IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EMPREITADA
NULIDADE
EFEITOS
Sumário


I - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
II - No âmbito dessa apreciação, ao Tribunal da Relação incumbe formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e que são objeto de impugnação, tendo para o efeito amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, podendo socorrer-se, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, não estando adstrito quer aos meios de prova que foram indicados pelas partes quer aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.
III - A decisão da matéria de facto pode apresentar «patologias» que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, sendo que em tais «patologias» enquadra-se a deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada ou não provada, de algum (ou alguns) facto essencial (ou principal) da causa que tenha sido alegado pelas partes.
IV - O vício formal de deficiência da decisão de facto, tal como os vícios formais de obscuridade e de contradição da mesma decisão de facto, estão expressamente previstos na alínea c) do nº2 do art. 662º do C.P.Civil de 2013.
V - Do primeiro segmento normativo do art. 662º/2c) parece resultar que a deficiência da decisão de facto tem, como consequência, a anulação do julgamento (“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância”). Porém, atendendo ao teor do segundo segmento normativo (“quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”), dúvidas não existem de que o Tribunal da Relação, verificando a existência do vício da deficiência da decisão de facto (ou dos vícios da obscuridade ou da contradição), poderá/deverá supri-los a partir dos elementos que constam do processo e/ou da prova gravada.
VI - A alteração oficiosa da matéria de facto pelo Tribunal da Relação com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição, quando constam dos autos todos os elementos de prova foi considerada conforme com a Constituição (ou seja, não está afectada do vício da inconstitucionalidade) pelo Ac. do TC de 08/07/2009 [embora tal aresto se tenha pronunciado sobre o art. 712º/1a) e 4 do C.P.Civil na versão anterior a 2013, o respectivo entendimento tem plena aplicabilidade ao disposto no art. 662º/2c) do C.P.Civil de 2013, porque este normativo é idêntico ao daquele antigo art. 712º/1a) e 4]
VII - A catalogação (qualificação) de um contrato como pertencendo a um determinado tipo contratual, necessária para determinar qual o regime jurídico aplicável e regulador, constitui uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente. E constitui matéria de direito sobre a qual o Tribunal se pode pronunciar livremente (cfr. art. 5/3º do C.P.Civil de 2013), sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado.
VIII - O contrato de empreitada reveste uma natureza sinalagmática, importando obrigações para ambas as partes: para o empreiteiro, a obrigação de (mediante um correspectivo - o preço) a realização da obra que se comprometeu a efectuar; para o dono da obra, a obrigação de (mediante o correspectivo de obter a obra - o resultado - que encomendou e pretende) pagar o preço.
IX - A onerosidade é um elemento essencial do contrato de empreitada, porque deste tipo contratual emerge necessariamente para o dono da obra a obrigação de pagamento de um preço, o qual constitui a contrapartida (a retribuição) do empreiteiro pela execução da obra. Não existindo a obrigação de pagamento do preço, pode existir um contrato, designadamente de prestação de serviço, mas nunca pode constituir um contrato de empreitada.
X - Importa atentar que a obrigação de pagamento de um preço (retribuição do empreiteiro) que emerge do contrato de empreitada para o dono da obra não se confunde com a fixação do preço que deve ser pago: essencial à existência de um contrato de empreitada é que, para além do mais, do acordo celebrado entre as partes nasça a obrigação do dono da obra pagar um valor («um preço») ao empreiteiro como contraprestação pela realização da obra; já a determinação de qual é esse valor preço, caso não tenha sido definido por acordo das partes no momento da celebração do contrato, pode emergir de um acordo posterior ou pode vir a ser fixado de acordo com as regras estabelecidas no citado art. 883º do C.Civil (por via da remissão do art. 1211º/1 do mesmo diploma legal).
XI – Para o contrato de empreitada de obra particular, o Legislador consagrou no art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004, de 09/01, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº18/2008, de 29/01, um regime legal específico por força do qual a exigência da forma escrita contida no nº1 constitui uma formalidade ad substantiam, sem a qual o negócio não é válido, e a nulidade imposta no nº4, prevendo que a preterição da forma legal escrita apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, tratando-se, assim, de uma nulidade atípica, que só pode ser arguida pelo dono da obra e que tem como pressuposto a consolidação do negócio na ordem jurídica se não for invocada, tendo a natureza de uma invalidade mista. O art. 26º do Dec-Lei nº41/2015, de 03/06 (diploma este que revogou aquele Dec.-Lei nº12/2004) continuou a dispor no mesmo sentido do citado art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004.
XII – Uma vez que, em geral, o contrato de empreitada a celebrar não depende da fixação do preço, mas que, quando tem como objecto uma obra particular, o Legislador exigiu que seja reduzido a escrito se ultrapassar certo valor e fez recair sobre o empreiteiro um especial ónus de assegurar e de certificar o cumprimento quer da exigência de forma escrita quer do conteúdo mínimo legalmente exigido (entre os quais se encontra o «valor do contrato» e não um concreto preço), afigura-se-nos que será de entender que, nos casos em que ainda não está fixado/determinado o preço do contrato que irá ser celebrado, é exigível ao empreiteiro que diligencie pelo apuramento de qual será valor do contrato (mesmo que seja um valor aproximando e possa não corresponder em absoluto ao preço a pagar a final), para o que terá concretizar e detalhar com maior precisão quais serão os trabalhos a realizar (uma vez que a «identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver» são um dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido), quais serão os prazos da sua execução (que constituem outro dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido) e quais são as formas e os prazos de pagamento (que representam outro dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido). Só através deste tipo actuação diligente o empreiteiro pode efectivamente cumprir o ónus que lhe é imposto no nº2 citado art. 29º, designadamente verificar se o valor do contrato ultrapassa ou não o montante a partir do qual o contrato tem obrigatoriamente que ser reduzido a escrito.
XIII - No caso de nulidade de um contrato de empreitada, por força do disposto no art. 289º/1 do C.Civil, incumbe ao dono da obra a obrigação de restituir ao empreiteiro tudo o que este lhe prestou na execução desse contrato. Porém, caso não seja possível a devolução em espécie, então deve ser restituído ao empreiteiro o «valor correspondente».
XIV – A expressão «valor correspondente» consagrada na parte final do nº1 do art. 289º do C.Civil não permite uma interpretação no sentido de não incluir a «margem de lucro», porque não tem qualquer correspondência verbal na letra da lei (cfr. art. 9º/2 do C.Civil) e uma vez que um contrato nulo não corresponde a um «nada jurídico» nem um «acto inexistente».
XV – Não ficando provado que o empreiteiro está isento de IVA nem nada ficando provado sobre o preço estipulado/convencionado pelas partes, o valor do IVA não deve ser excluído do «valor correspondente» a restituir àquele como efeito da nulidade do contrato.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO[1]

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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

A Autora EMP01..., SA instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra os Réus AA e mulher, BB,  pedindo que: «1º - que o Tribunal condene solidariamente os RR. a pagarem à A., a referida quantia de 94.701,41 Euros, com IVA incluído, acrescida dos juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, computados nos termos do disposto na Portaria n.º 597/2005, a título do preço que a Autora normalmente praticava no momento em que as obras/ trabalhos/equipamentos e materiais foram executados e prestados aos RR. ou, na insuficiência destas regras, que o Tribunal determine o preço segundos juízos de equidade ou, se ainda assim se não entender o valor real e efetivo das obras, trabalhos, equipamentos e materiais fornecidos, condenando-se os RR. ao pagamento do respectivo valor e juros; 2º- A título subsidiário, pede-se que a presente acção seja julgada provada e procedente, e, por via dela, serem os Réus solidariamente condenados a pagarem à Autora a quantia de 94.701,41 Euros (IVA incluído), a título do preço real das obras, mão de obra, materiais e equipamentos fornecidos pela A. aos RR, correspondente ao preço da empreitada, acrescida dos juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, computados nos termos do disposto na Portaria n.º 597/2005; 3º - Se assim o Tribunal não entender, a título subsidiário, pede-se que o Tribunal, segundo juízos de equidade determine, fixe e condene os RR. a pagar solidariamente à autora o valor das referias obras, trabalhos e materiais, sem prejuízo dos juros calculados em 1º supra, que àquele título apurar; 4º-Ainda a título subsidiário e para a eventualidade de ser julgado nulo, por falta da forma legal o aludido contrato de empreitada, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 289º do Código Civil, por se não mostrar possível a restituição em espécie dos invocados trabalhos, obras e materiais, pede-se que os RR. sejam condenados solidariamente a pagar à Autora, o montante referido em 1º supra, acrescido dos juros computados pelo modo aí referido; 5º- Para a eventualidade de improcedência da acção fundada na existência ou na invalidade do invocado contrato de empreitada, pede-se que os RR., a título de enriquecimento sem causa, sejam solidariamente condenados a pagarem à Autora a quantia de 94.701,41 Euros com IVA incluído, acrescida dos juros legais vincendos, calculados pelo modo referido em 1º supra, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «dedica-se ao exercício da actividade de construção de edifícios (Moradias e Apartamentos), aluguer de equipamentos para a construção civil, promoção, mediação, angariação e gestão imobiliária, em diversas cidades do País; a sociedade comercial EMP02..., Lda, mediante deliberações adotadas por todos os seus sócios, em Assembleia Geral realizada no dia 31/10/2018, procedeu à alteração da sua designação e foi transformada na Autora, tendo ficado com a totalidade do património da referida sociedade, designadamente com a totalidade dos seus créditos (todo o activo) de que esta era titular; entre a referida sociedade EMP02..., Lda e o R. marido, no ano de 2011, foi celebrado, por forma oral, um contrato de empreitada mediante o qual aquela sociedade, se obrigou a realizar para os RR. as obras, trabalhos, fornecimentos de materiais e equipamentos referidos nos artigos 9º e 10º da petição, no prédio urbano dos RR., sito na Rua ..., Quinta ..., concelho ..., mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global; o R. marido, ao tempo da celebração do contrato de empreitada e sua integral execução, era prestador de serviços para a referida sociedade no âmbito de um protocolo em que os colaboradores da EMP03... prestavam serviços àquela; a sociedade EMP02... Lda executou para os Réus, obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do prédio urbano dos RR, (habitação unifamiliar) cujo preço real e efectivo importou no valor global de 94.701,41 Euros, com IVA incluído, e que ocorreram em duas fases, entre Fevereiro a ../../2011 e no período de tempo compreendido entre ../../2014 a ../../2016; os RR. aceitaram a realização dos trabalhos obras, materiais e equipamentos fornecidos, tendo aceitado a obra, executada na data da sua conclusão de ../../2016, tendo-os fiscalizado directamente, e jamais denunciaram, quer à sociedade EMP02... Lda., quer à A., a eventual existência de qualquer vício ou defeito; mediante carta expedida pela A. em 06/02/2020, e recebida pelos RR. no dia 11/02/2020, acompanhada do auto com a discriminação dos trabalhos realizados, aquela endereçou ao R. marido a factura nº ...0 no valor global de 94.701,41 Euros relativa ao preço apurado dos trabalhos de construção civil, solicitando a liquidação do valor no prazo de 30 dias a contar da data da recepção da carta; o Réu marido não aceitou proceder ao pagamento do valor, tendo comunicado, por escrito, à Autora não lhe ser devedor de qualquer quantia e a qualquer título; a realização das referidas obras, trabalhos, fornecimento de materiais e equipamentos foi feita com pleno conhecimento e consentimento da Ré mulher, tendo o Réu marido agido no âmbito e dentro dos limites dos seus poderes normais de administração; a R. mulher assistiu e acompanhou a execução de todos os trabalhos e definiu, perante a Autora e seus colaboradores, pormenores da execução dos mesmos; tais obras e trabalhos tiveram, por fim, satisfazer interesses de conforto, reconstrução, beneficiação, melhoria, segurança e amplificação da moradia habitacional onde os Réus residem, e foram aceites pelos mesmos Réus e visaram satisfazer ainda interesses económicos dos Réus, por via da valorização do seu imóvel; as aludidas obras, trabalhos, materiais e equipamentos fornecidos pela A aos RR foram realizadas na constância do matrimónio dos RR; a quantia referida integra dívida que responsabiliza ambos os cônjuges; a entender-se, eventualmente, que as partes intervenientes no negócio, não determinaram o preço, nem convencionaram o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticaria à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo Tribunal, segundo juízos de equidade; a não proceder a invocada causa de pedir e o pedido de condenação no preço apurado, sempre ocorreria manifesto enriquecimento sem causa, a favor dos Réus; sem causa justificativa, os Réus, enriqueceram na medida do valor correspondente ao preço de mercado das obras, trabalhos, mão-de-obra, materiais e equipamentos que a sociedade EMP02... Lda, lhes prestou, e forneceu, no indicado valor de 94.701,41 Euros, com IVA incluído; dada a natureza da obra executada e a sua incorporação no aludido prédio, pertença dos RR., a restituição em espécie (a restituição daquilo com que os RR. injustificadamente se locupletaram), não se torna possível, pelo que à Autora, assiste a receber dos RR. o valor correspondente».
Os Réus contestaram, pugnando por: «a) Ser julgada procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, dando lugar à absolvição dos Réus da instância, nos termos do disposto nos artigos 576º nºs 1 e 2 e 577 alínea e) do CPC; b) Seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, BB, dando lugar à absolvição da instância da mesma, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 576º nºs 1 e 2 e 577 alínea e) do CPC; c) Sejam julgadas procedentes as excepções peremptórias de nulidade do contrato de empreitada, inexistência de contrato de empreitada, abuso de direito e prescrição, com a consequente absolvição dos RR dos pedidos contra si formulados, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 576º nºs 1 e 3 e 579º do CPC; d) Caso assim não se entenda, o que não se concede, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada, com base na impugnação apresentada e, consequentemente, serem os RR absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial»
Fundaram a defesa, essencialmente, no seguinte: «os pedidos formulados em 1), 2) e 3) são incompreensíveis e sem qualquer articulação entre si e são ininteligíveis; o pedido formulado em 4) está em manifesta contradição com a causa de pedir, a qual tem por base a existência de um verdadeiro contrato de empreitada, sendo inadmissível e incompatível com os demais pedidos formulados, encontrando-se legalmente vedado à suposta sociedade empreiteira vir invocar a nulidade do contrato de empreitada; é inepta a petição inicial; a Autora não procedeu à junção aos presentes autos do eventual contrato de empreitada devidamente redigido a escrito e assinado pelas partes, nem de qualquer outra prova documental de força superior assinada ou subscrita pelas partes que comprove a existência de um contrato de empreitada e das condições e termos do negócio que supostamente foram estabelecidos entre as mesmas; mesmo que se viesse a considerar que entre as partes tinha sido celebrado um contrato de empreitada, tal contrato seria sempre nulo por falta de forma, estando-se perante a exigência de apresentação de um documento “ad substantiam”, não sendo admissível qualquer outro meio de prova, nem testemunhal, nem por confissão; caso se viesse a comprovar que, efectivamente, entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada nulo por falta de forma, a Autora sempre se encontraria impossibilitada de incluir qualquer margem de lucro que obteria com o negócio, e em exigir aos RR o pagamento da quantia respeitante ao IVA e quaisquer quantias a título de juros vencidos, pelo que o valor eventualmente a liquidar pelos RR teria de ser igual e corresponder ao custo/valor das despesas efectivamente gastas pela Autora com a execução da referida obra; é falso que tenha sido celebrado qualquer contrato de empreitada entre as partes; o que foi acordado entre as partes (Autora e Réu marido), nada teve a ver com a celebração de um contrato de empreitada, mas sim, com um acordo no âmbito das relações laborais e profissionais que existiam entre ambos; o Réu foi contratado para desempenhar as funções de director financeiro das várias empresas do grupo, sendo que, no âmbito das negociações encetadas entre as partes, colocou-se a questão respeitante à sua residência, na medida em que, o Réu residia no ... e não dispunha de uma habitação em ... (local onde se encontravam sediadas as sociedades e residiam os accionistas do referido grupo empresarial); em Setembro de 2003, ficou acordado entre as partes que o Réu e a sua família passariam a residir em ..., num apartamento que lhe seria cedido pelo referido grupo empresarial, até que fosse encontrada uma solução definitiva, sem proceder ao pagamento de qualquer renda, porque o alojamento que era atribuído ao Réu sempre foi considerado como um custo, como uma responsabilidade a assumir pelas referidas entidades; em meados de 2011, os RR decidiram proceder à aquisição de um imóvel próprio para passarem a residir em ..., imóvel esse que necessitava de algumas obras de melhoramentos e de adaptação; os legais representantes da A. interpelaram o Réu no sentido da sociedade proceder à execução das referidas obras, apenas pelo seu respectivo custo (situação esta que já tinha acontecido anteriormente com outros trabalhadores); esta proposta foi aceite pelo Réu; ficou acordado entre as partes que a A. iria proceder às obras de melhoramentos e adaptação que se viessem a revelar necessárias, de forma faseada, de acordo com a sua disponibilidade, sendo que, as obras no interior seriam realizadas durante o ano de 2011, a fim de permitir que os RR passassem aí a residir e as obras no exterior seriam realizadas posteriormente, a partir de 2014; ficou igualmente acordado entre as partes que o Réu apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da referida obra; o trabalho realizado no imóvel dos Réus não tem qualquer correspondência com aqueles que são identificados nos documentos juntos aos presentes autos com a pi; a obra executada foi lançada na contabilidade a título de custo pelo montante de € 37.840,18 e tal valor foi integralmente liquidado pelo Réu; ao longo destes 9 anos, o Réu nunca foi interpelado para proceder ao pagamento de qualquer quantia divida; a Autora está a agir em manifesto abuso de direito, porque não só os factos invocados são uma falsidade, como a A. tem plena e total consciência de que os factos invocados não correspondem à verdade, tanto mais que os actos por si já praticados até à presente data, demonstram que estávamos perante uma situação já definitivamente resolvida e encerrada; já se encontra prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer com base no instituto do enriquecimento sem causa; e no caso sub judice se existe fundamento para que a A. venha invocar a nulidade do negócio, não pode ser colocada a questão da restituição baseada no enriquecimento sem causa porque a eventual destruição do negócio envolve a eliminação retroactiva do enriquecimento; nunca ocorreu qualquer aceitação da obra por parte dos RR, como nunca existiu qualquer acto de fiscalização da obra por parte dos RR; os Réus são casados sob o regime imperativo da separação de bens, e o prédio urbano em causa foi adquirido por ambos em regime de compropriedade».
A Autora replicou, pugnando por «a matéria da exceção, quer dilatória, quer material, ser julgada totalmente não provada e improcedente».
            Foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia e a fixar o valor da causa em € 94.701,41 e foi proferido despacho saneador, no âmbito da qual, para além do mais, se considerou não se verificar a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, se relegou para final o conhecimento as excepções peremptórias de «nulidade do contrato de empreitada, por vício de forma, decorrente da não observação da forma escrita prescrita pelo art. 26.º da Lei n.º 41/2015, de 9.1», de «inexistência de contrato de empreitada», de «abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium e supressio» e de «prescrição do direito da autora com base em enriquecimento sem causa, face ao prazo estatuído no art. 482.º do Cód. Civil», se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, na data de 11/07/2022, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena os réus a pagar à autora a quantia de 93.592,94 Eur. (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa civil aplicável, a contar da citação, e até integral pagamento, absolvendo os réus do mais peticionado”.
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1.2. Do Recurso dos Réus
Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso de apelação, pedindo que «seja dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência, a Sentença de 19/09/2022 (ref.ª ...93) seja: a) DECLARADA NULA para todos os efeitos legais, por (dupla) omissão de pronúncia, o que acarreta a sua nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alíneas c) e d) do Código de Processo Civil; Caso assim não se entenda ou as nulidades invocadas venham a ser supridas nos termos legais, b) INTEGRALMENTE REVOGADA e substituída por decisão deste Tribunal ad quem que julgue a ação improcedente», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“1.ª A Sentença proferida em 19/09/2022 julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou os ora Recorrentes, AA e mulher, a pagarem à Autora a quantia de € 93.592,94 (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros, e noventa a quatro cêntimos), com IVA incluído, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa civil aplicável, a contar da citação e até integral pagamento, e os absolveu do mais peticionado.
2.ª O Recurso tem por OBJETO a Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 19/09/2022 que:
a) quanto à apreciação das exceções de (i) inexistência de um contrato de empreitada ou de qualquer contrato; (ii) nulidade do contrato de empreitada; (iii) abuso de direito; e (iv) prescrição quanto ao pedido subsidiário de condenação, com fundamento no instituto de enriquecimento sem causa, que os Recorrentes suscitaram em sua contestação, conheceu das mesmas, fundamentou a sua posição, mas, malgrado, não proferiu decisão acerca das aludidas exceções;
b) quanto à apreciação da matéria de facto, o Tribunal a quo elencou 05 (cinco) factos que considerou não provados, mas não fundamentou, como devia, a decisão sobre a posição que assumiu, tendo se limitado a fazer uma formulação ("fundamentação"- será?) genérica;
c) quanto ao mérito, partindo do entendimento que estava em causa um contrato de empreitada verbal, julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou os Réus, ora Recorrentes, a pagarem à Autora, ora Recorrida, a quantia de € 93.592,94 (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa civil aplicável, a contar da citação, e até integral pagamento. No mais, absolveu os Recorrentes dos restantes pedidos.
3.ª . O Recurso tem os seguintes FUNDAMENTOS:
a) Fundamento 1: Nulidade da Sentença:
(i) por omissão de pronúncia decorrente da ausência de decisão quanto às exceções, violando assim o disposto no artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e os artigos 152.º n.º 2, 607.º n.º 3 parte final e 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). Deste modo, ao não decidir sobre matéria relativamente à qual deveria ter tomado posição expressa, a Sentença padece de vício que a fere de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC; e,
(ii) por omissão de pronúncia decorrente da ausência de fundamentação para qualificar os 05 factos como não provados, violando, assim, o disposto no 607.º n.º 4 do CPC. Deste modo, ao não fundamentar devidamente a qualificação dos cinco factos que deu como provados, a Sentença padece de vício que a fere de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC; Nulidades estas que no caso em apreço devem (só podem) ser arguidas perante este Tribunal ad quem (artigo 615.º n.º 4 do CPC), sem embargo do disposto no artigo 617.º do CPC.
b) Fundamento 2: Erro de julgamento quanto à matéria de facto – a Sentença em Crise incorre em claro erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto, que não pode ser admitido. Em razão disso, deve proceder-se à alteração da matéria de facto com base na reapreciação da prova, incluindo da prova gravada nos termos seguintes:
(i) a Sentença Recorrida errou, ao não considerar um conjunto claro de prova produzida, infra melhor discriminada, e que implica a modificabilidade e precisão dos factos de pontos 2, 3, 4, 5, 7, 8 e17 dados por provados, sendo que os mesmos, nos termos e para os efeitos do 662.º n.º 1 do CPC, sempre devem manter-se como provados, mas com alteração parcial do seu conteúdo;
• Relativamente ao facto provado de ponto 2 deve ser alterado parcialmente o seu conteúdo, para “São seus administradores desde 26de ../../2020 CC, presidente do respetivo Conselho de administração, e DD, vogal daquele mesmo órgão, os quais substituíram EE e FF, os quais renunciaram ao cargo a 15.05.2020 e a 31.01.2020, respetivamente”. A alteração é necessária atendendo, nomeadamente à certidão comercial da Recorrida;
• Relativamente ao facto provado de ponto 3 deve ser alterado parcialmente o seu conteúdo, para “Tal sociedade foi constituída em1981 com a “EMP02..., Lda”. Em cumprimento de deliberação de 21/04/2018 foi implementada uma cisão simples da sociedade com destaque de parte do seu património para constituir a sociedade “EMP02..., LDA” (NUPC ...54); posteriormente, mediante deliberações tomadas a 31/10/2018, procedeu-se ao aumento do capital social, à transformação da sociedade de quotas para sociedade anónima, à alteração da firma para “EMP01..., SA” e a nomeação do conselho de administração, tendo o Sr. CC, CC e a Sra. FF sido nomeados para o conselho de administração para o quadriênio 2018/2021, o que foi levado a registo através da Insc. 6 AP. ...23 e Insc. 7 AP. ...16;”. A alteração é necessária atendendo, nomeadamente á certidão comercial da Recorrida;
• Relativamente ao facto provado de ponto 4 deve ser alterado parcialmente o seu conteúdo, para “A sociedade, com firma inicial “EMP02..., Lda”, iniciou a sua atividade e giro comercial em 1981, o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida pelo Sr. GG e a outra pelo Sr. CC, ambos únicos gerentes da sociedade que se vinculava com a assinatura destes 2gerentes, situação esta que se manteve até ../../2018, data em que o Sr. GG renunciou à gerência, tendo na mesma data sido nomeado em sua substituição CC, situações levadas a registo através da Insc. 1 Ap. ...03 e respetivo Av. ..., ....”. A alteração é necessária atendendo, nomeadamente á certidão comercial da Recorrida;
• Relativamente ao facto provado de ponto 5 deve ser alterado parcialmente o seu conteúdo, para “Entre a referida sociedade e o réu marido foi celebrado, no ano de 2011, e por forma verbal, um acordo através do qual a primeira se obrigou a realizar as obras, trabalhos, fornecer materiais e equipamentos referidos nos arts.º 9.º e 10.º da petição inicial, no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ..., sem que tivessem fixado o preço e/ou critério para a sua determinação, prazo ou forma de pagamento. Só após a conclusão da obra o critério foi estabelecido unilateralmente pela autora, devendo o réu marido suportar 50% dos custos apurados com a obra.”. A alteração é necessária atendendo ao e-mail de 26/12/2016 (Documento ... junto na sessão da audiência de julgamento de 27/06/2022) e aos depoimentos: .....);
• Relativamente ao factos provado do ponto 7 deve ser alterado parcialmente o seu sentido e/ou conteúdo, para “7. A “EMP02... Lda.”, no âmbito das obrigações a que se vinculou, executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, tendo após a conclusão das obras, a Recorrida/EE fixado que o valor a pagar pelo réu marido seria correspondente à 50% (cinquenta por cento) dos custos incorridos com o pessoal e equipamentos pela Recorrida para a realização da obra, cujo valor apurado para este efeito foi de € 37.840,18 (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos), conforme constava na contabilidade da Recorrida, independentemente do valor total e global de todos os custos (100%) incorridos com a obra.”. A alteração é necessária atendendo ao email de 26/12/2016 (junto na audiência de 27/06/2022) e ao depoimento do Sr. EE ...ao Relatório e Contas do exercício de 2018 (junto como Documento ... ao requerimento probatório dos Recorrentes); depoimento da testemunha HH ... do depoimento da testemunha HH, gravado no sistema Habilus sob n.º 20220627150935_5831221_2870509); o depoimento da testemunha GG, ...; ao Depoimento de II ...; ao depoimento do Sr. CC ....ao depoimento de CC .....
• O facto provado de ponto 8 dos factos provados deve ter o seu conteúdo alterado quanto aos períodos de realização das obras, para “8. Tais obras e trabalhos ocorreram em duas fases, ou seja, em datas indeterminadas no período compreendido entre fevereiro e ../../2011 (1ª fase), e, em datas indeterminadas no período compreendido entre ../../2014 a ../../2016 (2.ª fase).” A alteração é necessária atendendo: ao Documento n.º ... (denominado de “cronologia dos trabalhos”); aos Documentos ...8 e ...9 da PI (fatura ...0 e listagem de trabalhos); depoimento da testemunha JJ ...;
• O facto provado de ponto 17 deve sofrer alteração parcial no seu conteúdo para: “17. Tais obras e trabalhos visaram satisfazer interesses de conforto, beneficiação, melhoria, segurança e amplificação da moradia habitacional onde os réus residem.”. A alteração é necessária atendendo: ao relatório da perícia e ao depoimento dos peritos (vd. minutos 00:10:36-00:17:01, gravado no sistema Habilus sob 20220627094313_5831221_2870509). (ii) a Sentença Recorrida errou, ao apreciar deficitariamente o facto do ponto 14 por provado, não o entendendo em toda a sua extensão e não retirando, daí, as necessárias conclusões lógicas, sendo que o mesmo, nos termos e para os efeitos do 662.º n.º 1 do CPC, sempre deve ser dado como não provado.
A alteração da qualificação do facto provado de ponto 14, para ser dado por não provado é necessária atendendo aos seguintes documentos juntos aos autos: Relatório e Contas do exercício de 2018 junto como Documento ... ao requerimento probatório dos Recorrentes de 26/11/2020 (ref.ª citius ...87), e os seguintes Documentos juntos na sessão de julgamento de 27/06/2022: (a) quadro com listagem demonstrando a evolução do salário do Recorrente marido junto das empresas do ex EMP04... ao qual a Recorrida pertencia e 06 (seis) cheques que demonstram que o Recorrente marido sempre recebeu prémios; (b) e-mails de 26/12/2016 - um do Eng II ao Recorrente marido indicando o critério de fixação do preço e outro deste aos sócios gerentes da Recorrida dizendo que quando os mesmos tivessem disponibilidade estava disponível para fazer as contas; e, (c) Extrato Patrimonial - Movimentação de conta de depósito à ordem n.º ...81 (conta DO) do Recorrente marido no Banco 1..., acompanhado de 03 (três) cheques de 29/09/2015, dois deles no valor de € 10.000,00 e um no valor de € 8.000,00 e de 03 (três) declarações de quitação assinadas pelos dois gerentes da Recorrida na altura (ref.ª citius ...31); aos documentos ... e ... junto aos autos com o requerimento de 26/11/2020 . Ainda, aos depoimentos do.... ...., devendo, assim, ser dado como não provado que “Até à data os réus não pagaram qualquer valor à autora”.
(iii) sem prejuízo da nulidade invocada quanto à falta de fundamentação relativa aos 05 (cinco) factos dados por não provados, por dever de cautela de patrocínio, se assim não se entender, a Sentença Recorrida errou ainda, ao apreciar deficitariamente o factos de pontos 1, 2, 3, 4 e 5 dados por não provados, não os atendendo em toda a sua extensão e não retirando, daí, as necessárias conclusões lógicas, sendo que os mesmos, nos termos e para os efeitos do 662.º n.º 1 do CPC, sempre devem ser dado por provados. Assim, deve ser procedida a alteração da qualificação destes factos, dados por não provados, para passarem a ser provados, atendendo a seguinte prova produzida nos autos;
• O facto não provado de ponto 1 deve sofrer alteração da sua qualificação para provado, atendendo aos mesmos meios de prova acima enunciados para a alteração parcial do conteúdo do facto provado de ponto 5, que por questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, devendo, assim, ser dado como provado que, “O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações laborais e profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas”
• Os factos não provados de pontos 2 e 3 devem sofrer alteração da sua qualificação para provado. A alteração é necessária atendendo aos depoimentos ....devendo, assim, ser dado por provado que,
Facto de ponto 2: “Em Setembro de 2003, ficou acordado entre as partes que, o ora R. e a sua família passariam a residir em ...;”
Facto de ponto 3: “O alojamento do R. sempre foi considerado como um custo, como uma responsabilidade a assumir pela “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...”
• o facto não provado de ponto 4 deve sofrer alteração da sua qualificação para provado, atendendo aos mesmos meios de provam acima enunciados para a alteração da qualificação do facto provado de ponto 14, que por questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, devendo, assim, ser dado como provado que, “Ficou acordado entre as partes que o R. marido pagaria a obra, conforme veio a ocorrer, através da entrega direta de numerário na empresa ou aos respetivos sócios”;
• o facto não provado de ponto 5 deve sofrer alteração da sua qualificação para provado, atendendo aos mesmos meios de provam acima enunciados para a alteração da qualificação do facto provado de ponto 14, que por questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, devendo, assim, ser dado como provado que, “A obra executada foi lançada na contabilidade a título de custo pelo montante de 37.840,18 Eur. (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) e tal valor foi integralmente liquidado pelo réu marido.”.
c) Fundamento 3: Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Direito – a Sentença em Crise incorre em claro erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de Direito, porquanto apreciou mal as questões colocadas á sua apreciação e, nesta medida, violou o disposto nos artigos 219.º, 224.º n.º 1, 230.º, 232º, 234.º, 236.º, 286.º, 289.º, 334.º, 354º alínea a), 364º, 393º nº 1, 400.º n.º 2, 473.º, 474.º, 479.º, 482.º, 762.º n.º 2 1207º, 1156º, 1167º do Código Civil (“CC”); o artigo 29.º do DL nº 12/2004, de 09/01 (aplicável na data em que as partes estabeleceram o acordo); os artigos 3.º alínea e) e 26º do DL nº 41/2015, de 03/06; a Portaria nº 21/2010 de 11/01; o DL nº 18/2008, de 29/01; os artigos 5.º, 118.º n.º 1 alínea a), 260.º, 261.º 411.ºn.ºs 2 e 3, 412.º, 405.º, 406.º, 408.º c/c 73.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”); os artigos 1.º n.º 1, 3.º n.º 1 alíneas a) e p) parte final do Código de Registo Comercial (“CRegC”); os artigos 258.º e 259.º do  Código do Trabalho e, ainda, de determinados institutos como o abuso de direito e da boa-fé que deve nortear a atuação das partes. Isto porque, e essencialmente, na Douta Sentença Recorrida foi decidido, além do mais, que existiu um contrato de empreitada verbal válido celebrado entre a Recorrida e os Recorrentes e que os Recorrentes devem à Recorrida por conta da obra realizada em seu Imóvel o valor de € 93.592,94 (IVA incluído), acrescido de juros civis à taxa lega, desde a citação.
4.ª Com efeito, a presente ação foi proposta no dia 02/09/2020, após a devolução pelo Recorrente marido, à Recorrida, da fatura da ...0 emitida a ../../2020 e do seu não pagamento. Fundamentalmente, a Recorrida alegou que, no exercício da sua atividade comercial durante o ano de 2011 celebrou com os Recorrentes um contrato de empreitada verbal, mediante o qual se comprometeu a realizar determinadas obras de remodelação e ampliação no Imóvel dos Recorrentes, mediante o pagamento da quantia de € 76.993,02 (setenta e cinco mil novecentos e noventa e três mil e dois cêntimos), acrescida de IVA.
5.ª Há dois factos incontroversos que resultam da prova produzida que contrariam não só a posição assumida pela Recorrida, bem como a decisão do Tribunal a quo: o primeiro facto é que a ora Recorrida não procedeu a junção aos autos de qualquer contrato, muito menos de um contrato de empreitada, sobretudo nos termos legalmente exigíveis (escrito e assinado pelas partes conforme determinado pelo DL n.º 12/2004, de 09 de janeiro e, pela Lei n.º 41/2015 de 03 de junho que revogou o referido Decreto Lei), nem, tão-pouco, de qualquer outra prova documental de força superior assinada ou subscrita pelas partes que comprove a existência de um contrato de empreitada, bem como, as condições e os termos do negócio que - supostamente - foram estabelecidos entre as mesmas; o segundo facto é que, como resultou provado, a Recorrida, através dois seus dois únicos sócios e gerentes na altura, Srs. EE e GG, acordou realizar a obra de acordo com a sua disponibilidade, sem visar lucro, deu início a mesma em fevereiro de 2011 sem fixar o preço e/ou o seu critério de determinação, prazo e forma de pagamento; mais resultou provado que, somente após a obra estar concluída, foi fixado o critério que determinou o valor que caberia ao Recorrente marido suportar pela obra; ainda, que o Sr. EE, sem qualquer oposição e com o conhecimento do Sr. GG, decidiu que a sociedade assumiria 50% dos custos com a produção, incluindo com o pessoal e os equipamentos, a título excecional, atendendo a posição profissional e dedicação do Recorrente marido, competindo a este pagar apenas os outros 50% destes custos. Entretanto, da prova produzida não se pode extrair que este acordo quanto ao percentual tenha sido sob qualquer condição, máxime o seu pagamento até determinada data.
6.ª Essencialmente e sem embargo de outras questões, na ação esteve em causa, e neste Recurso continua a estar em causa aferir:(a) existência, ou não, de dívida dos ora Recorrentes à ora Recorrida, por conta de obras de remodelação e de ampliação que esta realizou no seu Imóvel na Quinta ..., em ..., o que remete para as seguintes questões: (i) realização, ou não, do pagamento pelo Recorrente marido à Recorrida e, em que termos (na tese da Recorrida nunca foi feito qualquer pagamento; na dos Recorrentes, os € 37.840,18 constantes da contabilidade da Recorrida foram integralmente pagos, através de entrega de € 28.000,00 em dinheiro e o resto por compensação com créditos/direitos do Recorrente marido sobre a Recorrida/empresas do Ex-Grupo EMP02...; (ii) valor alegadamente devido pelos Recorrentes à Recorrida, por conta da obra realizada em dois períodos temporais: de fevereiro à ../../2011 (1.ª fase, na qual foi realizada quase a totalidade dos trabalhos) e, de ../../2014 a ../../2016 (2.ª fase) (defendendo a Recorrida que a dívida existe e ascende a € 94.701,41, IVA incluído [correspondente a 100% do custo da obra global], e os Recorrentes que inexiste qualquer dívida);
(b) legalidade da cobrança do referido valor ao Recorrente marido, considerando, sobretudo, decorridos que estavam cerca de 09 (nove) anos do início da realização da obra e 08 (oito) da conclusão da obra relativa à 1.ª fase da obra, que consumiu quase a totalidade dos custos;
(c) natureza do acordo/contrato que as partes celebraram e, no pressuposto de ter existido um contrato de empreitada verbal, o que os Recorrentes não admitem, mas, malgrado, entendeu o Tribunal a quo que assim o foi, validade do contrato por não ter sido reduzido à escrito; e, ainda, se se pode considerar que as partes estipularam um “preço” (elemento essencial relevante);
(d) possibilidade de os administradores em funções poderem alterar o que ficou decidido, de forma válida, pelos gerentes anteriores da Recorrida.
7.ª Quanto à factualidade relevante, em termos muito sintéticos, em 1999 o Recorrente marido, que na altura vivia no ... com a sua família, foi contratado para trabalhar como diretor financeiro em várias empresas do grupo que a Recorrida integrava, ex Grupo EMP02... (“Grupo EMP02...”), controlado pelos Srs. EE e GG (“Controladores”), então legais representantes da Recorrida, contexto em que também trabalhou para a Recorrida.
Era política do grupo pagar prémios anuais, o que o Recorrente marido sempre recebeu (cfr. cópia documentos juntos na audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2022). Com a crise, o pagamento de prémios deixou de ser feito com regularidade. Atendendo às respetivas funções, o Recorrente marido sempre esteve muito próximo dos Controladores, com quem trabalhava diretamente e estabeleceu uma relação pessoal e profissional de grande confiança e proximidade.
Em 2003, com base em acordo que estabeleceu com os mesmos, o Recorrente marido mudou-se com a sua família para ..., onde ficava a sede da maior parte das empresas do grupo e o seu principal centro de negócios. A mudança visou estar mais próximo dos Controladores, mais disponível para as empresas e, também, para evitar deslocações anti producentes entre ... e ..., onde passou a residir num apartamento da Recorrida até o final de 2011, sem pagar renda. Em 2009 os Recorrentes compraram uma moradia em ..., que apesar de ter condições de ser habitada, necessitava de alguma melhoria. Assim, entabulou conversações com os Controladores, para que a Recorrida fizesse as obras de melhoramento necessárias e ele e a família pudessem mudar para o Imóvel e libertar o apartamento da Recorrida e esta rentabilizar o seu imóvel. Neste contexto, foi informado ao Recorrente marido que as obras seriam realizadas na medida da disponibilidade da Recorrida, não tendo as partes acertado qualquer valor, forma e prazo de pagamento, tendo apenas o Sr. EE, legal representante da Recorrida, assegurado que não pretendiam obter lucro com a obra, e que após a sua conclusão veriam o melhor “preço”. Em fevereiro de 2011 foi dado início à realização dos trabalhos de remodelação e melhoramento do Imóvel sem que estivessem definidos preço, forma, prazo de pagamento, o que iria ser feito no Imóvel e, ainda o tempo que seria necessário para serem concluídas as obres de melhoramento do Imóvel.
8.ª Na medida em que a obra foi sendo realizada, os respetivos custos foram sendo lançados na contabilidade. Para a obra em causa nestes autos, foi criado um centro de custos próprio designado “Obra da ...”, tendo sido lançados custos no valor de € 37.840,18. Este foi sempre o valor que constou na contabilidade da Recorrida até o final de 219/início de 2020, altura em que os administradores da Recorrida mandaram lançar o valor total (100%) dos custos que, alegadamente, a Recorrida incorreu com a obra (€ 76.993,02). Na sequência, foi determinada a emissão da fatura ...0, no valor total de € 94.701,41 (IVA incluído), fatura esta que foi remetida para o Recorrente marido por carta datada de 06/06/2020, acompanhada de um auto com a descriminação dos trabalhos realizados no Imóvel dos Recorrentes. A esta carta o Recorrente marido deu resposta por carta datada de 11/02/2020, afirmando que não reconhecia a existência de qualquer dívida para com a Recorrida, e que a fatura e cobrança “não tem qualquer validade ou justificação quer no plano factual quer legal.”. Sucede que mais de três anos antes, a 26/12/2016, após a conclusão dos trabalhos em ../../2016, o Recorrido marido recebeu e- mail do Engenheiro da obra, Eng. II, acompanhado de um ficheiro com o custeio relativo aos trabalhos efetuados na “...” durante o período compreendido entre fevereiro e ../../2011 e entre ../../2014 e ../../2016 (ou seja, durante o período total da obra), sublinhando que os valores teriam que ser faturados naquela semana, “por motivo de alteração do sistema informático contabilístico das empresas do Grupo”. Mais sublinhou que “Foi combinado com o Sr. CC que, nas despesas relacionadas com o pessoal e equipamento, a EMP02... assumirá 50% do custo inerente a essas parcelas” acrescentando, por fim, que “Logo que, possas confirma se posso avançar com a emissão da fatura ou em que moldes podemos fechar as contas” (destaques nossos). Ato contínuo, o Recorrente marido reencaminhou este e-mail para os Srs. EE e GG, colocando-se disponível para analisar as contas – as do e-mail e as dele – quando os mesmos tivessem disponibilidade para tanto. Comparando o auto com a descriminação dos trabalhos remetido com a fatura de fevereiro de 2020, com os trabalhos e valores indicados no ficheiro que acompanhou aquele e-mail, os trabalhos e valores são exatamente os mesmos. (cfr. Documentos ...8, ...9 e ...0 juntos com a petição inicial – “PI”, Documento ... junto com a contestação e e-mail de 26/12/2016 junto na sessão de 27/06/2022, da audiência de julgamento).
9.ª A Recorrida foi constituída em 1981 pelos Srs. EE e GG, seus únicos sócios e gerentes, e obrigava-se com a assinatura de ambos. A obra foi realizada e o acordo quanto ao critério de pagamento dos serviços (50% dos custos) foi firmado na altura em que ambos eram gerentes da sociedade e que o Recorrente marido era seu colaborador (diretor financeiro, como de várias outras do ex Grupo). Sucede que, cerca de 09 (nove) anos após terem sido iniciados os trabalhos no Imóvel dos Recorrentes, com o acordo dos dois gerentes e, de decorridos mais de 03 (três) anos da conclusão da obra e de ter sido fechado o critério para o cálculo do valor que coube ao Recorrente marido (funcionário do Grupo e da Requerida) suportar por conta da obra e, de na sequência do e-mail de 26/12/2016 ter sido feito o acerto final dos valores considerando os 50% dos custos (critério de cálculo proposto pela Recorrida nesta altura e aceite pelo recorrente marido), veio a Requerida cobrar ao Recorrente 100% dos custos dos trabalhos que constavam já do e-mail de 2016, e que estavam pagos. Assim o foi porque o litígio dos autos se traduz numa injustiça para com os Recorrentes, e insere-se no contexto de uma disputa existente entre os controladores finais do EMP02..., a que os Recorrentes são alheios, disputa esta relacionada à partilha dos ativos que os Srs. EE e GG detinham em comum e resolveram partilhar. Na partilha a Recorrida ficou para o Sr. EE (por via da EMP01..., SA, sociedade da sua esfera pessoal). Assim, após ../../2018 a Recorrida foi submetida a vários atos societários: renúncia à gerência pelo Sr. GG em 27/03/2018, com correspondente assunção da gerência da sociedade por CC, filho do Sr. EE, cisão simples com destaque de parte do seu património para constitui a EMP02..., LDA (NUPC ...54), transmissão da quota pelo Sr. GG à EMP01..., SA, transformação do tipo societário, de LDA para SA, aumento do capital social, alteração da forma de a sociedade se obrigar e da estrutura de gestão (cf. certidão comercial da Recorrida junta na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 04/07/2022). Posteriormente, houve desentendimento entre os Controladores, estando em curso uma ação de execução específica (cf formulário da petição inicial junta como Documento ... da contestação), na qual o Recorrente marido foi arrolado como testemunha do Sr. GG.
Desde então, o Sr. EE passou a considerar o ora Recorrente como “aliado” do Sr. GG (“lacaio”, como referiu no depoimento que prestou na sessão de julgamento de 04/07/2022 – vd minutos 00:40:37- 00:40:42, gravado no sistema Habilus sob n.º 20220704114656_5831221_2870509).
10.ª A Sentença Recorrida peca por um verdadeiro erro de julgamento, ao considerar que, entre as partes foi celebrado um verdadeiro e efetivo contrato de empreitada, por forma verbal e, ainda, que o mesmo não padece de qualquer nulidade. Os recorrentes discordam  inteiramente de tal posição, porque, não só, nunca foi redigido a escrito qualquer documento denominado “contrato de empreitada”, como também, nunca foi trocada entre as partes qualquer correspondência através da qual seja possível aferir as condições e os termos da referida relação negocial. Ou seja, no caso em apreço, não foi proferida ou emitida qualquer declaração que possa ser qualificada como uma proposta contratual completa, precisa, firme e formalmente adequada, isto porque, nunca foram previamente determinados ou discriminados os trabalhos a realizar (os mesmos seriam executados à medida que fossem solicitadas pelos Recorrentes e de acordo com a disponibilidade da Recorrida), nunca foi estabelecido qualquer prazo para a execução das obras, nunca foi formalizado qualquer calendarização dos trabalhos, nunca foi fixado qualquer preço, nunca foram definidos os critérios para a fixação do valor a liquidar pelos Recorrentes, nunca foi elaborado qualquer orçamento, nunca foi elaborado qualquer mapa de trabalhos, nem tão-pouco, foi formalizada qualquer receção provisória ou definitiva da obra.
11.ª Acresce que, ao serem interpelados os legais representantes da Recorrida (à referida data, a sociedade Recorrida era representada pelo Sr. GG e pelo Sr. EE) sob tal matéria, os depoimentos dos mesmos foram extremamente claros, ao referir que, entre as partes nunca foi celebrado qualquer contrato de empreitada. Logo, é incompreensível como é que a Sentença Recorrida vem dar como provado que entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, quando não foi produzida qualquer prova documental nesse sentido e os legais representantes da Recorrida vem prestar depoimento em sentido totalmente oposto.
12.ª Por outro lado, caso se venha a considerar que, entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada (o que não se concede), é por demais evidente que, tal contrato seria nulo por falta de forma, isto porque, o DL nº 41/2015 de 03/06 (que veio revogar o DL nº 12/2014 de 09/01), vem determinar expressamente no art. 26º que, os contratos de empreitada de obra particular que ultrapassem 10% do limite fixado para a classe 1 (de acordo com a Portaria nº 21/2010, de 11/01, para a classe 1 o valor é até € 166.000,00) devem ser obrigatoriamente reduzidos a escrito.
Situação esta que, se verifica no caso sub judice, isto porque, contrariamente ao que se refere na Sentença Recorrida, na data do início dos trabalhos, apesar de não ser possível contabilizar o valor global do custo dos trabalhos, as partes tinham total e perfeita consciência de que o valor de tais obras iria exceder claramente o valor fixado para as empreitadas de categoria 1, tanto mais que, as obras de maior dimensão ocorreram na 1ª fase, enquanto que, as obras da 2ª fase foram meramente residuais e inócuas. Acresce que logo que as obras foram iniciadas os custos foram sendo lançados na contabilidade da recorrida,, que tinha total condição de verificar que tinha atingido o mínimo legal que impunha a obrigação de celebração de contrato escrito, existindo situação superveniente que conduziu ao cumprimento imediato da obrigação legal. Com efeito, atendendo à dimensão das obras que forma executadas ab initio, nessa data (2011/2012), foi de imediato ultrapassado o valor de € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), pelo que, não existia qualquer impedimento a que sociedade Recorrida, formalizasse tal relação por escrito, mediante a celebração do respetivo contrato de empreitada.
13.ª Acresce que, não só o ónus da formalização e certificação da redução a escrito de tal contrato recai sob a sociedade empreiteira, como também, estamos perante a exigência de apresentação de um documento “ad substantian”, pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 354º alínea a), 364º, e 393º nº 1 do Código Civil, a prova do referido contrato e dos demais elementos identificados no nº 1 do art 26º do DL nº 41/2015, de 03/06, incumbia à sociedade Recorrida e apenas poderia ser realizada por prova documental de força superior, não sendo admissível qualquer outro meio de prova, nem testemunhal, nem por confissão.
14.ª Cabe ainda referir que, conforme se pode comprovar pelos documentos contabilísticos já juntos aos presentes autos, os referidos trabalhos foram lançados na contabilidade da Recorrida, pelo montante global de € 37.840,18 (trinta e sete mil oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) e, de acordo com o e-mail datado de 26 de Dezembro de 2016, nessa data, foi comunicado ao Recorrente marido o custo global da obra executada e o acordo alcançado entre os legais representantes da EMP02..., no sentido de apenas ser faturado aos  Recorrentes 50% do custo da obra, pelo que, pelo menos nessa data, nada impedia que a sociedade Recorrida procedesse à formalização do contrato de empreitada.
Porém, a verdade é que, tal nunca sucedeu, como também, os Recorrentes nunca foram interpelados para o referido efeito.
15.ª Porém, sempre se dirá que, caso venha este Tribunal ad quem entender –o que não se crê - que foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada nulo por falta de forma (o que não se concede): (a) deverá ser sempre considerado o critério de fixação do valor a pagar (50% do custo incorridos pela Recorrida com a realização das obras), conforme e-mail de 26/12/2016; (b) isto porque a decisão tomada validamente por um legal representante de uma sociedade comercial num dado momento, deve ser respeitada em pleno pela administração posterior; (c) assim, e partindo destes pressupostos, deve ser atendido o disposto no nº 1 do art. 289º do CC, caso em que os ora Recorrentes estariam adstritos a proceder à restituição do que tiver sido prestado, mas balizando a devolução no que acordaram e está refletido no e-mail de 26/12/2016. Logo, a sociedade ora Recorrida, não só, acordou não obter margem de lucro e só cobrar 50% dos custos com a obra, como por imperativo legar está mesmo impossibilitada de incluir qualquer margem de lucro, como também, não pode exigir aos ora Recorrentes o pagamento de IVA e de quaisquer juros de mora vencidos, dado que, o valor a liquidar deveria corresponder única e exclusivamente ao custo de 50% das despesas suportadas com a execução da obra.
16.ª Por outro lado, a Sentença ora Recorrida veio defender que a argumentação dos Recorrentes no sentido de que nunca existiu qualquer contrato de empreitada entre as partes, mas sim, um contrato atípico dado a conexão das relações laborais e profissionais do Recorrente marido com a sociedade Recorrida, não encontrou eco em qualquer meio de prova produzido. Ora, salvo o devido respeito, o acordo alcançado entre as partes decorreu, única e exclusivamente, do acordo alcançado no âmbito das referidas relações laborais e Profissionais. Tal circunstancialismo encontra-se claramente comprovado, quer por determinados factos já dados como provados (factos provados de pontos 6, 23, 24 e 25), respeitantes à função do recorrente marido e, às relações de confiança e proximidade existentes entre o Recorrente marido e os legais representantes da Recorrida, bem como às responsabilidades assumidas pela sociedade Recorrida, numa primeira fase, com as despesas de deslocação e, numa segunda fase, com a cedência de um apartamento para o Recorrente passar a residir em ... com o seu agregado familiar, sem pagar qualquer renda (o que corresponde a um benefício concedido pelo empregador ao seu colaborador e assume a natureza de retribuição em espécie, incorporada no seu salário).
17.ª Acresce que a disponibilização do apartamento aos Recorrente marido e a sua família, sem receber qualquer renda desde 2003 até final de 2011, importou um custo (mesmo que económico) para a Recorrida. Tanto o apartamento era para ser rentabilizado que logo que foi desocupado pelo Recorrente marido e sua família, foi vendido. • Sendo assim, em face do exposto, é perfeitamente evidente que, não só, não foi celebrado qualquer contrato de empreitada entre as partes, como também, as obras foram assumidas e executadas por parte da Recorrida, no âmbito de um acordo alcançado, tendo por base as relações laborais e profissionais existentes.
18.ª Por outro lado, no que concerne à invocação do abuso de direito, a Sentença ora Recorrida veio determinar que a Recorrida não agiu em abuso de direito, isto porque, no entendimento do tribunal a quo, a Recorrida “não veio exercer qualquer posição contraditória à anteriormente assumida pela “EMP02...”, a quem sucedeu em direitos e obrigações, pois que só após a partilha dos ativos/passivos detidos entre EE e GG e, depois de concluída a obra, foi possível a contabilidade apurar os valores em divida por terceiros à sociedade autora, sociedade anónima que decorreu da transformação operada em 2018.”.
Ora, não se pode concordar com tal posição, porque estamos a falar da mesma e única sociedade, com mera alteração de firma, de EMP02..., LDA”, para EMP01..., SA.. Para tanto, basta ver a certidão comercial da Recorrida. A verdade é que, não só é completamente falso que a sociedade ora Recorrida veio a “suceder” direitos e obrigações à sociedade EMP02..., S.A., como também, não corresponde à verdade que, só após a partilha dos ativos/passivos detidos entre EE e GG foi possível a contabilidade apurar os valores em divida por terceiros. Logo, contrariamente ao disposto na Sentença Recorrida, a verdade é que, a sociedade ora Recorrida vem exercer uma posição contraditória em relação à posição por si anteriormente assumida, na medida em que, os seus legais representantes não podiam/não deviam transmitir ao Recorrente marido em finais de 2016, que apenas lhe ria ser imputado 50% do custo das obras e, posteriormente, em início de 2020, vir notificá-lo para proceder ao pagamento integral do custo da obra.
19.ª E, ainda, não se pode deixar de referir que era do perfeito conhecimento da Recorrida e dos seus legais representantes que o referido valor já se encontrava totalmente saldado pelos ora Recorrentes. E mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, não é devido qualquer valor até em razão do que ficou decidido no contexto da partilha entre os Srs EE e GG, que não iriam cobrar qualquer valor aos seus funcionários. Pelo que, no caso em apreço, é manifestamente evidente que a ora Recorrida está a agir em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Além do mais, a Recorrida, bem como os seus legais representantes, incluindo CC, que é legal representante da sociedade desde ../../2018 e participou das reuniões relativas à partilha onde o valor que constava na contabilidade com rubrica “Obra da ...” não foi valorada como ativo/crédito, antes foi valorada a zero, porque não existia nada para ser cobrado/exigido ao Recorrente marido, enquanto colaborador da Recorrida. Dai que, quer o Sr. EE, quer CC não só tinham perfeita consciência de que nunca foi celebrado qualquer contrato de empreitada, que os trabalhos executados tinham por base um acordo celebrado entre as partes no âmbito das relações laborais existentes entre ambos, que jamais foi definido qualquer preço para a execução dos trabalhos, como também os mesmos sabiam que o valor lançado na contabilidade a título de custo pelo montante de € 37.840,18 (trinta e sete mil oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) e qualquer outro montante respeitante á obra já estava pago ou, sem conceder, no limite perdoado. Pelo que, a sociedade Recorrida ao agir judicialmente contra os Recorrentes requerendo a sua condenação a proceder ao pagamento da quantia de € 94.701,41 (noventa e quatro mil setecentos e um euros e quarenta e um cêntimos) a título de preço, ao abrigo de um contrato de empreitada inexistente, volvidos cerca de 9 (nove) anos após a execução das obras, com base na elaboração unilateral de um documento denominado “descrição dos trabalhos”, bem como, à emissão de uma fatura sem qualquer correspondência com a realidade está a agir em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
20.ª Os Recorrentes consideram, ainda, que a sociedade Recorrida encontra-se a agir em manifesto abuso de direito na modalidade de supressio, isto porque, o seu comportamento ao logo dos anos e os atos por si praticados – acordo aprovado e aceite por ambos os intervenientes, realização dos trabalhos ao longo do tempo e de forma faseada de acordo com a disponibilidade da sociedade Recorrida e lançamento da obra na sua contabilidade da Recorrida, única e exclusivamente a título de custo, apresentação de proposta de pagamento de valor tendo por base 50% dos custos, não valoração de qualquer valor de crédito da Recorrida sobre o Recorrente marido aquando da partilha da Recorrida -, foi adequado a criar a convicção a quem quer que fosse, que estava em causa uma situação de inexistência de dívida definitivamente consolidada; até porque existia uma justificada confiança e compromisso na validade das decisões tomadas entre as partes. Pelo que, a ora Recorrida ao vir passados cerca de 9 (nove) anos, invocar a celebração de um contrato de empreitada, apresentar um mapa de trabalhos e uma fatura completamente desfasada da realidade, sem qualquer fundamentação ou credibilidade, única e exclusivamente com o objetivo de obter uma vantagem patrimonial indevida, está a agir, indubitavelmente em manifesto abuso de direito, pelo que, os pedidos formulados na presente ação excedem manifestamente os limites impostos pela boa-fé e são manifestamente abusivos nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 334º do Código Civil.
21.ª Finalmente, no que concerne ao pedido formulado, a título subsidiário, pela sociedade ora Recorrida com base no instituto do enriquecimento sem causa, os ora Recorrentes consideram que, não só, já se encontra prescrito o direito que pretende fazer valer, como também, atenta a natureza subsidiária do referido instituto, o recurso ao mesmo é manifestamente inadmissível. Efetivamente, de acordo com o disposto no art. 482º do Código Civil, o direito à restituição prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe competia, pelo que, tendo a ora Recorrida expressamente confessado que os trabalhos executados no referido prédio urbano ocorreram, faseadamente, em 2 períodos temporais, mais concretamente, entre fevereiro a ../../2011 e entre ../../2014 a ../../2016, é evidente que, pelo menos, a partir da data da conclusão final dos trabalhos - Dezembro de 2016 – a ora Recorrida tinha plena consciência de que, assistia-lhe a faculdade em exercer o seu direito à indemnização, pelo que, tendo a presente ação sido instaurada em 02/09/2020, não restam dúvidas de que, já se encontra prescrito o direito que a Recorrida pretendia fazer valer. Finalmente, cabe ainda referir que, de acordo com o artigo 474º do Código Civil o referido instituto tem natureza subsidiária, pelo que, no caso sub judice, a sua invocação é totalmente inadmissível.
22.ª Acresce que o Tribunal a quo laborou em erro de direito ao considerar, considerar que a Recorrida “foi criada após destaque do património da “EMP02..., LDA, a 21/04/2018” (vd facto provado de ponto 3, relativamente ao qual se pediu a alteração de conteúdo), o qual, na lógica do Tribunal, foi integrado na Recorrida. Com tal entendimento assumiu que a Recorrida é uma outra sociedade, sucessora da “EMP02..., Lda”. No caso em apreço este erro, impactou na decisão decorreu de violação e/ou má interpretação do disposto nos artigos 5.º e 118.º n.º 1 alínea a), 260.º e 261.º do CSC, nos artigos 1.º n.º 1, 3.º n.º 1 alíneas a) e p) parte final doCRegC o, que, consequentemente, levou à má interpretação da prova produzida, nomeadamente do que consta da certidão comercial da Recorrida e do Relatório e Contas do Exercício de 2018 junto como Documento ... ao requerimento probatório dos Recorrentes de 26/11/2020. Decorreu ainda de violação e/ou de má interpretação do disposto nos artigos 219.º, 224.º n.º 1, 230.º, 232.º ao contrário, 234.º, 236.º, 405.º e 406.º do CC.
23.ª Mas, mais do que isto, não se pode ignorar que este erro teve impacto na decisão. Isto porque ao se assumir, erradamente, que estavam em causa duas sociedades, o Tribunal a quo fez tábua rasa da decisão que havia sido proferida pelos gerentes da Recorrida no início de 2011 previamente ao início das obras e na sua conclusão, fazendo prevalecer o decidido pelos administradores da Recorrida em final de 2019 e início de 2020, ao arrepio da decisão anterior, quanto mais quando está em causa decisão que teve reflexo direto na esfera jurídica de terceiros, in casu, os Recorrentes. De forma conexa a esta questão, o Tribunal a quo fez também tábua rasa do regime aplicável à formação e à imodificabilidade unilateral de um acordo/contrato validamente estabelecido entre as partes, in casu, entre a Recorrida e o Recorrente marido em 2011, sem qualquer condição. E, neste âmbito, ainda da efetiva vontade das partes no momento da sua celebração.
24.ª Na verdade, está em causa a completa desconsideração, pela administração posterior da Recorrida, de decisão da administração/gerência anterior, tomada com plenos poderes sem que aquela tenha sido formalmente e anulada ou alterada com o conhecimento e a aceitação dos Recorrentes. Aliás, não se pode deixar de equacionar que foi aquela finalidade escusa acima referida que motivou a decisão dos membros do conselho de administração da Recorrida, incluindo de EE, em emitirem a fatura em nome do Recorrente marido no valor de € 94.701,41 (IVA incluído) e cobrarem tal fatura, e proporem a presente ação. Situação que o direito não pode tolerar!”.
A Autora contra-alegou, pugnando por «o recurso de apelação sub judice ser considerado totalmente não provado e improcedente, proferindo-se douto Acórdão que mantenha integralmente a decisão recorrida e condene os RR/apelantes em custas também no recurso».
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo, atenta a prestação de caução.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[2] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[3]).

Neste “quadro legal” e atentas as concretas e efectivas conclusões formuladas no recurso de apelação interposto pelo Réu, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem são:
A) Se a sentença recorrida padece de nulidade processual por «omissão de pronuncia»;
B) Se a sentença recorrida deve ser alterada quanto à matéria de facto (provada e não provada) nos termos indicados pelos Réus;
C) Caso se responda afirmativamente à questão anterior (parcial ou totalmente), apurar se foi celebrado um contrato de empreitada entre as partes (como foi sustentado na sentença recorrida) ou se estamos perante outro tipo contratual;
D) Caso se conclua pela existência de um contrato de empreitada, apurar se o mesmo é nulo por falta de forma (ao contrário do que se sustentou na sentença recorrida);
E) Caso se conclua que o contrato de empreitada é nulo, apurar quais são os respectivos efeitos jurídicos e determinar se deve ser restituído pelos Réus à Autora relativamente às obras executadas;
F) Caso se conclua que o contrato de empreitada não é nulo, apurar qual é valor devido pelos Réus à Autora a título de preço das obras executadas, apreciando-se se se verifica um abuso de direito da parte desta última;
G) E, caso se conclua pela inexistência de contrato de empreitada, apurar se assiste à Autora o direito a receber de dos Réus alguma quantia pela execução das obras a título do enriquecimento sem causa, apreciando-se se se verifica a prescrição deste direito.
 
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
1. A sociedade “EMP01..., S.A” dedica-se ao exercício da actividade da construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, aluguer de equipamentos para a construção civil, arrendamento de bens imobiliários, administração de imóveis por conta de outrem, mediação e angariação imobiliária, com intuito lucrativo, tendo sede na Av. ..., ..., em ....
2. São seus administradores desde ../../2020 CC, presidente do respectivo Conselho de administração, e DD, vogal daquele mesmo órgão, os quais substituíram EE e FF, os quais renunciaram ao cargo a 15.05.2020 e a 31.01.2020, respectivamente.
3. Tal sociedade foi criada após destaque de parte do património da “EMP02..., Lda.” a 21.04.2018, com posterior aumento de capital e transformação em sociedade anónima, bem como alteração de denominação, o que foi levado a registo através da Ap. ...7 de 2018.04.23 e da Ap. ...8 de 2019.01.16.
4. A sociedade “EMP02..., Lda.” iniciou a sua actividade e giro comercial em 1981.
5. Entre a referida sociedade e o réu marido foi celebrado, no ano de 2011, e por forma verbal, um acordo através do qual a primeira se obrigou a realizar as obras, trabalhos, fornecer materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ..., mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global.
6. O réu marido, ao tempo da celebração de tal acordo e sua integral execução, era prestador de serviços da “EMP02... Lda.”, assumindo ainda funções de director financeiro da “EMP03..., S.A” e da “EMP05..., S.A”.
7. A “EMP02... Lda.”, no âmbito das obrigações a que se vinculou, executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, cujo preço importou no valor global de 93.592,94 Euros (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído.
8. Tais obras e trabalhos ocorreram em duas fases, ou seja, entre datas indeterminadas dos anos de 2011/2012 (1ª fase) e entre datas indeterminadas dos anos de 2016/2017 (2.ª fase).
9. Os réus fiscalizaram directamente todos os trabalhos, fornecimento de materiais e equipamentos, não tendo denunciado a existência de qualquer vício ou defeito, tendo aceite a obra nas suas duas fases.
10. Os aludidos trabalhos foram realizados e implantados de acordo com as plantas existentes de distribuição e drenagem de águas pluviais, saneamento e quadro de sapatas de fundação.
11. Mediante carta registada, com aviso de recepção, expedida pela sociedade autora, em 6 de Fevereiro de 2020 e recebida pelos réus no dia 11 de Fevereiro de 2020, acompanhada do auto com a descriminação dos trabalhos realizados, aquela endereçou ao réu marido a factura n.º ...0.
12. E solicitou a liquidação do seu valor no prazo de 30 dias a contar da recepção da aludida carta, por meio de transferência bancária para a conta com IBAN ali indicado.
13. O réu marido comunicou à autora, por escrito, não lhe ser devedor de qualquer quantia e a qualquer título.
14. Até à data os réus não pagaram qualquer valor à autora.
15. A realização dos aludidos trabalhos, fornecimento de materiais e equipamentos foi feita com conhecimento e consentimento da ré mulher.
16. A qual assistiu e acompanhou a execução desses trabalhos e definiu, perante a “EMP02..., Lda.” e seus colaboradores, pormenores da sua execução.
17. Tais obras e trabalhos visaram satisfazer interesses de conforto, beneficiação, melhoria, segurança e amplificação da moradia habitacional onde os réus residem, e visaram ainda satisfazer interesses económicos daqueles, por via da valorização do seu imóvel.
18. As aludidas obras e trabalhos, materiais e equipamentos fornecidos, foram realizadas na constância do seu matrimónio.
19. EE e GG foram sócios e/ou accionistas, bem como gerentes e/ou administradores, quer da “EMP02..., Lda.”, aquele último nesta sociedade até ../../2018, data em que renunciou ao cargo de gerente, bem como da “EMP03..., S.A” e a da “EMP05..., S.A” e de muitas outras empresas do mesmo grupo.
20. Após diversos litígios entre os aludidos accionistas, estes decidiram avançar para um processo global de partilha dos activos que detinham em comum, e onde se englobava a sociedade “EMP02..., Lda.”.
21. Em 26 de Março de 2018 os aludidos accionistas assinaram um denominado “acordo de princípios”, no âmbito do qual partilhar diversos activos, sendo que a “EMP02..., Lda.” foi adjudicada a EE.
22. Está pendente desde ../../2020 a acção comum distribuída com o n.º 1356/20...., no J... dos juízos centrais cíveis de ..., em que são autores GG e mulher e a sociedade “EMP06... S.A” e são réus EE e esposa e as sociedades “EMP01..., S.A” e “EMP07..., S.A”, onde foi arrolado como testemunha o aqui réu marido.
23. À data da celebração do acordo referido em 5. EE e GG mantinham uma relação de confiança e proximidade com o réu marido.
24.O ora réu marido foi contratado quando residia no ... e não dispunha de habitação em ... (sede de diversas sociedades e residência dos accionistas do referido grupo empresarial).
25. O réu marido e a família decidiram mudar-se para ..., onde residiram num apartamento que foi cedido pelo referido grupo empresarial, entre ../../2003 e ../../2011, sito em ..., sem pagar renda.
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Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:
1. O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações laborais e profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas.
2. Em Setembro de 2003, ficou acordado entre as partes que, o ora R. e a sua família passariam a residir em ....
3. O alojamento do R. sempre foi considerado como um custo, como uma responsabilidade a assumir pela “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...”.
4. Ficou acordado entre as partes que o R. marido pagaria a obra, conforme veio a ocorrer, através da entrega directa de numerário na empresa ou aos respectivos sócios.
5. A obra executada foi lançada na contabilidade a título de custo pelo montante de 37.840,18 Eur. (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) e tal valor foi integralmente liquidado pelo réu marido.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da Nulidade da Sentença Recorrida
Importa ter presente que as nulidades da decisão (sentença, ou, como no caso em apreço, despacho) constituem vícios intrínsecos da própria, deficiências da respectiva estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento, ou sequer com um alegado erro na forma de processo, ou nem mesmo com as nulidades de processo (art. 195º do C.P.Civil de 2013).
Como se explica no Ac. desta RG de 17/12/2018[4], “Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronúncia ultra petitum. Trata-se de vícios que «afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)» (Abílio Neto,… Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001…”.
Prescreve o art. 615º do C.P.Civil de 2013[5]:“1 - É nula a sentença quando:… d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;…”.
A causa de nulidade prevista na 1ªparte da alínea d), a sua razão advém do incumprimento do disposto no art. 608º/2 do C.P.Civil de 2013, que estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Sobre a interpretação desta causa de nulidade, na vertente «omissão de pronúncia» continuam a relevar os ensinamentos de Alberto dos Reis[6]: “(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão…” (o sublinhado é nosso).
Na mesma linha de entendimento, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7] explicam que, “(…) devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (…)”.
Prosseguindo o mesmo entendimento, Ferreira de Almeida[8] realça que as «questões» são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
Igualmente a Jurisprudência se tem pronunciado neste sentido.
Decidiu-se no Ac. do STJ de 03/10/2017[9] que “II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”.

E explica-se no Ac. do STJ de 03/11/2020[10] que “Apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”. Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados”.
Há que ter em consideração que, para apreciar e determinar se existe omissão de pronúncia, a sentença tem que ser interpretada na sua totalidade, articulando a fundamentação e a decisão[11].
Atento o disposto no nº4 do mesmo art. 615º (“As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”), dúvidas não existem que, cabendo recurso do despacho ora impugnado, tais nulidades deviam e tinham que ser invocadas em sede de recurso. 
No recurso, os Réus/Recorrentes alegam a «omissão de pronúncia decorrente da ausência de decisão quanto às exceções» e que «ao não decidir sobre matéria relativamente à qual deveria ter tomado posição expressa, a Sentença padece de vício que a fere de nulidade por omissão de pronúncia» [conclusão 3ª/a)].
Não lhes assiste razão.
Em sede contestação, para além do mais, os Réus deduziram quatro excepções peremptórias, consistentes na «nulidade do contrato de empreitada, por vício de forma, decorrente da não observação da forma escrita», de «inexistência de contrato de empreitada», de «abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium e supressio» e de «prescrição do direito da autora com base em enriquecimento sem causa», tendo o Tribunal a quo, em sede de saneador, relegado o seu conhecimento para a sentença final.
Analisando o ponto B) («De Direito») da «II - Fundamentação», é inquestionável que o Tribunal a quo apreciou aquelas três primeiras e considerou prejudicada a apreciação da quarta.
Com efeito, na sentença recorrida está consignado (aqui se reproduzindo os segmentos mais essenciais):
- “na sua contestação, os réus invocaram matéria de excepção, desde logo a inexistência de um contrato de empreitada ou outro entre as partes, bem como a nulidade do suposto contrato de empreitada (…). Diga-se sem hesitação, desde já, que dos factos dados como provados se tem que concluir que as partes concluíram um contrato (…) Toda a matéria invocada pelos réus a respeito da mera celebração de um contrato (que seria atípico) com conexão com as relações laborais ou profissionais do réu marido não encontrou eco em qualquer meio de prova produzido. Pelo contrário, o que se provou foi que o réu e a família se deslocaram para ... por motivos que aos mesmos interessavam, e não por imposição das funções do réu marido, assim como a sua mudança para a aludida moradia teve somente que ver com a opção do casal, nunca tendo integrado qualquer componente da retribuição daquele a disponibilização de uma habitação. Avançando agora para a questão da forma do contrato, uma vez que está comprovada a existência do mesmo e a sua celebração por forma verbal (…) Defendem os réus que como o preço da obra ultrapassa em muito os 10% do aludido limite, o contrato aqui em causa deveria ter sido reduzido a escrito através da elaboração de um clausulado em suporte papel ou em suporte informático. Porém, salvo o devido respeito, tal não se aplica no caso dos autos, já que ao tempo da formação e encontro de vontades dos contraentes não era possível determinar o preço, já que, consoante também se provou, acordaram as partes que o preço devido seria o “normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global”, pelo que aquando da sua celebração não era possível fixar ou saber sequer o valor final do contrato (…). Falece assim toda a argumentação dos réus quanto à inexistência e invalidade do contrato de empreitada (o sublinhado é nosso).
- “Dada a factualidade apurada é igualmente forçoso dizer que não agiu a autora em abuso do direito, seja na modalidade de venire contra factum proprium ou de supressio, não só porque não veio a juízo exercer qualquer posição contraditória à anteriormente assumida pela “EMP02..., Lda.”, a quem sucedeu em direitos e obrigações, pois que só após a partilha dos activos/passivos detidos entre EE e GG, e depois de concluída a obra, foi possível a contabilidade apurar os valores em dívida por terceiros à sociedade autora, sociedade anónima que decorreu da transformação operada em 2018. Nem tão-pouco o preço reclamado pela autora tem que ver com um contrato celebrado com base num acordo decorrente das relações laborais existentes à data entre a “EMP02..., Lda.” e o réu marido, por fim, não reclama a autora um valor que está integralmente liquidado pelo réu, nem a autora ou a sua antecessora agiu de molde a criar a convicção de que esta situação se mostrava consolidada e que os réus nada lhe deviam (…)” (o sublinhado é nosso);
- e “Nada existe igualmente a referir quanto à prescrição invocada pelos réus, uma vez que o Tribunal não irá condenar os réus com base no instituto do enriquecimento sem causa, deduzido na petição a título meramente subsidiário” (o sublinhado é nosso).
Saliente-se que, na motivação do recurso, os próprios Réus/Recorrentes reconhecem que o Tribunal a quo apreciou as excepções em causa: «no caso concreto, na Parte II B.) da Sentença (Fundamentação de Direito) o Tribunal a quo fundamentou a sua posição relativamente a cada uma das exceções (…) na Sentença ter sido analisada cada uma das exceções e de o Tribunal a quo ter fundamentado a sua posição perante as mesmas (…)» [cfr. 5º§ da página18 das alegações].
Mas, depois de uma forma totalmente infundada e até ininteligível, os Réus/Recorrentes defendem que o Tribunal a quo «não proferiu qualquer decisão, ou seja, não concluiu expressamente pela sua procedência, ou improcedência com consequente absolvição da Recorrida da instância, ou do pedido, conforme a exceção em causa, não sendo suficiente a respectiva apreciação na parte da fundamentação da Sentença». Em primeiro lugar e como resulta dos segmentos supra transcritos, é óbvio e evidente que o Tribunal a quo se pronunciou concretamente sobre o mérito/demérito de três delas (as aludidas expressões «falece assim toda a argumentação» e «é igualmente forçoso dizer que não agiu», nos contextos em que estão inseridas, têm como sentido único a respectiva «improcedência») e considerou desnecessária a pronúncia sobre o mérito/demérito da última delas (a aludida expressão «nada existe igualmente a referir», no contexto em que está inserida, tem o sentido unívoco de «prejudicado»). Em segundo lugar, as excepções em causa não correspondem a um pedido concretamente formulado, pelo que a «conclusão decisória» sobre cada uma delas não tem que integrar o segmento decisório da sentença (ao contrário do que é afirmado na página 22 das alegações mas sem qualquer fundamentação ou justificação). E, em terceiro lugar, frise-se que próprios Réus/Recorrentes acabam por admitir e reconhecer que o Tribunal a quo decidiu tais excepções: «(…) defende-se que há, também, erro de direito quanto à decisão relativa às excepções» [cfr. 1º§ da página 21 das alegações].  
Portanto, o Tribunal a quo conheceu e decidiu três das excepções deduzidas pelos Réus/Recorrentes («nulidade do contrato», «inexistência de contrato de empreitada», e «abuso de direito»), julgando-as infundadas/improcedentes e, por via disso, inexiste aqui qualquer omissão de pronúncia. E também inexiste tal vício quanto à quarta excepção («prescrição») porque a respectiva falta de apreciação e decisão emerge da circunstância de não ter sido conhecido o pedido subsidiário fundado no instituto do enriquecimento sem causa (ou seja, o conhecimento da excepção ficou prejudicado).  
Nestas circunstâncias, inexiste o vício da omissão de pronúncia previsto na 1ªparte da alínea d) do nº1 do art. 615º.
Mas, no recurso, os Réus/Recorrentes alegam ainda a «omissão de pronúncia decorrente da ausência de fundamentação para qualificar os 05 factos como não provados» e que «ao não fundamentar devidamente a qualificação dos cinco factos que deu como provados, a Sentença padece de vício que a fere de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC» [conclusão 3ª/b)].
Também aqui não lhes assiste razão.
Desde logo, começam por confundir o vício da omissão de pronúncia com o vício da ausência de fundamentação [previsto na alínea b) do referido art. 615º/1 - “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”], vícios estes que são incompatíveis entre si: tendo sido proferida uma decisão não pode haver falta de apreciação da questão decidida, mas pode ocorrer uma situação de ausência absoluta da sua motivação; já quando ocorre uma omissão de conhecimento de uma questão, então não pode ocorrer a falta de fundamentação da questão que não foi decidida.
E, neste âmbito, sem qualquer nexo, indicam simultaneamente a alínea c) do citado art. 615º/1 que prevê o vício da contradição, ambiguidade e/ou obscuridade da decisão, vício este que é completamente distinto do vício da omissão de pronúncia, sendo mesmo incompatíveis entre si (para se verificar uma situação de contradição, ambiguidade e/ou obscuridade da decisão, então necessariamente não pode ocorrer qualquer ausência de apreciação; já para se verificar uma situação de omissão de pronúncia, então jamais se pode verificar uma contradição, ambiguidade e/ou obscuridade da «decisão omitida»).  
Sucede que, como resulta inequivocamente da sentença recorrida [cfr. ponto A) («De facto») da «II - Fundamentação»], o Tribunal a quo elencou os factos provados e os factos não provados, bem como justificou/motivou (de forma extensa) a respectiva decisão. Deste modo, está afastada qualquer possibilidade de estar verificado o vício de omissão da pronúncia quanto à questão/decisão da matéria de facto.
Acresce que, como é expressamente admitido pelos Réus/Recorrentes na motivação do recurso, no aludido ponto da decisão recorrida está consignado: «resta referir que em relação aos pontos 1 a 5 dos factos não provados não foi possível retirar resposta afirmativa, pois que na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal apreciou livremente as provas, segundo a sua prudente convicção - cfr. art. 607.º, n.º 5 do C.P.Civil, sem que fosse possível corroborar a matéria de facto correspondente, com recurso a prova pericial, testemunhal, documental e/ou por meio das declarações ou depoimentos de parte» (cfr. último parágrafo da página 25 das alegações). Daqui resulta que, ao contrário do que defendem em sede de recurso, não ocorre qualquer falta de fundamentação no que concerne à factualidade não provada: como é entendido unanimemente pela Doutrina e Jurisprudência, a nulidade «da falta de fundamentação» só se verifica quando haja falta absoluta da indicação de fundamentos, e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada, incompleta ou não convincente (entre outros, refere-se Alberto os Reis[12] que ensinava que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”; também o Ac. do STJ de 02/03/2021[13], no qual se decidiu que “Só a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”).
Aliás, como decorre da motivação aduzida (cfr. páginas 26 e 28 das alegações), os Réus/Recorrentes invocam, sim e efectivamente, a deficiência/insuficiência da motivação da factualidade não provada: «o Tribunal a quo não especificou por referência aos concretos meios de prova, tendo se limitado a tecer consideração genérica» e «não sendo suficiente, na letra da lei, fazer consideração genérica sobre a globalidade dos meios de prova constante dos autos».
Ora, para além dos Réus/Recorrentes omitirem toda a fundamentação desenvolvida quanto à factualidade provada (nomeadamente, no que concerne aos factos provados que são contrários aos factos não provados e no que concerne à desvalorização do depoimento de parte do Réu e do depoimento da testemunha GG, o que tudo também configura motivação da factualidade não provada), certo é que a deficiência e/ou insuficiência da fundamentação da factualidade não provada, não configura a causa de nulidade prevista na alínea b) do citado art. 615º/1, apenas configurando uma causa de recurso por erro de julgamento (de facto ou de direito), a qual não produz qualquer nulidade da sentença e somente “enfraquece” o seu valor doutrinal e e a sujeitando, consequentemente, ao risco de ser revogada ou modificada em sede recurso.
Nestas circunstâncias, a alegação no sentido de que «o Tribunal a quo não especificou por referência aos concretos meios de prova no que concerne à fundamentação da factualidade não provada», é insusceptível de consubstanciar o vício formal de nulidade da sentença [seja o previsto na alínea b), ou o previsto na alínea c) ou o previsto na alínea d), do citado art. 615º/1], apenas podendo eventualmente integrar o vício da deficiência  decisão de facto na alínea c) do nº2 do art. 662º do C.P.Civil de 2013.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a decisão recorrida não padece de qualquer das causas de nulidade invocadas e, por via disso, o recurso tem de improceder quanto a esta questão.
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4.2. Da Alteração da Matéria de Facto

Sobre o recurso de impugnação na matéria de facto, prescreve o art. 640º/1 do C.P.Civil de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido art. 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Têm sido suscitadas dúvidas sobre se sobre se os requisitos do ónus impugnatório previsto neste art. 640º/1 devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também têm que integrar as próprias conclusões, sob pena do recurso ser rejeitado (cfr. art. 635º/2 e 639º/1 do C.P.Civil de 2013).

Tem vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que:
1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos prontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
2) o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, mas não sendo necessário que tal especificação também conste das conclusões;
3) relativamente aos «pontos de facto» cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em «prova gravada», para além da supra referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, mas não sendo necessário que tal indicação conste das conclusões;
4) e, na motivação, o Recorrente tem expressar a decisão, no seu entendimento, que deve ser proferida sobre os «concretos prontos de facto» que impugnou, tendo em atenção a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se compreende em razão do reforço do ónus de alegação, com vista a evitar a interposição de recursos com conteúdo genérico ou inconsequente[14].

Neste sentido, entre outros, decidiu-se no Ac. do STJ de 29/10/2015[15]: “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando - apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso”.
E entendeu-se no Ac. do STJ de 01/10/2015[16] que “I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV - Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”[17]. Explica-se neste aresto que «as exigências que o legislador entendeu consagrar nesta matéria e que impõem ao Tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova, no actual art. 607º, nº 4, do CPC, encontra o seu contraponto na igual exigência imposta à parte Recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, do respectivo ónus de impugnação, devendo o Recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo Tribunal “a quo” (…) recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão (…)» (os sublinhados são nossos).
Neste âmbito mostra-se relevante o Ac. do STJ de 22/09/2015[18] que clarifica: “II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada. V - Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão. VI - Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável”.
A análise do cumprimento destes ónus (exigências legais) deve ser realizada, como explica Abrantes Geraldes[19], “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.
É um dado objectivo que, nas alegações de recurso, existe uma forte tendência para “combinar” e “misturar” a impugnação de facto com a impugnação de direito, sendo que muitas vezes são invocadas meras “opiniões” sobre o que foi dado como provado e/ou não provado, afirmando-se um entendimento distinto mas, mesmo assim, há conformação com uma parte da decisão que foi tomada, havendo efectiva impugnação relativamente a outra parte. Logo, e como resulta da alínea a) do nº1 do referido art. 640º, impõe-se que o recorrente, nas respetivas conclusões, indique concretamente quais são os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser dado como «assente» e/ou como «não assente», relevando e apresentando a sua pretensão de uma forma inequívoca e que permita separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da pretensão fundamentada quanto à alteração da matéria de facto.
 O incumprimento de qualquer dos ónus supra indicados conduz à imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto (rejeição que será total ou parcial, consoante o incumprimento seja relativo a todo o âmbito da impugnação ou seja relativo apenas a uma parte da impugnação), não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões. Como resulta do disposto na alínea a) do nº1 do art. 652º do C.P.Civil de 2013, os poderes do relator, em matéria de convite ao aperfeiçoamento, estão inequivocamente limitados às situações previstas no nº3 do art. 639º do mesmo diploma legal, que não incluem incumprimento dos referidos ónus. Entre outros, refere-se aqui o Ac. do STJ de 25/03/2021[20], no qual se decidiu que “III - Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea a) e c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”[21].
Relativamente a tais ónus de impugnação, importa ter presente o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido pelo STJ em 17/10/2023[22]: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
Porém, a decisão da matéria de facto pode apresentar «patologias» que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, sendo que em tais «patologias» enquadra-se a deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada ou não provada, de algum (ou alguns) facto essencial (ou principal) da causa que tenha sido alegado pelas partes. Como decorre do disposto no nº1 do art. 5º do C.P.Civil de 2013, factos essenciais são aquelas que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas (e cujo ónus alegatório incumbe às partes). Obviamente, tal falta de pronúncia também pode reportar-se a factos instrumentais e/ou a factos «complementares e concretizadores» que resultem da instrução da causa [cfr. art. 5º/2a) e b) do C.P.Civil de 2013].
Explica-se no Ac. desta RG de 16/03/2023[23]: “Realidade diversa da impugnação da decisão de facto, que pressupõe um erro de julgamento, é a deficiência da decisão de facto, que está plasmada no art.º 662º n.º 2 alínea c) (…) Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova ou como refere Abrantes Geraldes (…) a decisão de facto será deficiente se houver «falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares», «de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso»; será caso de ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litigio (...)”.
O vício formal de deficiência da decisão de facto, tal como os vícios formais de obscuridade e de contradição da mesma decisão de facto, estão expressamente previstos na alínea c) do nº2 do art. 662º do C.P.Civil de 2013: “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Tais vícios recaem sobre o próprio enunciado do juízo probatório, não dizendo, portanto, respeito à respetiva motivação, devendo ter-se por deficiente “o enunciado linguístico que expresse um sentido incompleto do respetivo juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangendo naquele a factualidade ali relevante ou não cobrindo, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado”, devendo considerar-se como obscuro “o enunciado probatório vagos, ininteligível, equívoco ou imprecisos”, e devendo qualificar-se como contraditórios “os que exprimam sentidos reciprocamente excludentes”[24].
Detectado qualquer um destes vícios (patologias) da decisão de facto, como se explica no Ac. do STJ de 17/10/2019[25], “os poderes conferidos ao Tribunal da Relação como verdadeiro tribunal de instância - tendo em vista o cumprimento do desiderato de um segundo nível de jurisdição em matéria de facto em idênticas condições e sujeito às mesmas regras de direito probatório que vinculam o tribunal de 1ª instância -, conferem-lhe o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente, pois, da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento (os sublinhados são nossos).
Com efeito, na apreciação e decisão do recurso, o Tribunal da Relação pode deparar-se com uma decisão de facto que se mostra deficiente e que exige a sua ampliação, “por terem sido desconsiderados nos temas de prova factos alegados pelas partes e essenciais para a resolução do litígio ou, ainda, como ora sucede, por terem sido desconsiderados na decisão factos que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem um enquadramento ou fundamentação jurídica diverso do que foi suposto pelo Tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objectiva de factos relevantes”[26].
Do primeiro segmento normativo do art. 662º/2c) parece resultar que a deficiência da decisão de facto tem, como consequência, a anulação do julgamento (“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância”). Porém, como supra já se referiu e atendendo ao teor do segundo segmento normativo (“quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”), dúvidas não existem de que o Tribunal da Relação, verificando a existência do vício da deficiência da decisão de facto (ou dos vícios da obscuridade ou da contradição), poderá/deverá supri-los a partir dos elementos que constam do processo e/ou da prova gravada.
Daqui resulta que a anulação do julgamento está, afinal, configurada como a última consequência do vício formal da deficiência da decisão de facto: “a anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas (…) deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que essa anulação determina ao nível da celeridade e da eficácia”[27].
Importa ter presente que, no caso dos vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, o Tribunal da Relação actuará como Tribunal de substituição ou Tribunal de cassação consoante as circunstâncias concretas de cada caso (recurso): “Deparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, obscuridade ou a contradição, a Relação fá-lo-á sem necessidade de reenviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite. No caso inverso, cabe-lhe assinalar as referidas nulidades, determinar a anulação (parcial) do julgamento e ordenar que o tribunal a quo as supere”[28], frisando-se que tais vícios, dada a sua natureza formal, só relevam quando obstem a qualquer pronunciamento de mérito sobre o juízo probatório dessa forma afetado[29].
A alteração oficiosa da matéria de facto pelo Tribunal da Relação com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição, quando constam dos autos todos os elementos de prova foi considerada conforme com a Constituição (ou seja, não está afectada do vício da inconstitucionalidade) pelo Ac. do TC de 08/07/2009[30]: embora tal aresto se tenha pronunciado sobre o art. 712º/1a) e 4 do C.P.Civil na versão anterior a 2013, o respectivo entendimento tem plena aplicabilidade ao disposto no art. 662º/2c) do C.P.Civil de 2013, porque este normativo é idêntico ao daquele antigo  art. 712º/1a) e 4.
Tendo em consideração todo o entendimento supra exposto, procedendo à análise das conclusões formuladas e da motivação deduzida pelos Réus/Recorrentes, temos que concluir que as alegações de recurso cumprem minimamente os respectivos requisitos formais (sendo que, nas conclusões, até se indicam os meios de prova, o que é desnecessário), sendo que o âmbito da impugnação de facto deduzida corresponde aos seguintes pontos de facto:
1) alteração/modificação parcial dos factos provados nºs. 2, 3, 4, 5, 7, 8 e 17;
2) eliminação do facto provado nº14, transitando a respectiva matéria para a factualidade não provada;
3) e eliminação dos factos não provados nºs. 1, 2, 3, 4 e 5, transitando a respectiva matéria para a factualidade provada.
Sobre os termos em que a reapreciação da matéria de facto deve ser realizada, estatui o nº1 do art. 662º) do C.P.Civil de 2013, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se, quanto aos factos tidos como assentes (ou quanto aos os factos tidos como não provados, acrescentamos nós), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes[31], “Com a redacção do art. 662º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo de correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência… fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia… sem embargo, das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto de recurso(os sublinhados são nossos).
A decisão de facto consiste na apreciação que o Tribunal faz, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes (ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução) e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, pelo que tal decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um desses factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, no âmbito do recurso, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto está circunscrita aos pontos impugnados, mas em termos de latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do estatuído no referido art. 662º/1 do C.P.Civil de 2013, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos das alíneas a) e b) do nº2 do mesmo preceito, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido: “… como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”[32].
Em jeito de resumo e conclusão, traz-se aqui à colação o Ac. do STJ de 04/10/2018[33], que define bem o “quadro” em que funciona a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação: “I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (os sublinhados são nossos).
Estatui o art. 607º/5 do C.P.Civil de 2013, que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que esta previsão resulta do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do C.Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal. Porém, desta livre apreciação pelo juiz estão legalmente excluídos os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ªparte do nº5 do referido art. 607º.
Toda a prova tem que ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica: “(…) segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas[34].
A prova idónea (suficiente) alicerça-se num juízo de certeza (jurídica) e não um juízo de certeza material (absoluto): a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto[35].
O juiz está vinculado a identificar quais os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e a indicar as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, sendo que este o “caminho” que evita que a «livre apreciação da prova» se transforme numa «arbitrária apreciação da prova»: o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)”[36].
É inquestionável que, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, é o juiz da 1ªinstância quem se encontra na posição mais favorável e privilegiada para proceder à sua valoração, nomeadamente no que concerne especificamente à prova testemunhal: atenta a respectiva imediação, o juiz da 1ªinstância está totalmente habilitado a detectar no comportamento das testemunhas todos os elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos, incluindo aqueles elementos que frequentemente não transparecem da gravação (esta constitui apenas um registo «áudio», e não um registo «vídeo», pelo que não pode transmitir todos os comportamentos da testemunha que respeitam directamente às suas reacções só observáveis através de imagem). Por conseguinte, a modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto[37].
Como explica Ana Luísa Geraldes[38], “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Relativamente à interpretação do princípio da imediação, mostra-se relevante o entendimento explanado no Ac. do STJ (de fixação de jurisprudência) de 29/10/2008[39]: “Sem dúvida que a imediação torna possível, na apreciação das provas, a formação de um juízo insubstituível sobre a credibilidade da prova; das razões que se podem observar, no exame directo da prova, para acreditar, ou não acreditar, na mesma. Significa o exposto que a imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza um acto de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em relação a outros. Exemplifica-se o exposto recorrendo ao caso do testemunho que parece mais digno de crédito do que um outro pela percepção directa imediata do seu relato e das circunstâncias em que o mesmo se desenrolou: - terá sido mais categórico, eventualmente mais seguro; terá recorrido menos vezes à aquiescência tácita de terceiro; ter-se-á expressado em termos mais correntes e mais próprios da sua condição social o que induziu o tribunal a pensar que o seu testemunho era mais fidedigno e menos passível de preparação prévia; suportou com maior à vontade o exercício do contraditório. Todas estas, que são razões que servem para acreditar em determinadas provas, e não acreditar noutras, sem dúvida que só são susceptíveis de ser apreciadas directamente pela pessoa que as avalia - o juiz de julgamento em primeira instância - e a possibilidade de admitir que tais circunstancias possam ser aferidas somente com recurso a um escrito - a denominada transcrição - produz uma evidente dificuldade pela ausência, ou diminuta qualidade de informação carreada para o tribunal, susceptível de o informar sobre as razões da atribuição de credibilidade” (os sublinhados são nossos).
Estritamente conexionada com a decisão de facto está o ditame legalmente consagrado no art. 607º/4 do C.P.Civil de 2013: o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 28/09/2017[40], “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos(o sublinhado é nosso).
Mas o mesmo STJ, através do seu aresto de 22/03/2018[41], sustenta que a inexistência no C.P.Civil de 2013 de um preceito como o do art. 646º/4 do antigo C.P.Civil (que titulava de “não escrita” as respostas do coletivo sobre questões de direito) “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui «matéria de facto» e «matéria de direito»”No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961… A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961…”. Defende-se que, em face da modificação formal da produção de prova em audiência ter por objeto temas de prova e à opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja «matéria de direito» ou «matéria conclusiva» que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso... a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como «matéria de facto provada» pura e inequívoca matéria de direito…”[42].
Perante esta divergência no STJ, afigura-se-nos relevante o “caminho” indicado pelo Ac. da RG de 11/11/2021[43]: “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…” (os sublinhados são nossos).
Prosseguindo este “caminho” (e sabendo-se que a linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta), afigura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a percepção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor[44] e que é de acolher o ensinamento do Ac. da RP de 07/12/2018[45]: Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais” (o sublinhado é nosso)[46].
Frise-se que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado[47], e, por via disso, quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados[48]: como se refere no Ac. da RG de 30/09/2021[49], “Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC”.
Tecidas estas considerações jurídicas, cumpre proceder à reapreciação dos pontos de facto que foram impugnados pelos Réus/Recorrentes.
Como ponto prévio, deixa-se aqui expressamente consignado que foram integralmente ouvidos todos os esclarecimentos prestados pelos peritos (na audiência final), todos os depoimentos prestados pelas testemunhas, o depoimento e declarações de parte do Réu, as declarações de parte do legal representante da Autora, e foi analisada toda a prova documental apresentada nestes autos principais e o relatório pericial.

Quanto à alteração do facto provado nº2.

Os Réus/Recorrentes pretendem que este ponto de facto passe a ter a seguinte redacção: «São seus administradores desde ../../2020 CC, presidente do respetivo Conselho de administração, e DD, vogal daquele mesmo órgão, os quais substituíram EE e FF, os quais renunciaram ao cargo a 15.05.2020 e a 31.01.2020, respetivamente»
Analisando o teor da matéria que integra o facto provado nº2 da sentença recorrida, facilmente se percebe que a redacção pretendida é exactamente igual à que consta deste ponto de facto (como bem salienta a Autora/Recorrida nas suas contra-alegações) - «São seus administradores desde ../../2020 CC, presidente do respectivo Conselho de administração, e DD, vogal daquele mesmo órgão, os quais substituíram EE e FF, os quais renunciaram ao cargo a 15.05.2020 e a 31.01.2020, respectivamente».
E dúvidas não existem sobre ser esta a realidade factual que resulta dos documentos de fls. 38v/42 e 238/242 dos autos (certidões do registo comercial e que não foram objecto de impugnação).
Deste modo e sem necessidade de outras considerações, conclui-se que a impugnação deduzida quanto a ponto de facto constitui um manifesto lapso, sendo completamente infundada.

Quanto à alteração dos factos provados nºs. 3 e 4.
Os Réus/Recorrentes pretendem que estes pontos de facto passem a ter as seguintes redacções (respectivamente):
- «Tal sociedade foi constituída em1981 com a “EMP02..., Lda”. Em cumprimento de deliberação de 21/04/2018 foi implementada uma cisão simples da sociedade com destaque de parte do seu património para constituir a sociedade “EMP02..., LDA” (NUPC ...54); posteriormente, mediante deliberações tomadas a 31/10/2018, procedeu-se ao aumento do capital social, à transformação da sociedade de quotas para sociedade anónima, à alteração da firma para “EMP01..., SA” e a nomeação do conselho de administração, tendo o Sr. EE, CC e a Sra. FF sido nomeados para o conselho de administração para o quadriênio 2018/2021, o que foi levado a registo através da Insc. 6 AP. ...23 e Insc. 7 AP. ...16»;
- e «A sociedade, com firma inicial “EMP02..., Lda”, iniciou a sua atividade e giro comercial em 1981, o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida pelo Sr. GG e a outra pelo Sr. CC, ambos únicos gerentes da sociedade que se vinculava com a assinatura destes 2 gerentes, situação esta que se manteve até ../../2018, data em que o Sr. GG renunciou à gerência, tendo na mesma data sido nomeado em sua substituição CC, situações levadas a registo através da Insc. 1 Ap. ...03 e respetivo Av. ..., ...».
Conjugando o teor dos documentos de fls. 38v/42, 113/117 e 238/242 (certidões do registo comercial), de fls. 22/29v («acta sessenta») e de fls. 30 a 37v («relatório justificativo da transformação em sociedade anónima»), todos dos autos (e que não foram objecto de impugnação), resulta, de forma inequívoca, que: a sociedade EMP02..., Lda foi constituída em 1981; por deliberação de 21/04/2018 foi objecto de cisão com destaque de parte do seu património para constituir a sociedade “EMP02..., Lda”; e por deliberações de 31/10/2018, foi objecto de aumento do capital social, de transformação da sociedade de quotas para sociedade anónima, e de alteração da firma para “EMP01..., SA”, tendo sido nomeados para o conselho de administração (quadriênio 2018/2021), EE, FF e CC.
Assim sendo, o segmento «tal sociedade foi criada após destaque da parte do património da “EMP02..., Lda a 21/04/2018» que integra o facto provado nº3 mostra-se incorrecto, não correspondendo à realidade que emerge da aludida prova documental (e muito menos «diz praticamente o mesmo por outras palavras», como incompreensivelmente afirma a Autora/Recorrida nas suas contra-alegações), pelo que o teor do mesmo deve ser corrigido de acordo com a realidade supra discriminada. Assinale-se que se mostram irrelevantes, para a boa apreciação e decisão do caso em apreço, quer o NUPC da sociedade criada pela cisão (“EMP02..., Lda”), quer as inscrições/apresentações dos respectivos registos e, por via disso, não se acolhe a pretensão de alteração/ampliação nesta parte (frise-se que, em sede de recurso, os Réus/Recorrentes também não justificaram nem explicaram a relevância e/ou o interesse de tais elementos fácticos para a apreciação e decisão da presente acção).
Da conjugação do teor aludidos dos documentos de fls. 38v/42, 113/117 e 238/242 dos autos, mais resulta, igualmente de forma inequívoca, que o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida por GG e a outra por CC, ambos únicos gerentes da sociedade, situação que se manteve até ../../2018, data em que o GG renunciou à gerência e foi nomeado, em sua substituição, CC. Porque esta factualidade pode revelar interesse para a boa apreciação e decisão da causa (nomeadamente, para esclarecimento de quem eram os “donos/responsáveis” da sociedade da Autora à data da celebração do alegado contrato de empreitada), afigura-se-nos que o facto provado nº4 deve ser alterado/ampliado em conformidade com a descrita realidade, devendo ser acolhida a pretensão nesta parte (ao contrário do afirmado pela Autora/Recorrida nas suas contra-alegações, este aspecto não se trata de matéria totalmente irrelevante ou sem qualquer interesse). Já se mostra infundada a pretensão na parte relativa à «forma como a sociedade se vinculava» e às «inscrições/apresentações dos respectivos registos», porque não se vislumbra qual o interesse e/ou utilidade destes elementos factuais para a decisão (e também aqui, em sede de recurso, os Réus/Recorrentes nada justificaram e nada explicaram sobre a sua eventual relevância e/ou o interesse).
Tendo em consideração que sobre a matéria de facto aqui em causa não foi produzida qualquer outra prova, conclui-se, de forma manifesta, que os elementos probatórios supra identificados (e que se mostram relevantes e credíveis) impõem um juízo probatório parcialmente distinto do formado pelo Tribunal a quo, pelo que este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido de que a realidade fáctica demonstrada (e relevante) no âmbito destes pontos de facto é a supra apurada, pelo que deverão passar a ter a seguinte redacção:
- facto provado nº3 - «tal sociedade foi constituída em1981 com a sociedade EMP02..., Lda foi constituída em 1981, sendo que, por deliberação de 21/04/2018, foi objecto de cisão com destaque de parte do seu património para constituir a sociedade “EMP02..., Lda”, e sendo que, por deliberações de 31/10/2018, foi objecto de aumento do capital social, de transformação da sociedade de quotas para sociedade anónima, e de alteração da firma para “EMP01..., SA”, tendo sido nomeados para o conselho de administração (quadriênio 2018/2021), EE, FF e CC»;
- e facto provado nº4 - «Tal sociedade iniciou a sua actividade e giro comercial em 1981, sendo o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida por GG e a outra por CC, ambos únicos gerentes da sociedade, situação que se manteve até ../../2018, data em que o GG renunciou à gerência e foi nomeado, em sua substituição, CC».
Quanto à alteração do facto provado nº5 e à demonstração probatória do facto não provado nº1[50].
Os Réus/Recorrentes pretendem que, relativamente ao facto provado nº5, seja eliminado o segmento «mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global», e seja adicionado o seguinte segmento: «sem que tivessem fixado o preço e/ou critério para a sua determinação, prazo ou forma de pagamento. Só após a conclusão da obra o critério foi estabelecido unilateralmente pela autora, devendo o réu marido suportar 50% dos custos apurados com a obra». E mais pretendem que a matéria que integra o facto não provado nº1 seja considerada provada.
Comecemos por relembrar o que, no âmbito desta matéria, foi efectivamente alegado pelas partes nos articulados: de um lado, a Autora alegou que «entre a referida sociedade comercial EMP02... Lda., e o ora R. marido, no ano de 2011, foi celebrado, por forma oral, um contrato de empreitada mediante o qual aquela sociedade, se obrigou a realizar para os RR. as obras, trabalhos, fornecimentos de materiais e equipamentos referidos nos artigos 9º e 10º - infra, no prédio urbano dos RR., sito na Rua ..., Quinta ..., concelho ..., mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global» (cfr. o respectivo art. 5º); e, de outro lado, os Réus alegaram «um acordo no âmbito das relações laborais e profissionais que existiam entre ambos», que «os RR decidiram proceder à aquisição de um imóvel próprio para passarem a residir em ..., imóvel esse que necessitava de algumas obras de melhoramentos e de adaptação, pelo que, os legais representantes da A. interpelaram o Réu no sentido de a sociedade A. proceder à execução das referidas obras, apenas pelo seu respectivo custo (…), esta proposta foi aceite pelo Réu, pelo que, ficou acordado entre as partes que, a A. iria proceder às obras de melhoramentos e adaptação que se viessem a revelar necessárias, de forma faseada, de acordo com a sua disponibilidade» e que «ficou igualmente acordado entre as partes que o Réu apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da referida obra (…)» (cfr. os respectivos arts. 49º, e 55º a 58º).
Perante o “quadro alegatório” que integra os articulados e que não foi objecto de qualquer alteração/ampliação nos termos legalmente previstos, facilmente se conclui que o segmento factual consistente em «só após a conclusão da obra o critério foi estabelecido unilateralmente pela autora, devendo o réu marido suportar 50% dos custos apurados com a obra» (que, através da presente impugnação, os Réus/Recorrentes querem incluir no ponto de facto provado nº5) configura matéria de facto totalmente nova, que não foi alegada pelas partes, nomeadamente pelos Réus/Recorrentes (no âmbito da alegada excepção peremptória da inexistência de contrato de empreitada» ou no âmbito da respectiva impugnação motivada). Mais: trata-se de matéria que configura uma versão fáctica que está em total contradição com a versão que os próprios alegaram na contestação no sentido de que «aceitou a proposta dos legais representantes da A.» e de que «ficou igualmente acordado entre as partes que o Réu apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da referida obra» (e está também em total contradição com a versão alegada pela Autora na petição - «foi celebrado, por forma oral, um contrato… mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global»). Frise-se que, embora as versões alegadas sejam divergentes sobre o conteúdo (ou seja, sobre o montante a ser pago), já são coincidentes no sentido de que, no momento em que acordaram que a Autora realizaria obras na moradia dos Réus, também acordaram sobre o valor a pagar, jamais tendo sido alegado (por nenhuma delas) que só em momento posterior (nomeadamente, após a conclusão da obra) é que acordaram sobre o valor a pagar e/ou que este valor foi determinado apenas por uma das partes (e muito menos foi alegada a existência de um qualquer desconto).
Portanto, em sede de recurso, os Réus/Recorrentes estão a pugnar pela inserção na matéria de facto (no caso, na provada) de uma versão fáctica completamente nova (omitindo em absoluto no recurso que a mesma não foi alegada nos articulados), e dispensam-se de identificar «onde» e «quando» teria sido alegada e/ou de indicar o fundamento pelo qual poderia e deveria ser incluída na decisão de facto. Por um lado, no recurso, aqueles não invocam o vício de deficiência da decisão da matéria de facto em razão de ter sido omitido tal segmento factual e que o mesmo constitui um facto essencial à decisão da causa. Por outro lado, mesmo que considerassem tal segmento factual como um facto essencial, então, como decorre do disposto no art. 5º/1 do C.P.Civil de 2013, tinha que ser obrigatoriamente alegado pelas partes para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal. Por outro lado, ainda, para além de também não ter sido alegado pelos Réus/Recorrentes, tal segmento factual não tem natureza instrumental e muito menos é complementar ou concretizador dos alegados pelas partes (aliás, como supra já se explicou, até tem um sentido completamente contrário aos factos alegados nos articulados sobre este ponto), jamais podendo ser considerado pelo juiz nos termos do nº2 do citado art. 5º. Por último (e para além de igualmente não ter sido invocado como tal), tal segmento factual não tem natureza superveniente nos termos definidos no nº2 do art. 588º do C.P.Civil de 2013.
Assim, esta parte da pretensão impugnativa dos Réus/Recorrentes constitui a alegação de um facto novo (estes procuram mesmo «construir» uma nova versão e realidade em sede de recurso, o que sempre traduziria a dedução de uma questão nova em sede de recurso): o facto que tal segmento contém não foi alegado oportunamente na presente acção (isto é, não foi alegado pelos Réus no articulado de contestação ou em sede de articulado superveniente), e, por via disso, não consta nem pode constar da decisão da matéria de facto que integra a sentença recorrida (isto é, não foi nem podia ser considerada pelo Tribunal a quo na decisão). Estarmos perante um facto não foi articulado (facto novo), o qual, à luz da interpretação conjugada dos nºs. 1 e 2 do art. 5º do C.P.Civil de 2013 (donde decorre o juiz só pode fundar a decisão nos factos essenciais alegados pelas partes), não foi nem podia ser considerado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e, por maioria de razão, está vedada a este Tribunal ad quem a respectiva apreciação no presente recurso,

Logo, nesta parte, a impugnação improcede.
Continuemos a análise da parte remanescente desta pretensão impugnatória.
Relativamente ao facto provado nº5, apesar da motivação quanto à demonstração probatória de toda a factualidade provada ter sido realizada de uma forma global (isto é, sem uma indicação discriminada de qual o meio de prova valorado para cada concreto ponto de facto provado), percebe-se que o Tribunal a quo formou o respectivo juízo no seguinte: na conjugação do depoimento/declarações de parte do Réu e dos depoimentos das testemunhas GG e EE, e considerando que “Embora todos admitam que o contrato de empreitada não foi reduzido a escrito, na verdade resultou provada não só a existência de um acordo formado entre os sócios-gerentes da “EMP02..., Lda.” e os réus, no sentido daquela disponibilizar os seus meios humanos e técnicos (máquinas e equipamentos) para a realização dos trabalhos de remodelação e requalificação de espaço interior e exterior do prédio urbano adquirido pelos réus (donos da obra), incluindo trabalhos de ampliação, a realizar consoante a disponibilidade daquela sociedade (empreiteiro), que foram efectuados e concluídos, em momentos diversos, sempre com preços facturados ao custo de mercado, sem margem de lucro, tal como ainda corrobora o relatório pericial. O apuramento do preço a custos de mercado, ao momento da conclusão de cada trabalho, evidencia que os serviços que foram prestados aos réus pela “EMP02..., Lda.”, foram assim acordados entre ambos em face da posição privilegiada que o réu marido mantinha no universo de empresas do grupo detido por EE e GG, pois que à data era director financeiro da “EMP03...” e da “EMP05...”, prestando serviços à própria “EMP02..., Lda.”, sendo por isso a obra executada sem intenção de obter lucro para a empresa, dada ainda a relação de confiança e amizade à data existente entre aqueles e o réu marido”.
Relativamente ao facto não provado nº1, ao contrário do que os Réus alegam em sede de recurso, inexiste qualquer falta de motivação na sentença recorrida (como já anteriormente se explicou), já que, para além de se ter consignado que “em relação aos pontos 1 a 5 dos factos não provados não foi possível retirar resposta afirmativa, pois que na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal apreciou livremente as provas, segundo a sua prudente convicção - cfr. art. 607.º, n.º 5 do C.P.Civil, sem que fosse possível corroborar a matéria de facto correspondente, com recurso a prova pericial, testemunhal, documental e/ou por meio das declarações ou depoimentos de parte”, consegue alcançar-se que o Tribunal a quo formou o respectivo juízo de não demonstração probatória deste ponto de facto (tal como dos restantes factos não provados) em vários segmentos da fundamentação que desenvolveu quanto à factualidade provada, nomeadamente, no que concerne aos factos provados que são contrários aos factos não provados e no que concerne à desvalorização do depoimento/declarações de parte do Réu e do depoimento da testemunha GG). Logo, esta motivação pode ser ou não correcta, mas jamais padece do vício de insuficiência.
Da prova produzida quanto aos pontos de facto aqui em apreciação (facto provado nº5 e facto não provado nº1), conclui-se, de imediato, que as testemunhas KK, LL, MM, JJ, II e o actual legal representante da Autora (CC) demonstraram total desconhecimento sobre a celebração do «acordo» aqui em causa e dos respectivos termos em que o mesmo assentou. E mais se conclui que toda a prova documental constante dos autos é insusceptível de fornecer qualquer elemento relevante e credível sobre este «acordo» (e os seus termos), tal como a prova pericial igualmente não fornece qualquer elemento relevante e credível nesta matéria (aliás, como resulta do relatório pericial, os Srs. Peritos foram inequívocos a responder que «não encontram qualquer contrato de empreitada, ou documento que indique a forma, data e circunstância em que a “EMP02...” e os Réus acordaram na realização de obras/trabalhos e no correspondente fornecimento de materiais, mão-de-obra e equipamentos no prédio urbano» e que «desconhecem se foi acordado entre as partes que o preço relativo a tais obras/trabalhos e fornecimento de materiais/equipamentos/mão-de-obra corresponderia ao normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão pela "R & N", em relação à obra global»).
Acresce que, embora o Réu e a testemunha EE (no âmbito dos seus depoimentos) tenham referido a sua participação no «acordo», analisando o teor do seu depoimento, constata-se de forma muito clara que a testemunha GG (apesar de ser à época gerente da sociedade Autora) não relatou qualquer tipo de intervenção (participação) da sua parte na formação do mesmo, tal como nada relatou sobre os termos/elementos que o compunham: como está consignado na motivação da sentença recorrida, esta testemunha apenas referiu que as obras em casa do Réu foram realizadas com “meios” da Autora («o CC mandou para lá os trolhas e os pintores para colocar a casa a gosto dele» e «o CC fez-lhe as ditas obras, fazíamos isso a muitos dos nossos funcionários»), acrescendo que nada disse ou explicou sobre «quais foram as obras/trabalhos acordados para serem realizados», e/ou «quando deviam ser», e/ou «se havia ou não preço», e/ou «havendo preço, qual era e quando devia ser pago». Deste modo, sendo este o seu conteúdo, tal depoimento não pode assumir relevância probatória na matéria da celebração do acordo e do seu conteúdo.  
Remanescem o depoimento/declarações de parte do Réu e o depoimento da testemunha EE (gerente da Autora à época).
Analisando o seu teor, afirma-se, desde já, que não podemos concordar com a totalidade do juízo probatório formulado pelo Tribunal a quo nesta matéria, quer porque o sentido de tais depoimentos/declarações contraria grande parte da versão alegada por cada uma das partes nos articulados (nomeadamente, a da própria Autora que está plasmada no ponto de facto provado nº5), quer porque, apesar das contradições que encerram entre si, acabam por serem coincidentes em vários aspectos, cujo sentido é de comprovação de uma realidade diversa de qualquer das versões alegadas nos articulados, quer ainda porque o Tribunal a quo não considerou matéria alegada pelas partes na decisão de facto e que é relevante quanto a estes pontos de facto.
Concretamente sobre o acordo para a realização das obras, o Réu declarou que «as obras foram feitas sem qualquer projecto, não sabia tudo o que ia fazer, e nunca houve plano de trabalhos», que «houve uma conversa com o sr. GG e com o sr. EE em que disse “eu comprei a casa, já posso libertar o apartamento, mas precisava de um apoio, disponibilidade de pessoal”», que «abordei-os dizendo que tinha comprado uma casa e ia precisar de ajuda deles para melhorar as acessibilidades e a circulação dentro da casa» e que «nunca houve estabelecido um preço, nem sabíamos o que íamos fazer». Já a testemunha EE declarou apenas que «o Réu sabia que a Autora fazia um bom trabalho e construção», que «o Réu falou comigo para mandar para lá os trabalhadores», e que «combinámos ir para a obra, não discutimos preços».
Através da conjugação destas declarações (e são estas as únicas que efectivamente produziram nesta matéria), apura-se uma realidade que não coincide na íntegra com aquela que se encontra plasmada no ponto de facto provado nº5.
Tais elementos probatórios coincidem na comprovação de que o Réu solicitou à Autora que procedesse à realização de obras no prédio urbano que ele e a mulher tinham comprado, e que a Autora aceitou fazer as obras, o que traduz um concreto acordo verbal entre as partes (forma verbal que nem sequer é questionada em sede de recurso, sendo certo que não foi apresentado nos autos qualquer documento comprovasse a sua redução a escrito), sendo que esta realidade fáctica está contida (e bem) naquele ponto de facto provado nº5.
Porém, os mesmos elementos probatórios são inequivocamente demonstrativos de que o acordo consistiu apenas em serem realizadas «obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias», conforme expressamente alegado no art. 57º da contestação, mas este segmento factual foi desconsiderado pelo Tribunal a quo na decisão de facto (isto é, não foi incluído nem na factualidade provada nem na factualidade não provada), quando é inquestionável que se trata de matéria essencial e relevante para a apreciação da decisão da causa, designadamente para a qualificação do contrato (negócio jurídico) sobre o qual as partes divergem.
E os mesmos elementos probatórios são também inequivocamente demonstrativos de que o acordo não abrangeu a definição ou fixação de um concreto conjunto de obras/trabalhos a executar e/ou de materiais/equipamentos a fornecer: na verdade, ambos depoentes não confirmaram (nem sequer de forma mínima) que, no acordo, ficou prévia e concretamente determinado que as obras/trabalhos a realizar e os materiais/equipamentos a fornecer consistiam nos «referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial», ou em quaisquer outros concretamente determinados.
Esta realidade fáctica («obras que viessem a revelar-se necessárias») não está plasmada neste ponto de facto provado nº5, sendo que tem um sentido contrário ao segmento factual nele contido e que representa uma imediata definição das obras/trabalhos e dos fornecimentos a realizar pela Autora («obras, trabalhos, fornecer materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial»). Frise-se que, para além do Réu e da testemunha EE terem sido consonantes sobre a inexistência de projecto e de plano de trabalhos relativamente às obras que irão ser realizadas, também a testemunha II (engenheiro da Autora que acompanhou a realização das obras) confirmou a inexistência de qualquer projecto e/ou plano de trabalhos e que foi sempre a Ré (mulher) quem, ao longo do tempo de execução, ia dando indicações sobre quais as obras que queria que fossem realizadas.
Apesar da extensa motivação inserta na sentença recorrida, em nenhum momento o Tribunal a quo identificou e explicou quais foram os segmentos do depoimento/declarações de parte do Réu e/ou do depoimento da testemunha EE (e/ou de qualquer outra testemunha e/ou do actual legal representante da Autora, e/ou de qualquer outro elemento probatório produzido) que, na sua perspectiva, assumiam relevância para formar uma convicção no sentido de que o acordo abarcou uma definição prévia e imediata das obras/trabalhos e/ou dos fornecimentos que seriam realizados. Em rigor, nessa motivação, em nenhum momento o Tribunal a quo extraiu qualquer ilação ou juízo nesse sentido: embora faça várias referências às declarações/afirmações do Réu e da testemunha EE, nenhuma delas versa sobre a existência da aludida «definição prévia e imediata»; e saliente-se que, nessa motivação, concluiu pela formação de um acordo «no sentido daquela disponibilizar os seus meios humanos e técnicos (máquinas e equipamentos) para a realização dos trabalhos de remodelação e requalificação de espaço interior e exterior do prédio», mas sem nunca inferir que houve prévia fixação do que seria realizado e que tal consistia nas «obras, trabalhos, fornecer materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial».
Logo, porque inexistem elementos probatórios que o possam comprovar (e os que existem têm um sentido contrário), estamos perante um erro de julgamento na apreciação probatória do segmento factual que representa a «definição prévia e imediata das obras e trabalhos a realizar», acrescendo que está verificado um vício de deficiência de fundamentação uma vez que o Tribunal a quo não apreciou nem incluiu na matéria de facto (provada ou não provada) um facto essencial para a apreciação da causa («obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias»), vício que é do conhecimento oficioso deste Tribunal a quem e deve ser suprido, tudo ao abrigo dos poderes previstos na alínea d) do art. 662º/2 do C.P.Civil de 2013.  
Assinale-se que a circunstância do conteúdo do acordo celebrado entre Autora e Réu não envolver uma prévia determinação das obras/trabalhos e dos fornecimentos que seriam realizados, não constitui um obstáculo à demonstração probatória do facto que é temporalmente posterior ao acordo e que respeita àquilo que foi efectiva concretamente executado e prestado pela Autora, sendo que, na realidade, tal veio a corresponder ao conjunto de obras/trabalhos e de matérias/equipamentos discriminados nos citados «arts. 9.º e 10.º da petição inicial». Assinale-se que a discriminação constante destes artigos é exactamente a mesma, residindo a diferença entre os dois artigos apenas na circunstância de, no art. 10º, a discriminação ser realizada com a referência temporal da sua execução/prestação. Esta demonstração probatória resulta:
- por um lado, da circunstância de tal facto ter sido alegado nos arts. 8º a 10º da petição e não ter sido validamente impugnado na contestação, já que no art. 105º do articulado de defesa os Réus limitaram-se a alegar genericamente que «é completamente falso que as obras executadas pela A. tenham tido a natureza e dimensão das obras indicadas», mas jamais tomaram uma posição definida relativamente às obras, trabalhos, materiais e equipamentos discriminados na petição, não procedendo a qualquer concretização mínima de quais foram os executados e fornecidos e quais não foram realizados, quando é certo que estamos perante um facto que é (também) pessoal dos Réus (tal execução e fornecimento ocorreram na sua casa, pelo que sabem, e têm que saber, o que foi feito e o que não foi feito) e, por via disso, nos termos do art. 574º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, tal facto considera-se admitido por acordo;
- e, por outro lado, ainda que assim não fosse, então a sua demonstração sempre resultaria da conjugação do depoimento/declarações de parte do Réu (que confirmou e declarou mesmo não ser capaz de «dizer e identificar» um único trabalho/obra/material/equipamento que não tivesse sido realizado e/ou fornecido) com o depoimento da testemunha II (que confirmou a realização e o fornecimento de tudo o que consta discriminado nos documentos de fls. 42v a 46 dos autos) e com o teor do documento de fls. 215 a 219 dos autos (email de 26/12/2016 que a testemunha II remeteu ao Réu, e relativamente ao qual este não «contestou» a falta de execução e/ou de fornecimento de qualquer dos trabalhos, materiais e equipamentos que constam da listagem anexa a tal email), salientando-se que nenhuma prova foi produzida em sentido contrário.
Mas mais se verifica que os mesmos elementos probatórios atestam de forma inquestionável que, aquando do acordo para a realização de obras (e ainda que se possa considerar como uma situação «estranha» e/ou «anómala»), a Autora e o Réu nada combinaram ou ajustaram sobre o pagamento dos trabalhos e fornecimentos, designadamente sobre qual seria o respectivo preço a pagar, sobre qual seria a forma de cálculo do preço, e/ou sobre o momento em que deveria ser pago.
Efectivamente, analisando o teor dos respectivos depoimentos/declarações, verifica-se que, sempre que se pronunciaram sobre o momento em que «acordaram» que a Autora realizaria obras na casa (prédio) dos Réus, nunca afirmaram que, nesse momento, abordaram, discutiram, e ajustaram que os trabalhos e fornecimentos teriam um preço (ou seja, nunca referiram, de forma clara, que haveria lugar a um pagamento correspondente ao valor “x” ou seria calculado segundo a fórmula “y”, e/ou que deveria ser realizado no momento “z”). Muito antes pelo contrário, já que, como supra se reproduziu, o Réu declarou «nunca houve estabelecido um preço» e a testemunha EE declarou que não «discutimos preços». Portanto, nenhum deles confirmou as versões alegadas nos respectivos articulados, tendo sim contrariado frontalmente qualquer delas. Recorde-se que a Autora alegou terem acordado «o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global», versão que foi plasmada no ponto de facto provado nº5, e que os Réus alegaram terem acordado o pagamento do «respectivo custo das obras», versão que o Tribunal a quo não fez constar na decisão de facto, apesar de estarmos perante um facto essencial para a apreciação da causa porque pode relevar para a qualificação do contrato em discussão e porque releva para o apuramento e reconhecimento de obrigação dos Réus relativamente ao pagamento, o que constitui um vício de deficiência da fundamentação de facto, do conhecimento oficioso deste Tribunal a quem e que deve ser suprido, ao abrigo dos poderes previstos na alínea d) do art. 662º/2 do C.P.Civil de 2013.
É certo que o Réu e a testemunha EE produziram declarações relativamente ao preço das obras. Porém, nenhuma dessas declarações se reportou ao momento temporal da formação do acordo (como supra se explicou), mas sim a momentos temporais muito posteriores (aliás, quando as obras já estavam todas executadas), e não podem merecer credibilidade por parte deste Tribunal ad quem, nomeadamente, para a demonstração probatória de qualquer das versões alegadas).
Desde logo, frise-se que, nos respectivos articulados, jamais as partes produziram qualquer alegação de que o preço a pagar pelas obras/fornecimentos foi objecto de negociação ou foi mesmo acordado em momento posterior (designadamente após a respectiva conclusão/prestação), ou foi determinado unilateralmente após esse momento. Assim sendo, todas as declarações que o Réu e a testemunha EE (e/ou a testemunha II) produziram sobre o preço a pagar quando as obras já estavam findas reportam-se a matéria integralmente nova, e que não foi alegada oportunamente nos autos.   
Por outro lado, após ter declarado «nunca houve estabelecido um preço», o Réu entrou em contradição quando, posterior e completamente fora do contexto em que falou daquele acordo, veio a declarar que «o que ficou acordado foi o preço de custo, deduzido de 50%, porque foi um favor que eles me estavam a fazer, porque estavam a poupar por eu ter deixado o apartamento», não concretizando quando e com quem teria celebrado este acordo reportado ao «custo» e ao «desconto», «desconto» este que nem sequer foi por si alegado em sede de contestação (tratando-se, portanto, de um facto completamente novo, como supra se explicou). Mas não se ficou apenas por esta contradição, falta de concretização e «oposição» perante o teor do alegado no articulado de defesa, já que o Réu veio ainda a «introduzir» mais outra e nova versão, quando declarou que «eles sabiam que a empresa me devia dinheiro e que eu, por conta do dinheiro que me deviam, fui fazendo as obras» e que «a obra foi paga, por acordo, com a compensação de créditos que tinha a receber ao longo dos anos», ou seja, dando agora (e apenas agora) a entender que no preço das obras teria que ser descontado o valor de prémios que teria a receber, mas também não concretizou «quando» e «com quem» isso teria sido ajustado. Portanto, as declarações do Réu (aqui em consideração) carecem de objectividade, lógica e coerência para efeitos probatórios da matéria aqui em causa.
Acresce que, após ter declarado «combinámos ir para a obra, não discutimos preços», a testemunha EE veio declarar que «disse ao Réu que vamos fazer o melhor preço e que no fim acertamos contas» e que «quando voltaram para as obras da 2ªfase ainda não havia acerto de preço nenhum das obras da 1ªfase», o que claramente reforça a convicção deste Tribunal ad quem no sentido da inexistência de qualquer acordo entre as partes sobre o preço a pagar (nem sobre como poderia ser calculado e/ou o momento de pagamento), assinalando-se que todas estas declarações estão em manifesta oposição com a versão alegada na petição. Mais se deve assinalar que esta testemunha nunca explicou em que consistia «o preço normalmente praticado no mercado», sendo que esta expressão, ao contrário do que se quis fazer crer em sede de audiência final e agora em sede de contra-alegações de recurso, no seu sentido habitual e normal não corresponde minimamente ao mero «valor de custo», tendo ínsita, em si mesma, uma ideia de «valor comercial» e de «lucro», ou seja, de «preço que normalmente cobrado aos clientes no mercado» (recorde-se que estamos a falar de uma empresa com uma actividade comercial no «mercado»), configurando até uma óbvia contradição quer com o alegado na petição, quer com o teor do seu 1ºpedido (em que a condenação no valor de € 94,701,041, com IVA incluído, é «a título do preço que a Autora normalmente praticava no momento em que as obras/ trabalhos/equipamentos e materiais foram executados e prestados aos RR», e não a título de custo, ou seja, a título de «preço de custo»). Realce-se também que, quando esta testemunha aludiu ao preço «sem margem de lucro» (e fê-lo apenas quando relatou a ordem que, já depois de estarem todas as obras terminadas, deu à testemunha II para cobrar as obras ao Réu, apurando os custos dos trabalhos, materiais e equipamentos e fazendo uma redução de 50% na mão de obra e equipamentos, isto é, tal declaração não se reporta ao momento em que acordaram realizar as obras) está a contrariar frontalmente a versão alegada na petição inicial, e está a introduzir uma nova versão já que nunca alegou que o preço foi acordado ou fixado após o termo das obras e que incluía a margem de lucro (e nem sequer vai «ao encontro» da versão alegada pelos Réus - «preço de custo» -, porque esta reportava-se ao momento do acordo em que foi solicitado a realização das obras, e não ao momento em que as mesmas estavam terminadas, reportava-se a um «acordo» e não a uma decisão unilateral e reportava-se ao custo de todas as obras e trabalhos realizados e a todos os equipamentos e materiais fornecidos, e apenas a mão de obra e equipamentos). Acrescente-se que esta testemunha não logrou dar qualquer explicação para a total ausência de actos da Autora, entre o início de Janeiro de 2012 e final de 2015, no sentido de facturar e cobrar o valor das obras da 1ªfase ao Réu (e que representaram a esmagadora maioria das obras e dos fornecimentos), o que constitui mais um elemento no sentido da inexistência de qualquer acordo sobre o preço a pagar, sobre o seu valor e/ou sobre a sua forma de cálculo. Mas, posterior e repentinamente, a propósito do valor das obras que constava na contabilidade (e sem explicar como lá estavam e sem explicar qual a finalidade de tal «contabilização»), esta testemunha veio declarar que «nós fizemos-lhe um desconto de 50% daquilo que era mão-de-obra e camiões e máquinas, e ele aceitou isso», declaração esta que se revela, em primeiro lugar, ininteligível já que não estando previamente fixado qualquer preço, ou forma de cálculo do mesmo, não se vislumbra como é que se pode fazer/aplicar um desconto de 50% sobre um preço que «não existia» e, em segundo lugar, configura (mais) uma nova versão relativamente ao teor do alegado no articulado inicial (ou seja, um facto novo), e que até está em absoluta oposição que com o «novo» segmento factual que os Réus/Recorrentes pretendiam incluir neste ponto de facto («só após a conclusão da obra o critério foi estabelecido unilateralmente pela autora», ou seja, fixado sem aceitação do Réu), pelo que esta declaração não tem qualquer objectividade, lógica e coerência (aliás, a alegada aceitação não é suportada por qualquer outro elemento probatório, frisando-se que a resposta dada pelo Réu aos então gerentes da Autora na sequência do citado email de 26/12/2016 que a testemunha II lhe remeteu - documento de fls. 215 a 219 dos autos -, não contém qualquer aceitação e muito antes pelo contrário, já que o Réu declara que tem a intenção de discutir as «contas», o que não traduz uma aceitação).
Também neste ponto, e apesar da extensa motivação, o Tribunal a quo não identificou nem explicou quais foram os segmentos do depoimento/declarações de parte do Réu e/ou do depoimento da testemunha EE (e/ou de qualquer outra testemunha e/ou do actual legal representante da Autora), ou quais foram os outros elementos probatórios que, na sua perspectiva, assumiam relevância para comprovar que o acordo abrangeu a fixação do «preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global».
Assinale-se que, embora não tenha participado na negociação e celebração do acordo, a testemunha II também referiu «quando começaram as obras não havia preço fixado e era impossível fixar preço porque não se sabia o que se ia fazer», o que constitui mais um elemento probatório no sentido da ausência de um acordo prévio quanto a um preço e ao respectivo pagamento. 
Importa salientar que, para além do supra exposto, mais se depreende do conjunto das declarações produzidas pelo Réu e pela testemunha EE que a «matéria» respeitante ao valor a pagar pela execução das obras, ficou numa espécie de «limbo» (de incerteza e indefinição), não sendo alvo de negociação e de consenso, situação que se manteve muito para além do momento de acordo: com efeito, tendo a esmagadora maioria das obras terminado em ../../2011 («1ªfase») e tendo ocorrido um interregno de mais de 3 anos e meio até ao reinício de novas obras (em ../../2014), como já se referiu, nunca a Autora praticou um acto com vista a facturar e cobrar ao Réu um qualquer valor pela sua execução, o que se prolongou até o termo das obras da «2ªfase» (../../2016); e nenhum deles concretizou uma única situação em que tenha havido uma conversa/reunião entre ambos (e/ou com terceiros) para discutirem o valor das obras e/ou o seu pagamento quer durante a «1ªfase», quer no intervalo das duas fases, quer durante a «2ªfase». Embora a testemunha EE tenha aludido a «reuni com o Réu», «tivemos várias conversas sobre o fecho da obra» e «tentei chegar a acordo», foram referências vagas e genéricas, sem qualquer concretização temporal e/ou explicação do que foi discutido. Apenas após a conclusão da «2ªfase», quando já pendia um conflito entre os então sócios da Autora (as testemunhas EE e GG, conflito claramente confirmados pelos seus depoimentos) e quando as relações entre a testemunha EE e o Réu «já não eram boas» (conforme reconhecido pela própria testemunha, embora esta tenha indicado como respectiva razão «a tentativa de chegar a acordo para o Réu pagar as obras», enquanto a testemunha GG e o Réu indicaram como respectiva razão «os problemas surgidos na divisão do grupo»), é que a Autora praticou actos com vista à cobrança das obras: primeiro, através do já aludido email de 26/12/2016, que ocorre 6 meses depois do termo da 2ªfase (em ../../2016); e depois através da carta datada de 06/02/2020, acompanhada de factura no valor de € 94.701,41 (cfr. documentos de fls. 65v e 66 dos autos), carta esta emitida já pelo novo presidente do «CA» da Autora (filho da testemunha EE).  
Nestas circunstâncias, a consignação do segmento factual «mediante preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global» na factualidade provada (ponto nº5), porque não assente em quaisquer elementos probatórios relevantes e credíveis, configura um erro de julgamento, devendo transitar para a factualidade não provada, tal como na factualidade não provada deve ser incluído o facto alegado (mas não tido em conta) «ficou acordado entre as partes que o Réu apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da referida obra», com vista a ser suprido oficiosamente o respectivo vício da deficiência de fundamentação, ao abrigo dos poderes previstos na alínea d) do art. 662º/2 do C.P.Civil de 2013.
Sucede que, embora não se possa considerar probatoriamente demonstrado que foi acordado o «preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global» ou o «custo efectivo da referida obra», é absolutamente certo que, nos presentes autos, está provado que «o Réu marido se obrigou a pagar à Autora as obras» (o que é uma realidade distinta da existência ou não de acordo sobre qual o concreto valor a pagar ou sobre qual forma de apuramento desse valor).
Com efeito, a prova de tal realidade resulta da posição assumida pelas partes nos seus articulados: tendo a Autora alegado que as obras seriam pagas pelo «preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global» (cfr. o aludido art. 5º da petição inicial), em sede de contestação, os Réus não negaram (de forma directa nem indirecta) a obrigação de pagamento das obras, antes pelo contrário, reconheceram expressamente que o acordo incluía a obrigação do Réu marido pagar as obras (cfr. arts. 56º a 58º da contestação), limitando-se a impugnar (de forma motivada) qual era o valor a pagar (era apenas o «custo efectivo das obras» - cfr. art. 58º da contestação), a impugnar a existência da fixação ou determinação de preço (no art. 103º da contestação, mas aqui até de forma contraditória com a alegação anterior de que acordaram «o custo efectivo das obras», mas ainda assim sem nunca impugnarem especificadamente a existência da obrigação de pagamento das obras), e a excepcionar a liquidação do custo efectivo das obras realizada pelo Réu marido (cfr. arts. 58º, 60º e 61º da contestação), o que, para além do mais, constitui, em si mesmo, mais um reconhecimento expresso da obrigação do Réu pagar as obras (e assinala-se que, quando alegam «a falta de interpelação durante 9 anos», relacionam-na com a alegada liquidação e não com qualquer inexistência da obrigação de pagamento). Mais: mesmo quando alegam a inexistência de contrato de empreitada, os Réus fundam tal alegação em ser outro o contrato celebrado entre as partes (contrato atípico e celebrado no âmbito das relações laborais e profissionais), mas jamais negam a existência da obrigação do Réu pagar as obras (cfr. arts. 49º a 58º da contestação). Por último, também quando nos arts. 103º, 113º e 114º da contestação, voltam a negar a existência de contrato de empreitada, a falta de fixação de preço e a inexistência de dívida respectivamente, nunca (nem sequer de forma indirecta) negam a existência da obrigação de pagamento das obras. 
Por conseguinte, esta realidade - «o Réu marido obrigou-se a pagar as obras» - está provada quer por acordo (para além de não ter sido concretamente impugnada - cfr. art. 574º/1 do C.P.Civil de 2013 -, os Réus confirmaram-na), quer por confissão (foi expressamente reconhecida – “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” - art. 352º do C.Civil)
Por conseguinte, o facto correspondente a tal realidade deve ser incluída nos factos provados, designadamente no ponto de facto provado nº5, quer por força do disposto no art. 607º/4 do C.P.Civil de 2013 (aplicável por força do art. 663º/2 do mesmo diploma), quer ao abrigo dos poderes previstos na alínea d) do art. 662º/2 do C.P.Civil de 2013 (uma vez que se trata de um facto relevante para a decisão e que, embora alegado, não foi considerado na decisão recorrida, ocorrendo aqui um vício da deficiência de fundamentação que deve ser suprido oficiosamente). E sempre se saliente que no seu depoimento/declarações, o Réu sempre admitiu e reconheceu a sua obrigação de pagamento das obras (como resulta do anteriormente exposto, apenas “discutiu” o valor que devia pagar e apenas “procurou” afirmar que já havia pago o valor devido), obrigação que, no seu depoimento, a testemunha NN também afirmou existir, mais se recordando que mesmo a testemunha GG acabou por confirmar a existência de tal obrigação (como resulta do anteriormente exposto, “procurou” afirmar que, o valor que o Réu devia pagar pela realização das obras, foi objecto de um acordo com a testemunha EE no sentido de não ser exigido, acordo que teria sido celebrado aquando da «partilha do grupo»).       
Abordando agora o ponto de facto não provado nº1, afigura-se-nos que, perante o teor do depoimento/declarações de parte do Réu e do depoimento das testemunhas GG e EE, o acordo teve como pressuposto as relações profissionais existentes entre o Réu e as várias empresas do grupo, empresas das quais os referidos GG e EE eram (então) únicos sócios e/ou accionistas e legais representantes. Com efeito, da sua conjugação depreende-se que tais relações profissionais (o Réu era director financeiro das empresas «EMP05...» e «EMP03...» mas também prestava tais funções para as restantes empresas do grupo, incluindo a Autora, sendo que o Réu realizava toda a sua actividade em contacto e conjugação directa com ambos) fizeram surgir uma relação de grande confiança entre o Réu e os referidos GG e EE (relativamente a este até está plasmada no facto provado nº23), tendo sido neste “quadro” que o Réu solicitou a «ajuda» da empresa Autora para realizar as obras na sua casa, que a testemunha EE aceitou tal solicitação (como o Tribunal a quo consignou na motivação a propósito das declarações desta testemunha, «explicou que o réu marido foi director financeiro da EMP05... e da EMP03..., funções que iniciou em 1999/2000, após convite do GG e do próprio, pelo que aceitaram fazer a execução da obra…»), e que a testemunha GG explicou que era habitual a Autora fazer obras para os seus colaboradores.
Já quanto ao segmento «relações laborais» que integra este ponto de facto não provado nº1, tomando tal expressão no sentido que os Réus/Recorrentes lhe pretendem atribuir, isto é, do custo do alojamento do Réu ser da responsabilidade da Autora ou de outra qualquer empresa do grupo (cfr. facto não provado nº3), importa desde já afirmar que, nem nas próprias alegações (motivação) de recurso aqueles explicaram ou justificaram a demonstração probatória deste segmento (não concretizaram qualquer elemento probatório donde o mesmo pudesse emergir) e limitaram-se sempre a referir «relações profissionais» (nunca produzindo uma palavra sobre as «relações laborais»). Acresce que, nas declarações que produziram sobre a formação do acordo, jamais o Réu e/ou a testemunha EE fizeram qualquer referência a que acordo tivesse algum tipo de conexão com qualquer direito contratual do Réu de natureza laboral, nomeadamente relativamente ao custo do alojamento. Deste modo, inexiste qualquer elemento probatório relevante e credível para atestar a verificação deste segmento factual, pelo que, quanto a este aspecto, concorda-se com o juízo probatório do Tribunal a quo.
Em face das razões (fundamentos) supra elencadas, no nosso entendimento, os elementos probatórios que são efectivamente relevantes e credíveis quanto a estes pontos de facto impõem manifesta e necessariamente um juízo probatório distinto do formado pelo Tribunal a quo, pelo que este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, nos sentidos probatórios supra identificados (e que incluiu a supressão oficiosa dos vícios da deficiente fundamentação supra identificados), procedendo, assim, parcialmente esta parte da impugnação dos Réus/Recorrentes.
Em consequência, determina-se:  
- que o facto provado nº5 passe a ter a seguinte redacção - «Entre a referida sociedade e o réu marido foi celebrado, no ano de 2011, e por forma verbal, um acordo através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ..., e o segundo obrigou-se a pagar as obras, tendo no âmbito deste acordo a Autora realizado as obras e trabalhos e fornecido os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido»;
- que a redacção do facto não provado nº1 passe a ser a seguinte - «O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações laborais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas»;
- que seja aditado um facto provado nº26 com o seguinte teor - «O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e a “EMP03...” e os seus accionistas»;
- que seja aditado um facto não provado nº6 com o seguinte teor - «No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu acordaram que as obras seriam realizadas mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global»;
- e que seja aditado um facto não provado nº7 com o seguinte teor - «No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu mais acordaram que este apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da obra».

Quanto à alteração do facto provado nº7.
Os Réus/Recorrentes pretendem que seja eliminado do facto provado nº7 o segmento «cujo preço importou no valor global de 93.592,94 Euros (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído», e que lhe seja adicionado o seguinte segmento: «tendo após a conclusão das obras, a Recorrida/EE fixado que o valor a pagar pelo réu marido seria correspondente à 50% (cinquenta por cento) dos custos incorridos com o pessoal e equipamentos pela Recorrida para a realização da obra, cujo valor apurado para este efeito foi de € 37.840,18 (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos), conforme constava na contabilidade da Recorrida, independentemente do valor total e global de todos os custos (100%) incorridos com a obra».
No âmbito desta matéria, relembra-se o que foi efectivamente alegado pelas partes nos seus articulados: de um lado, tendo invocado que «se obrigou a realizar para os RR. as obras … mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global», mais alegou a Autora que «mediante carta registada, com aviso de recepção… endereçou ao R. marido a factura nº ...0, no indicado valor global de 94.701,041 Euros relativa ao preço apurado dos supracitados trabalhos de construção civil, correspondente ao preço real e efectivo daqueles» (cfr. os respectivos arts. 5º e 17º); e, de outro lado, tendo invocado que «os legais representantes da A. interpelaram o Réu no sentido de a sociedade A. proceder à execução das referidas obras, apenas pelo seu respectivo custo», mais alegaram os Réus que «a obra executada foi lançada na contabilidade a título de custo pelo montante de € 37.840,18» (cfr. os respectivos arts. 56º e 60º).
Sendo este o “quadro alegatório” inserto nos articulados (que não foi objecto de modificação), então também neste caso facilmente se conclui que o segmento factual consistente em «tendo após a conclusão das obras, a Recorrida/EE fixado que o valor a pagar pelo réu marido seria correspondente à 50% (cinquenta por cento) dos custos incorridos com o pessoal e equipamentos pela Recorrida para a realização da obra» (que, através da presente impugnação, os Réus/Recorrentes querem incluir no ponto de facto provado nº7) configura matéria de facto totalmente nova, não alegada/articulada pelas partes, nomeadamente pelos Réus/Recorrentes (fosse no âmbito da apelidada excepção peremptória da inexistência de contrato de empreitada», fosse no âmbito da respectiva impugnação motivada). Aliás, este segmento factual é, quanto ao seu conteúdo, praticamente igual ao do segmento factual que os Réus/Recorrentes pretendiam (infundadamente, como se viu) «adicionar» ao facto provado nº5 («só após a conclusão da obra o critério foi estabelecido unilateralmente pela autora, devendo o réu marido suportar 50% dos custos apurados com a obra»), pelo que valem aqui todas as considerações jurídicas supra realizadas e que conduzem à improcedência desta parte da pretensão impugnativa dos Réus/Recorrentes:
- trata-se de matéria que configura uma versão fáctica que está em total contradição com a versão que os próprios alegaram na contestação no sentido de que «a obra seria executada apenas pelo seu respectivo custo» (e está também em total contradição com a versão alegada pela Autora na petição - «preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global»);
- nesta sede de recurso, os Réus/Recorrentes estão a pugnar pela inserção na matéria de facto (no caso, na provada) de uma versão fáctica completamente nova, omitindo em absoluto que jamais foi alegada nos autos, e até se dispensam de identificar «onde» e «quando» teria sido alegada e/ou de indicar o fundamento pelo qual poderia e deveria ser incluída na decisão de facto;
- mesmo que considerassem tal segmento factual como um facto essencial, então, como decorre do disposto no art. 5º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, sempre teria que ser obrigatoriamente alegado pelas partes para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal, o que não sucedeu;
- para além de também não ter sido alegado pelos Réus/Recorrentes, tal segmento factual não tem natureza instrumental e muito menos é complementar ou concretizador dos alegados pelas partes (aliás, como supra já se explicou, até tem um sentido completamente contrário aos factos alegados nos articulados sobre este ponto), jamais podendo ser considerado pelo juiz nos termos do nº2 do citado art. 5º;
- e tal segmento factual não tem natureza superveniente definida no nº2 do art. 588º do C.P.Civil de 2013.
Deste modo, esta parte da pretensão (que, em rigor, é uma repetição) constitui a alegação de um facto novo, que não foi articulado, o qual, à luz da interpretação conjugada dos nºs. 1 e 2 do art. 5º do C.P.Civil de 2013 (donde decorre o juiz só pode fundar a decisão nos factos essenciais alegados pelas partes), não foi nem podia ser considerado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e, por maioria de razão, este Tribunal ad quem está impedido de proceder à sua apreciação. Por via disso, nesta parte, a impugnação improcede.
No que concerne ao segmento «cujo valor apurado para este efeito foi de € 37.840,18 (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos), conforme constava na contabilidade da Recorrida, independentemente do valor total e global de todos os custos (100%) incorridos com a obra», entendemos que a 1ªparte do mesmo (desde «cujo valor» até «na contabilidade da recorrida») corresponde à matéria que integra o ponto de facto não provado nº5 (designadamente, a sua 1ªparte), sendo que, embora este ponto de facto também tenha sido impugnado, foi-no em conjunto com a impugnação dos pontos de facto provado nº14 e não provado nº4 (cfr. p. 55 e segs. das alegações dos Réus/Recorrentes), pelo que se relega a sua apreciação para o momento em que será analisada tal parte da impugnação. Já relativamente à 2ªparte do segmento em causa (desde «independentemente» até «com a obra»), constitui, uma vez mais, a alegação de matéria de facto totalmente nova, jamais aduzida pelas partes nos articulados (nomeadamente pelos Réus/Recorrentes), pelo que, como já se referiu, atento o disposto no art. 5º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, não foi nem podia ser considerado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e, por maioria de razão,  sendo insusceptível de ser considerada e apreciada pelo Tribunal ad quem no recurso. Assim, nesta parte, a impugnação também improcede.
Quanto à parte remanescente desta pretensão impugnatória.
Ao contrário do que os Réus/Recorrentes querem fazer crer na respectiva motivação, a matéria de facto em causa neste segmento final do ponto provado nº7 («cujo preço importou no valor global de 93.592,94 Euros, com IVA incluído») não diz respeito ao facto sobre ter havido, ou não, acordo entre as partes sobre o valor a pagar pela execução das obras e/ou sobre a forma de cálculo desse valor (a tal matéria reporta-se, como vimos, o ponto de facto provado nº5) e nem diz respeito ao facto de ter havido, ou não, uma fixação unilateral do preço pela Autora após a conclusão das obras (tal matéria, como já se explicou suficientemente, é uma questão nova). A matéria de facto aqui em causa diz respeito, sim e apenas, ao apuramento do valor/preço corrente praticado no mercado («preço real e efectivo») relativamente à globalidade das obras/trabalhos executados e dos materiais/equipamentos fornecidos, isto independentemente da existência de prévio acordo sobre o preço e/ou desse acordo ser neste sentido), o que está conexionado com a versão alegada pela Autora de que os Réus teriam que pagar «o preço normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global» (e que está ainda conexionada com a alegação da Autora de que o «valor global de € 94.701,041 inscrito na factura ...0 correspondente ao preço real e efectivo dos trabalhos de construção civil»).
O Tribunal a quo fundou o respectivo juízo «positivo» quanto a este segmento factual na prova pericial nos seguintes termos: «(…) no cálculo efectuado no relatório indicaram os preços de mercado (…) Apesar dos peritos terem indicado na resposta aos quesitos valores finais distintos entre si para o valor global dos trabalhos realizados, a diferença de resultado nem sequer é relevante, já que do Perito da autora para o Perito do Tribunal a diferença é de apenas de mil cento e oito euros, enquanto o do Perito dos réus para o Perito do Tribunal é de cerca de nove mil trezentos e dezanove euros. Face a tal levará o Tribunal em conta o valor indicado pelo Perito do Tribunal, cujos critérios se nos afiguraram claros e objectivos, e foram esclarecidos em audiência de forma assertiva e isenta, além de que não mantém esta ligação com as partes, ao contrário dos demais, daí que nenhum interesse aquele também tenha no desfecho dos autos».
Ora, na respectiva motivação, os Réus/Recorrentes não deduzem um único argumento que possa «abalar» esta fundamentação, isto é, não concretizam qual o erro da avaliação probatória que Tribunal a quo realizou das respostas dos peritos nesta específica matéria (designadamente as respostas ao quesito 4º dos Temas da Prova e aos quesitos 1º e 2º formulados pela Autora - cfr. relatório pericial de fls. 180v a 198v dos autos), e não invocam qualquer outro meio probatório produzido com vista a contrariar aquela avaliação probatória. Por um lado, limitam-se a discorrer sobre uma realidade que não foi alegada nos autos (e que constitui uma questão nova, como supra se explicou) e, por outro lado, a pugnar pela demonstração probatória do valor de custo das obras  lançado na contabilidade, questão que, como anteriormente se referiu, será apreciada aquando da análise da impugnação sobre o ponto de facto não provado nº5, salientando-se que uma questão é apurar qual o valor de custo das obras lançado na contabilidade da empresa Autora (e que tem conexão com a versão alegada pelos Réus de que apenas tinha que pagar o «respectivo custo») e que outra questão é apurar qual o preço corrente de mercado do valor global das obras e dos fornecimentos («preço real/efectivo») que, como já se afirmou, é a concreta questão em causa neste ponto de facto.
Para além desta ausência de argumentação (e crítica) à fundamentação do Tribunal a quo quanto ao segmento factual aqui em análise (o que por si só atesta a falta de fundamento desta parte da impugnação), procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria factual, considerada toda a prova produzida à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem tem que concluir que o Tribunal a quo incorreu num erro, ainda que parcial, na avaliação probatória deste segmento factual mas nunca poderia concluir no sentido da sua integral falta de demonstração probatória, com defendem os Réus/Recorrentes.
Explicando. 
Das respostas ao quesito 4º (que advém dos Temas da Prova) e aos quesitos 1º e 2º que correspondem aos formulados pela Autora (cfr. relatório pericial de fls. 180v a 198v dos autos) decorre inequivocamente que os Peritos apuraram os preços correntes de mercado das obras/trabalhos executados e dos materiais/equipamentos fornecidos pela Autora ao Réu (e que estão assentes no âmbito do facto provado nº5), tendo divergido quanto ao seu valor global, tendo o Perito indicado pelo Tribunal considerado o total de € 94.701,41 (com IVA), tendo o Perito indicado pela Autora considerado  total de € 93.592,94 (com IVA), e tendo o Perito indicado pelos Réus considerado o total de € 85.382,38 (com IVA).
Analisando o anexo a tais respostas (cfr. fls. 194 a 198v), em que cada Peritos se pronunciou sobre cada um dos «item» em que estão discriminados as obras/trabalhos e os materiais/equipamentos, verifica-se que os mesmos estão de acordo quanto ao valor da esmagadora maioria daqueles «item», apenas divergindo quanto aos seguintes: «1.1.Escavação perimétrica no lado norte, sul e poente da habitação para criação de cotas e plataformas de trabalho, incluindo remoção de terras a vazadouro», «1.2 Rebaixamento de muros em cantaria de pedra, para obtenção de cotas inferiores, incluindo respectivo transporte a vazadouro», «1.3 Escavação para implantação de piscina e apoio na execução da mesma», «2.3 Fornecimento e montagem de muros em cantaria de pedra com acabamento em dupla face, lado sul e poente da habitação», «5.3 Ampliação da habitação (piso sobre a sala de estar) - Piso(0)», «5.4 Construção de cobertura/terraço (zona da churrasqueira) - Piso(0/-1), «5.5.2 Execução de anexo, composto por dois pisos, com fornecimento e execução de estrutura em betão armado constituída por sapatas de fundação, pilares, vigas e lage aligeirada, incluindo transporte, montagem, desmontagem, óleo descofrante e limpeza de cofragem e erspectivo escoramento; fornecimento, colocação, carga e descarga, desperdícios e empalmes e elementos de montagem de armaduras certificadas em aço A400 NR, e todos os trabalhos, materiais  execução de acordo com o projecto de execução, para biblioteca e sala de estar», «5.5.3 Pavimento Térreo», «6.2 Trabalhos preparatórios para impermeabilização das coberturas acessíveis (sistema de impermeabilização com tela asfáltica dupla), incluindo regularização da base, execução de pendentes, fornecimento e aplicação de isolamento térmico, e respectivo acabamento com fornecimento e aplicação de godo, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários à sua boa execução», e «7.1.1 Fornecimento e execução de regularização de pavimentos interiores em betonilha».
No que concerne ao item «1.1», o Perito «do Tribunal» aceita o valor unitário de € 4.040,00 constante do mapa de mediação apresentado pela Autora (cfr. documento de fls. 169 a 171), o Perito «da Autora» indicou o valor de € 3.984,00 (considerando uma quantidade de € 498m2 e um preço de € 8,00/m2), e o Perito «dos Réus» indicou o valor de € € 2.988,00 (considerando uma quantidade de € 498m2 e um preço de € 6,00/m2). Recorde-se que estamos a determinar um valor por referência ao «preço corrente de mercado» (que podem ter variações de empresa para empresa), pelo que diferenciando os valores indicados pelo Perito «do Tribunal» e pelo Perito «da Autora» € 56,00 (4.040,00-3.984,00), não tendo o Perito «dos Réus» justificado minimamente o preço de € 6,00/m2, afigura-se-nos como adequado e coerente o valor indicado pelo Perito «do Tribunal», acrescendo que se justifica conceder maior credibilidade ao seu «parecer» porque, como bem salientou o Tribunal a quo, não tem ligação a qualquer das partes.
No que concerne ao item «1.2», o Perito «do Tribunal» indicou o valor de € 1.500,00 (constante do referido mapa de mediação e considerando uma quantidade de 60 ml e um preço de € 25,00/ml, que se encontram consignados nos documentos de fls. 42v a 46v - «descrição de trabalhos» e «cronologia dos trabalhos»), o Perito «da Autora» indicou o valor de € 1.425,00 (considerando uma quantidade de 57 ml e um preço de € 25,00/ml), e o Perito «dos Réus» indicou o valor de € 990,00 (considerando uma quantidade de 49,50 m2 e um preço de € 20,00/m2). Sucede que, por força de estar provado (para além do mais) que «a Autora realizou as obras e trabalhos e fornecido os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial» (cfr. facto provado nº5), então está assente que a quantidade deste trabalho é de «60 ml», pelo que não podem ser consideradas outras quantidades (nomeadamente, inferiores). Deste modo, considerando a quantidade de «60 ml» e verificando-se que dois dos Peritos (o «do Tribunal» e o «da Autora») estão de acordo com ao respectivo preço (€ 25,00/ml) e não tendo o Perito «dos Réus» justificado minimamente o preço inferior que indicou, entendemos como adequado e coerente o valor indicado pelo Perito «do Tribunal».
A maior divergência entre os Peritos ocorre relativamente ao item «1.3»: o Perito «do Tribunal» aceita o valor unitário de € 1.506,00 constante do referido mapa de mediação; o Perito «da Autora» indicou o valor de € 736,00 (considerando uma quantidade de € 92,00m2 e um preço de € 8,00/m2); e o Perito «dos Réus» indicou o valor de € 607,20 (considerando uma quantidade de € 101,20m2 e um preço de € 6,00/m2). Embora tenha indicado um valor distinto, é o próprio Perito «da Autora» que acaba por admitir a correcção do valor indicado pelo Perito «do Tribunal», tendo expressamente consignado que «admite que o valor adicional reclamado para perfazer os 1.506,00€, se reporte à disponibilização de máquina retroescavadora dos AA existente em obra no apoio à execução e tal obra por parte de outra empresa contratada pelos RR, nomeadamente na cofragem, betonagem e aterro do tardoz dos muros da piscina (por um valor unitário de 35,00 €/h e por um período total de cerca de 22,00h). Uma vez que esta “admissão” do Perito «da Autora» confere maior sustentação ao valor indicado pelo Perito «do Tribunal» e não tendo o Perito «dos Réus» justificado minimamente o «preço de € 6,00/m2», temos por adequado e razoável aceitar   o valor indicado pelo Perito «do Tribunal» (até porque, como se disse, justifica-se conceder maior credibilidade ao seu «parecer» em razão da ausência de ligação a qualquer das partes).
No que concerne ao item «2.3», os Peritos «do Tribunal» e «da EMP08...» estão em consonância quanto ao valor de € 2.960,00, considerando ambos a quantidade de 40 ml e um preço de € 74,00/ml. O Perito «dos Réus» indicou o valor de € 2.000,00, considerando um preço de € 50,00/ml. Ponderando o acordo entre dois dos peritos (os «do Tribunal» e «da Autora») e que o Perito «dos Réus» não justificado minimamente o preço (por m2) inferior que indicou, entendemos como adequado e coerente o valor indicado pelos dois referidos Peritos.
Este mesmo raciocínio tem que ser aplicado aos item «5.3.1», «5.4.1», «5.5.2», «5.5.3», «6.2» e «7.1.1»: com efeito, relativamente a todas as obras aqui em causa, os Peritos «do Tribunal» e «da Autora» coincidem quanto às quantidades de m2, aos preços por m2 e aos valores globais (respectivamente, € 11.200,00, € 4.800,00, € 14.400,00, € 810,00, € 4.320,00 e € 1.620,00). Já o Perito «dos Réus» atribui preços por m2 sempre inferiores aos indicados pelos dois outros Peritos e, por via disso, considerou valores globais também inferiores. Ponderando o acordo entre dois dos peritos (os «do Tribunal» e «da Autora») e que o Perito «dos Réus» não justificado minimamente os preços (por m2) inferiores que indicou, entendemos como adequado e coerente os cinco valores indicados pelos dois referidos Peritos.
Acresce que o teor do documento de fls. 215 a 219 dos autos também reforça a credibilidade do valor total indicado pelo Perito «do Tribunal». Como já se referiu, tal documento corresponde ao email de 26/12/2016 que a testemunha II remeteu ao Réu, email esse que está acompanhado por listagem com a mão-de-obra, equipamentos e materiais fornecidos, sendo que os valores parcelares (sem o desconto de 50% aí referido quanto à mão-de-obra e equipamentos) totalizam € 76.993,02 (51.560,00+8.560,00+16.873,02), que acrescido de IVA à taxa de 23% (€ 17.708,39), que perfaz precisamente o valor de € 94.701,41, que foi indicado pelo Perito «do Tribunal». Saliente-se que tal listagem também foi elaborada pela testemunha II, que a confirmou no âmbito do seu depoimento (nomeadamente, quanto às «quantidades» e aos «valores»), sendo que a mesma foi elaborada num momento temporal mais próximo das datas de execução das obras do que o momento temporal em que foi realizada a perícia, pelo que é de pressupor que os valores consignados nessa listagem estejam mais de acordo com os preços correntes de mercado que eram praticados à época.
Por força das razões (fundamentos) supra elencadas, no nosso entendimento, a prova produzida nos autos e que é relevante nesta matéria é suficientemente consistente para demonstrar que as obras/trabalhos executadas e os materiais, mão-de-obra e equipamentos fornecidos «ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de 94.701,41 Euros, com IVA incluído», importando frisar que inexistem quaisquer elementos probatórios credíveis e relevantes em sentido contrário a esta realidade (designadamente, no sentido da sua não demonstração probatória como pugnaram os Réus/Recorrentes).
Nestas circunstâncias, quanto este segmento factual do ponto de facto provado nº7, verifica-se que a decisão de facto do Tribunal a quo padece de erro de julgamento em duas vertentes: por um lado, embora na respectiva motivação tenha aderido ao valor global indicado pelo Perito «do Tribunal» (recorde-se que, na respectiva fundamentação, afirmou que «levará o Tribunal em conta o valor indicado pelo Perito do Tribunal»), o Tribunal a quo acabou por consignar o valor de € 93.592,94 que correspondente ao indicado pelo «Perito da Autora» e não ao valor efectivamente indicado pelo Perito «do Tribunal» que foi de € 94.701,41 (e como supra se concluiu, é o valor que deve ser aceite como demonstrado); e, por outro lado, limitou-se a reportar o valor ao «preço» sem consignar que o mesmo corresponde a «preços correntes de mercado», conforme foi alegado pela Autora, conforme consta dos quesitos formulados para os Peritos responderem e conforme foi considerado pelos mesmos nas respostas que produziram.
Por via disso, conclui-se, de forma manifesta, que existem elementos probatórios relevantes e credíveis que impõem um juízo probatório parcialmente distinto do formado pelo Tribunal a quo, sendo que este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido de que, quanto ao segmento factual em análise, está probatoriamente demonstrada a ocorrência da realidade fáctica supra identificada. Desta forma, também nesta parte, a impugnação improcede.
Ainda quanto a este ponto de facto provado nº7, apesar de não ter sido suscitada por nenhuma das partes, verifica-se que o Tribunal a quo consignou (na sua parte inicial) que «no âmbito das obrigações a que se vinculou», segmento este que não assume qualquer natureza fática, configurando sim, e tão só, matéria de índole conclusiva e de índole jurídica. Com efeito, perante o objecto do presente litígio, no qual, para além do mais, se discute e está controvertido se entre as partes foi ou não celebrado um contrato de empreitada previsto no art. 1207º do C.Civil  e se peticiona o pagamento do respectivo preço, então a utilização das palavras «obrigações» e «vinculou» e a dedução de que as obras foram realizadas «no âmbito» das referidas «obrigações a que se vinculou» correspondem, respectivamente, à utilização de expressões técnico-jurídicas de cujo sentido real depende a qualificação do negócio jurídico alegadamente celebrado entre as partes, e à formulação de um juízo conclusivo está directamente conexionado com um dos thema decidendum da presente acção. Deste modo, este segmento representa matéria conclusiva e de direito e insere mesmo numa das respostas jurídicas a obter com vista a decidir a questão jurídica fundamental, configurando uma deficiência da decisão de facto e não podendo constar da mesma (isto é, não pode integrar quer os factos provados, quer os factos não provados), devendo ser eliminado da decisão de facto, o que se deve determinado de forma oficiosa, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013.
Em consequência, determina-se que o facto provado nº7 passe a ter a seguinte redacção - «A “EMP02... Lda.” executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, que ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de 94.701,41 Euros (noventa e quatro mil setecentos e um euros e quarenta e um cêntimo), com IVA incluído».
Quanto à alteração do facto provado nº8.
Os Réus/Recorrentes pretendem que este ponto de facto passe a ter a seguinte redacção: «Tais obras e trabalhos ocorreram em duas fases, ou seja, em datas indeterminadas no período compreendido entre fevereiro e ../../2011 (1ª fase), e, em datas indeterminadas no período compreendido entre ../../2014 a ../../2016 (2.ª fase)».
Fundam esta parte da impugnação, essencialmente, na diversa prova documental e prova testemunhal que indicam, mas acabam por aludir à «posição não controvertida das partes quanto aos períodos temporais de realização dos trabalhos».
No âmbito deste ponto de facto, o Tribunal a quo considerou provado que «Tais obras e trabalhos ocorreram em duas fases, ou seja, entre datas indeterminadas dos anos de 2011/2012 (1ª fase) e entre datas indeterminadas dos anos de 2016/2017 (2.ª fase)», ou seja, entendeu estar provado que ocorreram em períodos temporais parcialmente distintos.  
Sucede que, atentando ao teor da petição inicial, verifica-se que, no respectivo art. 8º, a Autora alegou que “As referidas obras, trabalhos, fornecimento de mão de obra, materiais e equipamentos fornecidos, que foram realizados e prestados pela aludida sociedade comercial EMP02... Lda., aos RR., ocorreram em duas fases, ou seja, entre Fevereiro a ../../2011 (1ª fase) e no período de tempo compreendido entre ../../2014 a ../../2016. (2ª fase)”. E atentando no teor do art. 109º da contestação, mais se verifica que os Réus afirmaram expressamente, reportando-se àquele art. 8º da petição (e para além do mais) que “aceitam única e exclusivamente que os serviços prestados foram prestados de forma faseada, entre Fevereiro a ../../2011 e entre ../../2014 a ../../2016”.
Daqui resulta que as partes estão de acordo quanto aos períodos temporais em que foram realizadas as obras/trabalhos (Fevereiro a ../../2011 e ../../2014 a ../../2016), pelo que esta matéria está assente por acordo das partes e como tal devia ter sido considerada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida (cfr. art. 574º/1 e 2, in fine, e art. 607º/2, 2ªparte, ambos do C.P.Civil de 2013), jamais devendo ser objecto de produção de prova uma vez que não constituía matéria de facto controvertida e sujeita à livre apreciação da prova (e muito menos podiam ter sido considerados provados períodos temporais distintos daqueles que foram objecto de acordo nos articulados e que, em boa verdade, nem sequer foram alegados por qualquer das partes).
Embora no actual processo comum declarativo não esteja previsto a existência de um despacho a considerar quais os factos já provados antes da audiência final (e da própria sentença), tal não significa que toda a factualidade relevante para a decisão deve ser objecto de produção de prova, impondo o disposto na 2ªparte do nº4 do citado art. 607º que, na sentença, o juiz tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, frisando-se que o princípio da livre apreciação das provas previsto no nº5 do mesmo preceito só vigora para os factos que permanecerão controvertidos, ou seja, aqueles que são relevantes para a decisão e não estão provados por acordo, documento ou confissão.
Como se explica no Ac. desta RG de 16/11/2017[51], “I. A livre apreciação estabelecida pelo legislador no nº 5 do art. 607º do CPC não inclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. II. A admissão de factos por acordo ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade (art. 574º nº1 do CPC)”. No mesmo sentido se pronunciou o Ac. da RC de 16/12/2015[52]: “1 - Embora o processo chegue hoje em dia à audiência final sem um prévio despacho a dizer o que se considera já provado, tal não significa que, em termos factuais, tudo esteja “em aberto” e que tudo seja passível/carente de prova em audiência final. 2 - Do “jogo” dos articulados – das posições que uma parte tomou (cfr. art. 46.º e 574.º do CPC) em relação aos factos constitutivos da causa de pedir alegados pela parte contrária – e dos documentos juntos (autênticos e/ou particulares cuja assinatura não é impugnada) resultam (podem resultar) logo provados diversos factos (…) 4 - Antes da “livre apreciação” com que, segundo a lei, o tribunal avalia certos meios de prova (designadamente, a prova testemunhal), há que tomar em consideração que a lei fixa/tarifa a avaliação que o tribunal deve conceder aos factos que estão admitidos por acordo ou aos factos provados por documento (cfr art. 607.º/4/2.ª parte do CPC)”.
Deste modo e sem necessidade de outras considerações, perante a factualidade efectivamente alegada pelas partes nos respectivos articulados (petição inicial e contestação) quanto a este ponto de facto e perante o acordo das partes que emerge das posições assumidas nesses articulados, impõe-se, nos termos do aludido art. 607º/4, 2ªparte, que este Tribunal ad quem altere o facto provado nº8 por forma a plasmar no mesmo a matéria que foi objecto de acordo entre as partes, mostrando-se inútil e desnecessária a apreciação e análise da prova produzida quanto a este ponto de facto. Logo, discorda-se do juízo probatório formado pelo Tribunal a quo, determinando-se que o facto provado nº8 passe a ter a seguinte redacção: «As referidas obras, trabalhos, fornecimento de mão de obra materiais e equipamentos fornecidos, que foram realizados e prestados pela sociedade comercial EMP02..., Lda., ocorreram em duas fases, sendo a 1ªfase entre Fevereiro a ../../2011 e sendo a 2ªfase no período de tempo compreendido entre ../../2014 a ../../2016».
Frise-se que é absolutamente irrelevante para a boa apreciação e decisão da causa a consignação neste ponto de facto da expressão «datas/dias indeterminados» (dos anos e meses em causa), expressão esta que nem sequer foi alegada pelas partes.
   
Quanto à alteração do facto provado nº17.
Os Réus/Recorrentes pretendem que seja eliminado o segmento final deste ponto de facto: «e visaram ainda satisfazer interesses económicos daqueles, por via da valorização do seu imóvel».
Diga-se, desde já, que a presente pretensão impugnatória se mostra ininteligível. Com efeito, os Réus/Recorrentes não questionaram nem impugnaram a 1ªparte do ponto de facto provado nº17, no qual está consignado que «Tais obras e trabalhos visaram satisfazer interesses de conforto, beneficiação, melhoria, segurança e amplificação da moradia habitacional onde os réus residem». Daqui resulta, de forma inequívoca, que, embora pudesse não ser o primeiro dos interesses ou até o interesse mais imediato, a realização de obras numa moradia habitacional que visam o «conforto», a «beneficiação», a «melhoria», a «segurança» e a «amplificação» da mesma correspondem objectivamente a uma concreta e efectiva valorização do respectivo imóvel, estando-lhe necessariamente um inerente económico. Assim sendo, estando demonstrado, e não tendo sido impugnado, que os Réus/Recorrentes pretendiam com as obras atingir interesses de «conforto, beneficiação, melhoria, segurança e amplificação», a pretensão no sentido de negar a existência de uma relação/conexão entre esses interesses e o objectivo de valorização do imóvel, a que é inerente um interesse económico (realidade que está contida na 2ªparte deste ponto de facto provado nº17), constitui uma contradição nos próprios termos, o que, por si só, atesta a falta de fundamento desta pretensão.
Acresce que o segmento factual aqui em causa (2ªparte deste ponto de facto provado nº17) está provado por acordo das partes.
Com efeito, no art. 24º da petição inicial, a Autora alegou que “Visaram as referidas obras satisfazer ainda interesses económicos dos Réus, por via da valorização do seu imóvel”. No articulado de defesa, os Réus apenas se pronunciaram sobre a alegação constante daquele art. 24º da petição através do alegado no art. 117º da contestação e nos seguintes termos: “Por outro lado, os ora RR vem impugnar o disposto nos artigos 21º a 27º da pi por não corresponderem integralmente à verdade, isto porque, conforme se pode comprovar pela certidão da Conservatória do Registo Predial ..., que ora se junta aos presentes autos (Doc. nº ...)”.
Sendo este o “quadro” que resulta do teor dos articulados, é manifesto e inequívoco que o facto alegado pela Autora e que está traduzido no segmento factual agora impugnado em sede de recurso, não foi validamente impugnado na contestação, já que naquele art. 117º do articulado de defesa os Réus limitaram-se a alegar genericamente, e relativamente a vários artigos da petição (com diversas realidades) que «não corresponderem integralmente à verdade», não procedendo a qualquer concretização mínima de qual é a «parte» que não corresponde à verdade e, principalmente, sem tomar qualquer posição definida sobre se tais obras também visaram, ou não, os seus interesses económicos por via da respectiva valorização decorrente das mesmas, quando é certo que estamos perante um facto que é pessoal dos Réus e, por via disso, nos termos do art. 574º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, tal facto considera-se admitido por acordo.
Estando assente por acordo das partes, devia ter sido considerado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, e não podia ser objecto de produção de prova porque não constituía matéria de facto controvertida e sujeita à livre apreciação da prova. Como supra já se explicou, o disposto na 2ªparte do nº4 do art. 607º do C.P.Civil de 2013 impõe que, na sentença, o juiz tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo (para além dos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito), e o princípio da livre apreciação das provas previsto no nº5 do mesmo preceito apenas vigora para os factos que permanecerão controvertidos (isto é, aqueles que são relevantes para a decisão e não estão provados por acordo, documento ou confissão).
Deste modo e sem necessidade de outras considerações, perante a factualidade efectivamente alegada pelas partes nos respectivos articulados (petição e contestação) quanto ao segmento factual da 2ªparte do ponto de facto provado nº17 e perante o acordo das partes que emerge das posições assumidas nesses articulados, impõe-se, nos termos do aludido art. 607º/4, 2ªparte, que este Tribunal ad quem mantenha o mesmo na matéria de facto provada, mostrando-se inútil e desnecessária a apreciação e análise da prova produzida quanto a este ponto de facto. Nestes termos, improcede a impugnação deduzida pelos Réus/Recorrentes no sentido da sua eliminação da matéria de facto provada.  
E sempre importa fazer a seguinte nota: independentemente do que resulta da prova pericial sobre o ponto de facto aqui em causa, é inquestionável que em sede de depoimento/declarações de parte, o Réu afirmou expressamente que a aquisição de prédio/moradia em causa foi «um projecto de vida, queria ter uma casa, e angariar coisa em termos patrimoniais». Ora, se na sua aquisição já estava presente um interesse económico (patrimonial), então por maioria de razão, e até de acordo com as regras da experiência comum, a realização das obras com o grau de grandeza que resulta da discriminação dos arts. 9º e 10º (designadamente, as relativas os muros, aos logradouros, aos caminhos pedonais, à ampliação da habitação, à construção do terraço/churrasqueira, e construção de anexo), sempre teria (independentemente da existência de outros interesses) também um interesse económico/patrimonial inerente à objectiva valorização emergente dessas obras.
Quanto à não demonstração probatória do facto provado nº14 e à demonstração probatória dos factos não provados nºs. 4 e 5[53].
Os Réus/Recorrentes pretendem que seja dada como não provada a matéria que integra o ponto de facto provado nº14 e que seja dada como provada a matéria que integra os pontos de factos não provados nºs. 4 e 5.
O Tribunal a quo fundou os respectivos juízos «positivo» e «negativo» quanto a estes pontos de facto nos seguintes termos:
«- o teor dos cheques de fls. 209 a 214, juntos na audiência de 27.06.2022, referentes a alegados pagamentos de prémios ao réu marido a 14.6.2000, 11.05.2001, 14.08.2008, 15.09.2004, 11.09.2005 e 18.09.2006, mas relativamente aos quais não foi produzida prova convincente sobre o fundamento da sua emissão, mormente quanto à relação subjacente à sua emissão;…
- o extracto do Banco 1... de fls. 220, os três cheques datados de 29.09.2015 e as declarações de 2.11.2015 e de 2.10.2015 (fls. 221 a 223), a demonstrar apenas o depósito dos cheques e que estes foram endossados ao réu marido por EE de uma conta da “EMP02..., Lda.”, bem ainda a comprovar a existência de uma devolução, em dinheiro, do valor daqueles a EE e a GG após o depósito (2 após 3 dias e 2 após 1 mês e 3 dias)…
GG… referiu ter visto o réu marido entregar numerário a EE, por diversas vezes, sem concretizar quando e onde, quais os valores parcelares ou globais em causa, não convencendo assim o Tribunal dessa afirmação. Tal afirmação não encontra corroboração na documentação junta em audiência (na sessão do dia 27.6.2022) a este propósito, já que embora o valor aludido nas declarações de fls. 221 a 223 se reporte aos cheques ali identificados, não existe qualquer menção à sua causa/origem da devolução, além de que o alegado numerário devolvido o foi a EE e a GG, e não só ao primeiro, tendo ambos assinado a declaração de quitação. Também não se compagina tal afirmação com o normal funcionamento de uma empresa com a dimensão da antecessora da autora, ao nível da sua contabilidade, perguntando-se, aliás, o Tribunal se as entregas de alegados prémios em numerário, a terem existido, se foram declaradas fiscalmente, se constam de recibos de vencimento, ou se seriam passiveis de ser deduzidas directamente, a admitir-se ter o réu marido créditos laborais sobre a empreiteira, no preço da obra…
EE… Confrontado com os três cheques juntos na sessão de audiência do dia 29.09.2015, disse que titulam empréstimos pessoais feitos ao réu marido, nada tendo que ver com a obra em discussão. Explicou ainda que o réu marido recebia o salário na proporção de 50% da EMP05... e 50% da EMP03..., que normalmente não pagavam prémios fixos, mas que houve uma excepção quando o réu marido encetou negociações com a CM de ..., e conseguiu um importante financiamento….o réu marido não liquidou os custos apurados, ocorrendo, entretanto, a partilha de sociedades e património integrado no grupo por si detido e por GG, em 2018, tendo ele ficado com a “EMP02..., Lda.”, que, entretanto, foi transformada em sociedade anónima com renomeação do conselho de administração…
CC… explicou que quando iniciou a gestão da empresa detectou a existência de um saldo na contabilidade, em aberto, no valor de cerca de 37.000,00 € (trinta e sete mil euros), com a denominação de “...”, que já vinha da anterior administração. Mais referiu ter questionado o pai sobre a situação, o qual logo lhe referiu que o valor em dívida era superior ao ali mencionado e que respeitava à obra de remodelação e ampliação realizada a pedido do réu marido, na sua moradia na ...…
Pareceu-nos evidente a incongruência da posição assumida pelo réu marido, em sede de declarações de parte, quer quanto ao motivo pelo qual nada deve à autora, bem como quanto à forma como a obra foi paga, liquidação que sustentou sem convencer o Tribunal até final da audiência, desde logo pela forma como descreveu os factos ocorridos e a respectiva cronologia, invocando diversas formas e momentos de liquidação da mesma obra na contestação e na sala de audiências, onde vem aludir a pagamentos em dinheiro, mas também à existência de uma dedução de créditos de que era titular sob a sua alegada entidade patronal, referindo-se a supostos créditos laborais sobre a “EMP02..., Lda.”, bem como não convenceu quanto aos timings de execução da mesma obra…
Por outro lado, e tendo-se provado que EE e GG decidiram, finalizada a obra, que o réu só liquidasse 50% do valor contabilizado de custos, para que fosse liquidada essa pendência na contabilidade, quando já negociavam a partilha do universo empresarial detido em comum, resultou também demonstrado que o réu recusou a existência da dívida e a liquidação do valor apurado.
Deve ainda sublinhar-se que na sua generalidade as declarações de CC e o depoimento de EE encontraram eco na documentação carreada nos autos, bem como foram corroboradas pela prova testemunhal arrolada pela sociedade autora, configurando-se essas declarações e depoimento objectivos, claros e consentâneos com as regras da normalidade e da experiência, ao contrário das declarações de AA, o qual, atenta a postura, a forma de expressão e a linguagem usada, não convenceu o Tribunal da sua genuinidade, não nos merecendo credibilidade, desde logo porque nem sequer viu as suas afirmações secundadas por qualquer outro meio de prova, mormente pelo depoimento de GG.
De facto, e embora se reconheça que este se apresentou em Tribunal de forma serena e respeitadora, mostrando-se tranquilo na sala de audiências, foi o por si afirmado insuficiente para fazer a prova da maioria dos factos que eram alegados em sede de contestação, aos quais nem sequer depôs ou aos quais depôs de forma superficial, sendo parco e breve em explicações, resultando-nos evidente que se tratou de um depoimento comprometido, na medida em que não pretendeu desenvolver esta situação e o que esteve na sua origem, face à ligação pessoal e profissional que mantém com o réu marido, e aos litígios ainda pendentes com o ex-sócio, EE.
Por fim, resta referir que em relação aos pontos 1 a 5 dos factos não provados não foi possível retirar resposta afirmativa, pois que na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal apreciou livremente as provas, segundo a sua prudente convicção – cfr. art. 607.º, n.º 5 do C.P.Civil, sem que fosse possível corroborar a matéria de facto correspondente, com recurso a prova pericial, testemunhal, documental e/ou por meio das declarações ou depoimentos de parte”.
Perante esta fundamentação, alcançam-se as razões concretas em que o Tribunal a quo formou os respectivos juízos de demonstração probatória e não demonstração probatória quanto à matéria de facto em causa e que consistiram essencialmente na valorização do depoimento da testemunha EE e do depoimento de parte da Autora (legal representante CC), na descredibilização do depoimento/declarações de parte do Réu e do depoimento da testemunha GG e na desvalorização dos documentos de fls. 209 a 214, e 220 dos autos. Portanto, independentemente do seu acerto, a motivação não padece dos vícios da falta ou da insuficiência de fundamentação, ao contrário do invocado em sede de recurso.
Os três pontos de facto aqui sob impugnação respeitam ao apuramento de três realidades distintas:
1ª se ficou acordado entre as partes que o R. marido pagaria a obra através da entrega directa de numerário na empresa ou aos respectivos sócios (facto não provado nº4);
2ª se a obra executada foi lançada na contabilidade a título de custo pelo montante de € 37.840,18 (1ªparte do facto não provado nº5);
3ª e se os Réus pagaram, ou não, algum valor à Autora relativamente às obras (tenha sido o valor de € 37.840,18 ou qualquer outro) - facto provado nº14 e 2ªparte do facto não provado nº5 (e que ainda abarca o segmento do facto não provado nº4 consistente «em conforme veio a ocorrer»).
Aquela primeira realidade («acordo para o pagamento da obra com a entrega de numerário»), corresponde à matéria alegada pelos Réus no art. 58º da contestação, sendo inequívoco que a alegação de tal ajuste sob a forma de pagamento se reporta ao momento em que as partes acordaram na realização das obras.
Ora, como supra já se concluiu a propósito da impugnação do facto provado nº5, embora esteja assente que o Réu se comprometeu a pagar as obras, certo é que a prova produzida nos autos comprova que, aquando do acordo para a realização de obras, a Autora e o Réu nada combinaram ou ajustaram sobre se os trabalhos e os fornecimentos sobre qual seria o respectivo preço a pagar, sobre qual seria a forma de cálculo do preço, e/ou sobre o momento em que deveria ser pago, e daí que se tenha determinado a alteração do teor do facto provado nº5 e se tenha determinado o aditamento do facto não provado nº6 («No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu acordaram que as obras seriam realizadas mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global») e do facto não provado nº7 («No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu mais acordaram que este apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da obra»).
Logo, não estando demonstrada a existência de um acordo entre as partes quanto ao preço a pagar pelas obras, fica imediata e necessariamente prejudicada a possibilidade de, nesse momento, ter existido um acordo entre Autora e Réu sobre a sua forma de pagamento (seja em numerário, seja por outro meio), o que, por si só, impõe a improcedência desta parte da pretensão impugnatória.
Mas sempre acresceria a circunstância de não ter sido produzida qualquer prova sobre tal acordo: por um lado, na motivação de recurso os Réus/Recorrentes não aduziram uma única explicação sobre qual o meio probatório que atestaria a existência deste tipo de combinação; por outro lado, como se referiu ainda a propósito da impugnação do facto provado nº5, apenas a testemunha EE e o próprio Réu se pronunciaram sobre o acordo para a realização de obras e o respectivo conteúdo, sendo que as restantes testemunhas (incluindo a testemunha GG) e o legal representante da Autora (CC) não revelaram conhecimento concreto e efectivo nesta matéria (e sobre a mesma também nenhum elemento probatório resulta seja da prova pericial seja da prova documental); e, por fim, nem a testemunha EE nem o Réu proferiram uma única declaração no sentido de terem acordado esta forma de pagamento. Assim sendo, também por esta razão improcede esta parte da pretensão impugnatória.
Porém, perante a alteração da redacção do facto provado nº5, designadamente com a inclusão do segmento factual «e o segundo obrigou-se a pagar as obras», e porque a alegação constante do art. 58º da contestação se reporta à forma de pagamento («através da entrega directo em numerário na empresa ou aos respectivos sócios») do «custo efectivo da referida obra», e não à existência da própria obrigação de pagamento, sendo certo que o Tribunal a quo consignou apenas «pagaria a obra», deverá ser corrigida a respectiva redacção para que não se suscitem quaisquer dúvidas sobre o sentido deste ponto de facto.   
Quanto à segunda realidade (lançamento da obra na contabilidade com o custo de € 37.840,18), procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria factual, considerada toda a prova produzida (quer a indicada pelos Réus/Recorrentes na motivação, quer outros elementos probatórios) à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem tem que concluir que o Tribunal a quo incorreu num erro na avaliação probatória quanto a este ponto de facto, como se passa a explicar.
Considerando o teor dos documentos de fls. 137v e 138 dos autos, que correspondem às fichas de obras de «Set 2011 A em curso» e de «01/01/2017 a 31/12/2017» relativas «informações da obra - Remodelações da Vivenda da Quinta ...», verifica-se que na primeira está registado como «Acréscimo redito NCFR 19» (que constitui uma «Norma Contabilística e de Relato Financeiro» cujo objectivo é prescrever o tratamento contabilístico de réditos e custos associados a contratos de construção») o valor de € 35.034,48, e que na segunda está registado como «custos incorridos» o valor de € 2,804,70, o que perfaz o valor total de € 37.819,18 (ou seja, menos € 1,00 que o valor alegado pelos Réus - € 37.840,18).
Estes documentos foram apresentados nos autos através do requerimento datado de 26/11/2020, tendo os Réus alegado que se tratam de «documentos contabilísticos emitidos pela Autora». No requerimento datado de 09/12/2020, para além do mais, a Autora impugnou estes documentos, mas não negou que sejam documentos contabilísticos da Autora, não negou que respeitam a custos das obras executadas na moradia/casa dos Réus e não negou os valores inscritos (apenas se limitou invocar que o fecho da ficha desta obra apenas ocorreu em Dezembro de 2019 e com outros valores). Nestas circunstâncias, os dois documentos comprovam, inequivocamente, que, após a conclusão das obras e pelo menos até ../../2017, na contabilidade da Autora, a título de custo das obras realizadas para os Réus, estava lançado o montante de € 37.839,18.
Acresce que a realidade que emerge destes documentos, é corroborada por outros meios de prova:
- no respectivo depoimento/declarações da parte, o Réu afirmou os custos das obras (e trabalhos realizados e materiais/equipamentos fornecidos) estavam registados na contabilidade da Autora e que, tendo tido acesso à mesma, o valor era de «trinta e sete mil e tal euros»;
- as testemunhas GG e OO confirmaram a existência do registo dos custos da obra na contabilidade da Autora, embora não sabendo precisar o valor;
- a testemunha II explicou que, ao longo das obras, foram lançados os respectivos custos na contabilidade da Autora, valor que atingiu os trinta e sete mil euros e que era o valor que constava quando enviou ao Réu o já aludido email de 26/12/2016 (com um valor muito superior - cfr. documentos de fls. 215 a 219 dos autos); mais afirmou que o valor da contabilidade estava errado, embora não conseguindo explicar e justificar porque estava lançado só esse valor; e ainda explicou, em 2019, lhe foi pedido (pelo legal representante da Autora, CC) para apurar os custos da obra, pelo que fez um novo cálculo que originou a ficha de obra relativamente ao «apuramento do custo da obra realizado em 12/12/2019» (e que corresponde ao documento de fls. 144 dos autos) e que foi com esse cálculo que foi emitida a factura datada de 04/02/2020 no valor de € 94.701,41 (cfr. documento de fls. 66 dos autos);
- a testemunha EE, embora sem confirmar o valor concreto, confirmou que o valor que estava lançado na contabilidade da Autora relativamente aos custos da obra, era inferior;
- e, no âmbito das suas declarações de parte, o legal representante da Autora (CC) confirmou que «encontrou esse saldo de trinta e tal mil euros na contabilidade» (relativo às obras na casa dos Réus) e que «falou com o pai» (testemunha EE) «que lhe disse que não era esse valor», pelo que pediu à testemunha II para apurar os custos, o qual conclui que não era aquele valor mas sim o valor que consta da factura datada de 04/02/2020.
Perante a consonância destes elementos probatórios (depoimentos das identificadas testemunhas, depoimentos/declarações das partes, e documentos de fls. 114 e 66 dos autos), entre si e com os documentos de fls. 137v e 138, e perante a inexistência de qualquer elemento probatório em sentido contrário, mais se comprova que o montante de € 37.839,18 esteve lançado até ../../2019 (e não apenas até ../../2017) na contabilidade da Autora.
Por conseguinte, não se pode acompanhar o juízo probatório negativo do Tribunal a quo quanto ao segmento factual que integra a 1ªparte do facto não provado nº5, porque foram produzidos elementos probatórios relevantes e credíveis que impõem, manifestamente, um juízo probatório em sentido contrário, formando este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, de que está probatoriamente demonstrada a ocorrência da realidade fáctica em causa. Nestes termos, nesta parte, a impugnação procede.
Quanto à terceira realidade (os Réus pagaram, ou não, algum valor à Autora relativamente às obras), abarca a matéria alegada pela Autora no art. 20º da petição e a matéria alegada na parte final do art. 60º da contestação, e que correspondem a versões opostas.
Importa atentar que embora tenham invocado a «integral liquidação pelo Réu da quantia de € 37.840,18», os Réus jamais alegaram, de forma concreta, «quando» e «de que forma» é que tal liquidação terá sido realizada (em que data ou datas? E foi um pagamento ou foram vários?), o que, por si só, coloca sérias dúvidas à verificação de tal facto.     
 E, como bem se salienta na motivação da sentença recorrida, nesta matéria, o depoimento/declarações de parte do Réu revelou várias incongruências e contradições, que colocam decisivamente em causa o seu valor probatório. Na verdade:
- começou por afirmar que «a obra foi paga por acordo com a compensação de créditos que tinha a receber ao longo de anos», o que constitui uma versão completamente nova relativamente ao alegado na contestação e que até está em contradição com a versão inserta no articulado de defesa (pagamento através da entrega de numerário);
- em seguida, declarou que «paguei € 28.000,00» mas não concretizou quando o fez (data ou datas), e não explicou como é que esse pagamento poderia liquidar um valor registado na contabilidade que era superior (€ 37.840,18), até porque, para além do alegado pagamento de «€ 28.000,00», nada mais referiu ou concretizou no sentido de ter procedido a outros pagamentos; 
- mais à frente, afirma que «a minha mulher sabia que eu ia pagando através da relação laboral», sem mais nada concretizar ou explicar;
- posteriormente, procurou explicar que o pagamento dos «€ 28.000,00» ocorreu através das quantias que recebeu através dos cheques a que correspondem os documentos de fls. 221v, 222v, e 223v dos autos (quantias essas relativas a alegados prémios) e que, após depósito desses cheques, procedeu ao levantamento das respectivas quantias e depois entregou na empresa EMP08...; ora, para além de não ter conseguido explicar a quem entregou tais quantias, muitos menos concretizou que, ao proceder à sua entrega, terá comunicado ou informado à respectiva pessoa que as recebeu que as mesmas se destinavam ao pagamento das obras; e embora tais declarações/documentos de fls. 221, 222, e 223 dos autos comprovem a recepção das quantias (estão assinadas pelos então gerentes da Autora, as testemunhas EE e GG), como resulta claramente respectivo teor, mais não atestam que a devolução dos valores constantes dos cheques («… declaram que receberam nesta data… a título de devolução do valor constante do cheque… pelo que se declara que nada mais é devido no que diz respeito ao cheque…»), não contendo qualquer referência às obras executadas na casa dos Réus e/ou ao pagamento das mesmas (ao contrário do que foi alegado na motivação de recurso, nessas declarações não consta que as quantias em causa se destinavam a pagar os custos das obras), o que se revela absolutamente incoerente e ilógico se o fim da entrega de tais quantias fosse o pagamento das obras; mais acresce que tais declarações (documentos) estão datadas de 02/11/2015 (duas) e de 02/10/2015 (uma), ou seja, foram emitidas em datas anteriores muitos anteriores à data em que ocorreu a conclusão das obras (em ../../2016), assinalando-se que, no seu depoimento/declarações, nunca o Réu sequer aludiu que tal pagamento/liquidação teria ocorrido antes da sua conclusão (aliás, até se pronunciou no sentido de que o pagamento dos € 28.000,00 ocorreu depois da conclusão, «esquecendo-se» das datas que constam das declarações - «Foi quando paguei os vinte e oito mil euros que fiz a avaliação do que estava lançado na contabilidade; já antes em 2016  tinha visto qual era o valor dos trabalhos que estavam em curso»); nestes termos, inexiste qualquer consonância entre esta «tentativa de explicação» de pagamento e o teor destes documentos, frisando-se que o teor dos mesmos  não tem manifestamente o sentido que os Réus/Recorrentes lhes atribuiu no presente recurso;
- e, por fim, «defender» a existência do pagamento afirmando que «a questão do pagamento das obras ficou resolvida porque se houvesse dívida, tinha que constar do documento de «partilha do grupo» (entre as testemunhas EE e GG) e nada constava desse documento»; sucede que a circunstância de eventualmente não constar do documento de «partilha» (que, assinale-se, nem sequer foi junto aos autos) uma dívida relativa ao pagamento das obras pode decorrer de outras causas (motivos) totalmente distintos do seu efectivo pagamento, sendo certo que, perante toda a prova produzida, apenas a testemunha GG (que, obviamente, tinha especialíssimo interesse na elaboração e conteúdo desse documento) avançou uma explicação concreta para não constar tal eventual dívida relativa às obras, afirmando que acordou com a testemunha EE, aquando da partilha do grupo, que «não seria pedido dinheiro aos funcionários, incluindo o Réu» e que «decidiram não cobrar mais nada aos nossos funcionários», o que constitui uma causa totalmente diversa de qualquer pagamento/liquidação.
Perante o supra exposto, o depoimento/declarações não merece um mínimo de relevância e/ou credibilidade por parte do Tribunal para comprovar a liquidação de qualquer valor relativo às obras (e muito menos no valor total de € 37.840,18).
Por outro lado, nos dois únicos momentos em que foi interpelado para pagar as obras, o Réu nunca invocou que já as tinha pago (total ou parcialmente). Com efeito, perante o aludido email de 26/12/2016, através do qual se pretendeu facturar o valor de € 46.933,02 relativamente às obras, o Réu nada respondeu à testemunha II, antes dirigindo uma resposta (email) às testemunhas EE e GG em que se limita a referir « estar disponível para analisar as contas» (cfr. documentos de fls. 215 a 219 dos autos), ou seja, nada diz sobre já ter procedido ao sua pagamento (ainda que parcial), o que se revela absolutamente incoerente e ilógico caso já tivesse efectivado algum pagamento (nomeadamente, através das quantias a que a aludem as supra referidas declarações de fls. 221, 222 e 223 dos autos). E perante a carta datada de 06/02/2020 que exigia o pagamento das obras e estava acompanhada da factura no valor de € 94.701,41 (cfr. documentos de fls. 65v e 66 dos autos), o Réu respondeu através de carta de 11/02/2020, na qual afirma não existir dívida, mas nunca invoca que a dívida inexiste em razão de já a ter liquidado (em numerário e/ou com a compensação por prémios a que tinha direito), o que se revela totalmente inexplicável caso já tivesse efectivamente realizado o pagamento.
Também a testemunha GG não confirmou a existência de qualquer pagamento por parte do Réu relativamente às obras: quando se referiu às quantias entregues pelo Réu e relativamente às quais assinou as declarações de fls. 221, 222 e 223 dos autos, fê-lo sempre de uma forma genérica, sem mínima alusão ou indicação de que se destinavam ao pagamento das obras. E, como supra já se explicou, a explicação desta testemunha sobre o motivo de não constar do documento da «partilha do grupo» a suposta dívida do Réu relativa às obras, tem um sentido completamente distinto da existência de pagamento.   
Também o documento de fls. 118 a 137 dos autos («relatório e contas - exercício 2018» da Autora) não pode assumir o sentido probatório que os Réus/Recorrentes advogam na motivação de recurso: embora nesse documento não conste qualquer dívida do Réu à Autora relativa às obras, mesmo que se entenda a que a sua falta de menção pode significar a inexistência da suposta dívida, certo é que tal inexistência pode ter causas diversas do respectivo pagamento, sendo que, uma vez que este documento é necessariamente posterior ao aludido «documento de partilha» pode estar em conformidade com este, sobre o qual a única explicação produzida (pela testemunha EMP09...) vai no sentido de que não está mencionada qualquer dívida relativa às obras por uma causa (motivo) distinto do pagamento invocado pelos Réus. Portanto, este documento não tem o sentido, nem o valor probatório, alegado no recurso.
No seu depoimento, a testemunha EE negou a existência de qualquer pagamento por parte do Réu relativamente às obras, sendo que esta negação não é susceptível de assumir um sentido contrário pela circunstância da mesma não ter dado uma explicação convincente sobre a causa de emissão dos cheques a que correspondem os documentos de fls. 221v, 222v, e 223v dos autos (reportou-se a destinarem-se a um empréstimo ao Réu, mas sem uma concretização objectiva e clara). Recorde-se que, para além de nada constar nesses cheques sobre a sua finalidade, as declarações (documentos) de fls. 221, 222 e 223 dos autos confirmam a entrega pelo Réu dos valores inscritos nos cheques mas sem qualquer menção de que destinavam ao pagamento das obras.
Neste “quadro probatório” e porque não foi produzida qualquer outra prova relevante e credível sobre esta matéria, impõe-se necessariamente concluir no sentido de um juízo probatório igual ao formado pelo Tribunal a quo: também este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido de que não foi probatoriamente demonstrado qualquer pagamento do Réu à Autora relativamente às obras, ou seja, no sentido da ocorrência da realidade fáctica contida no ponto de facto provado nº14 e da não verificação da realidade fáctica contida na 2ªparte do ponto de facto não provado nº5 (e também no sentido da não verificação do segmento factual «conforme veio a ocorrer» constante do ponto de facto não provado nº4). Deste modo, nesta parte, a impugnação também improcede.

Em consequência das conclusões supra alcanças, apenas se determina:
- a eliminação da 1ªparte do facto não provado nº5, o qual passa a ter a seguinte redacção - «O valor de € 37.840,18 Eur. (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) foi integralmente liquidado pelo réu marido»;
- que seja aditado um facto provado nº27 com a seguinte redacção - «A obra executada, após a sua conclusão e até ../../2019, esteve lançada na contabilidade da Autora a título de custo no montante total de € 37.839,18»;
- e que o facto não provado nº4 passe a ter a seguinte redacção (para que não se suscitem quaisquer tipo de dúvidas perante a nova redacção do facto provado nº5 e para estar em consonância com o efectivamente alegado no art. 58º da contestação) – «Ficou acordado entre as partes que o R. marido pagaria o custo efectivo da obra, conforme veio a ocorrer, através da entrega directa de numerário na empresa ou aos respectivos sócios».
Quanto à demonstração probatória dos factos não provados nºs. 2 e 3.
Os Réus/Recorrentes pretendem que seja dada como provada a matéria que integra os pontos de factos não provados nºs. 2 e 3.
Importa desde já esclarecer que inexiste qualquer contradição pela circunstância do Tribunal a quo ter considerado, em simultâneo, não demonstrada a matéria que integra o facto não provado nº3 e demonstrada a matéria que integra o facto provado nº25. Tal contradição foi invocada apenas na motivação, mas não consta das conclusões formuladas. E, embora estejam relacionadas com a mesma questão fáctica, tais pontos de factos respeitam a realidades efectivamente distintas: no facto provado nº25, está plasmada (para além da decisão de mudarem para ...) a factualidade relativa à residência dos Réus num apartamento cedido pelo grupo empresarial e ao não pagamento de qualquer renda; e já no facto não provado nº3 está plasmada a factualidade sobre o alojamento do Réu ser assumido pela Autora (e/ou por outra empresa do grupo) como uma responsabilidade sua e como um custo seu, ou seja, sobre se a cedência do apartamento constituía uma responsabilidade contratual. Como a mera cedência gratuita do apartamento pode constituir uma situação de mero favor e não a assunção de uma responsabilidade, estamos perante factos distintos e, por via disso, a prova da matéria do primeiro não implica a prova do segundo e não é incompatível com a falta de demonstração probatória deste segundo. Assim, inexiste a invocada contradição.
Ora, procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre estes pontos de facto, e considerando toda a prova produzida (incluindo a indicada pelos Réus/Recorrentes na motivação) à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem tem que concluir que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro na respectiva avaliação probatória.
Analisando os segmentos dos depoimentos (do Réu, e das testemunhas GG, HH e LL) que os Réus/Recorrentes indicam (transcrevem) na motivação, verifica-se que nenhum deles é susceptível traduzir a existência de um acordo entre o Réu e os então gerentes da Autora (ou algum deles) no sentido daquele e a família passarem a residir em ... ou a existência de uma assunção de responsabilidade pela Autora (ou outra sociedade do grupo) relativamente ao custo do alojamento do Réu em .... Para além de nenhum desses segmentos conter afirmações em qualquer desses sentidos, os Réus/Recorrentes também não explicam de que forma tais segmentos poderiam comprovar alguma das realidades fácticas em causa (ou ambas).
No seu próprio depoimento/declarações, relativamente à sua ida para ..., o Réu limitou-se a uma afirmação genérica no sentido de que «o Sr. GG e o Sr. CC queriam assegurar que eu estivesse mais próximo», mas sem concretizar a existência de um concreto acordo sobre a alteração da sua residência (ficando apenas e tão só indiciado de que houve uma solicitação nesse sentido e que o Réu decidiu aceder a tal solicitação). Já relativamente ao «alojamento num apartamento no grupo sem pagar renda», o Réu não produziu uma única declaração no sentido ter exigido que tal alojamento fosse assumido como um custo da própria Autora (ou de outra empresa do grupo) e/ou no sentido da Autora (outra empresa do grupo) ter assumido o alojamento com a residência do Réu e sua família (nesse apartamento ou em qualquer outro local) como uma sua obrigação (aliás, a única vez que o Réu se referiu à «comparticipação da renda» foi reportada como forma da pagamento do custo das obras na moradia que adquiriu, e não relativamente a qualquer acordo sobre a sua «mudança de residência para ...»).
Também do depoimento da testemunha GG nada resulta, de forma relevante, no sentido da comprovação da matéria aqui em causa. Com efeito, limitou-se a explicar porque razão solicitou ao Réu que viesse viver para ... («como o CC foi para a SAD do ..., eu falei com o AA para viver para ...») e limitou-se a confirmar que o mesmo foi viver para um apartamento do grupo e que não pagava renda («só os consumíveis»), mas jamais concretizou ou explicou que a alteração da residência e custo do alojamento se «enquadrassem» no âmbito de um qualquer acordo celebrado entre as partes.
Igualmente nada de relevante se pode extrair do depoimento da testemunha EE: para além de não se ter pronunciado de forma específica e concreta sobre esta matéria, até transmitiu a ideia de que não teve intervenção directa, sendo apenas o Réu e a testemunha GG que intervieram na questão da «mudança de residência» e do «alojamento sem pagamento de renda» (e sempre se assinale que, embora tenha reconhecido que o Réu nunca pagou renda relativamente ao alojamento no apartamento, até afirmou que ele devia pagar renda, ou seja, contrariou a assunção do custo do alojamento por parte da Autora ou outra empresa).
Os depoimentos das restantes testemunhas (incluindo as expressamente indicadas na motivação - HH e LL) e as declarações de parte do legal representante da Autora são totalmente irrelevantes nesta matéria já que não demonstraram conhecimento concreto e efectivo nesta matéria, nomeadamente não tiveram qualquer participação em qualquer eventual acordo sobre a alteração da residência e/ou custo do alojamento.
E não se vislumbram (nem os Réus/Recorrentes os indicaram na motivação) outros elementos probatórios que pudessem corroborar as realidades que se pretendiam incluir na factualidade provada.
Por via disso, conclui-se, de forma manifesta, que inexistem elementos probatórios relevantes e credíveis que imponham um juízo probatório distinto do formado pelo Tribunal a quo, pelo que este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido de que não está probatoriamente demonstrada a ocorrência das realidades fáctica contida na matéria dos pontos de facto não provados nºs 2 e 3. Portanto, nesta parte, a impugnação igualmente improcede.

Consequentemente, atentas as respostas supra alcançadas, conclui-se que procede de forma parcial a pretensão recursória dos Réus/Recorrentes relativa à impugnação da matéria de facto.
Em resumo, por força da procedência parcial da impugnação de facto e das alterações determinadas oficiosamente pelo Tribunal na apreciação de tal impugnação, A DECISÃO DE FACTO CONSTANTE DA PRESENTE SENTENÇA RECORRIDA, PASSA A CONTER AS MODIFICAÇÕES QUE SUPRA SE INDICARAM, MAS QUE AQUI SE ELENCAM NA SUA TOTALIDADE:
- facto provado nº3 passa a ter a seguinte redacção - «Tal sociedade foi constituída em1981 com a sociedade EMP02..., Lda foi constituída em 1981, sendo que, por deliberação de 21/04/2018, foi objecto de cisão com destaque de parte do seu património para constituir a sociedade “EMP02..., Lda”, e sendo que, por deliberações de 31/10/2018, foi objecto de aumento do capital social, de transformação da sociedade de quotas para sociedade anónima, e de alteração da firma para “EMP01..., SA”, tendo sido nomeados para o conselho de administração (quadriênio 2018/2021), EE, FF e CC»;
- facto provado nº4 passa a ter a seguinte redacção - «Tal sociedade iniciou a sua actividade e giro comercial em 1981, sendo o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida por GG e a outra por CC, ambos únicos gerentes da sociedade, situação que se manteve até ../../2018, data em que o GG renunciou à gerência e foi nomeado, em sua substituição, CC»;
- o facto provado nº5 passa a ter a seguinte redacção - «Entre a referida sociedade e o réu marido foi celebrado, no ano de 2011, e por forma verbal, um acordo através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ..., e o segundo obrigou-se a pagar as obras, tendo no âmbito deste acordo a Autora realizado as obras e trabalhos e fornecido os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido»;
- o facto provado nº7 passa a ter a seguinte redacção - «A “EMP02... Lda.” executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, que ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de 94.701,41 Euros (noventa e quatro mil setecentos e um euros e quarenta e um cêntimo), com IVA incluído»;
- o facto provado nº8 passa a ter a seguinte redacção: «As referidas obras, trabalhos, fornecimento de mão de obra materiais e equipamentos fornecidos, que foram realizados e prestados pela sociedade comercial EMP02..., Lda., ocorreram em duas fases, sendo a 1ªfase entre Fevereiro a ../../2011 e sendo a 2ªfase no período de tempo compreendido entre ../../2014 a ../../2016»;
- é aditado um facto provado nº26 com o seguinte teor - «O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e a “EMP03...” e os seus accionistas»;
- é aditado um facto provado nº27 com a seguinte redacção - «A obra executada, após a sua conclusão e até ../../2019, esteve lançada na contabilidade da Autora a título de custo no montante total de € 37.839,18»;
- o facto não provado nº1 passa a ter a seguinte redacção - «O acordo descrito em 5. foi alcançado no âmbito das relações laborais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas»;
- e que o facto não provado nº4 passe a ter a seguinte redacção - «Ficou acordado entre as partes que o R. marido pagaria o custo efectivo da obra, conforme veio a ocorrer, através da entrega directa de numerário na empresa ou aos respectivos sócios»;
- o facto não provado nº5 passa a ter a seguinte redacção - «O valor de € 37.840,18 Eur. (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta euros e dezoito cêntimos) foi integralmente liquidado pelo réu marido»;
- é aditado um facto não provado nº6 com o seguinte teor - «No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu acordaram que as obras seriam realizadas mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global»;
- e é aditado um facto não provado nº7 com o seguinte teor - «No âmbito do acordo referido em 5., a Autora e o Réu mais acordaram que este apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da obra».
*
4.3. Da Existência de Contrato de Empreitada
Como resulta inequivocamente do recurso (alegações e conclusões), os Réus/Recorrentes pretendem a alteração (revogação) da sentença recorrida quanto ao reconhecimento de um contrato celebrado entre as partes e quanto à sua qualificação como sendo de empreitada, mas tendo tal pretensão o pressuposto/fundamento da procedência da impugnação da matéria de facto por si deduzida [cfr. especificamente as conclusões 3ªb), 10ª e 11ª].
Perante a alteração da matéria de facto que supra se determinou no âmbito da apreciação da questão anterior (quer em resultado de tal impugnação, quer em resultado de deficiências oficiosamente supridas por este Tribunal ad quem), importa, então, apurar se entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada (com alegou a Autora e foi reconhecido na sentença recorrida) ou se não foi celebrado qualquer contrato ou, tendo sido, ser um contrato atípico (como defendem os Réus no âmbito da apelidada excepção peremptória da «inexistência do contrato»).       
 A nossa ordem jurídica não consagrou qualquer definição ou noção de contrato. No entanto, podemos recorrer à definição ensinada por Antunes Varela[54]: “diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses”.
O elemento fundamental do contrato é o acordo de vontades entre as partes (contraentes), ou seja, o mútuo consenso[55].
Tal acordo de vontades não surge de forma instantânea e espontânea. Na grande maioria dos casos, o acordo é antecedido por uma série de actividades destinadas precisamente à sua efectivação. O contrato que surge com a celebração do acordo entre as partes contratantes, é antecedido pela ocorrência de vários eventos com inegável relevância jurídica, os quais se designam como o processo de formação do contrato ou do acordo, no âmbito do qual se distinguem duas fases: a das negociações e a propriamente dita da formação do contrato[56].
A fase das negociações (preliminares) corresponde ao lapso de tempo durante o qual as partes preparam o conteúdo do negócio, discutindo os seus pontos de vista, cedendo aqui e ali, com vista à obtenção do acordo[57].
Concluídas as negociações preliminares entramos fase de formação do contrato. A distinção entre estas duas fases tem, aliás, consagração legal (cfr. art. 227º do C.Civil). Refere Pessoa Jorge[58] que «a formação do contrato consiste na emissão das duas declarações negociais que integram a acordo»: tais declarações negociais consistem na emissão de uma proposta e na emissão da respectiva aceitação, denominando-se proposta a declaração negocial da parte que primeiro a formula, já com a conteúdo completo do contrato. Esta proposta constitui a chamada «proposta contratual» que consiste na “declaração, feita por uma das partes que uma vez aceite pela outra, dá lugar formação do contrato”[59].
Para que uma declaração negocial revista, válida e eficazmente, a natureza de proposta contratual, mostra-se necessário que a mesma reúna os três seguintes requisitos: exprima uma vontade séria, inequívoca e definitiva de contratar; seja completa, isto é, contenha, pelo menos, todos os elementos sobre os quais vai recair o contrato; e deve revestir a forma requerida, por lei ou convenção, para a contrato em causa (tendo-se presente a disposto no art. 219º do C.Civil).
A proposta negocial deve estar formulada em termos de, com a aceitação, se concluir o contrato. Se faltar à proposta algum dos requisitos indicados, não pode a mesma ser considerada como uma proposta contratual perfeita; antes deve ser considerada como um simples convite para contratar, ou seja, mero acto tendente a provocar a emissão de uma proposta contratual.
Também a declaração negocial que constituir a aceitação, tem de obedecer a determinados requisitos: deve traduzir uma inequívoca e total concordância (deve conter um sim incondicional); e deve revestir a forma exigida para a contrato.
 Se esta aceitação estiver formulada nos termos supra indicados, a sua emissão produz como efeito directo e imediato a conclusão do contrato. Pelo contrário, se o destinatário da proposta responder declarando aceitá-la, mas introduzir-lhe alguma alteração, tal declaração não pode ser considerada como uma verdadeira aceitação, mas sim como uma contraproposta, competindo, então, ao primeira proponente, aceitá-la ou não. É o que resulta do disposta do art. 233º do C.Civil (“A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração”).
Neste “quadro” e atento o estatuído no 232º do C.Civil (“O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”), “só se pode considerar fechado o contrato quando as partes, tiverem manifestado concordância em relação a todas as questões que tenham suscitado, salvo se elas próprias, em relação a alguma, resolverem pura e simplesmente remeter a solução para o regime supletivo da lei”[60].
A perfeição contratual disciplinada pelos arts. 224º a 235º do C.Civil atinge-se quando o acordo entre as partes contém matéria bastante para alcançar o fim pretendido[61].
Importa, pois, concluir que a formação de um contrato depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: emissão de uma perfeita declaração de proposta negocial; emissão de uma declaração de aceitação de tal proposta, nos precisos termos em que está formulada; e, tanto a proposta como a aceitação, têm de traduzir um acordo de vontades sobre as questões abrangidas pelo contrato pretendido.
A catalogação (qualificação) de um contrato como pertencendo a um determinado tipo contratual, necessária para determinar qual o regime jurídico aplicável e regulador, constitui uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente. E constitui matéria de direito sobre a qual o Tribunal se pode pronunciar livremente (cfr. art. 5/3º do C.P.Civil de 2013), sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado[62].
Os contratos são típicos ou atípicos consoante tenham ou não expressa consagração legal. Entre os que têm consagração legal, para o caso em apreço revela o contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada (arts. 1154º, 1155º e 1207º, todos do C.Civil).
Nos termos do art. 1207º do C.Civil, «a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».
Este contrato reveste uma natureza sinalagmática, importando obrigações para ambas as partes: para o empreiteiro, a obrigação de (mediante um correspectivo - o preço) a realização da obra que se comprometeu a efectuar; para o dono da obra, a obrigação de (mediante o correspectivo de obter a obra - o resultado - que encomendou e pretende) pagar o preço.
Refere Pedro Romano Martinez[63] que «é um contrato sinalagmático na medida em dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes; a obrigação de realizar um obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Por outro lado, o contrato apresenta-se como oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas (…) trata-se de um contrato consensual, pois, não tendo sido estabelecida nenhuma norma cominadora de forma especial para a sua celebração, a validade das declarações negociais depende do mero consenso (art. 219º do C.Civil)».
Daqui resulta que são três os elementos do contrato de empreitada: os sujeitos (empreiteiro e dono da obra); a realização de uma obra; e o pagamento do preço[64].
Mas o requisito que é verdadeiramente essencial do contrato de empreitada consiste na realização de uma «obra» por uma das partes (o empreiteiro), sob a sua própria direcção e com autonomia, mediante o pagamento de um preço pela outra das partes (o dono da obra).
Explica-se no Ac. da RC de 11/03/2008[65] que “para se verificar este tipo contratual (contrato de empreitada), é essencial, não apenas que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra determinada (requisito resultado: realizar certa obra), mas também que haja autonomia daquele a quem cabe executar a obra contratada em relação ao dono da obra (requisito autonomia que se opõe à heteronomia ou subordinação jurídica) e, além disso, um preço como contrapartida da realização da obra, ainda que o preço seja não determinado mas determinável. É o que inequivocamente resulta do disposto nos artigos 1207º, 1210º e 1218º ss e 1211º do CC. São a realização da obra como resultado, a autonomia na execução da obra e a onerosidade consistente no preço que, em abstracto, justificam a estatuição dos direitos específicos que a lei atribui ao dono da obra. A haver mera obrigação de meios, a haver gratuitidade ou heteronomia, não se justificava a especificidade desse conjunto de direitos (aliás hierarquizados) que consta basicamente dos artigos 1221º a 1223º do CC”.
O preço representa a retribuição do empreiteiro pela realização da obra e, como ensina Pedro Romano Martinez[66], “a retribuição é um elemento essencial do conceito de empreitada pois, se não for estabelecido um preço estar-se-á perante uma contrato gratuito de prestação de serviço”[67]
Portanto, a onerosidade é um elemento essencial do contrato de empreitada, porque deste tipo contratual emerge necessariamente para o dono da obra a obrigação de pagamento de um preço, o qual constitui a contrapartida (a retribuição) do empreiteiro pela execução da obra. Não existindo a obrigação de pagamento do preço, pode existir um contrato, designadamente de prestação de serviço, mas nunca pode constituir um contrato de empreitada.
No que se reporta à fixação do preço, explica Pedro Romano Martinez[68]: “O preço da empreitada é normalmente fixado até ao momento da celebração do negócio jurídico. A remuneração costuma, inclusive, constar do orçamento que é aprovado aquando do ajuste do contrato. Se o montante do preço for determinado por convenção das partes, ele pode ter sido fixado por várias formas. Formas que o direito privado deixou na inteira disponibilidade das partes (…) O preço pode ter sido determinado de um modo global, normalmente designado por preço à forfait, a corpo ou per aversionem. Neste caso, é ajustado um preço para a totalidade da obra (…) Diferentemente, as partes podem estabelecer que o preço da obra seja determinado por cada artigo, por unidade a executar (…) Da mesma forma, se as partes estabeleceram um preço por medida, o preço total da obra vai depender da dimensão que esta tiver depois de concluída (…) Também se admite que a remuneração seja determinada em função do tempo de trabalho”. Portanto, no contrato de empreitada o preço da obra tanto pode ser fixado em quantia previamente acordada como pode ser convencionado outro modo para a sua fixação, designadamente de um modo global, por cada artigo (por unidade a executar) por medida (o preço total da obra depende da dimensão depois de concluída) e em função do tempo de trabalho[69].
Mas, como chama a atenção Pedro Romano Martinez[70], “Todavia, se as partes não estabeleceram uma forma de fixação do preço, ou se o orçamento tinha uma finalidade de mera orientação, terá de se estabelecer um critério para assentar no valor desta prestação do dono da obra”.
Foi esse critério que o legislador consagrou no art. 1211º/1 do C.Civil: “É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883.º”.
Por força de tal remissão e de acordo com o estatuído no referido art. 883º/1, verifica-se que “se o preço não for fixado por entidade pública (o que não será frequente nas empreitadas de Direito Privado), valerá como preço aquele que o empreiteiro normalmente pratica à data da conclusão do contrato; na falta deste, ter-se-á em conta o preço comumente praticado, para a realização de obras daquele tipo, no momento e no lugar do cumprimento da prestação do comitente. Não sendo estes critérios suficientes, recorre-se ao art. 400º e o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade. O processo para a determinação judicial do preço da empreitada vem regulado no art. 1429º do CPC”[71].
Perante a solução legal consagrada no referido art. 1211º/1, tem-se entendido que a efectiva formação/celebração do contrato de empreitada não depende da estipulação do preço nesse exacto momento (ou até em momento prévio), já que pode ser determinado em momento posterior.
Explica Pedro Romano Martinez[72]que “como se depreende do disposto no art. 1221º CC, a perfeição do contrato de empreitada não depende da fixação, por acordo, do preço” e que “o preço, apesar de ser um elemento integrador da noção de empreitada, pode ser determinado em momento ulterior ao do ajuste”.
Este entendimento tem sido acompanhado pela Jurisprudência. No Ac. do STJ de 28/06/2023[73] sustenta-se que “a perfeição do contrato de empreitada não depende da fixação do preço, podendo este ser determinado em momento posterior, embora (…) seja um elemento integrador/caracterizador da noção de empreitada”. No Ac. da RL de 22/05/2012[74] considerou-se que “o preço da empreitada é normalmente fixado até ao momento da celebração do negócio jurídico (…) Porém, se as partes não estabeleceram uma forma de fixação do preço (como se depreende do disposto no art. 1221º CC, a perfeição do contrato de empreitada não depende da fixação, por acordo, do preço), e apesar de ser ele um elemento integrador da noção de empreitada, pode ser determinado em momento ulterior ao do ajuste, designadamente tendo em atenção os critérios supletivos a que se reporta o art. 883º , do CC, ex vi do artº 1211º,nº1, do mesmo diploma legal”. No Ac. da RP de 16/06/2014[75] entendeu-se que “o contrato de empreitada é necessariamente oneroso, o que não significa que o preço deva estar sempre determinado, mas tão-só que seja determinável, tanto mais que existe norma supletiva em sede do contrato de empreitada a prover sobre a questão da determinação do preço (artigo 1211º, do Código Civil)”. No Ac. da RP de 16/06/2014[76] decidiu-se que “O artigo 1207° do CC não faz depender a perfeição do contrato de empreitada da prévia fixação por acordo do preço, podendo este ser determinado em momento posterior, como resulta do artigo 1211°, 1, do CC”. E no Ac. desta RG de 08/03/2018[77] explica-se que “A prestação contratual do empreiteiro é a execução da obra, em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, como resulta do disposto no art.º 1208.º do C.C.. Por sua vez, o comitente terá de pagar o preço que tenha sido acordado, nos termos e prazos que constem do contrato ou dos usos, de acordo com o disposto no art.º 1211.º, n.º2 do C.C., sem embargo de o art.º 1207.º não fazer depender a perfeição do contrato de empreitada da prévia fixação do preço, que pode ser determinado em momento ulterior, como se extrai do n.º 1 daquele art.º 1211.º.”.
Importa atentar que a obrigação de pagamento de um preço (retribuição do empreiteiro) que emerge do contrato de empreitada para o dono da obra não se confunde com a fixação do preço que deve ser pago: essencial à existência de um contrato de empreitada é que, para além do mais, do acordo celebrado entre as partes nasça a obrigação do dono da obra pagar um valor («um preço») ao empreiteiro como contraprestação pela realização da obra; já a determinação de qual é esse valor preço, caso não tenha sido definido por acordo das partes no momento da celebração do contrato, pode emergir de um acordo posterior ou pode vir a ser fixado de acordo com as regras estabelecidas no citado art. 883º (por via da remissão do referido art. 1211º/1).
Tecidas estas considerações jurídicas e revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que «é isso que resulta e se mostra comprovado nos pontos 5 a 14 dos factos provados, decorrendo da sua conjugação que foi celebrado um acordo que consistiu, em concreto, num contrato de empreitada, tendo por objecto a prestação de serviços da actividade da sociedade “EMP02..., Lda.”, contra o pagamento do preço que viesse a ser apurado à data da conclusão dos trabalhos a executar, já que ficou igualmente estipulado, por acordo das partes, que o preço corresponderia ao normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras».
No recurso, os Réus/Recorrentes defendem, essencialmente, que: «a Sentença Recorrida peca por um erro de julgamento, ao considerar que, entre as partes foi celebrado um verdadeiro e efetivo contrato de empreitada; não foi proferida ou emitida qualquer declaração que possa ser qualificada como uma proposta contratual completa, precisa, firme e formalmente adequada, isto porque, nunca foram previamente determinados ou discriminados os trabalhos a realizar (os mesmos seriam executados à medida que fossem solicitadas pelos Recorrentes e de acordo com a disponibilidade da Recorrida), nunca foi estabelecido qualquer prazo para a execução das obras, nunca foi formalizado qualquer calendarização dos trabalhos, nunca foi fixado qualquer preço, nunca foram definidos os critérios para a fixação do valor a liquidar pelos Recorrentes, nunca foi elaborado qualquer orçamento, nunca foi elaborado qualquer mapa de trabalhos, nem tão-pouco, foi formalizada qualquer receção provisória ou definitiva da obra; a Sentença ora Recorrida veio defender que a argumentação dos Recorrentes no sentido de que nunca existiu qualquer contrato de empreitada entre as partes, mas sim, um contrato atípico dado a conexão das relações laborais e profissionais do Recorrente marido com a sociedade Recorrida, não encontrou eco em qualquer meio de prova produzido; e o acordo alcançado entre as partes decorreu, única e exclusivamente, do acordo alcançado no âmbito das referidas relações laborais e Profissionais» (cfr. conclusões 10ª, 11ª, 16ª e 17ª).
Vejamos.
Em resultado da alteração da decisão de facto que supra se determinou, são agora relevantes para a questão do apuramento da existência do contrato e sua qualificação, os seguintes factos provados: a sociedade “EMP01..., S.A” dedica-se ao exercício da actividade da construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, aluguer de equipamentos para a construção civil, arrendamento de bens imobiliários, administração de imóveis por conta de outrem, mediação e angariação imobiliária; tal sociedade iniciou a sua actividade e giro comercial em 1981, sendo o seu capital social era representado por duas quotas, uma detida por GG e a outra por CC, ambos únicos gerentes da sociedade, situação que se manteve até ../../2018; entre a referida sociedade e o réu marido foi celebrado, no ano de 2011, e por forma verbal, um acordo através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ..., e o segundo obrigou-se a pagar as obras, tendo no âmbito deste acordo a Autora realizado as obras e trabalhos e fornecido os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); o réu marido, ao tempo da celebração de tal acordo e sua integral execução, era prestador de serviços da “EMP02... Lda.”, assumindo ainda funções de director financeiro da “EMP03..., S.A” e da “EMP05..., S.A”; à data da celebração do acordo, EE e GG mantinham uma relação de confiança e proximidade com o réu marido; e o acordo foi alcançado no âmbito das relações profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e a “EMP03...” e os seus accionistas (cfr. factos provados nºs. 1, 4, 5, 6, 23 e 26).
E importa também considerar (já atentando na alteração da decisão de facto que supra se determinou) que não ficou provado que «o acordo foi alcançado no âmbito das relações laborais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas», nem que «em Setembro de 2003, ficou acordado entre as partes que, o ora R. e a sua família passariam a residir em ...» e nem que «o alojamento do R. sempre foi considerado como um custo, como uma responsabilidade a assumir pela “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...”» (cfr. factos não provados nºs. 1 a 3).
 Embora o “quadro” da factualidade provada e não provada não seja exactamente o mesmo em que o Tribunal a quo fundou a qualificação do contrato [não está provado que «a Autora e o Réu acordaram que as obras seriam realizadas mediante o preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global» - cfr. facto não provado nº6 -, e está provado que «o acordo foi alcançado no âmbito das relações profissionais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e a “EMP03...” e os seus accionistas» - cfr. facto provado nº26], entendemos que estas alterações da decisão e facto não alteram a qualificação do negócio jurídico celebrado entre as partes como configurando um verdadeiro contrato de empreitada.
Com efeito, embora nada tenha sido alegado relativamente às negociações preliminares à formação do contrato (até porque as partes nada alegaram nesse sentido), a factualidade provada é suficiente para comprovar, de forma inequívoca, a existência de um acordo de vontades entre a Autora e o Réu marido que abrange os elementos essenciais do contrato de empreitada: aquela comprometeu-se a realizar obras de melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias no prédio urbano adquirido pelos réus, sito na Rua ..., Quinta ..., em ... (requisito da «realização de uma obra» - obrigação do empreiteiro) e o Réu comprometeu-se a pagar as obras (requisito do «pagamento de uma contrapartida, uma retribuição, pela execução da obra» - obrigação do dono da obra).
Logo, mostra-se incorrecta a alegação dos Réus/Recorrentes no sentido de que «não foi emitida qualquer declaração que possa ser qualificada como uma proposta contratual completa, precisa, firme e formalmente adequada».
Como já anteriormente se referiu e explicou, na presente acção, nunca foi objecto de dissenso entre as partes a existência da obrigação do Réu pagar as obras: para além de outras questões (nulidade por falta de forma e abuso de direito), os Réus não contestaram tal obrigação, discordando sim do preço indicado pelos Autores (defendendo que é outro) e advogando que já procederam à liquidação/pagamento do valor devido. Portanto, nunca esteve nem está em causa em causa a onerosidade do negócio celebrado entre as partes, que é um elemento essencial do contrato.
Também não tem cabimento a alegação dos Réus/Recorrentes de que inexiste empreitada «porque não foram previamente determinados ou discriminados os trabalhos a realizar»: com efeito, o acordo de vontade é suficientemente concreto (e a posterior realidade da sua execução – cfr. factos provados nºs. 5 e 7 a 10) sobre a obra a executar, a qual consistiria «no melhoramento e adaptação que viessem a revelar-se necessárias no prédio urbano adquirido pelos réus», isto é, todos os trabalhos que os Réus viessem a solicitar à Autora que fossem de melhoramento e adaptação da sua casa, sendo que a falta de fixação de qualquer prazo (ou calendário) é totalmente irrelevante para a formação deste tipo de contrato.
E igualmente carece de fundamento legal a alegação dos Réus/Recorrentes de que o contrato não pode ser qualificado como empreitada «porque nunca foi fixado qualquer preço, nunca foram definidos os critérios para a fixação do valor a liquidar pelos Recorrentes, nunca foi elaborado qualquer orçamento». É certo que, embora as partes tenham alegado versões, ainda que distintas, no sentido de que foi acordado um preço, ou melhor, uma forma de determinação (cálculo) do mesmo, nenhuma das versões alegadas ficou probatoriamente demonstrada (cfr. factos não provados nºs. 6 e 7), ou seja, não está provado que, no momento da celebração do contrato, as partes fixaram o preço. Porém, como supra se explanou, a efectiva formação/celebração do contrato de empreitada não depende da estipulação do preço por acordo nesse exacto momento, já que pode ser determinado em momento ulterior ao do acordo/ajuste, por via dos critérios supletivos consagrados no art. 883º do C.Civil, para o qual remete o art. 1211º/1 do mesmo diploma legal (questão diversa é saber se, nos autos, estão provados factos suficientes aos funcionamento de tais critérios). Portanto, a fixação ab initio do preço não é essencial à caracterização do contrato de empreitada e, por via disso, a sua falta (mesmo quando as partes não lograram provar a factualidade no sentido de que o mesmo foi ajustado no momento da celebração do contrato) não constitui motivo de descaracterização do contrato de empreitada, até porque estando suficientemente definida a obra a executar, sempre será determinável o respectivo preço. 
Como se decidiu no Ac. do STJ de 08/02/1996[78], “IV - Há empreitada sempre que o objecto do contrato seja a construção de uma obra, ainda que o preço não esteja indicado com precisão. V - O preço pode consistir em quantia previamente fixada, mas nada impede que as partes convencionem outro modo para a sua fixação, desde que se possibilite a sua determinação”. Também no Ac. do STJ de 29/04/1999[79] se entendeu que “II - É de qualificar como contrato de empreitada aquele em que se surpreendem dois elementos essenciais: a realização de uma obra e a fixação de um preço - artigo 1211 n. 1 do CCIV. III - Porém, para a validade do contrato basta que o preço seja determinável - artigo 883 do CCIV -, não obstando pois a tal validade a subsistência de controvérsia acerca do montante do preço acordado”.
Por outro lado, verifica-se que não resultou provada a matéria de facto que os Réus/Recorrentes alegaram (no âmbito da apelidada «excepção peremptória da inexistência contrato de empreitada») para sustentar que o negócio jurídico celebrado constitui um contrato atípico no âmbito das relações laborais. Na verdade, não ficou probatoriamente demonstrado que «o acordo foi alcançado no âmbito das relações laborais que existiam entre o R. marido e a “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...” e os seus accionistas», nem que «em Setembro de 2003, ficou acordado entre as partes que, o ora R. e a sua família passariam a residir em ...» e nem que «o alojamento do R. sempre foi considerado como um custo, como uma responsabilidade a assumir pela “EMP02..., Lda.” e/ou a “EMP03...”» (cfr. factos não provados nºs. 1 a 3), ficou decisivamente prejudicada a “tese” que aqueles procuram advogar de que a realização das obras por parte da Autora era uma compensação por terem saído do apartamento em que viveram durante quase 8 anos sem pagarem renda (cfr. facto provado nº25). E é manifesto que se mostra irrelevante para a descaracterização do contrato de empreitada a circunstância do acordo ter sido celebrado no âmbito das relações de confiança, proximidade e profissionais que existem entre o Réu e os únicos sócios e gerentes da sociedade Autora e de todas outras sociedades do grupo (cfr. factos provados nºs. 6, 23 e 26).
  Por fim, revela-se totalmente inconsequente e infundada (e até ininteligível, porque confundem a avaliação da prova para efeitos de decisão de facto com matéria de direito), a alegação dos Réus/Recorrentes de que «ao serem interpelados os legais representantes da Recorrida (à referida data, a sociedade Recorrida era representada pelo Sr. GG e pelo Sr. EE) sob tal matéria, os depoimentos dos mesmos foram extremamente claros, ao referir que, entre as partes nunca foi celebrado qualquer contrato de empreitada» (cfr. conclusão 11ª).
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o contrato celebrado entre a Autora e o Réu marido configura um contrato de empreitada.
Nestes termos, terá que improceder este fundamento de recurso.
*
4.4. Da Nulidade do Contrato de Empreitada por Falta de Forma
Em regra, o contrato de empreitada não está submetido a nenhuma forma especial, sendo, em princípio, como supra se disse, um negócio consensual nos termos do art. 219º do C.Civil).
Mas o legislador consagrou a exigência legal da forma escrita para os contratos de empreitada e subempreitada de obra (de construção civil) particular acima de certo valor.
À data da celebração do contrato de empreitada entre as partes (ano do 2011), prescrevia o art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004, de 09/01, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº18/2008, de 29/01:
1 - Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito e devem ter o seguinte conteúdo mínimo: a) Identificação completa das partes outorgantes; b) Identificação dos alvarás; c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver; d) Valor do contrato; e) Prazo de execução; f) Forma e prazos de pagamento.
2 - Incumbe sempre à empresa que recebe a obra de empreitada, ainda que venha a celebrar um contrato de subempreitada, assegurar e certificar-se do cumprimento do disposto no número anterior…
4 - A inobservância do disposto no n.º 1 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta ser invocada pela parte obrigada a assegurar e a certificar-se do seu cumprimento”.
E estatuía o art. 30º do Dec.-Lei nº12/2004: “O disposto no artigo anterior prevalece sobre o regime jurídico das empreitadas previsto no Código Civil, na parte em que com o mesmo não se conforme”.
O art. 26º do Dec-Lei nº41/2015, de 03/06 (diploma este que revogou aquele Dec.-Lei nº12/2004) continuou a dispor no mesmo sentido do citado art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004.
Por sua vez, estabelecia a Port. nº21/2010, de 11/01: «…ao abrigo do disposto no nº5 do artigo 4º do Decreto-Lei nº12/2004, de 9 de Janeiro, manda o Governo, pelos Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o seguinte: 1º As classes das habilitações contidas nos alvarás de construção e os correspondentes valores são fixados no quadro seguinte: Classes das habilitações Valores das obras (em euros) 1 . .  Até 166 000… 2º O disposto na presente portaria entra em vigor no dia 1 de Fevereiro de 2010…» (este valor da classe 1 - € 166.000,00 - manteve-se inalterado na Port. nº57/2011, de 28/01, que entrou em vigor na data 01/02/2011, pelo que se mostra indiferente que o contrato tenha sido celebrado antes ou depois de 01/02/2011). Resulta daqui que o «valor superior» a que se reporta o nº1 do citado art. 29º corresponde a um montante acima de € 16.600,00.
Do regime legal consagrado no citado art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº18/2008, decorre que a exigência da forma escrita contida no nº1 constitui uma formalidade ad substantiam, sem a qual o negócio não é válido, explicando Vaz Serra[80] que a sua sua ratio radica na necessidade de “precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza, dar maior segurança à conclusão do negócio e ao conteúdo negocial, facilitar a prova (…) facilitar o controlo no interesse geral, garantir a sua reconhecibilidade por terceiro, dar às partes a oportunidade de obter o conselho de peritos”.
E mais decorre que a nulidade imposta no nº4, prevendo que a preterição da forma legal escrita apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, tratando-se, assim, de uma nulidade atípica, que só pode ser arguida pelo dono da obra e que tem como pressuposto a consolidação do negócio na ordem jurídica se não for invocada, tendo a natureza de uma invalidade mista.
Sustenta-se no Ac. do STJ de 16/05/2019[81] que “A inobservância dessa forma escrita, que constitui uma formalidade ad substantiam, determina, conforme prescreve o nº 4 do citado artigo 29º, a nulidade do contrato” e que “Trata-se de uma nulidade atípica, que apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal”, acentuando-se que “A falta da forma escrita exigida pelo nº1 do citado artigo 29º como condição sine quo non da validade do contrato de empreitada com o valor superior a € 16.600,00 só pode ser suprida nos termos limitados do disposto no artigo 364º, nº1 do Código Civil, pelo que a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos artigos 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do Código Civil”.
Assinale-se que, como se explicou no Ac. desta RG de 31/05/2012[82], tal nulidade “presumia-se imputável à empresa adjudicatária (empreiteiro) na primitiva redacção do nº 2 do art. 29º do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro”, mas com as alterações introduzidas a este “preceito pelo art. 7º do DL 18/2008, de 29 de Janeiro, deixou de poder ser invocada pelo empreiteiro nos termos do novel nº 4 do art. 29º”, pelo que “instituiu uma categoria de nulidade atípica, a qual apenas pode ser invocada pelo dono da obra, não sendo também de conhecimento oficioso”.
Na mesma linha de entendimento, no Ac. desta RG de 18/06/2020[83] considerou-se que “na vigência do art. 29º do DL n.º 12/2004, de 09/01, os contratos de empreitada e de subempreitada de obra particular de valor superior a 16.600,00 euros, são contratos formais, que têm de ser obrigatoriamente reduzidos a escrito e de conter o conteúdo mínimo fixado no n.º 1 desse art. 29º”, sendo que estas exigências formais “constituem formalidades ad substantiam, sem cuja observância o contrato não é válido” e a sua supressão “apenas pode ser feita através de documento escrito com força probatória superior ao documento legalmente exigido”, mas assinalando que as restrições probatórias “apenas se reportam à validade substancial do negócio, pelo que a impossibilidade de recurso ao uso de outra prova documental, à prova testemunhal, por confissão ou por presunção releva, apenas e só, para efeitos de prova da celebração válida do contrato de empreitada ou subempreitada celebrado, mas não impede que se recorra a esses meios de prova para efeitos de se fazer prova da celebração efetiva desses contratos inválidos, com vista a extrair os efeitos jurídicos da respetiva invalidade formal”, e conclui-se que “Na vigência do art. 29º do DL n.º12/2004, de 09/01, com a redação introduzida pelo DL n.º 18/2008, de 29/01, a nulidade do contrato de empreitada ou de subempreitada tendo por objeto obra particular de valor superior a 16.600,00 euros, com fundamento de que aqueles não foram reduzidos a escrito ou, tendo-o sido, o contrato escrito não contém o conteúdo mínimo fixado pelo art. 29º, n.º1, configura uma nulidade atípica, que não é do conhecimento oficioso do tribunal e que apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso de contrato de empreitada) e pelo subempreiteiro (no caso de subempreitada)”.
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que está efectivamente demonstrado o contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido tinha como objecto uma obra particular (melhoramento e adaptação de moradia adquirida pelos Réus para sua residência) e não foi reduzido a escrito, tendo sido celebrado apenas de forma verbal - cfr. facto provado nº5.
Na contestação, os Réus deduziram a excepção peremptória da nulidade do contrato de empreitada por falta de forma em razão da exigência de redução a escrito decorrente citado art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº18/2008.
Apesar de ter reconhecido a falta de redução a escrito, na sentença recorrida entendeu-se que tal exigência de forma «não se aplica no caso dos autos, já que ao tempo da formação e encontro de vontades dos contraentes não era possível determinar o preço, já que, consoante também se provou, acordaram as partes que o preço devido seria o “normalmente praticado no mercado à data da conclusão das obras, em relação à obra global”, pelo que aquando da sua celebração não era possível fixar ou saber sequer o valor final do contrato, até porque as partes igualmente acordaram que se executariam as obras que se revelassem necessárias e de forma faseada, consoante a disponibilidade da mão-de-obra e equipamentos da “EMP02.... Lda.”» (o Tribunal a quo acolheu a tese invocada pela Autora no art. 29º da réplica).
No recurso, os Réus/Recorrentes defendem, essencialmente, que «embora na data do início dos trabalhos, apesar de não ser possível contabilizar o valor global do custo dos trabalhos, as partes tinham total e perfeita consciência de que o valor de tais obras iria exceder claramente o valor fixado para as empreitadas de categoria 1, tanto mais que, as obras de maior dimensão ocorreram na 1ª fase; logo que as obras foram iniciadas os custos foram sendo lançados na contabilidade da recorrida, que tinha total condição de verificar que tinha atingido o mínimo legal que impunha a obrigação de celebração de contrato escrito; os referidos trabalhos foram lançados na contabilidade da Recorrida, pelo montante global de € 37.840,18) e, de acordo com o e-mail datado de 26 de Dezembro de 2016, nessa data, foi comunicado ao Recorrente marido o custo global da obra executada e o acordo alcançado entre os legais representantes da EMP02..., no sentido de apenas ser faturado aos  Recorrentes 50% do custo da obra, pelo que, pelo menos nessa data, nada impedia que a sociedade Recorrida procedesse à formalização do contrato de empreitada» (cfr. conclusões 12ª a 14ª).
Afigura-se-nos não ser de acompanhar o entendimento do Tribunal a quo. Explicando.
Importa ter presente que o Legislador, no preceito em análise, estabeleceu a obrigação da forma escrita para todos os contratos de empreitada de obra particular cujo «valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1» e determina que a indicação do «valor do contrato» é um dos elementos contratuais que têm de constar do documento escrito, mas não utilizou a expressão «preço», apesar de ter óbvia e evidentemente consciência de que é essa expressão que está plasmada na definição de contrato de empreitada constante do art. 1207º do C.Civil.
Afigura-se-nos que duas ordens de razão justificam a referência a «valor do contrato» e não a «preço». Por um lado, como anteriormente se explanou, a efectiva formação/celebração do contrato de empreitada não depende da estipulação do preço por acordo nesse exacto momento, podendo ser determinado em momento ulterior ao do acordo/ajuste por via dos critérios supletivos consagrados no art. 883º do C.Civil (para o qual remete o art. 1211º/1 do mesmo diploma legal). Logo, se a celebração do contrato de empreitada a que o legislador pretende aplicar a exigência de forma constante do art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004 (na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº18/2008), pode não ter um preço fixado ou determinado à data da sua celebração, então justifica-se e compreende-se que o legislador não se tenha reportado expressamente a um «preço» (fixado ou determinado). Por outro lado, importa ter presente que no nº2 do referido preceito, o Legislador impôs ao empreiteiro que vai celebrar o contrato (isto é, que vai aceitar a obrigação de executar a obra solicitada pelo dono da mesma) uma obrigação muito específica e concreta, consistente em assegurar e em certificar-se do cumprimento do disposto no nº1, ou seja (e para além do mais), está legalmente obrigado a asseverar-se e a convencer-se sobre qual o valor do contrato vai ou não ultrapassar «10% do limite fixado para a classe 1» para, deste modo, apurar se o mesmo deve ou não ser reduzido a escrito.
Neste “quadro”, uma vez que, em geral, o contrato de empreitada a celebrar não depende da fixação do preço, mas que, quando tem como objecto uma obra particular, o Legislador exigiu que seja reduzido a escrito se ultrapassar certo valor e fez recair sobre o empreiteiro um especial ónus de assegurar e de certificar o cumprimento quer da exigência de forma escrita quer do conteúdo mínimo legalmente exigido (entre os quais se encontra o «valor do contrato» (e não um concreto preço), afigura-se-nos que será de entender que, nos casos em que ainda não está fixado/determinado o preço do contrato que irá ser celebrado, é exigível ao empreiteiro que diligencie pelo apuramento de qual será valor do contrato (mesmo que seja um valor aproximando e possa não corresponder em absoluto ao preço a pagar a final), para o que terá concretizar e detalhar com maior precisão quais serão os trabalhos a realizar (uma vez que a «identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver» são um dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido), quais serão os prazos da sua execução (que constituem outro dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido) e quais são as formas e os prazos de pagamento (que representam outro dos elementos que fazem parte do conteúdo mínimo legalmente exigido). Só através deste tipo actuação diligente o empreiteiro pode efectivamente cumprir o ónus que lhe é imposto no nº2 citado art. 29º, designadamente verificar se o valor do contrato ultrapassa ou não o montante a partir do qual o contrato tem obrigatoriamente que ser reduzido a escrito.
E recordando-se aqui a causa da exigência de forma decorrente do citado art. 29º radica precisamente «precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza», «dar maior segurança à conclusão do negócio e ao conteúdo negocial», e «facilitar a prova e o controlo no interesse geral, garantindo a sua reconhecibilidade por terceiro», então mais se deve entender que o objectivo (ou um dos objectivos) do regime legal em análise é precisamente evitar que, no campo das empreitadas de obra particular, a fixação e determinação do preço seja deixada para momento posterior ao da celebração do contrato.
Em face do exposto, não podemos subscrever o entendimento de não estando determinado pelas partes o preço no momento da celebração do contrato de empreitada relativa a obra particular, não é aplicável este regime legal do art. 29º.
Mas, para além disso, acrescem ainda mais duas razões para não se acolher tal entendimento:
- porque não tem um mínimo de sustentação na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso (é manifesto que no respectivo texto o legislador jamais consagra qualquer excepção à exigência de forma escrita para os casos em que o preço não esteja ainda fixado ou determinado), pelo que está legalmente vedada ao intérprete prosseguir tal tipo de interpretação, atento o comando imposto no nº2 do art. 9º do C.Civil (“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”);
- e porque a sua prossecução constituiria uma forma de promover objectivamente a fraude à lei, já que bastaria às partes, de forma voluntária, não acordarem sobre preço (ou nos critérios que permitem o seu cálculo posterior), para já não terem que cumprir a exigência legal decorrente do citado art. 29º/1 apesar de irem celebrar um contrato de empreitada de obra particular, e sendo que, por esta via, sempre estaria o empreiteiro estaria dispensado de dar (ou procurar dar) cumprimento ao ónus especial que o Legislador lhe impôs no nº2 do preceito.
Afastado o entendimento acolhido na sentença recorrida, cumpre, então, apreciar se a falta de redução a escrito do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido padece da nulidade atípica estipulada no nº4 do aludido art. 29º e que foi arguida por este último, ou seja, pelo dono da obra.
Em virtude precisamente de não terem aplicado ao contrato que celebraram o regime legal decorrente do art. 29º do Dec.-Lei nº12/2004, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei, como já se referiu no âmbito de questões anteriores, as partes discordam sobre qual foi o preço acordado e, não tendo logrado provar nenhuma das versões que alegaram sobre a matéria (cfr. factos não provados nºs. 6 e 7), não está probatoriamente demonstrado que, no momento da celebração do contrato, acordaram/fixaram o preço (perante as versões alegadas, como vimos, estaríamos perante um acordo sobre os critérios da sua determinação - «preço normalmente praticado no mercado à data da sua conclusão, em relação à obra global»» ou «o custo efectivo da obra»).
Porém, perante o manancial factual provado verifica-se que: no âmbito do acordo que alcançaram, a Autora realizou as obras e trabalhos e fornecido os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9º e 10º da petição inicial e que incluem, entre outros, «Escavação perimétrica/rebaixamento de muros em cantaria», «Muros em cantaria/alvenaria», «Logradouros (jardins/pavimentações)», «Caminhos pedonais no perímetro da habitação», «Demolições», «Amplição da habitação (copa)», «Amplição da habitação (piso sobre a sala de estar)», «Construção de cobertura/terraço (zona da churrasqueira)», «Construção de anexo no logradouro do lado nascente da habitação», «Pavimento Térreo», «Impermeabilização» «Acabamentos interiores», «Apoio às especialidades de pichelaria, electricidade e avac, na abertura e tapamentos de roços, proteção mecânica das infraestruturas», «Fornecimento e execução de rede externa e interna de drenagem de águas pluviais e residuais», «Preparação de terreno para execução de jardins e zonas de plantações», «Pavimentação do passeio de acesso no arruamento à habitação»; a Autora executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do prédio urbano, que ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de 94.701,41 Euros, com IVA incluído; as referidas obras, trabalhos, fornecimento de mão de obra materiais e equipamentos fornecidos, que foram realizados e prestados pela sociedade comercial EMP02..., Lda., ocorreram em duas fases, sendo a 1ªfase entre Fevereiro a ../../2011 e sendo a 2ªfase no período de tempo compreendido entre ../../2014 a ../../2016; e a obra executada, após a sua conclusão e até ../../2019, esteve lançada na contabilidade da Autora a título de custo no montante total de € 37.839,18 (cfr. factos provados nºs. 5, 7, 8 e 26.
Daqui que resulta que, quer considerando a dimensão dos trabalhos efectuados e o tempo de execução, quer considerando que as obras executadas, a preços correntes de mercado, ascendem ao valor de € 94.701,41, com IVA incluído (e que corresponde ao preço da versão alegada pela Autora e também corresponde a um dos critérios previstos no art. 883º do C.Civil), que considerando o valor de custo das obras lançado na contabilidade, no montante total € 37.839,18 (e que corresponde ao preço da versão alegada pelos Réus), facilmente se conclui que o valor do contrato de empreitada de obra particular celebrado entre Autora e o Réu marido ultrapassa inequivocamente o montante de € 16.600,00 que correspondia, no ano de 2011, ao valor dos «10% do limite fixado para a classe 1» previstos no citado art. 29º/1 e, por via disso, estava sujeito à exigência da forma escrita.
Logo, não tendo sido reduzido a escrito, por força do disposto no nº4 do mesmo art. 29º, o contrato é nulo por vício da falta de forma prescrita pela lei (cfr. também o art. 220º do C.Civil), sendo que como foi o dono da obra (o Réu marido) quem invocou tal nulidade, tal arguição é legalmente admissível e deve ser reconhecida.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido é nulo por vício de forma, devendo ser julgada procedente a correspondente excepção peremptória deduzida pelos Réus e ser declarada a correspondente nulidade do contrato.
Nestes termos, deve proceder este fundamento de recurso, não se podendo manter a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente a excepção peremptória da nulidade do contrato.
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4.5. Dos Efeitos Jurídicos da Nulidade do Contrato de Empreitada
Tendo-se concluído pela sua nulidade, por força do disposto no art. 289º/1 do C.Civil, o contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido é insusceptível de produzir efeitos jurídicos na ordem jurídica e, no que concerne aos já produzidos, impõe-se a destruição retroactiva desses efeitos, donde decorre a obrigação das partes contratantes restituírem tudo o que tiverem prestada em razão do contrato inválido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Deste regime legal resulta que à Autora, na qualidade de empreiteira, incumbiria devolver toda e qualquer quantia (a título de retribuição/preço) recebida do Réu marido, na qualidade de dono da obra, e que a este incumbiria devolver tudo o que aquele lhe prestou na execução do contrato.
Ponderando a factualidade provada e não provada, verifica-se que, por um lado, o Réu marido (dono da obra) não pagou (liquidou) à Autora qualquer quantia a título de preço (cfr. facto provado nº14 e factos não provados nºs. 4 e 5) e que, por outro lado, no âmbito do acordo/contrato a Autora realizou as obras e trabalhos e forneceu os materiais e equipamentos referidos nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, sendo que as obras e trabalhos realizados os materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil fornecidos na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de € 94.701,41, com IVA incluído (cfr. factos provados nºs. 5 e 7).
Deste modo, a Autora não tem que restituir aos Réus qualquer quantia, mas a prestação executada pela Autora não é susceptível de ser restituída em espécie pelo Réu: com efeito, tal execução consistiu na realização de obras/trabalhos de construção civil, na prestação de mão-de-obra, na utilização de equipamentos para a realização daquelas obras/trabalhos e no fornecimento de materiais de construção integrados nas próprias obras, o que pela respectiva natureza e ordem natural das coisas inviabiliza a sua devolução em espécie.
Frise-se que, como se explica no Ac. do STJ de 22/06/2021[84], “o dever de restituição, na sequência da declaração de nulidade ou anulação de um negócio jurídico, comporta tão-só a restituição do que foi prestado (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), não implicando, a não ser que tenha ficado provado que o facto que deu origem à invalidade contratual tenha sido um facto ilícito, culposo e causador de danos (como sucede, por exemplo, com a coação moral e a coação física), qualquer dever de pagamento de uma indemnização ou de compensação pela perda de lucro (…) O contrato nulo não é um nada jurídico, nem um ato inexistente. Nos casos em que um contrato de execução duradoura, como o contrato de empreitada, é declarado nulo, não é possível regressar ao estado anterior à celebração do contrato para aplicar de forma estritamente lógica o princípio da retroatividade dos efeitos da nulidade. Estamos, assim, perante uma situação que tem sido designada pela doutrina francesa, como um contrato sinalagmático de sentido inverso (…), ou como um contrato putativo (…) ou ainda como uma situação para-contratual (…). A retroatividade não pode ser uma ficção, servindo antes como um instrumento ou técnica jurídica de correção de relações contratuais defeituosas, tendo em conta as realidades materiais e económicas anteriores à anulação ou à declaração de nulidade.
Aqui chegados, e uma vez que só a Autora (empreiteira) realizou a sua prestação, a qual não é suscpetível de ser restituída em espécie, cumpre determinar qual é o valor correspondente da mesma (cfr. parte final do nº1 do citado art. 289º).
No recurso, os Réus/Recorrentes defendem, essencialmente, que «(a) deverá ser sempre considerado o critério de fixação do valor a pagar (50% do custo incorridos pela Recorrida com a realização das obras), conforme e-mail de 26/12/2016; (b) isto porque a decisão tomada validamente por um legal representante de uma sociedade comercial num dado momento, deve ser respeitada em pleno pela administração posterior; (c) assim, e partindo destes pressupostos, deve ser atendido o disposto no nº 1 do art. 289º do CC, caso em que os ora Recorrentes estariam adstritos a proceder à restituição do que tiver sido prestado, mas balizando a devolução no que acordaram e está refletido no e-mail de 26/12/2016; a sociedade Recorrida, não só, acordou não obter margem de lucro e só cobrar 50% dos custos com a obra, como por imperativo legal está mesmo impossibilitada de incluir qualquer margem de lucro, como também, não pode exigir aos ora Recorrentes o pagamento de IVA e de quaisquer juros de mora vencidos, dado que, o valor a liquidar deveria corresponder única e exclusivamente ao custo de 50% das despesas suportadas com a execução da obra» (cfr. conclusão 15ª).
Não lhes assiste qualquer razão em qualquer dos pontos suscitados.
No que concerne à invocada «decisão de um legal representante da Autora no sentido de cobrar apenas 50% do custo incorridos com a realização das obras, conforme e-mail de 26/12/2016, decisão que vinculava as futuras administrações», como já se explicou aquando da apreciação da impugnação da decisão de facto, estamos perante a alegação de um facto novo (jamais alegado oportunamente nos autos) que, para além de não estar obviamente probatoriamente demonstrado, representa (mais uma vez) a invocação de factos novos, não alegados nos articulados, e que, por isso, não foram nem podiam ser considerados pelo Tribunal a quo (cfr. art. 5º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013), pelo que também este Tribunal ad quem está impedido de os considerar e apreciar.
No que concerne ao invocado «acordo de não obter margem de lucro», verifica-se que, como também já se referiu aquando da apreciação da questão da qualificação dos contratos, não resultou probatoriamente demonstrado qualquer acordo entre as partes sobre a fixação do preço ou critério para a sua posterior determinação e, nomeadamente, não resultou provado que «a Autora e o Réu mais acordaram que este apenas iria proceder ao pagamento do custo efectivo da obra» (cfr. facto não provado nº6). Deste modo, mostra-se infundada a alegação de que a Autora prescindiu de margem de lucro relativamente ao valor a receber como contrapartida pela execução das obras.
No que concerne à invocada impossibilidade de ser «incluído IVA» e serem «cobrados juros de mora», importa previamente determinar qual é o valor correspondente que o Réu (ou melhor, os Réus) deve restituir à Autora por efeito de declaração da nulidade do contrato.
Embora as partes não tenham logrado demonstrar dos autos qualquer acordo sobre a fixação do preço ou critério para a sua posterior determinação, certo é que ficou provado nos autos que a Autora executou para os réus obras e trabalhos, forneceu materiais, mão-de-obra e equipamentos de construção civil na remodelação e ampliação do aludido prédio urbano, que ascenderam, a preços correntes de mercado, ao valor global de € 94.701,41, com IVA incluído (cfr. facto provado nº7).
Como decorre do art. 883º do C.Civil, aplicável por remissão do art. 1211º do mesmo diploma legal, o preço corrente de mercado corresponde ao terceiro critério legal de determinação do preço fixado naquele preceito, sendo certo que no caso em apreço não têm aplicação os dois primeiros (não existe manifestamente preço fixado por entidade pública e não está apurada nos autos factualidade que permita determinar «o preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato»).
Ora, como a expressão «valor correspondente» consagrada na parte final do nº1 do art. 289º do C.Civil não permite uma interpretação no sentido de não incluir a «margem de lucro» (porque não tem qualquer correspondência verbal na letra da lei – cfr. art. 9º/2 do C.Civil) e uma vez que um contrato nulo não corresponde a um «nada jurídico» nem um «acto inexistente», afigura-se-nos que tal valor correspondente coincide com o montante global das obras executadas a preços correntes de mercado, isto é, o referido valor de € 94.701,41 (que inclui IVA).
É certo que nos autos também ficou probatoriamente demonstrado que a obra executada, após a sua conclusão e até ../../2019, esteve lançada na contabilidade da Autora a título de custo no montante total de € 37.839,18 (cfr. facto provado nº27), mas uma vez que não ficou provado que foi esse o critério ajustado pelas partes para a determinação do preço e uma vez que o custo da obra não correspondente a nenhum dos critérios legais consagrados no citado art. 883º, tal facto mostra-se irrelevante na matéria da determinação do «valor correspondente».
Apurado tal valor a restituir, no que concerne à alegada «impossibilidade de ser cobrado IVA», verifica-se que, no citado Ac. do STJ de 16/05/2019[85], se defendeu que do valor a restituir deve ser excluído o IVA, mas não se apresenta razões para tal exclusão. Pelo contrário, no também já citado Ac. do STJ de 22/06/2021[86], entende-se que o valor da restituição no caso de nulidade do contrato de empreitada inclui o IVA se o empreiteiro não estiver isento: “(…) corresponderá ao valor objetivo de mercado dos mesmos, acrescido do respetivo IVA (já que este imposto é devido ao Estado, por imposição legal, tendo de ser cobrado pelo Autor, não isento deste imposto, tanto assim que o valor de 190.000,00 euros acordado pela execução da obra, era com IVA incluído, o que demonstra que este não é dele isento e que terá de entregar esse imposto ao Fisco – arts. 1º, n.º 1, al. a), 2º, n.º 1, al. a), 4º, n.º 1, 7º, n.º 1, al. b), 16º, n.º 1 e 27º, n.º 1 do Código do IVA)”.
Este último entendimento foi também sustentado no citado Ac. desta RG de 18/06/2020[87] e o Ac. da RP de 26/04/2021[88], no qual se explica: “O IVA é devido pelo dono da obra, pois como decorre do art. 7º, nº 1, alínea b) CIVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização das prestações de serviços, atuando o empreiteiro como mero cobrador do imposto (art. 2.º, n.º 1, al. a), 26.º, n.º 1, al. b), e 35.º, n.º 5, do CIVA 29º/1 b) do CIVA). Com efeito, o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) é, de acordo aliás com a sua nomenclatura, um imposto indireto plurifásico, proporcional e não cumulativo que incide sobre as sucessivas fases do processo de produção e consumo através do método designado por subtrativo indireto, tributando, regra geral e fora dos casos excecionais previsto no CIVA, todos os atos de consumo e recaindo, conforme a sua estruturação lógica, no fim do processo de produção e consumo, sobre o consumidor final. A incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer. O IVA recai sobre o dono da obra, sujeito passivo e contribuinte de facto, ao passo que o empreiteiro se apresenta como contribuinte de direito, aquele que, como sujeito passivo do tributo (a par do dono da obra), se encontra obrigado à sua liquidação e entrega ao Estado (arts. 2.º, n.º 1, al. a), 26.º, n.º 1, al. b), e 35.º, n.º 5, do CIVA).Na estrutura da relação jurídico fiscal o devedor de facto ou devedor principal é o contribuinte de facto, o adquirente dos bens ou serviços, aparecendo nessa mesma relação o contribuinte de direito (prestador dos serviços ou fornecedores dos bens) como responsável pela cobrança e liquidação Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (…) tem-se formado o entendimento que nada impossibilita que no quadro das relações (internas) contratuais se estabeleça um acordo – no caso entre empreiteiro e dono da obra – no sentido que o preço englobe o imposto uma vez que um tal acordo não contrariará nenhuma norma legal imperativa, seja quanto à forma, à perfeição ou ao objeto da declaração negocial (artigos 219º e seguintes, 224º e seguintes e 280º e seguintes CC). Na falta de estipulação em contrário o adquirente de serviços não isento de IVA, deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo sobre este último, na condição de contribuinte passivo, a sua liquidação ao fisco”.
Afigura-se-nos que ser este entendimento o mais correcto e consentâneo com a ordem jurídica em vigor, ao qual se adere.
Deste modo, porque nada está provado nos autos quer no sentido de que a Autora está isenta de IVA, quer no sentido de que o preço foi estipulado/convencionado pelas partes (como supra já se referiu por várias), então temos que concluir que não deve ser excluído o IVA do valor correspondente a restituir.
Efectivamente, como se explica no Ac. do STJ de 04/06/2013[89], A incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no artigo 36º nº1 CIVA (a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços) (…) se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade IVA incluído (o ónus da prova recai sobre o adquirente) se deve concluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer (…) tratando-se de um imposto sobre o consumo que onera (…) na sua estrutura finalística o consumidor final (no contrato de empreitada o IVA recai sobre o dono da obra) está ele, salvo estipulação em contrário, obrigado, enquanto sujeito passivo e contribuinte de facto, a entregar ao empreiteiro a importância correspondente ao IVA devido (recorda-se que nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea b) CIVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização das prestações de serviços). Refira-se, ainda e também, que em todos os casos e sobretudo quando o IVA incide sobre prestações de serviços (situação em que o mesmo se torna devido a partir da realização da prestação de serviços) se dispõe que (artigo 36º CIVA) a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente daqui resultando, na medida em que a importância relativa ao IVA não está incluída no preço, mas acresce (adiciona-se) ao preço, um decisivo argumento no sentido de que o legislador fez prevalecer a modalidade de IVA a acrescer sobre a modalidade IVA incluído, modalidade que apenas será aplicável no caso de demonstração de acordo nesse sentido (…) Assim e concluindo, o facto de no contrato nada se referir quanto ao IVA e o facto de nada se ter provado a esse propósito apenas significa que o valor contratual estipulado não incluía aquele imposto, estando-se perante uma situação comum de IVA a acrescer (artigos 7º e 36º CIVA). Desta forma e em consonância com as regras jurídicas da hermenêutica contratual, não se colocando a hipótese de estarmos perante uma situação de isenção de IVA, torna-se, na linha do exposto e perante uma situação em que os RR - enquanto consumidores finais – foram adquirentes dos serviços prestados no contexto do contrato de empreitada, evidente que estavam e estão eles RR obrigados ao pagamento do imposto (IVA) que incide sobre o preço a pagar pelos serviços de construção que adquiriram (…)” (os sublinhados são nossos).
E no que concerne à invocada «impossibilidade de cobrança de juros de mora», recorremos aqui à fundamentação explanada no Ac. da RL de 09/06/2022[90]: “(…) no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, nº 1 do C. Civil), no âmbito negocial em apreço não sendo possível a restituição da obra feita, a restituição em espécie, haverá, então, que condenar o réu no pagamento do valor apurado e correspondente à utilidade advinda da sua realização. Como se decidiu no Acórdão do STA de 17/12/2008, proc. n.º 301/08 (…) «é legal e justo que, ao abrigo da relação contratual de facto, se constitua, pelas mesmas razões, em favor de quem a executou a obrigação ao recebimento de quantias correspondentes a juros de mora a calcular como se estivéssemos perante um formal contrato». A própria declaração de nulidade ou de anulação arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais - retroactividade que obriga à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (…) Segundo Mota Pinto (…) os efeitos da declaração de nulidade operam retroactivamente, «o que está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação (…) Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou». Também Leite de Campos (…)  ensinava que «o regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige ... Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, ex tunc, a partir do momento da formação do negócio, e não ex nunc, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à repristinação da situação criada pelo negócio nulo, voltando-se ao statu quo ante». Porém, ou se prova a interpelação e por aplicação do artº 805º do CC são devidos juros desde essa data, ou então são devidos juros desde a citação. Pois, tem sido entendido pelo Supremo Tribunal, quando está em causa quantia a restituir, que esta não vence juros desde a formação ou celebração do contrato (…), mas há sempre lugar a pagamento de juros a título de restituição de frutos civis (…).
Trazendo ainda à colação o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2015 ( Proc. nº638/12.3TBFLG.P1) a declaração de nulidade tem como efeito a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, não sendo a mesma possível em espécie, o valor correspondente, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil. E o entendimento predominante vai no sentido de serem devidos juros a partir da citação, ou da interpelação admonitória, se for anterior, por efeito da nulidade. Pelo que por força da remissão operada pelo n.º 3 deste normativo para o preceituado nos artigos 1269.º e seguintes do mesmo diploma, a obrigação de restituir abrangerá não só o capital, mas também uma quantia equivalente ao montante dos juros de mora à taxa legal a contar da citação (ou da interpelação admonitória se esta tiver tido lugar), como frutos civis que são (art.ºs 289.º, 1270.º, n.º 1, e 212.º, todos do Código Civil), sendo que vale como interpelação a citação judicial para a acção Por outro lado, tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais a partir do dia da constituição em mora (art.ºs 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil), à taxa aplicável aos juros civis ( cf. artº 559º do CC), pois o acto que constituía o contrato deixa de ter validade qua tale não podendo ser classificado como comercial”
. Aderindo-se a este entendimento maioritário, conclui-se que, em caso de nulidade do contrato de empreitada, a obrigação de restituição do valor correspondente previsto na parte final do nº1 do art. 289º do C.Civil também inclui o pagamento de juros de mora a título de «restituição de frutos civis».

Em face do exposto, e nos termos do art. 289º/1 do C.Civil, no caso em apreço, o efeito da declaração de nulidade do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido consiste na obrigação de restituição dos Réus (em sede de recurso não foi questionada a responsabilidade solidária da Ré, cônjuge mulher, que foi determinada na sentença recorrida) do valor correspondente no montante de € 94.701,41, com IVA incluído, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor de 4% ao ano (ou a outra que vier a ser legalmente fixada), desde a data da citação até integral pagamento.
Porém, como resulta do segmento condenatório da sentença recorrida, os Réus foram condenados a pagar à Autora apenas a quantia de «€ 93.592,94, com IVA incluído», pelo que, em virtude do principio da reformatio in pejus, consagrado no art. 635º/5 do C.P.Civil de 2013 (“Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”), tem aquele valor de € 94.701,41 que ser reduzido e limitado para o valor de € 93.592,94.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a nulidade do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu marido tem como efeito a restituição pelos Réus à aquela da quantia de € 93.592,94, com IVA incluído, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor de 4% ao ano (ou a outra que vier a ser legalmente fixada), desde a data da citação até integral pagamento, não tendo fundamento legal o valor inferior em 50% indicado pelos Réus/Recorrentes.
Nestes termos, embora deva improceder este fundamento de recurso, não pode manter a sentença recorrida no segmento em que condenou os Réus a pagarem aquele valor (e juros) a título de preço, antes tal pagamento deve ser declarado como valor a restituir por efeito da nulidade do contrato.
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4.6 e 4.7. Da Inexistência de Nulidade do Contrato de Empreitada (e do Valor a Pagar a Título de Preço) ou da Inexistência de Contrato de Empreitada (e do Valor a Receber a título de Enriquecimento Sem Causa)
Tendo-se respondido afirmativamente à questão sobre a verificação da nulidade do contrato de empreitada celebrado entre Autora e Réu marido e tendo-se apurado o valor a restituir como efeito dessa nulidade, então está absoluta e definitivamente prejudicada a apreciação das questões relativas ao apuramento do valor devido pelos Réus à Autora a título de preço das obras executadas, no caso do contrato de empreitada não ser nulo, e/ou ao apuramento da quantia a receber dos Réus pela Autora a título do enriquecimento sem causa, no caso de inexistência de contrato de empreitada, tal como está absoluta e definitivamente prejudicada a apreciação das excepções peremptórias deduzidas pelos Réus de forma inerente a cada uma daqueles questões (abuso de direito e prescrição respectivamente). 

Importa, no entanto, deixar aqui consignado que as conclusões 22ª a 24ª se mostram completamente irrelevantes para a decisão do recurso, embora tenha efectivamente ficado demonstrado nos autos que a sociedade Autora não foi criada após destaque do património da “EMP02..., Lda”, tendo sim sido alvo apenas e tão só de transformação em sociedade anónima – cfr. facto provado nº3.
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4.8. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas quanto às questões que se impunha decidir, deverá julgar-se totalmente parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus/Recorrentes, devendo a decisão recorrida ser revogada e alterada em conformidade com o supra exposto.  
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4.9. Da Responsabilidade quanto a Custas

Procedendo o recurso apenas parcialmente, porque ficaram ambos vencidos, deverão a Autora/Recorrida e os Réus/Recorrentes suportarem as respectivas custas, uma vez que ficaram ambos vencidos, embora o vencimento destes últimos seja muito reduzido uma vez que continuam a ter a responsabilidade de pagamento/restituição da quantia em que foram condenados na sentença recorrida (art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013)
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus/Recorrentes e, em consequência, decidem:

1) revogar a sentença recorrida no segmento «condena os réus a pagar à autora a quantia de 93.592,94 Eur. (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa civil aplicável, a contar da citação, e até integral pagamento»;
2) declarar a nulidade, por vício de falta de forma, do contrato de empreitada celebrado entre Autora e Réu no ano de 2011;
3) condenar os Réus, como efeito da declaração de nulidade do contrato, a restituírem à Autora a quantia de € 93.592,94 (noventa e três mil, quinhentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimo), com IVA incluído, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano (ou a outra que vier legalmente a ser fixada), desde a data da citação até integral pagamento;
4) e manter no mais a sentença recorrida.
Custas do recurso de apelação pela Autora/Recorrida e pelos Réus/Recorrentes na proporção de 1/10 e de 9/10 respectivamente.
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Guimarães, 14 de Março de 2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ªAdjunta - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



[1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, mas respeita-se, no caso das transcrições, a grafia utilizada nos textos originais.
[2]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[3]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[4]Juiz Desembargador José Moreira Dias, proc. nº1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[5]Preceito que se mostra aplicável ao processo de insolvência ex vi do art. 17º do C.I.R.E.
[6]In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, p. 143.
[7]In Código de Processo Civil Anotado, 1ºVolume, 4ªedição, 2018, p. 737.
[8]In Direito de Processo Civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 371.
[9]Juiz Conselheiro Alexandre Reis, proc. nº2200/10.6TVLSB.P1.S1, disponível em www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf. 
[10]Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, proc. nº2057/16.3T8PNF.P1.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[11]Cfr. Ac. STJ 23/01/2019, Juiz Conselheiro Júlio Gomes, proc nº4568/13.3TTLSB.L2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[12]In Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, p. 140.
[13]Juíza Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, proc. nº3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[14]Cfr. Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 196 e 197.
[15]Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[16]Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[17]No mesmo sentido, entre outros, Acs. STJ de 31/05/2016, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1572/12.2TBABT.E1.S1, de 19/02/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 28/04/2016, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
[18]Juiz Conselheiro Pinto de Almeida, proc. nº29/12.6TBFAF.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[19]In obra referida, p. 200.
[20]Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, proc. nº756/14.3TBPTM.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[21]Ver também o mais recente Ac. STJ 02/02/2022, Juiz Conselheiro PP, proc. nº1786/17.9T8PVZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[22]Juíza Conselheira Ana Resende, proc. nº8344/17.6T8STB.E1-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[23]Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte (1ºJuiz Adjunto na presente decisão), proc. nº5172/18.5T8BRG.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[24]Cfr. Ac. 12/05/2016, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº2325/12.3TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[25]Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, proc. nº3901/15.8T8AVR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[26]António Abrantes Geraldes, in obra citada, p. 353. Sufragando este entendimento, veja-se o já citado Ac. STJ 17/10/2019, Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, proc. nº3901/15.8T8AVR.P1.S1.
[27]António Abrantes Geraldes, in obra citada, p. 354. Novamente sufragando este entendimento, veja-se o já citado Ac. STJ 17/10/2019, Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, proc. nº3901/15.8T8AVR.P1.S1.
[28]António Abrantes Geraldes, in obra citada, p. 357.
[29]Cfr. o já citado Ac. 12/05/2016, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº2325/12.3TVLSB.L1.S1.
[30]Publicado no DR, IIª Série, de 18/08/2009.
[31]In obra citada, p. 331, 332 e 338.
[32]Ac. STJ de 22/10/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº212/06.3TBSBG.C2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[33]Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº588/12.3TBPVL.G2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[34]Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384.
[35]Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436.
[36]P.J.Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325.
[37]Neste sentido, o Ac. RG de 13/07/2021, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº3625/20.4T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[38]In Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609.
[39]Juiz Conselheiro Santos Cabral, proc. nº07P4822, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.   
[40]Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[41]Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1568/09.1TBGDM.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[42]António Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 351.
[43]Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº671/20.1T8BGC.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[44]Cfr. Ac. do STJ de 23/09/2009, Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. nº238/06.7TTBGR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[45]Juiz Desembargador Filipe Caroço, proc. nº338/17.8YRPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.  
[46]Este mesmo entendimento foi sufragado pelo Ac. da RG de 30/09/2021, Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.  
[47]O já referido Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1.
[48]Cfr. Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº659/12.6TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[49]Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[50]Estes dois pontos de facto estão impugnados, em conjunto, na motivação.
[51]Juiz Desembargador Pedro Damião e Cunha, proc. nº969/13.5TBVRL.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[52]Juiz Desembargador Barateiro Martins, proc. nº24623/15.4YIPRT.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[53]Estes três pontos de facto estão impugnados, em conjunto, na motivação.
[54]In Das Obrigações em Geral, Vol. 1, 5ªedição, p. 215.
[55]Neste mesmo sentido, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ªedição, p. 157.
[56]Vidé por exemplo, Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1, 1990, p.436 e ss; Pessoa Jorge, in Direito das Obrigações, vol. I, 1975-76, p. 169 e Ana Prata, Notas sobre a Responsabilidade Pré-Contratual, 1991, p. 16 e ss.
[57]Cfr. Pessoa Jorge, in Obra referida, p. 169.
[58]In Obra referida, p. 167.
[59]Cfr. Prof. Menezes Cordeiro, in obra referida, p. 440.
[60]Cfr. Pessoa Jorge, in Obra referida, p. 164.
[61]Cfr. Ac. RE de 22/11/84, in CJ, 1984, V, p. 310.
[62]Cfr. Ac. STJ 08/05/1984, Juiz Conselheiro Corte Real, proc. nº071455, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[63]In Contrato de Empreitada, 1994, p. 66 e 67.
[64]Cfr. Ac. STJ 25/03/2010, Juiz Conselheiro Oliveira Vasconcelos, proc. nº2688/07.2TBVCT.G1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, in obra referida, p. 66.  
[65]Juiz Desembargador Virgílio Mateus, proc. nº 4/04.4TBVNO.C2, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.
[66]In obra referida, p. 103.
[67]No mesmo sentido, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, in Direito das Obrigações, Contratos em Especial, volume II, Almedina 2012, p. 178 e 179.
[68]In obra referida, p. 105 a 107.
[69]Cfr. Ac. RL 10/05/2017, Juiz Desembargador Pedro Lima Gonçalves, proc. nº1154/2007-8, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.
[70]In obra referida, p. 108.
[71]Pedro Romano Martinez, in obra referida, p.109.
[72]In Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, Coimbra, 2000, p. 365.
[73]Juíza Conselheira Maria José Mouro, proc. nº4913/20.5T8GMR.G1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[74]Juiz Desembargador Rui Vouga, proc. nº216992/09.9YIPRT.L2-1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl
[75]Juiz Desembargador Carlos Gil, proc. nº5910/11.7TBMAI.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp
[76]Juiz Desembargador Soares de Oliveira, proc. nº299061/09.4YIPRT.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp
[77]Juiz Desembargador Fernando Fernandes Freitas, proc. nº 2141/16.3T8VCT.G1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp
[78]Juiz Conselheiro Joaquim de Matos, proc. nº087794, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[79]Juiz Conselheiro Miranda Gusmão, proc. nº, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[80]In RLJ, 113º, p. 147.
[81]Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº2966/16.0T8PTM.E1.S2, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[82]Juiz Desembargador Manuel Bargado, proc. nº1085/10.7TBBCL-A.G1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg
[83]Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias, proc. nº1901/17.2T8VRL.G1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg
[84]Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº1901/17.2T8VRL.G1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[85]Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº2966/16.0T8PTM.E1.S2.
[86]Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº1901/17.2T8VRL.G1.S1.
[87]Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias, proc. nº1901/17.2T8VRL.G1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg
[88]Juíza Desembargadora Ana Paula Amorim, proc. nº1420/15.1T8PVZ.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.  
[89]Juiz Conselheiro Mário Mendes, proc. nº137/09.0TBPNH.C1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[90]Juíza Desembargadora Maria Gabriela Marques, proc. nº4293/18.9T8FNC.L1-6, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.