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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Tratando-se de contrato de compra e venda de imóvel e no caso de cumprimento defeituoso, não pode o comprador pedir indemnização correspondente ao custo da eliminação dos defeitos, sem antes exigir a eliminação dos mesmos, a redução do preço ou a resolução do contrato. II - O tempo de pendência da acção não atribui, sem mais, carácter de urgência à realização das obras necessárias à eliminação dos defeitos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B..... e mulher, C....., intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de....., a presente acção com processo ordinário contra:
- D..... e mulher, E....., pedindo a condenação destes a pagarem-lhes:
a) O custo das obras de reparação do imóvel, da responsabilidade dos mesmos e que se viram na necessidade inadiável de fazer executar ante a passividade dos Réus, no valor que vier, efectivamente, a se verificar o exacto, mas nunca inferior a 14.700,00 Euros, acrescida de IVA de 2.793,00 Euros, num total de 17.493,00 Euros;
b) A verba respeitante ao arrendamento do local para onde tiveram que transferir a sua residência durante o período das obras, à razão de 400,00 Euros/mês e no montante global de dois meses e meio de arrendamento de 1.000,00 Euros;
c) O montante compensatório a título de danos não patrimoniais pelos transtornos e abalo moral elencados na petição inicial, de montante que modicamente computaram em 5.000,00 Euros;
d) O custo das demais despesas que a realização das obras lhes ocasionar, de montante a liquidar em execução de sentença, dada a impossibilidade de o serem neste momento;
e) Os juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.
Alegaram, para tanto, em resumo, que adquiriram, por escritura de 25/11/98, aos Réus, sendo o Réu marido construtor/vendedor, um prédio com destino a habitação do seu agregado familiar, tendo o Réu D..... assegurado possuir ele todas as qualidades indispensáveis àquela finalidade; porém, os Autores vieram a verificar a existência de defeitos e vícios vários no prédio, que comunicaram ao Réu, tendo este reconhecido a existência dos mesmos e prometido a sua reparação; o Réu não ignorava os vícios de construção que o prédio tinha, tanto mais que foi ele o próprio construtor; porém, as promessas do Réu de que repararia os vícios nunca foram cumpridas e apenas se traduziram em manobras dilatórias; por isso, os Autores entenderam contratar e dar início, em 5/5/2003, às obras que o Réu se vinha eximindo a executar, uma vez que elas se revelaram urgentes.
Contestaram os Réus, alegando, também em resumo, que o Réu marido não é construtor civil, mas sim mediador imobiliário e que levou a efeito a construção da moradia em causa com o intuito de nela instalar a sua própria habitação; que aplicou na construção do imóvel os materiais que lhe eram melhor aconselhados e com todas as qualidades asseguradas; o Autor marido, reparando na casa em construção, interessou-se pela mesma, andando cerca de cinco meses a insistir com o Réu para que lha vendesse, o que acabou por acontecer; o construtor garantiu ao Réu, na presença do Autor marido, a qualidade dos materiais aplicados; as humidades surgidas após a instalação dos Autores foram de imediato sanadas; além disso, o Réu sabia e foi alertado dos possíveis problemas de construção junto ao mar, o que leva a que os imóveis se deteriorem com maior facilidade; terminam pedindo a improcedência da acção.
Replicaram os Autores, concluindo como na petição e reduzindo o pedido da al. a) a “pelo menos 14.700,00 Euros a verba ali inserta, uma vez nãos ser devida a quantia respeitante a I.V.A. (2.793,00 Euros) por já incluída nos preços constantes das respostas dos Srs. Peritos”.
Proferiu-se, seguidamente, despacho saneador que, conhecendo do fundo da causa, julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
Inconformados com o assim decidido, interpuseram os Autores recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e a que esta Relação fixou o efeito meramente devolutivo.
Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
1.ª - “A relação contratual firmada por apelantes e apelados foi a de um contrato de compra e venda de imóvel construído para venda pelos recorridos e não a de um contrato de empreitada como erradamente a sentença sob censura a define;
2.ª - É, pois, absolutamente inaplicável ao caso dos autos o regime do contrato de empreitada previsto nos artigos 1207.º e seguintes do C. Civil;
3.ª - Denunciados, atempada e repetidamente, os vícios que o imóvel padecia os apelados reconheceram a sua existência e prometeram a sua reparação, o que não fizeram;
4.ª - Perante a conduta omissiva dos vendedores e após a realização de perícias os apelantes ordenaram a realização dos idóneos trabalhos de remediação da situação defeituosa existente exigindo judicialmente o ressarcimento dos seus prejuízos;
5.ª - Mesmo que os apelados não se tivessem obrigado à reparação dos defeitos sempre o caso dos autos se regularia pelos comandos dos artigos 913.º e seguintes do C. Civil – venda de coisa defeituosas;
6.ª - Os apelantes, face às disposições do n.º 3 do artigo 916.º do C. Civil – compra e venda de imóveis defeituosos – agiram com inteira licitude e legalidade, já que denunciaram os defeitos do prédio até um ano depois de conhecidos e dentro dos cinco anos após a entrega – prédio foi adquirido em 25/11/1998, defeitos denunciados reiteradamente a partir do inverno de 1998/1999 e acção apresentada em juízo em 18/06/2003;
7.ª - Em abono da posição dos apelantes citam-se os acórdãos seguintes: Ac. RL de 30/11/1977 in BMJ, 273.º - 316, Ac. RL de 22/05/1979 in CJ 1979, 3.º - 788, Ac. STJ de 26/06/1979 in BMJ, 292.º - 357 Ac RP de 14712/1993, in CJ, 1993, 5.º - 244, pelo que ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou as disposições dos art.ºs 798.º, 874.º, 913.º e 916.º, 3 todos do C. Civil”.
Contra-alegaram os apelados, pugnando pela manutenção do julgado.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão fulcral posta pelos apelantes à consideração deste Tribunal é a de saber se é inaplicável ao caso dos autos o regime do contrato de empreitada e se a acção deve prosseguir os seus normais termos.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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OS FACTOS E O DIREITO
Os factos a ter em consideração para a decisão do recurso são apenas os que emergem do relatório supra, para os quais se remete.
O saneador-sentença recorrido considerou que Autores e Réus celebraram entre si um contrato de empreitada, definido pelo art.º 1207.º do C. Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Não é isso, porém, salvo o devido respeito, que resulta da alegação dos Autores. Estes, na sua petição inicial, alegaram que, por escritura de 25711/98, adquiriram o imóvel em causa, encontrando-se para si devidamente averbada a transferência da respectiva propriedade (art.ºs 1.º e 2.º).
Mais alegaram que os Réus, como vendedores, outorgaram a referida escritura, na qualidade de então proprietários do imóvel (art.º 3.º).
Estes factos integram, sem margem para dúvidas, um contrato de compra e venda, que o art.º 874.º do C. Civil define como o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.
Que se trata de contrato de compra e venda nem os Réus o contestam, antes o aceitam de forma expressa (art.ºs 2.º a 6.º da contestação).
Vejamos, pois, se o erro de enquadramento jurídico de que padece o despacho recorrido, no que concerne ao contrato celebrado entre as partes, afecta a decisão de não haver lugar às peticionadas indemnizações.
O não cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda implica responsabilidade contratual nos termos gerais, levando à aplicação das regras do não cumprimento (artºs 798.º e segs. do C.C.). Trata-se, por via de regra, de um facto ilícito e culposo, presumindo-se a existência de culpa relativamente ao não cumprimento por arte de qualquer dos intervenientes, tanto do comprador como do vendedor (art.º 799.º, n.º 1).
Nos termos do art.º 913.º, n.º 1, do C. Civil, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado.
Associado com o padrão de normalidade encontra-se a redução ou extinção do valor ou da utilidade da coisa vendida. No art.º 913.º, n.º 1, fala-se em vício que desvalorize a coisa, até porque estando a qualidade normalmente relacionada com o preço, a falta de qualidade implica uma redução ou extinção do valor (v. Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos, 123).
O facto de o defeito da coisa ser superveniente, isto é, de sobrevir após a celebração do contrato, não impede a aplicação das regras sobre incumprimento. Com efeito, o art.º 918.º do C. Civil, relativamente às situações de defeito superveniente, remete para as regras gerais do não cumprimento.
Como tivemos oportunidade de escrever recentemente no Recurso n.º 2485/04, a lei concede ao comprador e ao dono da obra, em caso de cumprimento defeituoso, múltiplos meios de actuação.
Em primeiro lugar, o comprador ou o dono da obra podem exigir a reparação das deficiências, caso possam ser eliminadas, ou a realização de obra nova, salvo se as respectivas despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito a obter (art.ºs 914.º e 1221, n.ºs 1 e 2, do C.C.).
Em segundo lugar, assiste ao comprador ou ao dono da obra o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, caso não sejam eliminados os defeitos ou construída de novo a obra e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina (art.ºs 911.º e 1222.º, n.º 1, do C.C.).
Por último, concede-se ao comprador ou ao dono da obra o direito de pedir uma indemnização, nos termos gerais do art.º 562.º do C. Civil (art.º 1223.º do C.C.).
Mas, como adverte Romano Martinez (ob. cit., 130),”os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa. Há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato.
A indemnização cumula-se com qualquer das pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios. Assim, por exemplo, além da eliminação do defeito, e na medida em que por este meio não fiquem totalmente ressarcidos os danos do comprador, cabe-lhe exigir uma indemnização compensatória. Mas a indemnização por sucedâneo pecuniário não funciona como alternativa aos diversos meio jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida”.
Os Autores não podem, pois, exercer, arbitrariamente, mas sim de forma sucessiva, os diversos direitos que a lei confere ao comprador e ao dono da obra defeituosa.
Ora, os Autores pretendem que os Réus sejam condenados a pagarem-lhes a indemnização correspondente à reparação dos defeitos, ou seja, a quantia necessária para pagar as reparações da obra que referem já ter efectuado, bem como a indemnização dos demais prejuízos que alegam ter sofrido. Isto é, não se trata de uma indemnização que seja reportada a outros prejuízos que não pudessem ser compensados com a simples eliminação dos defeitos, mas a quantia necessária para a reparação dos próprios defeitos.
Como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 9/10/01 (C.J., Ano XXVI, 4.º, 24), a autora usou, directamente, o quinto meio jurídico que a lei concede ao dono da obra, em caso de cumprimento defeituoso, embora devesse ter começado por exigir a reparação dos defeitos da obra e, não obstante o art.º 1223.º do C.C. dispor que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito do comitente a ser indemnizado, nos termos gerais, direito este que, por isso, pode ser accionado, conjuntamente com qualquer dos restantes, não pode deixar de entender-se como reportado a outros prejuízos, que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a mera redução do preço, sob pena de a lei consentir um duplo ressarcimento sobre o mesmo facto.
Quer isto dizer, em síntese, que o direito à indemnização, quer seja exercido em conjunto com qualquer dos outros direitos, quer seja exercido de forma isolada, tem sempre por objecto, necessariamente, quaisquer outros prejuízos que não sejam reparados com a eliminação dos defeitos ou com a redução do preço.
A orientação de conceder o direito de indemnização, enquanto sucedâneo pecuniário, como um direito alternativo ao direito de eliminação dos defeitos não é aceitável, assumindo antes o mesmo, em matéria de cumprimento defeituoso dos contratos de compra e venda e de empreitada, natureza subsidiária, na medida em que os restantes se não possam efectivar.
Face às características dos defeitos alegados (infiltrações de humidades, babados de goma de cimento no revestimento exterior de litocer, queda de peças deste revestimento, fissuras várias, rés-do-chão mal impermeabilizado), era manifestamente possível aos Réus procederem à eliminação desses defeitos. Caso os não viessem a eliminar, restava aos Autores o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato.
O que não podiam os Autores era pedir a indemnização corresponde ao custo da eliminação dos defeitos, sem antes exigir aos Réus a eliminação dos defeitos, a redução do preço ou a resolução do contrato.
Argumentam, porém, os apelantes que os vários defeitos e vícios do prédio tinham carácter urgente, que não se compatibilizaria com as demoras de um processo judicial.
Pretendem os apelantes enquadrar tal situação no condicionalismo legal da acção directa, definido pelo art.º 336.º do C. Civil.
Como se escreveu no aludido acórdão da R. de Coimbra, a acção directa constitui uma causa justificativa do facto danoso, ou seja, uma circunstância que, ao retirar ao facto que ocasiona o prejuízo a sua ilicitude, exclui a responsabilidade civil do agente, traduzindo-se numa forma de auto-tutela do direito, num meio de defesa, de carácter extrajudicial, que pressupõe, segundo a definição contida naquele art.º 336.º, o recurso lícito à força, a existência de um direito próprio, seja o direito de propriedade, qualquer direito real de gozo ou a posse, que importa realizar ou assegurar, a sua indispensabilidade, a impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos normais, a necessidade de evitar a inutilização prática do direito do agente, a não ultrapassagem por este do estritamente necessário para evitar o prejuízo e a ausência de sacrifícios de interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.
Não ocorrem, porém, no caso vertente, os pressupostos daquela forma de auto-tutela do direito.
O tempo de pendência da acção (que deu entrada em juízo a 18/06/2003) não atribui, sem mais, carácter de urgência à realização das obras necessárias à eliminação dos defeitos.
Os Autores alegaram que logo no inverno de 1998/1999 começaram a surgir no prédio sinais de humidades e outros vícios (art.º 11.º da p.i.). E que, face ao que vinha a suceder e da contínua degradação do imóvel por acção de humidades com o inerente agravamento das condições de vida do seu agregado familiar, os Autores entenderam que só pela via judicial poderiam alcançar a satisfação dos seus direitos (art.ºs 28.º e 29.º da p.i). Não obstante, entenderam os Autores contratar e dar início – em 05/Maio/2003 – às obras que o réu se vinha eximindo a executar (art.º 45.º do mesmo articulado).
Quer isto dizer que, mau grado os Autores, segundo a sua própria alegação, terem detectado os vícios logo no inverno de 1998/1999, só em Maio de 2003, ou seja, volvidos mais de quatro longos anos, sentiram a urgência na realização das obras. Naquele período de tempo, apesar da propalada e, às vezes, justificada, demora da justiça, poderiam ter demandado e, normalmente, obtido a condenação dos Réus a realizarem as obras necessárias à eliminação dos defeitos alegados.
Em suma, se bem que por fundamentos não inteiramente coincidentes, bem andou, a nosso ver, o saneador-sentença recorrido ao concluir pela improcedência dos formulados pedidos de indemnização, pelo que, naufragando as conclusões da alegação dos apelantes, a decisão recorrida terá de manter-se.
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DECISÃO
Nos termos expostos, se bem que por fundamentos não inteiramente coincidentes, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se o saneador-sentença recorrido.
Custas pelos apelantes.
Porto, 22 de Junho de 2004
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso