I – Estando em causa um concurso de crimes semipúblico (ou público) e particular, ao requerimento de constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular é aplicável o prazo perentório estabelecido no n.º 2 do artigo 68.º do CPP, não havendo razão de fundo ou de forma para alargar o prazo para o previsto no n.º 3 do artigo 68.º do CPP ao procedimento por crimes particulares sempre que com estes concorram, no mesmo processo, crimes de natureza pública ou semipública.
II – A presunção do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal está direcionada ao tempo que é suposto demorar a prestação dos serviços de correio e não inclui o período de tempo que a carta demorou a chegar aos correios desde o momento em que foi inscrita a sua expedição no programa Citius.
III – Dada a finalidade da presunção, a de ser descontado o tempo que normalmente as cartas demoram a chegar ao destino, a data de envio da notificação que prevalece é a data real do seu registo nos Correios - CTT -, e não a data que consta no programa Citius, contando-se como data de envio para efeitos da presunção do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal a data do registo da entrega nos serviços dos Correios.
Decisão sumária
*
Nos autos de inquérito n.º 716/22.0PBMAI, a Sra. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Maia - Juiz 1, por despacho proferido em 29.05.2023, indeferiu, por extemporaneidade, requerimento conjunto de constituição de assistente relativamente aos crimes de natureza particular apresentado por AA e BB.
«IV-CONCLUSÕES
1. Os Apelantes apresentaram no dia 13/09/2022, queixa, com manifestação de se constituírem Assistentes e ainda com o propósito de deduzir pedido de indemnização civil contra CC e DD, Arguidos, ora, Recorridos, relativamente aos factos susceptíveis de integrar a prática designadamente de crimes de homicídio na forma tentada, ofensas â integridade física grave, de injúrias e ameaça, consagrados nos artigos 131.°, 144.°; 181.°; 153.° todos do Código Penal, respectivamente.
2. Por Despacho, datado de 21.10.2022, veio Ministério Público notificar "os denunciantes nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 2 do artigo 68° e do n.° 4 do artigo 246° do Código de Processo Penal, designadamente para a necessidade de pagamento de taxa de justiça pela constituição de Assistente"
3. A notificação com o registo dos ctt n.° ... foi recebida pela mandatária dos Apelante a 27.10.2022, conforme consta da verificação daquele código nos correios.
4. Assim, o prazo para que os Apelantes dessem cumprimento àquele Despacho terminaria a 07.11.2022 ou nos três dias úteis seguintes a esse, nos termos do artigo 107.° A do CPP.
5.No cumprimento do aludido Despacho os, aqui, Apelantes procederam ao pagamento da taxa justiça devida pela sua constituição de Assistente a 07.11.2022 com o comprovativo de pagamento do DUC e respectivo DUC anexo ao requerimento. DUC esse que foi emitido a 31.10.2022 e liquidado no próprio dia.
6. Sobrevêm que, foram notificados os Apelantes do Despacho, datado de 30.05.2023, com o código ctt ..., que o seu pedido de constituição de Assistente foi indeferido "por extemporânea (...) no que respeita ao procedimento dependente de acusação particular (art.°. 68°, n.°2, do Código de Processo Penal).
7° O que não se conformam, pelo que dela vêm os Apelantes recorrer, porquanto o Despacho, datado de 30.05.2023, foi cumprido por quem tem legitimidade e tempestivamente.
8. Na verdade, "em procedimento criminal relativo a crimes particulares, a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal depende de queixa do ofendido, da sua constituição como assistente e que este deduza acusação particular (artigo 50.°, n.° 1 do CPP).
9. No processo penal o assistente assume a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei, competindo-lhe especialmente, além do mais, deduzir acusação independentemente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza (cf. artigo 69.°, n.°s 1 e 2, alínea b), do CPP).
10. E a sua constituição de assistente efectua-se por despacho do juiz sobre requerimento do interessado, depois de ao Ministério Público e ao arguido ser dada a oportunidade de sobre ele se pronunciarem, cfr. n.° 4 do artigo 68.° doCPP.
11. No que respeita ao prazo para se constituir assistente, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o correspondente requerimento deve ser apresentado dentro de dez dias a contar da advertência a que se refere o n.°4 do artigo 246.° do CPP - vide n.° 2 do artigo 68.° do CPP.
12. Aquele n.° 4 estabelece que é obrigatório que o denunciante de crime particular declare que pretende constituir-se assistente e, em tal caso, impõe à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal quem a denúncia foi feita verbalmente, que proceda à advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
13. O prazo para requerer a constituição de assistente é um prazo peremptório, em função do que o correspondente acto deve ser praticado dentro do respectivo período de tempo de dez dias e o seu decurso sem que aquele seja realizado faz extinguir o direito de o praticar (cf. artigo 139.°, n.° 3 do CPC).
14. O que foi integralmente cumprido como demonstrado, a 07.11.2022.
15. Não obstante, o aludido prazo não deve assumir natureza extintiva desde de ainda não tenha decorrido o prazo de extinção do direito de queixa, nos termos do artigo 115.° do Código Penal.
16. Ora, no caso concreto, dado que os factos alegadamente ocorreram em 02.09.2022, constata-se que à data em que foi apresentado o requerimento de constituição como assistente, ainda não tinham decorrido 6 meses desde a prática dos mesmos,
17. Por esse motivo, os aqui Apelantes sempre poderiam renovar a queixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular.
18. Neste sentido pugna o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16.04.2007, processo n.° 599/06.8PABCU onde se pode lei- que, "O prazo previsto no artigo 68. n.º 2 do Código de Processo Penal não é um prazo peremptório substantivo de caducidade, mas um prazo processual e em princípio não peremptório. De outro modo o intérprete criava uma nova causa de extinção do procedimento criminal duplamenie inconstitucional, pois substitui- se ao legislador na criação da norma afrontando a divisão de poderes, depois restringia de forma desproporcionada e efectiva o direito de acesso ao Tribunal do ofendido", (negrito e sublinhado nosso).
19. Motivo pelo qual, mal andou o Tribunal, com o devido respeito, quando indeferiu a pretensão dos Apelantes, por Despacho datado de 30.05.2023 por extemporaneidade do requerimento de constituição de Assistente.
20. Assim sendo, verificam-se cumpridos todos requisitos para a constituição de assistente dos aqui Apelantes seja admitida, dado que o seu pedido e comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida foi tempestivo.
21. Em face do exposto, deve o Despacho, datado de 30.05.2023, ser parcialmente revogado e proferido novo no qual se admite a constituição de Assistente dos ora Apelantes quanto ao crime de natureza particular imputados na queixa-crime apresentada a 13.09.2022.
V - O PEDIDO
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis requer a V. Exa. se digne a julgar por procedente as presentes Alegações, revogando parcialmente o despacho proferido, nomeadamente no que concerne à extemporaneidade do requerimento de constituição de Assistentes pelos aqui Apelantes; proferindo Despacho a admitir a constituição de Assistente dos Apelantes relativamente aos crimes de natureza particulares.
Fazendo-se assim, como se espera e como é sempre apanágio da esclarecida reflexão deste doutíssimo Tribunal, a habitual e inteira JUSTIÇA!»
«III- CONCLUSÕES:
1. No presente inquérito denunciaram, os recorrentes, factos susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de crimes de injúria, previsto e punível pelo art. 181°, n° 1, do Código Penal.
2.0 crime de injúria reveste a natureza de crime particular, tal como se prevê no art. 188°, do Código Penal, ao fazer depender o procedimento criminal da dedução de acusação particular.
3. Nesses casos, é obrigatória não só a formulação de queixa, mas também a constituição como assistente e consequente acusação particular, conforme dispõe os artigos 48° e 50°, do Código de Processo Penal.
4. Nos termos do disposto no art. 68° n°2 do Código Processo Penal, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento de constituição de assistente pelo ofendido tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n°4 do art. 246° do mesmo diploma legal.
5. Notificados os denunciantes, por via postal registada, em 21-10-2022 (cfr. fls. 46 a 48 do apenso), da obrigatoriedade de se constituírem como assistentes no prazo de 10 dias, e dos demais procedimentos a observar no que se refere ao crime mencionado, que apresenta natureza particular, os mesmos, apenas em 07-11-2022, vieram requerer a sua constituição como assistentes, sendo o respectivo requerimento, junto em 07-11-2022 extemporâneo, face à notificação efectuada em 21-10-2022.
6. Com efeito, tendo os requerentes sido notificados em 21-10-2022 para se constituírem como assistentes no prazo de 10 dias, o mesmo esgotou-se em 03-11-2022.
7. Não se surpreendendo qualquer causa de suspensão que tenha ocorrido aquando da notificação da requerente para se constituir como assistente, nenhuma dúvida subsiste quanto à extemporaneidade do requerimento apresentado, nos termos do disposto no art. 68°, n° 2 do Código de Processo Penal.
8. Assim, o despacho recorrido não violou qualquer norma legal, designadamente o disposto nos artigos 68° n°2 e 246°, n° 4, todos do Código Processo Penal e, bem assim, o disposto no art. 24°, n° 4 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.»
Foi cumprido o ordenado, encontrando-se junto aos autos o registo nos CTT da notificação em causa.
2.1- QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, a questão a decidir é a de se saber se se deve, ou não, manter-se o despacho que indeferiu por extemporaneidade o requerimento de constituição de assistente apresentado relativamente aos crimes de natureza particular.
2.1- O teor do despacho recorrido é o seguinte:
«Os requerentes AA e BB foram notificados para, querendo, se constituírem assistentes no prazo de 10 dias, por expediente de 21.10.2022.
Somente vieram requerer a constituição como assistentes em 07.11.2022 – cf. folhas 58 e ss. dos autos apensos.
O art. 48.º do Código de Processo Penal dispõe, em termos gerais, que:
«O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos arts. 49.º a 52.º do Código de Processo Penal».
Já o n.º1 do art. 49.º do Código de Processo Penal preceitua que:
«Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo».
O art. 50.º do Código de Processo Penal dispõe, por seu turno, que:
«1- Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
2- O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais.
(…)».
Este último preceito legal é aplicável somente quando o procedimento criminal dependa de acusação particular do ofendido/assistente. Apenas nesse caso é necessário que o ofendido se queixe; se constitua assistente, nos termos da segunda parte do n.º4 do art. 246.º e do art. 50.º, n.º1, ambos do Código de Processo Penal e, finalmente, deduza acusação particular.
Com efeito, “está bem sedimentada em razões de política criminal a justificação do regime de procedimento nos designados «crimes particulares» em sentido estrito: a insignificância ou o menor relevo direto e imediato de certas infrações relativamente a bens jurídicos preponderantes, aconselham a que a promoção e a acusação dependam da vontade do ofendido, desaconselhando a reação oficiosa; a inconveniência ou o risco de obrigatoriedade da acção penal sem ou mesmo contra a vontade do ofendido com prejuízo para interesses dignos de tutela, como a reserva da vida privada e familiar; a atenuação das consequências do princípio da legalidade relativamente a casos em que, relevando essencialmente de interesses particulares, o procedimento criminal não seria comunitariamente exigível” (cfr. Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pp. 186).
O Ministério Público promoveu que:
«Por terem legitimidade, estar em tempo, estar representada por advogado e beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o Ministério Público nada tem a opor à constituição como assistentes de AA e de BB, quanto aos crimes semi-públicos, nos termos dos artigos 50º, nº1, 68º, nº1, b) e 70º, nº1, todos do Código de Processo Penal.
Quanto aos crimes de natureza particular denunciados, o MP opõe-se à constituição como assistentes de AA e de BB, uma vez que o respetivo requerimento de fls. 58 do apenso, de 07-11-2022 se mostra extemporâneo, em face da notificação efetuada a fls. 46, 47 e 48 do apenso».
Foi concedida à requerente a possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório e nada disseram.
Cumpre apreciar, adiantando-se que se concorda, na íntegra, com a promoção do Ministério Público acima transcrita.
Neste particular, acompanhamos a fundamentação do ac. do TRC de 06-11-2013, no proc. n.º40/13.0GBAGD-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, com a qual concordamos. Aí se refere que: «Nos crimes de natureza particular – aqueles cujo procedimento depende de acusação particular – o denunciante tem a obrigação de declarar que deseja constituir-se assistente. Nestes casos, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita deve advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento de constituição de assistente tem lugar no prazo de dez dias a contar daquela advertência.
É o que dispõem os arts. 68.º, n.º2 e 246.º, n.º4, do Código de Processo Penal.
Sobre os efeitos da inobservância deste prazo, foi proferido o ac. do STJ n.º 1/2011 que fixou jurisprudencialmente o seguinte:
“Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n.º2 do art. 68.º do Código de Processo Penal”.
Ou seja, a ofendida tinha o prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificada para, no que toca aos crimes de natureza particular, se constituir assistente nos autos. Não o fazendo, no decurso do prazo concedido, vê precludido aquele direito.
Este prazo processual é, nos termos do art. 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 144.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, contínuo, só se suspendendo e interrompendo nos termos da lei.
Ou seja, não havendo causas de interrupção ou suspensão, o tempo de 10 dias conta-se de forma contínua.
A interrupção, como se sabe, tem o efeito de inutilizar todo o período decorrido anteriormente, começando a correr no prazo a partir do acto interruptivo (art. 326.º, n.º 1 do Código Civil).
(…)».
No caso concreto, é extemporânea a constituição como assistentes dos requerentes AA e BB relativamente ao procedimento dependente de acusação particular.
Quanto ao mais (procedimento dependente de queixa), tem legitimidade, está dispensada do pagamento da taxa de justiça e encontra-se devidamente representada por advogado.
Em face do exposto, decido:
a) Indeferir, por extemporânea, a constituição de assistente, no que respeita ao procedimento dependente de acusação particular (art. 68.º, n.º2, do Código de Processo Penal);
b) Admitir a intervenção requerentes AA e BB no que respeita ao procedimento dependente apenas de queixa (art. 68.º, n.º1, al. a), 3 e 4, no art. 70.º, n.º1, e no art. 519.º, n.º1, todos do Código de Processo Penal).
Notifique.
Devolva os autos aos serviços do Ministério Público.
* »
2.2- Ocorrências processuais relevantes:
1- No Inquérito 716/22.0PBMAI-A, apensado aos autos principais, o Ministério Público, em 12.10.2022 (Referência: 440694282), determinou a notificação dos «denunciantes nos termos e para os efeitos do disposto nos art.º 68.º, n.º2 e 246.º, n.º4, do Código de Processo Penal, designadamente para a necessidade de pagamento de taxa de justiça pela constituição de assistente.»
2- Em 21-10-2022 (Referência: 441461980) consta no ‘processo eletrónico’ na plataforma Citius a notificação da mandatária dos denunciantes do despacho referido:
«Notificação
Processo nº 3113/22.4T9MAI
Referência deste documento: 441461980
Certificação Citius em: 21-10-2022
Registo : ...
Referência: 441461980 Inquérito 3113/22.4T9MAI
Data: 21-10-2022
Assunto: Despacho
Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário do Ofendido AA e BB, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De todo o conteúdo do douto despacho proferido, no âmbito do inquérito acima indicado, cuja cópia se junta, designadamente, o seu ponto II.
(A presente notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – art.º 113º do C. P. Penal).»
3- Na folha de registo dos CTT (Referência 17785225), agora ordenada juntar aos autos, consta a data de 26.10.2022, como data de recebimento nos CTT da correspondência destinada a referida mandatária com a referência ao mesmo processo nº 3113/22.4T9MAI e com o ....
4- Os recorrentes deram entrada em tribunal do requerimento para constituição como assistentes em 7.11.2022 (Referência: 33778681).
A constituição de assistente é obrigatória nos crimes particulares, dela também dependendo a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal (artigo 50.º, n.º 1 do CPP).
Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, impõe o artigo 68º, n.º 2 do CPP que o requerimento para constituição de assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º do CPP.
Nos termos do n.º 4 do artigo 246º do CPP é obrigatória, nos crimes particulares, a declaração pelo denunciante de que pretende constituir-se assistente. Devendo, em tal caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente advertir denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
O prazo para requerer a constituição de assistente é um prazo perentório, tal como resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011, de 16.12.2010, in DR de 26.01.2011:
«Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.»
Estando em causa um concurso de crimes semipúblico (ou público) e particular, ao prazo de requerimento de constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular é sempre aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º do CPP, não havendo razão de fundo ou de forma para alargar o prazo para o previsto no n.º 3 do artigo 68.º do CPP ao procedimento por crimes particulares sempre que com estes concorram, no mesmo processo, crimes de natureza pública ou semipública.
O crime particular, não obstante o concurso, continua a ser de natureza particular e por isso a exigir uma definição célere das suas condições de procedibilidade e do prosseguimento ou não dos autos, pelo que a preclusão lhe é aplicável.
Nos termos do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal «Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação.»
A presunção do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal está direcionada ao tempo que é suposto demorar a prestação dos serviços de correio e não inclui o período de tempo que a carta demorou a chegar aos correios desde o momento em que foi inscrita a sua expedição no programa Citius.
Esta presunção é ilidível pelo notificado, no sentido de que a mesma ocorreu em data posterior à presumida, possibilitando assim o alargamento do prazo.
Os recorrentes vêm alegar que a notificação com o registo dos CTT foi recebida pela sua mandatária em 27.10.2022, com consta da verificação daquele código nos correios.
No caso dos autos constata-se do documento de registo dos CTT que a data constante do processo eletrónico na plataforma Citius como sendo a de envio «Certificação Citius em: 21-10-2022», não corresponde à data de receção ou de registo nos Correios - CTT -26.10.2022.
Ora, dada a finalidade da presunção, a de ser descontado o tempo que normalmente as cartas demoram a chegar ao destino dando maior eficácia e celeridade aos processos através da utilização das notificações postais, a data de envio da notificação que prevalece é a data real do seu registo nos Correios - CTT -, e não a data que consta no programa Citius, contando-se como data de envio para efeitos da presunção do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal a data do registo da entrega nos serviços dos Correios.
Mas se assim é, se considerarmos que a carta apenas entrou em trânsito de expedição, só foi enviada em 26.10.2022 (quarta-feira), ao contarmos o prazo para a prática do ato processual a partir de 31.10.2022 (segunda-feira), nos termos do artigo 113º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pois só nesse dia se considera a notificação feita, verificamos que o prazo só terminaria no dia 10.11.2022.
Tendo o requerimento para constituição de assistentes dado entrada em tribunal no dia 07.11.2022, estava muito em tempo, podendo ser praticado tal ato processual.
A solução jurídica para o problema não oferece qualquer dúvida: a parte estava em prazo, o erro do despacho na aplicação do direito teve apenas a ver com a discrepância entre o eletrónico e a realidade, a vida eletrónica e a vida real. Os meios eletrónicos ajudam muito, mas às vezes têm destas coisas…
A questão da possibilidade de ilisão das presunções de notificação do artigo 113º, n.º 2 do CPP, tem unanimidade na jurisprudência, cfr. entre outros acórdãos: - TRP de 22.09.2204 (Élia São Pedro)[1]; TRC de 09.04.2008 (Jorge Gonçalves)[2]; TRE de 04.11.2010 (Edgar Valente)[3]; TRE de 07.12.2012 (Sénio Alves)[4]; TRL de 24.01.2023 (Isilda Pinho)[5]; TRG de 07.01.2013 (Paulo Fernandes da Silva)[6]; TRL de 03.03.2016 (Guilhermina Freitas)[7].
Tudo visto, a pretensão dos recorrentes é manifestamente procedente, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a prossecução dos demais termos processuais quanto à requerida constituição de assistentes.
Uma vez que a jurisprudência, como atrás se assinalou, tem convergido na resposta afirmativa quanto à possibilidade de ilisão das presunções de notificação do artigo 113º, n.º 2 do CPP, entendemos que é de proferir proferida decisão sumária por manifesta procedência do recurso – artigo 417º, 6, al. d) do CPP.
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine a prossecução dos demais termos processuais quanto à requerida constituição de assistentes.
Sem custas.
Notifique.
William Themudo Gilman
_____________________
[1] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/C751A8CD3F396F1180256F33004C0C1C
[2] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/1ee3698aa3c38d9c8025742f003a078e?OpenDocument
[3] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/138378843b26446c80257de10056f855
[4] http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9d29c6b8c85c0acf80257de10056f9fe?OpenDocument
[5] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/57913a8e3a38086a80258951003a2790?OpenDocument
[6] http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/dbf3ae8300df2e3980257afa0042aeb3?OpenDocument
[7] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/756225FC3E5EB1A380257F6F004D5FC7