria de facto, coadjuvada pelo principio in dúbio pró reo que se constitui como uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência vertido no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, a par com todos os demais preceitos normativos acima mencionados. 
u) Entende, desta forma o Recorrente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 2; 50º e 58º, 70º e 71º, todos do Código Penal, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra, onde, o ponto número um dos factos dados por provados passe a ter a seguinte redacção:
“1) No dia ../../2023, cerca das 10h32, na Rua ..., na cidade ..., o Arguido conduzia o veículo automóvel de matricula “..-..-SI” sujeito a uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,5548 g/l, deduzido o erro máximo admissível. ...””

QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
v) Sem prescindir, o Arguido, ora Recorrente, foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.292º, nº1, e art. 69º, n.º 1 a), do Código Penal, em pena de 5(cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses sujeita a regime de prova, e bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de um ano, prevista no art. 69º, n.º 1 a), do citado diploma.
w) Cumulando-se, por um lado, o sobredito quanto ás razões de facto e o ora expendido e atinente ás razões infra de direito, entende o arguido que a pena de 5 meses de prisão (suspensa na sua execução por um ano e seis meses), e pena acessória (de 12 meses de proibição de conduzir veículos motorizados), que lhe foram aplicadas são manifestamente desproporcionadas, e manifestamente penosas.
x) Daí que, ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida.
y) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;
z) Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados.
aa) Actualmente, o recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade, encontrando-se inserido social, familiar e profissionalmente.
bb) Exerce a actividade profissional de empregado de balcão, com a qual aufere a remuneração mensal líquida de €755,00 e possui o 9.º ano de escolaridade.
cc) Vive sozinho em casa arrendada, pela qual paga €200,00 de renda, e tem uma filha de 8 (oito) anos, dispendendo com pensão de alimentos e actividades extracurriculares a quantia mensal de €250,00.
dd) É de modesta situação social e económica, tendo e mantendo bom comportamento.
ee) Por outro lado, as condenações pelo crime de embriaguez em que o arguido foi condenado em 2007 (sentença transitada em 15/11/2007, por facto praticados em 18/05/2007) e em 2020 (sentença transitada em 23/11/2020, por factos praticados em 22/05/2022), resultou de factos ocorridos no ano de 2007 e no ano de 2020, ou seja, há cerca de dezasseis anos e há mais de três anos, respectivamente, o que permite concluir que o arguido não é uma pessoa que se comporte como um delinquente inveterado e sem emenda, antes resultando que o seu comportamento tem sido, no geral, adequado e em respeito pelas regras instituídas e de acordo com a lei e o direito, tratando-se estes dois casos de comportamentos isolados e pontuais.
ff) No entanto, a gravidade destes dois casos pontuais mostra-se reduzida, tanto mais que nem se aplica ao mesmo, o instituto da reincidência (art.75º do C.P.) por não se encontrarem preenchidos os seus pressupostos, o que é demonstrativo da pouca perigosidade do arguido.
gg) Conforme acima consta, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, mostrado arrependimento sincero e tendo um nível de auto censura elevado, pelo que a pena concreta que lhe foi aplicada não ponderou devidamente estas circunstâncias, revelando-se por isso manifestamente desproporcionada e violadora do disposto no art. 71º do Código Penal.
hh) Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
ii) Prevenção e culpa são, portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.
jj) A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.
kk) A determinação da pena, em sentido amplo, passa, frequentemente, pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade.
ll) Escolhida a pena, proceder-se-á à determinação da sua medida concreta, devendo, o tribunal, para tanto, atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
mm) Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do Código Penal).
nn)  O crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto no artigo 292º do Código Penal, por cuja prática foi o recorrente condenado, determina uma punição de pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição mais grave.
oo) O Tribunal a quo, quanto á determinação da medida concreta da pena, alheou-se em absoluto das circunstâncias que depunham a favor do recorrente, e refugiou-se unicamente na circunstância do arguido já apresentar antecedentes criminais pela prática, quer pela prática de factos de idêntica natureza, quer por factos de natureza diversa.
pp) Neste particular, importa ainda referir que os referidos antecedentes criminais foram praticado em 18/05/2007 e 22/05/2020, ou seja, há mais de dezasseis anos e há mais de três anos, respectivamente.
qq) Na concreta determinação da medida da pena, o tribunal a quo sobrevalorizou os referidos antecedentes criminais, por crimes de igual natureza e de natureza diversa, desconsiderando, porém, que, entre aqueles factos e o destes autos haviam já decorrido 16 anos e 3 anos respectivamente (quanto aos de condução em estado de embriaguez).
rr) Ainda que o Arguido já tenha sofrido 5 condenações transitadas em julgado, o certo é que desde o ano de 2015 o Arguido apenas teve um contacto com a justiça, ou seja, nos últimos 8 (oito) anos o Arguido apenas por uma única vez teve um comportamento desconforme ao Direito, facto que o Tribunal a quo não levou, minimamente, em linha de conta, tendo-se alheado totalmente deste facto.
ss) Na concreta determinação da medida da pena, o tribunal A Quo desconsiderou em absoluto, a confissão integral e sem reservas, o arrependimento sincero, a interiorizada consciência da ilicitude do comportamento pelo recorrente, as suas condições pessoais, sociais e familiares, 
tt) Sobrevalorizou ainda a concreta taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido – a qual, como já vimos em sede do presente recurso, é menor relativamente á tida em consideração pelo tribunal a quo – para assim considerar ser elevada a culpa do agente.
uu) Não considerou em contrapartida que o arguido, apesar da taxa de alcoolemia de 1,5448 g/l, não foi interveniente em qualquer acidente de viação, tendo sido submetido a exame para detecção de álcool no sangue na sequência de uma acção de fiscalização de rotina desenvolvida pelos agentes de autoridade.
vv)  Não valorizou a confissão dos factos pelo recorrente, a qual concorreu para a descoberta da verdade (não tendo o tribunal A quo necessidade de produzir quaisquer outros meios probatórios) e a postura de humildade, consternação pela sua conduta e arrependimento sincero assumidas pelo arguido.
ww) Pelo que, entende o recorrente que é mediano o grau de ilicitude do facto, não tendo ocorrido da sua conduta consequências que impusessem considerar tal grau acima do mediano.
xx) Pelo que, crê o Arguido, portanto, que ponderada a ilicitude global do facto, a sua culpa e as exigências de prevenção geral e especial, uma pena de multa situada próxima do limite máximo, ainda realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, considerando-se mais adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido, a pena de 110 (cento e dez) dias de multa.
yy) E, em idêntico sentido, atenta a taxa de alcoolemia de 1,5448 g/l, (inferior à tida em consideração pelo Tribunal a quo) deverá ser fixada uma pena acessória de proibição de conduzir de nunca superior a 5 (cinco) meses.
zz) Ficar inibido de conduzir veículos automóveis pelo período de um ano, para além de ser uma sanção pesada e desproporcionada, significa para o arguido uma impossibilidade de exercer convenientemente as suas funções, de se deslocar para o seu trabalho e de o necessário apoio à sua família, designadamente à sua filha menor, durante um período muito prolongado no tempo, que poderá, inclusive, colocar em causa a subsistência do seu emprego.
aaa) Não pode, pois, o recorrente conformar-se com a condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 12 meses, entendendo que tal período é manifestamente exagerado, atendendo ao grau da culpa, ilicitude, e à sua integração pessoal, social, familiar e profissional.
bbb) Não tendo assim decidido, quanto ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;
ccc) Pelo exposto, verifica-se que as medidas das penas concretamente aplicadas ao recorrente ultrapassaram, em larga escala e sem qualquer justificação, a medida da culpa, excesso este que, analisado à luz da teoria vertida na sentença recorrida, põe em causa a “dignitas humana do delinquente (cfr. o artigo 40º, nº. 2 do C.P.”.
ddd) Face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, a mera pena de multa, por se entender que a aplicação desta, ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.
Em consequência, e muito que será suprido por vossas excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogar a aliás douta sentença que condenou o recorrente na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, bem como a medida acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 12 meses, por ser desproporcionada às finalidades da punição, e ser aplicada ao recorrente pena de multa no limiar do seu limite máximo, assim como, ser a pena acessória de proibição de conduzir reduzida para o período de 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução por um período não superior a 12 (meses).
eee)  A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 40º, 47º, 69º, 71º, 292º, todos do C.P..»
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A Senhora Procuradora que representou o Ministério Público na 1ª instância respondeu, concluindo da seguinte forma:

«1. Para dar como provado o facto provado n.º 1, o Tribunal analisou e levou em conta o Auto de Notícia de fls. 4, conjugado com o teor do talão do alcoolímetro e ficha de controlo de fls. 9, e a confissão do arguido.
2. A Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, determina no seu art.8.º, quanto aos Erros Máximo Admissíveis de «… variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE …», e o art.170.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada refere que, quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levantar ou mandar levantar auto de notícia, deve mencionar « o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares».
3. Para efeitos do preenchimento do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. o art.292.º do Código Penal, a taxa de álcool no sangue (TAS) a considerar é a que resulta da dedução do erro máximo admissível (EMA) ao valor registado pelo alcoolímetro.
4. Efetuada uma medição por um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais e obtido, assim, um resultado, impõe-se deduzir a este valor o erro máximo admissível, determinado nos termos do quadro a que alude o art.8.º, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro.
5. Observado que seja todo o procedimento legal para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS, o resultado deste exame, expresso no talão do alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, deve ser considerado prova vinculada ou tarifada.
6. O recorrente foi sujeito a teste de alcoolemia com o aparelho Dräger, modelo ... ... n.º ..., o mesmo acusou, em talão emitido pelo alcoolímetro, uma TAS de 1,69 g/l, valor que se mostra compreendido entre igual a 0,400 e igual ou inferior a 2,000 mg/l.
7. O alcoolímetro utilizado na medição quantitativa da TAS foi submetido a aprovação de modelo n.º 701.51.19.3.26 (D.R.2ª série n.º 178, de 17 de setembro), aprovado para fiscalização pelo despacho n.º 9911/2019, da ANSR de 31 de outubro e verificado pelo IPQ em 2022-12-07, o EMA é, de 5% por não estarmos perante uma verificação periódica ou verificação extraordinária.
8. 5% do valor registado pelo alcoolímetro corresponde a 0,0845 (1,69 x 0,05 = 0,0845.) e subtraindo ao valor registado pelo alcoolímetro (1,69 g/l) os 5% do EMA (0,0845), obtém- se, precisamente, uma TAS de 1,605 g/l, e sendo esta a taxa dada como provada, na factualidade da douta sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo procedeu à dedução do erro máximo admissível e nos termos prescritos na Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro.
9. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1 co CP), devendo ser dada preferência à pena não privativa da liberdade, a pena de multa, em detrimento da pena privativa de liberdade, sempre que aquela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70.º do CP), sendo a definição da medida da pena feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1 do CP) e para a sua determinação concreta deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art. 71.º, n.º 2 do CP), sendo que em caso algum a pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 2 do CP).
10. Relativamente às exigências de prevenção especial, as mesmas são elevadas, atendendo a que o arguido apresenta condenações anteriores pela prática de seis ilícitos criminais, dois deles da mesma natureza que o crime em causa nos presentes autos, o último deles praticado recentemente: em maio de 2020.
11. O grau de ilicitude do facto, na situação em apreço, apresenta-se elevado para uma conduta que integra a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, atendendo ao modo de execução dos factos, como sendo o teor da taxa de alcoolémia no sangue, designadamente, de 1,605 g/l, deduzido do erro máximo admissível, sendo as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir elevadas.
12. A pena de prisão de cinco meses fixada, suspensa por um ano e seis meses não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todos desproporcionada, pois contém-se dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e faz adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime militam a favor e contra o agente.
13. Com efeito, o grau de ilicitude, aferido pelo grau de alcoolemia (1,605 g/l) é elevado e o arguido agiu com dolo eventual, beneficiando-o a circunstância de ter confessado a sua conduta, o que revela pouco valor atenuativo, uma vez que foi detido em flagrante delito, e a sua inserção social e familiar, o que todo foi tido em conta pelo tribunal.
14. O recorrente revelou, ao delinquir novamente, conduzindo com uma TAS de 1,605, que não interiorizou o significado das anteriores condenações – o mesmo regista, para além de outros, duas condenações anteriores, a primeira em 2007 e a segunda em 2020 por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com condenações em pena de multa e com aplicações de períodos de proibição de conduzir de 3 e 6 meses, reportando-se a última condenação em 23-10-2020.
15. Considerando que o arguido já foi anteriormente condenado pela prática de crime de condução sobre efeito de álcool e, consequentemente, foi também condenado na pena acessória da proibição de conduzir (a última vez, por um período de 6 meses que terminou no dia 04-06-2021) e que tal não o impediu de voltar a praticar novos factos da mesma natureza, bem andou a douta sentença ao condenar o arguido na pena acessória mencionada por um período de 12 meses.
16. Concluindo, na determinação da medida da pena, o tribunal atendeu a todas as circunstâncias que depuseram a favor do arguido, designadamente, ao facto de o mesmo ter confessado a prática do crime, bem como atendeu às circunstâncias que depuseram contra ele, designadamente, o grau de ilicitude, o modo de execução, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto, sem que a pena aplicada ultrapassasse a medida da culpa do arguido.
17. Não foram violados quaisquer normativos pela douta sentença, designadamente as normas constantes dos artigos 170º, n.º 1 a) e b) do Código da Estrada (na redação introduzida pela Lei 72/2013 de 3 de setembro), artigos 1º, 5º e 8º da Portaria 1556/2007, de 10 de dezembro, e ainda os artigos 40º, n.º 1 e 2; 50º, 58º, 70º e 71º, 47º, 69º, 71º e 292, todos do Código de Penal.»
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Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu parecer, igualmente no sentido do não provimento do recurso.
 Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Códdigo de Processo Penal, sem resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].

1. Questões a decidir:
A. Impugnação da matéria de facto, por via do vício do erro notório na apreciação da prova, relativamente à concreta taxa de álcool no sangue (TAS) que se considerou ser a apresentada pelo arguido.
B. Escolha da pena principal e quantum da pena acessória.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida.

«Resultam provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

1) No dia ../../2023, cerca das 10h32, na Rua ..., na cidade ..., o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula “..-..-SI” sujeito a uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,605 g/l, deduzido o erro máximo admissível;
2) O arguido representou e quis ingerir bebidas alcoólicas e conduzir o veículo suprarreferido na via pública, tendo conduzido sujeito à influência do álcool no sangue;
3) Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo esse conhecimento.
Mais se provou:
4) O arguido exerce actividade laboral como empregado de balcão, num estabelecimento de diversão nocturna (bar) – “...”, localizado em ..., bar pertencente à empresa “EMP01... Unipessoal Lda.”, com sede em Guimarães, auferindo 775,00 € por mês líquidos;
5) Vive sozinho em casa arrendada, pagando 200,00 € de renda;
6) Tem uma filha, de oito anos, pagando a pensão de alimentos de 200,00 €, mais 50,00 € de actividades extracurriculares e alimentação na escola;
7) Tem o 9.º ano de escolaridade;
8) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a. No âmbito do Proc. n.º 510/07...., por sentença transitada em julgado a 15/11/2007, foi o arguido condenado pela prática (a 18/05/2007) de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo cumprimento a 30/09/2009;
b. No âmbito do Proc. n.º 1167/08...., por sentença transitada em julgado a 02/03/2009, foi o arguido condenado pela prática (a 11/2007) de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, extinta pelo cumprimento a 27/04/2010;
c. No âmbito do Proc. n.º 992/12...., por sentença transitada em julgado a 28/04/2014, foi o arguido condenado pela prática (a 11/04/2012) de um crime de abuso de confiança, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período, extinta pelo cumprimento a 13/06/2016;
d. No âmbito do Proc. n.º 19/20...., por sentença transitada em julgado a 23/11/2020, foi o arguido condenado pela prática (a 22/05/2020) de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de seis meses, extinta pelo cumprimento a 11/01/2021 e 04/06/2021, respectivamente;
e. No âmbito do Proc. n.º 406/12...., por sentença transitada em julgado a 23/01/2023, foi o arguido condenado pela prática (a 08/10/2014 e 13/12/2015) de um crime de auxílio à imigração ilegal e de um crime de lenocínio, na pena de dois anos e cinco meses de prisão, suspensa por igual período, com a obrigação de o arguido entregar ao centro de acolhimento para pessoas sem-abrigo ou sem retaguarda familiar do município ..., o montante de 500,00 € no prazo de seis meses.
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Inexistem factos não provados.
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Motivação de facto

Para considerar os factos provados supra enumerados o Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, especificamente o Auto de Notícia de fls. 4, o talão e ficha de controlo de fls. 9 e o certificado de registo criminal de fls. 19/23, bem como nas declarações do arguido, que confessou de forma integral e livre a prática dos factos pelos quais vinha acusado.
Para prova das condições socioeconómicas do arguido o Tribunal teve em consideração as declarações do próprio e o relatório social junto a fls. 34/35.
Os antecedentes criminais do arguido decorrem do conteúdo do seu Certificado de Registo Criminal.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. Impugnação da matéria de facto, por via do vício do erro notório na apreciação da prova.

O recorrente começa por sustentar que ocorreu um erro notório na apreciação da prova, que consistiu na determinação da TAS mencionada no final do ponto 1 dos Factos Provados, argumentando que o erro máximo admissível e legalmente previsto no caso era de 8%, por força do que, face ao valor registado de 1,69 g/l, a TAS deveria ter sido reduzida para 1,5448 g/l e não 1,605 g/l, como consta da sentença.

Vejamos.
O artigo 170.º do Código da Estrada, aprovado pela Lei nº 72/2013, de 3 de setembro, prevê expressamente que «quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar (b) o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares».
Daqui resultando que o legislador, além de impor a expressa menção, no auto de notícia, do valor registado no aparelho ou instrumento de medição devidamente aprovado e igualmente o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico respetivo, discrimina também que prevalece o valor apurado, ou seja, impõe uma regra de valoração da prova.
O decisor não é livre de apreciar livremente os factos submetidos a julgamento quando esteja em causa a quantificação de uma realidade factual com relevância normativa, contraordenacional, estradal, devendo apreciar esse exame com, pelo menos, uma determinada percentagem de favorecimento do arguido em função da percentagem de erro de cada aparelho ou instrumento, caso se depare com aparelhos e instrumentos aprovados.
Muito embora a previsão se refira, como é natural, apenas às contraordenações, desde logo por o Código da Estrada não prever crimes, não se identifica qualquer razão válida para não aplicar a regra probatória, inserta no transcrito artigo 170.º, aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime. Por outras palavras, tal regra probatória não pode deixar de ser extensível a qualquer ilícito punitivo, designadamente o penal, sempre que um tipo esteja dependente de uma quantificação de Taxa de Álcool no sangue (TAS) mensurável por aparelho legalmente aprovado.
Seria mesmo incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.
De tudo assim decorrendo que ao valor apurado no exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado e realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, terá sempre que ser feito o desconto do erro máximo admissível (EMA), nos termos constantes do quadro anexo à Portaria 1556/2007 de 10/12, cujo artigo 8.º dispõe: «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE), são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante»
O quadro anexo prevê a definição dos erros máximos admissíveis (EMA) tendo em consideração:
- os valores da TAE: até 0,4, de 0,4 a 2, e de mais de 2 miligramas por litro de ar expirado – para cada um destes teores sendo prevista uma margem de erro admissível, a qual, é tanto maior, quanto maior for a quantidade de álcool por litro de ar expirado; e
- relativamente ao aparelho usado: se estamos perante «aprovação de modelo/primeira verificação» ou «verificação periódica/verificação extraordinária» – para cada uma destas situações sendo também prevista uma margem de admissível, a qual é menor aquando da aprovação de modelo/primeira verificação e maior aquando da verificação periódica/verificação extraordinária.
Por fim, importa salientar que o artigo 4.º da Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, que alterou o Código Penal, prescreve: «Para efeito do disposto no artigo 292.º do Código Penal, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) baseia-se no princípio de que 1mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue.»[2]
No caso em apreço nos autos foi considerado apurado que o arguido «o arguido conduzia (…) sujeito a uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,605 g/l, deduzido o erro máximo admissível;»[3], com base no talão do alcoolímetro e ficha de controlo de fls. 9., a esse propósito expressamente referidos na motivação.
De tal documento constando que o exame do álcool no ar expirado foi realizado num aparelho alcoolímetro quantitativo, marca ..., modelo ... ..., com o nº de série ...31 e data de verificação 07.12.22, tendo o arguido/recorrente acusado uma TAS de 1,69 g/l. Valor que se mostra compreendido entre «igual a 0,400 e igual ou inferior a 2,000 mg/l».
Esse concreto aparelho alcoolímetro foi submetido a aprovação de modelo n.º 701.51.19.3.26 (D.R. 2ª série n.º 178, de 17 de setembro), aprovado para fiscalização pelo despacho n.º 9911/2019, da ANSR de 31 de outubro e verificado pelo IPQ em 07.12.2022, pelo que estamos perante uma situação de «aprovação de modelo/primeira verificação» e não de «verificação periódica/ verificação extraordinária».
Conjugando tais elementos factuais com as disposições legais supracitadas, agora com especial incidência no quadro anexo à Portaria 1556/2007 de 10/12 e a que se refere o seu artigo 8.º, o erro máximo admissível (EMA) aplicável ao caso é de 5%, sendo por isso o «valor apurado» para esse efeito de, precisamente, uma TAS de 1,605 g/l; [5% do valor registado pelo alcoolímetro corresponde a 0,0845 (1,69 x 0,05 = 0,0845.); subtraindo ao valor registado pelo alcoolímetro (1,69 g/l) os 5% do EMA (0,0845), obtém-se uma TAS de 1,605 g/l.]
Não há, assim, qualquer erro na determinação da TAS mencionada no final do ponto 1 dos Factos Provados.
Naufragando este ponto do recurso.
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B.  Escolha da pena.

O recorrente discorda da opção do Tribunal a quo pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, argumentando que tal se ficou a dever à indevida sobrevalorização dos seus antecedentes criminais e desconsideração dos fatores que militam a seu favor, designadamente a confissão, arrependimento, e positiva inserção social e profissional.

Vejamos.
Ao crime pelo qual o arguido foi condenado, de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, é aplicável a pena principal de prisão até um ano ou de multa até 120 dias.
Determina o artigo 70.º do Código Penal que caso ao crime sejam aplicáveis uma pena de multa em alternativa a uma pena de prisão, o tribunal deve dar preferência à primeira, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Resulta deste comando que a pena de multa é a preferida pelo legislador, mas apenas no caso de o aplicador do direito se convencer seriamente que, com ela, ficam asseguradas as finalidades da punição, constantes do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, de proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, ou seja, que com a aplicação da pena pecuniária se atingem os fins de prevenção geral[4] e os fins de prevenção especial[5].
O primeiro desses escopos é uma forma de prevenção positiva, através da qual se procura que a pena proteja as expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada, defendendo o ordenamento jurídico. Já no respeitante à reintegração do agente, a aplicação da pena visa evitar a quebra da sua inserção social, contribuindo para a sua reintegração na comunidade.
Na questão da escolha da pena só devem intervir razões preventivas, especialmente razões de prevenção especial, estando definitivamente afastada a possibilidade de considerações atinentes com a culpa desempenharem, nesta sede, qualquer papel.
No caso em apreço, o Tribunal optou pela pena de prisão, o que justificou do seguinte modo:
«Em termos de prevenção geral, estamos perante uma previsão legal destinada a proteger um bem jurídico colectivo. A agressão deste bem jurídico tem a si associado um grau elevado de necessidades de prevenção geral, de modo a garantir a segurança de todos aqueles que se movem no tráfego rodoviário e diminuir a sinistralidade rodoviária que assume valores preocupantes no nosso país.
O arguido revela um nível de necessidades de prevenção especial já elevados, tendo em consideração que já foi julgado e condenado pela prática de seis ilícitos criminais, dois deles da mesma natureza que o crime ora em causa (o último deles praticado em Maio de 2020).
Assim, apesar de o arguido ter confessado e estar social e profissionalmente integrado, consideramos que a pena de multa já não satisfaz de forma adequada as necessidades de prevenção especial e geral, pelo que se opta pela aplicação da pena de prisão.»
Subscrevendo os argumentos do excerto acabado de transcrever, não nos merece qualquer reparo a eleição da pena de prisão, que nas circunstâncias descritas se apresenta como a única com caraterísticas suficientes para dissuadir o arguido da prática de novo ilícito penal e acautelar os bens jurídicos tutelados pela norma violada.
Nenhuma censura nos merecendo este ponto da decisão recorrida.
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Ficando prejudicada a concretização de uma pena de multa, para o que o recorrente indica os fatores que em seu entender devem ser considerados, mas já nada argumentando relativamente à medida concreta da pena de prisão fixada em cinco meses de prisão pelo Tribunal a quo, que depois suspendeu na sua execução.
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Quantum da pena acessória

A concretização da pena acessória obedece precisamente aos mesmos critérios da concretização da pena principal, definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal, mas não tem de ser proporcional à pena principal, desde logo pela diversidade dos objetivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor surge como uma censura adicional que, pela sua própria natureza, tem uma capacidade preventiva, em regra, muito mais eficaz do que a da pena principal.
Revertendo novamente ao caso em apreço, temos como fatores de valoração que militam a favor do arguido: a confissão (embora aqui sem grande relevância, por os factos terem sido presenciados pelas autoridades policiais e se encontrar devidamente documentada a prova da taxa de álcool no sangue); bem como a integração profissional e social.
Quanto ao alegado arrependimento não assume relevância, por não se encontrar demonstrado em factos objetivos.
Não se pode esquecer a intensidade da culpa, revelada no dolo direto que revestiu a atuação do agente (que já constava da acusação e se provou).
A ilicitude é mediana, face à taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,605 g/l, (já com margem de erro máxima admitida deduzida) que o arguido apresentava, quando uma TAS de 1,2 g/l já bastava para preencher o tipo.
As exigências de prevenção especial são muito elevadas, face à personalidade do arguido, demonstrada nos factos dos autos, praticados depois de já ter sido condenado anteriormente pela prática de seis ilícitos criminais, dois deles da mesma natureza do crime em causa nos presentes autos (em 2007 e 2020, com aplicação de pena de multa e com penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados de 3 e 6 meses).
E, note-se, nem a integração profissional e social demoveu o recorrente de voltar a delinquir.
As exigências de prevenção geral, por sua vez, fazem aqui sentir-se com particular acuidade, pela enorme taxa de criminalidade estradal causadora de muitos dos acidentes graves que diariamente acontecem nas estradas portuguesas.
Sopesando todos estes elementos e considerando as caraterísticas particulares desta pena acessória, entendemos que a pena de 12 meses de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada ao arguido, que não chega atingir o ponto médio da respetiva moldura legal, se mostra perfeitamente equilibrada e situada num ponto capaz de contribuir para desmotivar o recorrente, bem como à comunidade em geral, da prática de crimes desta natureza.
Pelo que também neste ponto se confirma a sentença.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça
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Guimarães, 19 de março de 2024
(Texto integralmente elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal –, encontrando-se assinado na primeira página, nos termos do artigo 19.º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.)
Fátima Furtado (Relatora)
Ana Teixeira (1ª Adjunta)
Carlos Coutinho (2º Adjunto)


[1] Cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Igual fator de conversão da TAS em TAE estabelecendo o artigo 81.º, nº 4 do Código da Estrada.
[3] Ponto 1 dos Factos Provados
[4] Proteção dos bens jurídicos.
[5] Reintegração do agente.