PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO
Sumário

A intempestividade da oposição no procedimento especial de despejo impede a consideração da mesma para qualquer efeito, levando a que aquele procedimento se mantenha na sua fase injuntória (não contenciosa), não podendo o tribunal conhecer do mérito das questões suscitadas pela defesa, enquanto tal, independentemente da natureza das mesmas.

Texto Integral

PROCESSO N.º 7554/23.1T8PRT.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto]


Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjuntos: Anabela Dias da Silva
Márcia Portela



SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

Em 07.03.2023, AA intentou no Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) procedimento especial de despejo (PED) contra BB e CC.

2.

A Requerida CC, notificada do requerimento inicial em 28 de março de 2023, por carta registada com aviso de receção, apresentou articulado de oposição em 20 de abril de 2023, invocando diversos fundamentos de defesa, pugnando pelo reconhecimento da nulidade do requerimento inicial, por falta de cumprimento das obrigações fiscais do senhorio, determinando a violação da lei pelo seu recebimento pela secretaria, e subsequente nulidade da notificação dos requeridos para se oporem, quer por aplicação do artigo 195.º do Código de Processo Civil (CPCivil)[1], quer por aplicação do artigo 191.º, bem assim como de tudo o processado, determinando a extinção a instância por impossibilidade em suprir as referidas nulidades; quando assim não se entenda, pelo reconhecimento do erro na forma processual, por falta de requisitos da relação de arrendamento – cumprimento de obrigações fiscais pelo senhorio – e a nulidade de todo os subsequentes termos processuais, nos termos do artigo 193.º, de conhecimento oficioso nos termos do 196.º, determinando a extinção da instância; quando assim não entenda, pelo reconhecimento, enquanto exceção dilatória de conhecimento oficioso, da falta de mandato de DD para representar a senhoria em juízo por falta de mandato, mais reconhecendo a sua ilegitimidade para agir por si e para promover a ação especial de despejo, mais determinando a absolvição de ambos os requeridos da Instância; e pelo reconhecimento, enquanto exceção dilatória de conhecimento oficioso, da ilegitimidade da Requerente para estar sozinha em juízo, em violação dos direitos processuais do seu cônjuge e do artigo 34.º, mais determinando a absolvição de ambos os requeridos da instância.

3.

Em virtude da apresentação do articulado de oposição, os autos foram remetidos para distribuição no Juízo Local Cível do Porto.

4.

Em 26.04.2023 foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o articulado de oposição, com a seguinte fundamentação e dispositivo:

[A requerida foi notificada por carta registada com aviso de recepção, na sua própria pessoa, a 28 de Março de 2023.

A oposição deu entrada em juízo em 20 de Abril de 2023.

Ora dispõem os arts. 15.º-F do NRAU que o prazo para deduzir oposição é de   15 dias, prazo que não se suspende durante as férias nem está sujeito a qualquer dilação; o prazo para arguir a nulidade da citação é o mesmo prazo previsto para a dedução de oposição, tal-qual decorre do disposto no art. 191.º, n.º 2, do nCPC.

Assim, atento o exposto, cumpre concluir ser a dedução da oposição intempestiva.

Não é a circunstância de o requerido anunciar serem as excepções invocadas de conhecimento oficioso que o desobriga do cumprimento dos prazos legais. As mesmas, sendo efectivamente do conhecimento oficioso, são conhecidas se e na medida em que no processo se preveja um momento próprio para o julgador as apreciar e se o julgador não as conhecer, não pode a parte, a todo tempo, invocar ainda tal fundamento de defesa a pretexto de que o conhecimento é oficioso.

Ora, no procedimento especial de despejo, o requerimento inicial está sujeito à apreciação liminar do escrivão do BNA, a quem cabe recusar o requerimento nas hipóteses previstas nas alíneas a) a j) do n.º1 do art. 15.º-C do NRAU. Fora desse controlo, cabe à parte pelo meio próprio e no tempo oportuno exercer a sua defesa: o procedimento só deve ser remetido a juízo se a oposição for apresentada tempestivamente. Ou seja, não está prevista uma remessa a juízo prévia à formação do título de desocupação para controlo de eventuais vícios formais, processuais ou materiais.

Ora, se não obstante não existir controlo judicial da pretensão – como existe na acção comum – o requerido pudesse a todo o tempo deduzir oposição, então careceria de sentido a previsão daquele prazo peremptório de 15 dias.

E tanto assim é, estando o procedimento delineado para agilizar os litígios em matéria de arrendamento, colocando todo o ónus da defesa sobre o requerido e sem intervenção do julgador (limitando-se o controlo oficioso aos fundamentos de recusa a que alude o referido art. 15.º-C, salvo se for deduzida oposição), que, formando-se título executivo, nem sequer há lugar a oposição à execução. É o que resulta do disposto no art. 15.º-J, n.º 6, do NRAU.

Assim, não tendo a requerente deduzido a oposição em prazo, cumpre indeferir a mesma liminarmente.

Pelo exposto, indefiro liminarmente a oposição deduzida pela requerente e determino a devolução dos autos ao BNA para prosseguimento da tramitação legal.

Custas a cargo da requerente.]

5.

Inconformada com o decidido pela 1.ª instância, a Ré CC interpôs o presente recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

1ª. Discordou a Ré com o conteúdo do despacho notificado pelo ofício com a Refª 447748958, pois entende que deveria a secretaria do BNA ter recusado o recebimento do requerimento inicial e o Tribunal a quo deveria de ter conhecido das exceções dilatórias e nulidades de conhecimento oficioso;

2.ª No despacho, veio o tribunal afirmar que ‘’ no procedimento especial de despejo, o requerimento inicial está sujeito à apreciação liminar do escrivão do BNA, a quem cabe recusar o requerimento nas hipóteses previstas nas alíneas a) a j) do n.º 1 do artigo 15º-C do NRAU.’’;

3.ª E, demonstrou a Requerente que, o requerimento inicial padecia de vício, por não cumprir com o artigo 15º- B, n.º 2, al. h);

4.ª Pelo que deveria ter sido recusado pela secretaria (artigo 15º-C, nº1, al i);

5.ª O que corresponde a uma violação da lei e, consequentemente uma nulidade;

6.ª Afirmou ainda o despacho, salvo o devido respeito, erroneamente que, ‘’ Fora desse controlo, cabe à parte pelo meio próprio e no tempo oportuno exercer a sua defesa.’’;

7.ª Errada está essa afirmação, dado que, a ineptidão da petição inicial é, segundo o artigo 196º do CPC de conhecimento oficioso;

8.ª Sendo que, também o é o erro na forma do processo nos termos do artigo 193º, em conjugação com o artigo 196º, todos do CPC;

9.ª Que foi invocado, visto que, não poderia ser utilizada a ação especial de despejo, devido a estar a senhoria em incumprimento dos requisitos fiscais;

10.ª Ademais, existe falta de legitimidade do mandato, por procuração sem reconhecimento ou autenticação da assinatura;

11.ª O que viola o artigo 43º, al.a) do CPC e a lei notarial;

12.ª Pelo que interveio DD sem legitimidade para tal;

13.ª Consistindo tal facto uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e que leva à absolvição da instância, como refere o artigo 577º, al. e) do CPC;

14.ª Ao que acresce que, há uma ilegitimidade da Requerente no processo inicial, por estar sozinha em juízo;

15.ª Violando o disposto no artigo 34º, e o direito processual do seu cônjuge;

16.ª Pelo que, também aqui se verifica uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da Ré da instância;

17.ª De todo o modo, o processo encontrava-se em posse do tribunal a quo, levando a cabo a secretaria o disposto no artigo 15º-H, nº 4 do NRAU;

18.ª Pelo que, devia esse ter decidido sobre das exceções dilatórias e nulidades em despacho liminar.

19.ª E sempre, sem prescindir, o NRAU não prevê o que acontece em relação às nulidades observadas pela secretaria e as por ela efetuadas, sem serem averiguadas;

20.ª Uma vez que, não há um momento próprio neste tipo de procedimento para o julgador as apreciar;

21.ª Como se garantirá, assim a tutela efetiva jurisdicional, prevista no artigo 20º, n.º 4 da CRP?;

22.ª Se, se admite um erro ou lapso por parte da secretaria, que anulava todo o processado, como poderá haver igualdade processual?;

23.ª Tendo o Tribunal tido, ademais, oportunidade para conhecer as exceções e nulidades e não o fez no caso em apreço;

24.ª Pelo que, se conclui que a decisão do Tribunal a quo, não pode ser aceite pela Ré, uma vez que ataque os seus direitos e garantias, mas também ataca de forma colossal a justiça.

25.ª Termos em que, a decisão proferida viola os supracitados preceitos legais e atenta contra o Direito Constitucional à Tutela Efetiva jurisdicional da Recorrente, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que, reconhecendo a validade dos argumentos esgrimidos pela Recorrente no seu articulado anterior, reconheça as apontadas nulidades do Processo Especial de Despejo, anulando tudo o que nele foi subsequentemente processado.

6.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, a questão que importa apreciar e decidir neste recurso cinge-se em saber se a decisão recorrida deveria ter apreciado e decidido as questões invocadas pela Ré no articulado de oposição, por serem de conhecimento oficioso, não obstante a intempestividade da apresentação daquele articulado.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

A factualidade relevante para a decisão reconduz-se aos trâmites processuais de que damos sumariamente conta no relatório supra.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

Em primeiro lugar, importa dar nota que a Apelante aceita a decisão recorrida na parte em que julgou que a oposição da Ré/Apelante foi apresentada no BAS para além do prazo de 15 dias previsto no art. 15.º - F, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

O que a Recorrente não aceita, e como tal impugna, é que não obstante a prática do ato de defesa para além do dito prazo legal, a 1.ª instância tinha o dever de apreciar e decidir as questões suscitadas na oposição, por serem de conhecimento oficioso do tribunal.

Afigura-se-nos patente o equívoco da Apelante.

O “procedimento especial de despejo”, enquanto “meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”, corre obrigatoriamente termos no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, sendo que a intervenção do tribunal apenas tem lugar se e na medida em que seja suscitada uma questão sujeita a decisão judicial, o que sucede com especial propriedade quando é deduzida oposição (cf. arts. 15.º, nºs 1 e 9, 15.º-A e 15.º-H, n.º 1, todos do NRAU).

Trata-se de um procedimento composto por três fases: a fase injuntória, de natureza administrativa, em que o título se forma por inversão do contraditório perante o BAS; a fase contenciosa, em que há um processo judicial, iniciado após convolação da instância em caso de oposição do requerido e que corre perante um juiz a quem os autos serão distribuídos; e a fase executiva, destinada à realização coativa do direito à entrega do locado, tendo lugar após a formação de título executivo[2].

A suscitação de qualquer “questão sujeita a decisão judicial” está naturalmente sujeita a regras, entre as quais as atinentes a prazos processuais, sendo por demais sabido que o não cumprimento destes, imputáveis à parte interessada, faz precludir a possibilidade da prática dos correspondentes atos (cf. art. 139.º, n.º 3, do CPCivil).

No caso que nos ocupa, o que justificou a intervenção do tribunal foi unicamente a apresentação de articulado de oposição por parte da Requerida/Apelante, ato hipoteticamente adequado a despoletar a dita fase contenciosa. Só que tal ato, por ser intempestivo, não é passível de ser considerado, sendo insuscetível de produzir qualquer efeito. Não podendo ser atendido para qualquer efeito, naturalmente não poderá o tribunal apreciar e conhecer do mérito das questões por via dele suscitadas, independentemente da natureza das mesmas, levando a que o procedimento se mantenha na sua fase injuntória (não contenciosa).

Importa ter presente que o conhecimento oficioso de qualquer questão apenas poderá ter lugar quando o tribunal se encontre legitimado a intervir para resolver um conflito de interesses (cf. art. 3.º do CPCivil), não sendo o caso dos autos, ao menos na fase processual em questão, em virtude de não oposição válida por parte da Requerida ao PED.

Nenhuma censura nos merece, pois, a decisão recorrida, que consideramos ter feito boa aplicação do direito, plenamente consentânea com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, presente no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

2.2.

Tendo dado integralmente causa às custas do recurso, a Apelante é por elas responsável, sem prejuízo da dispensa de pagamento por via do instituto do apoio judiciário (arts. 527.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais).

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, decidimos:
a) Manter a decisão recorrida;
b) Atribuir à Apelante a responsabilidade pelas custas do recurso, sem prejuízo da dispensa de pegamento de que possa beneficiar por via do instituto do apoio judiciário.


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Porto, 20 de fevereiro de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Anabela Dias da Silva
Márcia Portela
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[1] São deste Código todas as normas doravante citadas sem menção diversa.
[2] Cf. RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1169.