CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário


I. Se perante a resolução do contrato promessa por parte da promitente vendedora, a promitente compradora pretende, no procedimento cautelar que lhe moveu, impedir que aquela proceda à alienação do imóvel é porque ela própria mantém interesse na prestação e, na acção principal, quer recorrer à execução específica.
II. Não obsta à execução específica o facto de a promitente vendedora ter celebrado um contrato promessa de compra e venda com outrem e providenciado pelo registo provisório de aquisição;
III. Mantendo a promitente compradora interesse na celebração do contrato e, portanto, manifestado a sua opção pela solução que possibilita a sua concretização – a execução específica – não lhe pode ser reconhecido, pelo menos nesta providência, um direito de retenção sobre o imóvel.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO
1. GEOMETRIA NÓMADA veio intentar contra MARGEM CORDIAL, LDA e JUSTA E VIÁVEL, LDA procedimento cautelar não especificado, pedindo que seja ordenada a proibição das Requeridas praticarem quaisquer actos que visem a alienação do imóvel constituído pelo prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20, entre si ou com terceiros, até que seja determinada, na acção principal a intentar, o direito sobre o negócio prometido entre a Requerente e a 1ª Requerida, e bem assim, que se reconheça o direto de retenção sobre o mesmo imóvel.

Em fundamento do peticionado alega, em resumo, que no dia 15.09.2022 a Requerente, na qualidade de promitente compradora e a 1ª Requerida, na qualidade de promitente vendedora, celebraram um contrato promessa de compra e venda em relação ao imóvel acima identificado, sendo o preço da venda de € 650.000,00 e o valor do sinal entregue, de € 65,000,00, com diferimento do pagamento do remanescente para a celebração da escritura de compra e venda.
No mesmo dia foi realizada uma Adenda ao antedito contrato, onde se consigna que “a única obra ilegal do prédio URBANO, denominado ... (…) é a assinalada na foto que constitui anexo I ao presente documento e que consiste na construção de um piso no edifício constante do anexo II e III.”.
Na sequência da verificação da ilegalidade de parte da construção os outorgantes acordaram entre si a redução do preço de venda do imóvel para 600.000,00.
Perto da data em que a Requerente deveria marcar a escritura de compra e venda, mais concretamente em 13 de janeiro de 2023, a mãe do gerente da Requerente faleceu, o que levou a que o mesmo se ausentasse do país para participar nas cerimónias fúnebres que aconteceram a na ..., tendo ali permanecido por cerca de 30 dias.
A 24 de janeiro de 2023 o Requerente recebeu a notícia de que o Banco, em Portugal, recusou o financiamento bancário para a compra do imóvel objeto do CPCV, local de residência de sua mãe.
Comunicado este facto à 1ª Requerida, a mesma concordou em diferir a marcação da escritura definitiva, tendo permitido que o gerente da 1ª Requerida passasse a habitar no imóvel a partir do início de Abril de 2023.
Marcaram data para a assinatura de aditamento ao contrato de promessa, nos termos acima consignados. Na data agendada para esse efeito receberam mensagem da 1ª Requerida a dizer que não iria realizar tal averbamento e que tinha perdido interesse no negócio. Nesse mesmo dia a Requerente tomou conhecimento de que a 1ª Requerida havia celebrado com a 2ª Requerida outro contrato promessa em relação ao mesmo imóvel.
A concretizar-se tal venda, a Requerente perde o local onde habitualmente reside o seu legal representante, o que pode comprometer a sua permanência neste País e o funcionamento do negócio que explora em ..., e bem assim o posto de trabalho dos seus funcionários.
Dispensada a audiência prévia das requeridas, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente e subsequentemente foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto determina-se:
- A extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si.
- Improcedente por não provado o pedido de reconhecimento do direito de retenção da Requerente, em relação ao imóvel e bem assim no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel com terceiros”.

2. É desta sentença que, inconformada, recorre a requerente, formulando na sua apelação as seguintes “conclusões”:

a) O presente Recurso de Apelação é interposto da Sentença, certificada via Citius a 23 de novembro de 2023 (com a refª ...71), na qual se determina “- A extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si. E; - Improcedente por não provado o pedido de reconhecimento do direito de retenção da Requerente, em relação ao imóvel e bem assim no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel com terceiros. Registe e notifique. Custas a cargo da Requerente. (doravante designada de “Sentença Recorrida”).
b) A ora Recorrente discorda da decisão, por entender que nela existiu um flagrante erro de julgamento e uma errónea interpretação e aplicação do direito nomeadamente dos artigos 277.º alínea e) do CPC, do artigo 755.º n.º 1 al. f) do CC, artigo 2.º, 92.º, 101.º, 103.º, 77.º, 75.º A, do Código e Registo Predial, Portaria 1535/20008, de 30 de Dezembro artigos 1.º, 23.º e 24.º.
c) Bem como a equivoca análise dos factos provados e a respetiva subsunção às normas jurídicas.
d) Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, andou mal o Douto Tribunal a quo, na análise de prova junta aos autos, nomeadamente quanto a leitura da Certidão Predial do imóvel constituído pelo prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20.
e) A decisão da Sentença Recorrida é dividida em duas partes:
i. “- A extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si. E;
ii. - Improcedente por não provado o pedido de reconhecimento do direito de retenção da Requerente, em relação ao imóvel e bem assim no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel com terceiros.
Da extinção da instância:
f) Para justificar a primeira parte da decisão, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o Douto Tribunal a quo considera provado, no ponto 39) dos factos provados que “O imóvel em causa tem registo de aquisição a favor da 2ª Requerida, por aquisição por compra à 1ª Requerida, pela ap. ...55, de 09.05.2023, confirmada em 01.06.2023.”
g) Tal conclusão advém da análise da certidão predial aditada aos autos nos termos do artigo 5.º alínea b) do CPC. conforme consta da Sentença Recorrida (capítulo relativo à motivação da prova de facto) “Já a matéria dos pontos 39 e 40, aditadas nos termos do disposto no artº 5º/2/b) do CPC, fundamenta-se na certidão mandada juntar pelo Tribunal, no início da diligência de produção de prova …”.
h) O facto (no ponto 39) considerando como provado consubstancia fundamento basilar para decisão de toda a Providencia Cautelar e, mormente para a primeira parte da decisão em que é declarada a “extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si.
i) Para o efeito o Tribunal a quo considerou que a AP ...55, de 09.05.2023 na Certidão Predial do imóvel junta aos autos a folhas 96 frente e verso e 97 frente faz prova irrefutável que o imóvel em apreço foi objeto de transação entre as Requeridas, sendo, atualmente propriedade da 2.ª Requerida: “No caso vertente a Requerente e a 1ª Requerida celebraram um contrato promessa em relação ao imóvel acima identificado, pretendendo a Requerente que se impeça que a 1ª Requerida venda o bem à 2ª Requerida, em ordem a acautelar a possibilidade de ela própria adquirir o imóvel. Acontece que resulta da certidão mandada juntar pelo tribunal no início da diligência, que já se encontra registada a aquisição do imóvel objeto do contrato promessa, a favor da 2ª Requerida, pela ap. ...55, de 09.05.2023 (vd. ponto 39), ou seja, a venda do imóvel a terceiro ocorreu muito antes da propositura desde p.c., que aconteceu em 10.10.2023. Desta feita, não pode o Tribunal por via deste procedimento cautelar, determinar que as Requeridas não celebrem um negócio que já foi realizado. A esse propósito verifica-se, pois, inutilidade superveniente de lide, o que nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, determina a extinção da instância, o que se declara.” (realce e sublinhado nosso).
j) Acontece que a ap. ...55 de 2023/05/09 que consta da Certidão Predial imóvel não regista uma compra e venda definitiva, mas sim provisória, nomeadamente do registo do contrato promessa de compra e venda entre as Requeridas.
k) Da análise da ap. ...55 de 2023/05/09 (figura 1 e 2) resulta que:
i. o registo em apreço foi executado pela Conservatória do Registo Predial ... através da ap. ...55 de 2023/05/09 pelas 12:03:48 (UTC), hora e data em que o pedido entrou no sistema eletrónico nos temos dos artigos 1.º, 23.º, 24.º todos da Portaria n.º 1535/2008, de 30 de Dezembro.
ii. e foi confirmado pelo Sr. Conservador AA a 2023/06/01, conforme assinatura e data de confirmação nos termos dos artigos 75.º A, 77.º do Código do Registo Predial.
iii. o registo em causa é PROVISÓRIO POR NATUREZA, uma vez que trata do registo da promessa de venda nos termos do Artigo 2.º, 92º nº1 al. g) e nº 4 do Código do Registo Predial.
iv. Não correspondendo à compra e venda definitiva entre:
i. SUJEITO(S) ATIVO(S): ** JUSTA E VIÁVEL LDA NIF 517522624 Morada: Travessa de Santo Ildefonso, nº 6, r/c dtº Localidade: Lisboa;
ii. SUJEITO(S) PASSIVO(S): ** MARGEM CORDIAL LDA NIF 515494038.
l) Para que se confirmasse a venda do imóvel entre as Requeridas a Certidão do Registo Predial do imóvel tinha obrigatoriamente de conter o averbamento com a conversão em definitivo do registo nos termos dos artigos 101.º n.º 2 al. d) e 103.º n.º 2. do Código de Registo Predial.
m) Tal indicação não consta da Certidão do Registo Predial, mormente na ap. ...55 de 2023/05/09
n) Ora, o imóvel em apreço NÃO FOI VENDIDO.
o) Assim, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que “Acontece que resulta da certidão mandada juntar pelo tribunal no início da diligência, que já se encontra registada a aquisição do imóvel objeto do contrato promessa, a favor da 2ª Requerida, pela ap. ...55, de 09.05.2023 (vd. ponto 39), ou seja, a venda do imóvel a terceiro ocorreu muito antes da propositura desde p.c., que aconteceu em 10.10.2023. Desta feita, não pode o Tribunal por via deste procedimento cautelar, determinar que as Requeridas não celebrem um negócio que já foi realizado.”
p) Tal decisão configura um grosseiro erro na interpretação da Certidão do Registo Predial.
q) Acontece que a Certidão do Registo Predial junta aos autos folhas 96 frente, 96 verso e 97 frente, consubstancia prova plena nos termos do artigo 368º do Código Civil.
r) Sendo a prova (plena) junta aos autos, contraditória com a decisão de “A esse propósito verifica-se, pois, inutilidade superveniente de lide, o que nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, determina a extinção da instância, o que se declara.” (realce e sublinhado nosso).
s) A norma constante do 277º al. e) do CPC, não tem qualquer respaldo no caso em apreço.
t) A decisão em causa (primeira parte da decisão) resulta da errónea interpretação da prova plena (certidão do Registo predial) e consequente desadequada aplicação do direito, nomeadamente das normas contraentes no artigo 368.º do CC, 277.º alínea e) do CPC, artigo 2.º, 92.º, 101.º, 103.º e 110.º 77.º, 75.º A, do Código e Registo Predial, Portaria 1535/20008, de 30 de Dezembro artigos 1.º, 23.º e 24.º.
u) Em face do exposto, não pode senão a Sentença Recorrida ser reformada e corrigida nos termos do artigo 616.º alíneas a) e b) e artigo 617.º devendo aquela ser substituída por outra que decrete a presente providencia cautelar e em consequência, ordenada a proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si ou com terceiros.
v) Caso não se verifique a reforma da decisão pelo Tribunal a quo, deve o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida na parte em que declara “A extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, nos termos do disposto no artº 277º al. e) do CPC, no que concerne ao pedido de proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si”, e substituí-la por outra que decrete a presente providencia cautelar e em consequência, ordenada a proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do imóvel entre si ou com terceiros.
DA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS QUANTO AO DIRETO DE RETENÇÃO DA REQUERENTE E PEDIDO DE PROIBIÇÃO DAS REQUERIDAS PRATICAREM QUAISQUER ATOS QUE VISEM A ALIENAÇÃO DO IMÓVEL COM TERCEIROS.
w) Tribunal a quo erigiu toda a sua decisão tendo por base a ideia de que a aquisição do imóvel em apreço ocorreu em previamente à entrada em juízo do presente procedimento cautelar, pressuposto errado que enforma e impacta toda a decisão, incluindo a decisão dos demais pedidos formulados pela Requerente.
x) O Tribunal a quo considerou não provado o peticionado, desde logo alegando inexistir o “perigo” de perda do bem: “E no que concerne ao “perigo” de perda do bem, nada se demonstrou. É que o bem foi vendido em 09.05.2023 e na atualidade o legal representante da Requerente e a companheira continuam a ali residir, apesar de já ter sido chamada a GNR para obstar a esse facto, nada tendo feito nesse sentido, nem tendo resultado dessa situação qualquer “queixa”(…) Ou seja, inexiste na atualidade ou em cenário futuro previsível, qualquer prejuízo grave que importe acautelar nesta vertente.”
y) Seguindo a lógica do Tribunal a quo, cumpre, à contrário, concluir-se, no caso em apreço a possível e eminente venda do imóvel objeto das promessas de compra e venda à 2.ª Requerida, é, por si só fundamento bastante para o decretamento da presente providencia cautelar quanto à retenção do bem por parte da Recorrente.
z) Desde logo porque a possibilidade de transação do imóvel prometido entre as duas Requeridas configura a demonstração do “perigo” que a lei requere para o decretamento da presente procidência cautelar.
aa) Perigo que se mantém.
bb) A acrescer andou mal o Douto Tribunal a quo na interpretação e aplicação do artigo 755, n.º1 alínea f) do Código Civil por não considerar o crédito que poderá efetivar-se e, bem assim a necessidade de acautelar a posse do imóvel porquanto habitação própria e permanente do gerente da Requerente (ora Recorrente) e sua família.
cc) Veja-se que tem o promitente comprador o direito de reter o imóvel que lhe foi entregue até que se efetive o pagamento do seu crédito.
dd) Verificando-se, no caso em apreço, um incumprimento dos termos do contrato promessa, mesmo que não definitivo, pelo promitente vendedor.
ee) eventual incumprimento será discutido em sede ação principal sendo que até uma decisão final deve a garantia real do direito de retenção, ser concedida à Requerente (ora Recorrente).
ff) Mais se refira que não colhe o argumento aposto na Sentença Recorrida de que a 1.ª Requerida se disponibilizou para devolver o sinal, como fundamento para a improcedência do pedido quanto ao direito de retenção.
gg) Desde logo, porque importa considerar a ausência total de qualquer de resposta da 1.ª Requerida a todas as tentativas de contacto da Requerente (ora Recorrente).
hh) A decisão de não declarar o direito de retenção da Requerente baseia-se em premissas erradas, em erro de julgamento e na deficiente aplicação do direito mormente, no que respeita à aplicação do artigo 755, n.º1 alínea f) do CC.
ii) Pelo exposto deve o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida na parte em que declara “Improcedente por não provado o pedido de reconhecimento do direito de retenção da Requerente”, e substituí-la por outra que decrete a presente providencia cautelar e em consequência, declare o direito de retenção da Requerente quanto ao imóvel constituído pelo prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20.
jj) No que respeita ao pedido da Requerente relativo ao decretamento da presente providencia cautelar para impedir a alienação do imóvel em apreço a terceiros o Douto Tribunal considera improcedente por não provado.
kk) Acontece que a decisão de improcedência do pedido quanto à proibição de venda do imóvel a terceiros é nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, encontra-se contradições insanáveis entre a prova considerada provada e a decisão quanto à decisão em apreço.
ll) Ora foram dados como provados os seguintes factos:
i. 29) – Naquele contrato a 1.ª Requerida obrigou-se a entregar o imóvel em causa à 2.ª Requerida na data da escritura de compra e venda.
ii. 31) - Aquando da outorga do CPCV entre a Requerente e a 1.ª Requerida a segunda entregou à primeira a chave do imóvel.
iii. 32) - A 1.ª Requerida por diversas ocasiões solicitou autorização para a entrada no imóvel.
iv. 33) – As partes combinaram que a partir de 1 de Abril o imóvel iria passar a ser a residência do gerente da Requerente e sua família.
v. 34) - Perante a aceitação do acordo pela 1ª Requerida a Requerente procedeu à alteração da titularidade dos contratos de água, luz e gás.
vi. 35) - E mudou-se para o imóvel.
vii. “38) – A venda de imóvel a terceiro põe em causa a habitação do gerente da Requerente e sua família.”
mm) Pese embora o Tribunal a quo dê como provado que a venda de imóvel a terceiro põe em causa a habitação do gerente da Requerente e sua família.”, em completa contradição com os factos considerados provados, decidiu pela improcedência do pedido quanto à proibição de venda do imóvel a terceiros.
nn) A oposição dos fundamentos com a decisão, afeta a sua estrutura lógica, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão extraída pelo Tribunal a quo, pois os fundamentos invocados não conduziram ao mesmo resultado na decisão, mas em sentido oposto.
oo) Em face do exposto, não pode senão a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, no que respeita à improcedência por não provado, quer do pedido quando ao direito de retenção da Requerente, quer da proibição de venda do imóvel a terceiros.
pp) Concluindo-se da única forma possível: incorreu, de facto, a Sentença Recorrida em manifesto erro na interpretação e aplicação dos preceitos legais supracitados, falha da apreciação da prova, violação do artigo 3.º n.º 3 do CPC, do 595 do CPC.,
qq) Em suma, é nula a Sentença Recorrida, pelo que a mesma deve ser revogada e substituída por outra que decrete a presente providencia cautelar e reconheça o direito de retenção da Requerente (ora Recorrente) e a proibição da venda do imóvel quer entre as Requeridas, quer a terceiros.
E, neste sentido,
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser considerado procedente e, em consequência, ser a Sentença Recorrida:
a) Reformada e corrigida nos termos do artigo 616.º alíneas a) e b) e artigo 617.º devendo aquela ser substituída por outra que decrete a presente Providencia Cautelar e em consequência, ordenada a proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20, entre si ou com terceiros.
E,
b) declarado o direito de retenção da Requerente (ora Recorrente) relativamente ao prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés- do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20.
Caso assim não se entenda,
b) Ser anulada a Sentença Recorrida ― ou, caso assim não se entenda, revogada ― e, substituída por outra que:
i) decrete a presente providência cautelar não especificada, nos termos do disposto no artigo 362.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e, em consequência, ordenada a proibição das Requeridas praticarem quaisquer atos que visem a alienação do prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20 entre si ou com terceiros.
ii) reconheça o direito de retenção da Requerente, ora Recorrente, sobre o imóvel constituído pelo prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20.
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!”.

3. Como se viu, no caso, apela-se da sentença, circunscrevendo-se o objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões da apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) à apreciação das seguintes questões:

3.1. Nulidade da sentença;

3.2. O facto 39 dos factos indiciariamente provados.

3.3. Da (in) verificação dos pressupostos para a decretação da providência requerida.

II .FUNDAMENTAÇÃO
4. São os seguintes os factos (indiciariamente) provados pela 1ª instância:

“1) - Na Conservatória do Registo Predial ..., está descrito sob o nº ...20 - matriz predial urbana ...81, da freguesia ..., o prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, cuja titularidade está averbada a favor de Margem Cordial, Ldª, pela ap. ...53, de 25.03.2022.
2) – No dia 15.09.2022 a Requerente, na qualidade de promitente compradora e a 1ª Requerida, na qualidade de promitente vendedora, celebraram o acordo escrito intitulado “Contrato promessa de compra e venda”, junto a fls. 20 e ss., que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo por objeto o imóvel acima identificado.
3) – Daquele contrato consta, além do mais:
“… 2. PREÇO E PAGAMENTO DO PREÇO
__ 2.1. O preço acordado para a compra e venda prometida do PRÉDIO é de seiscentos e cinquenta mil euros (€650.000,00)
__ 2.2. O PREÇO será pago pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA, pela seguinte forma: __ 2.2.1. Na presente data, a importância de sessenta e cinco mil euros (€65.000,00) a título de sinal e princípio de pagamento, através de cheque número ...62 emitido, em 14.09.2022, sobre o Banco Santander, SA, e entregue neste ato à PROMITENTE VENDEDORA. __ 2.2.3. O remanescente do preço, no valor de quinhentos e oitenta e cinco mil euros (€585.000,00) será pago no ato da escritura pública de compra e venda (…)
… 4. TRADIÇÃO DA POSSE
_ A transmissão da posse do PRÉDIO para a PROMITENTE COMPRADORA dar-se-á simultaneamente com a outorga da ESCRITURA PÚBLICA.
5. ESCRITURA PÚBLICA
5.1. A outorga da escritura pública realizar-se-á no prazo de cento e vinte (120) dias a contar da presente data, no Cartório Notarial ..., em dia e hora a comunicar pela PROMITENTE COMPRADORA à PROMITENTE VENDEDORA, sem prejuízo de nova data-limite determinada por acordo mútuo das PARTES;
5.2. A PROMITENTE VENDEDORA obriga-se a providenciar a entrega junto do Cartório Notarial, de todos os documentos e quaisquer outros elementos necessários à outorga da escritura pública, com uma antecedência mínima de dez (10) dias úteis relativamente à data agendada para a outorga da mesma, nomeadamente, mas não reduzido a: (i) caderneta predial; (ii) certidão de registo predial; (iii) autorização de utilização; (iv) certificado energético; _
5.3. Em caso de não comparecimento da PROMITENTE COMPRADORA na data inicialmente designada, o direito de agendar nova data para a escritura passa a ser da PROMITENTE VENDEDORA, aplicando-se com as devidas adaptações o disposto nos números anteriores (…)
6. INCUMPRIMENTO
- 6.1. O incumprimento definitivo do presente contrato confere à parte não faltosa o direito de, em alternativa:
- i) Resolver de imediato o presente contrato, com as consequências previstas no artigo 442.° do Código Civil, ou seja, a perda do sinal se a parte faltosa for o Promitente Comprador, ou a devolução do sinal em dobro se a parte faltosa for a Promitente Vendedora; ou ii) Requerer a execução específica do presente contrato, nos termos previstos no artigo 830.° do Código Civil.
- 6.2. A resolução do contrato nos termos da alínea (i) do número anterior operará de imediato na data de receção da notificação para o efeito enviada pela parte não faltos a à outra parte.
- 6.3. Em caso de resolução deste contrato, ou da sua execução específica, a parte faltosa fica ainda obrigada a indemnizar a outra parte pelos custos, incluindo os atinentes a advogados, incorridos por esta em resultado ou por força da resolução ou do recurso à execução específica…”.
4) – Em 15.09.2022 foi realizada uma Adenda ao antedito contrato, constante de fls. 26 vº/27, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, em cujos termos foi consignado: “Declaram que a PROMITENTE COMPRADORA foi informada pela PROMITENTE VENDEDORA que a única obra ilegal do prédio URBANO, denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés do chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81, descrito na competente conservatória do registo predial sob o número ...20, da referida freguesia, é a assinalada na foto que constitui anexo I ao presente documento e que consiste na construção de um piso no edifício constante do anexo II e III.”.
5) – Na sequência da verificação da ilegalidade de parte da construção os outorgantes acordaram entre si a redução do preço de venda do imóvel para 600.000,00 (seiscentos mil euros).
6) - No mês de janeiro de 2023, a mãe do gerente da Requerente faleceu.
7) - O que levou a que o mesmo se ausentasse do país para participar nas cerimónias fúnebres que aconteceram a 13 de janeiro de 2023 na ..., local de residência de sua mãe, onde permaneceu por um período superior a 30 dias.
8) - Em 24 de janeiro de 2023 o Requerente recebeu a notícia de que o Banco, em Portugal, recusou o financiamento bancário para a compra do imóvel objeto do CPCV.
9) – Em 27 de Janeiro de 2023, o Requerente foi contactado por BB, representante da 1.ª Requerida, que lhe solicitou informações quanto ao resultado do empréstimo bancário, e ainda informou que esperava que em 8 dias fosse agendada a escritura, a qual teria de acontecer no prazo máximo de 1 (um) mês.
10) – A Requerente informou da recusa do empréstimo bancário e comunicou o falecimento da mãe do gerente, reafirmando que o negócio se mantinha, mas que necessitaria de cerca de mais um mês, para a sua concretização, data em que contava regressar a Portugal.
11) – As comunicações entre a Requerente e a 1.ª Requerida, continuaram no sentido de as Partes encontrarem uma nova data para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel.
12) - As negociações/ comunicações sobre o negócio eram realizadas entre a representante da 1ª Requerida, BB e também com o Representante da Requerente CC.
13) - A 2 de fevereiro de 2023 a 1ª Requerida confirmou que o preço se mantinha no valor de € 600.000,00, mas que em face da prorrogação do prazo para a escritura, seria necessário que a Promitente Compradora procedesse ao pagamento de um reforço de sinal.
14) – Embora não se tenha definido um valor concreto para o reforço do sinal, a Requerente concordou, tendo comunicado que iria regressar a Portugal a 17 de Fevereiro.
15) – Em 18 de Fevereiro de 2023 a Requerente propôs o pagamento, a título de reforço de sinal, de uma quantia mensal acrescida da ocupação definitiva pela Requerente do imóvel a partir de 1 de abril de 2023.
16) – E o agendamento da escritura de compra e venda até setembro de 2023.
17) - Tal proposta foi aceite pela 1ª Requerida.
18) - A 1ª Requerida ficou de providenciar por um 2º aditamento ao CPCV de 15 de Setembro de 2022, que refletia os termos acordados pelas partes.
19 - O referido aditamento encontrava-se a ser redigido no Cartório Notarial ....
20) - O mesmo Cartório que reconheceu as assinaturas das partes no CPCV e respetivo Aditamento de 15 de Setembro de 2022.
21) – Perto de 13 de Abril de 2023, a Requerente deslocou-se ao Cartório para a assinatura do documento e entrega do cheque no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) para pagamento do reforço de sinal referente ao mês de abril.
22) - Em 13 de Abril de 2023 a Requerente é confrontada com uma mensagem de WhatsApp com a informação de que a 1ª Requerida não iria assinar adenda ao Contrato e bem assim de que tinha deixado de existir interesse no negócio e comunicando a resolução do contrato.
23) - Em 24 de Maio de 2023 a Requerente informa a 1ª Requerida que a outorga da escritura prometida encontrava-se agendada para dia 29 de maio de 2023 às 9h no Cartório Notarial ....
24) - No dia e hora agendado para a outorga da escritura a 1ª Requerida não compareceu.
25) – Nesse dia, consultada a Certidão Predial do imóvel a Requerente verificou que a 1ª Requerida prometeu vender o imóvel à 2.ª Requerida, JUSTA E VIÁVEL, LDA., pelo valor de total de €690.000,00.
26) - Tendo entregue à 1ª Requerida o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) em 13 de Abril de 2023.
27) – E na data da assinatura do CPCV (03.05.2023), o montante de €118.000,00 (cento e dezoito mil euros).
28) - Mais acordaram as Requeridas que o prazo para a outorga da escritura de compra e venda era de 60 (sessenta) dias podendo ser prorrogado por mais 30 (trinta) dias.
29) – Naquele contrato a 1.ª Requerida obrigou-se a entregar o imóvel em causa à 2.ª Requerida na data da escritura de compra e venda.
30) – Eliminado.
31) - Aquando da outorga do CPCV entre a Requerente e a 1.ª Requerida a segunda entregou à primeira a chave do imóvel.
32) - A 1.ª Requerida por diversas ocasiões solicitou autorização para a entrada no imóvel.
33) – As partes combinaram que a partir de 1 de Abril o imóvel iria passar a ser a residência do gerente da Requerente e sua família.
34) - Perante a aceitação do acordo pela 1ª Requerida a Requerente procedeu à alteração da titularidade dos contratos de água, luz e gás.
35) - E mudou-se para o imóvel.
36) – No dia 30 de Maio de 2023 1.ª Requerida tenta impedir a Requerente de permanecer no imóvel.
37) - Tendo inclusivamente chamando a intervenção da GNR, do que não resultou qualquer “queixa”.
38) – A venda de imóvel a terceiro põe em causa a habitação do gerente da Requerente e sua família.
39) – O imóvel em causa tem registo de aquisição a favor da 2ª Requerida, por aquisição por compra à 1ª Requerida, pela ap. ...55, de 09.05.2023, confirmada em 01.06.2023.
40) – A Requerente continua no imóvel.”.

5. Do mérito do recurso

5.1. Nulidade da sentença

Refere a apelante que apesar do Tribunal a quo dar como provado que a venda de imóvel a terceiro põe em causa a habitação do gerente da Requerente e sua família decidiu pela improcedência do pedido quanto à proibição de venda do imóvel a terceiros, o que, no seu entender, configura uma decisão contraditória e, portanto, nula ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Ora, esta causa de nulidade da sentença, é facilmente compreensível se atentarmos que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão estão intrinsecamente ligados, impondo-se que a decisão proferida seja o corolário lógico dos respectivos fundamentos.

Assim, se as premissas em que assentou a fundamentação estiverem em contradição com o silogismo judiciário que das mesmas devia decorrer, existe a referida contradição, fulminando a decisão com a nulidade pelo invocado fundamento.

Ora, no caso em apreço, é apodíctico, perante a leitura da sentença recorrida, que não existe a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão já que a mesma se mostra em coerência com o que o Tribunal entendeu que ficou demonstrado, ou seja, que a venda do imóvel já teria sido concretizada.

Em coerência, se já foi concretizada não pode ser impedida…

Improcede, pois, a pretendida nulidade.

5.2. O facto 39 dos factos indiciariamente provados.
Insurge-se a apelante contra a insuficiência da menção que é feita no facto 39 ao registo de aquisição, salientando que de acordo com a certidão da CRP o mesmo é provisório e não foi convertido em definitivo.
De facto, analisando a certidão em apreço, constata-se que o registo de aquisição a favor da 2ª requerida contem a menção de “PROVISÓRIO POR NATUREZA - Artigo 92º nº1 al. g) e nº 4”.
Isto significa que ainda não foi “titulado o contrato” que conduz à aquisição e, portanto, estamos em presença de um registo (provisório) de aquisição a favor do promitente-comprador que apenas vincula os contraentes, pondo o promitente-comprador a coberto de eventuais futuros actos de disposição ou oneração da coisa praticados pelo promitente-vendedor antes da outorga do contrato prometido[1].
Assim, impõe-se a correcção do facto em apreço, passando o mesmo a ter o seguinte teor:
“39) O imóvel em causa tem registo de aquisição com a menção de “PROVISÓRIO POR NATUREZA - Artigo 92º nº1 al. g) e nº 4”. - a favor da 2ª Requerida, por aquisição por compra à 1ª Requerida, pela ap. ...55, de 09.05.2023, confirmada em 01.06.2023.”

5.2. Da (in) verificação dos pressupostos para a decretação da providência requerida.

Desde já convém recordar que estamos em presença de uma providência em que foi dispensado o contraditório prévio das requeridas.

Por conseguinte, o juízo de (im) procedência é sempre um juízo que tem por fundamento uma prova não contraditada e, por isso, mais falível.

Posto isto, vejamos se, perante a prova indiciariamente alcançada há fundamento para decretar a providência requerida.

Conquanto a requerente não o explicite – e convinha que o tivesse feito- depreende-se que pretenderá na acção principal discutir primacialmente a ilicitude da resolução do contrato promessa operada pela 1ª requerida e obter a execução específica do mesmo.

Na verdade, no requerimento inicial afirma que “(…) o direito que a Requerente pretende acautelar com a presente providência é o direito à compra do imóvel “.

Aliás, só faz sentido a sua pretensão de impedir que a 1ª requerida proceda à alienação do imóvel à 2ª requerida se ela própria mantiver o interesse na prestação[2].

Atento o preceituado nos artºs 362º, 365ºe 368º do CPC resulta serem requisitos essenciais das providências cautelares não especificadas:

a) A probabilidade séria da existência do direito exercido na acção proposta ou a propor ;

b) O fundado receio de que outrem cause lesão grave ou de difícil reparação a esse direito ;

c) O dano a evitar não ser consideravelmente inferior ao resultante da providência;

d) A inexistência de providência específica para acautelar o direito.

Cuidemos da análise do preenchimento de tais requisitos face à factualidade indiciariamente assente.


Ora, como dissemos, a primeira questão que importa apurar é se a resolução do contrato promessa por parte da 1ª requerida foi ilícito.

Na verdade, não é possível obter a execução específica de um contrato-promessa se o mesmo tiver sido validamente extinto.

Posto isto, importa determinar se efectivamente se, perante o quadro fáctico indiciariamente assente, se verifica fundamento para a 1ª requerida ter em 13 de Abril de 2023 confrontado a Requerente com uma mensagem de WhatsApp com a informação de que não iria assinar adenda ao Contrato e bem assim de que tinha deixado de existir interesse no negócio e comunicando a resolução do contrato” ( cfr. ponto 22)

Percorrendo-o não podemos alcançar a conclusão de que tenha ocorrido um incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da requerente legitimador dessa declaração resolutiva.

É que, como se sabe, ocorre incumprimento definitivo sempre que a prestação, não tendo sido efectuada, já não é possível no contexto da obrigação ou porque se tornou impossível, ou pela perda do interesse do credor, ou ainda porque, através da interpelação admonitória, a anterior mora se converteu em definitivo incumprimento (art. 808º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil).

É certo que a 1ª Requerida terá invocado a perda da interesse na prestação (em consequência da mora da Requerente na realização da escritura).

Como já se referiu supra, atento o disposto no n.º 1 do art. 808º do Cód. Civil, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, considera-se para todos os efeitos como não cumprida a obrigação. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.

Porém, não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas.

Não se descortina, perante os factos indiciariamente provados, a falta de utilidade da prestação. Senão vejamos:

- A 2 de fevereiro de 2023 a 1ª Requerida confirmou que o preço se mantinha no valor de € 600.000,00, mas que em face da prorrogação do prazo para a escritura, seria necessário que a Promitente Compradora procedesse ao pagamento de um reforço de sinal (ponto 13);

- Embora não se tenha definido um valor concreto para o reforço do sinal, a Requerente concordou, tendo comunicado que iria regressar a Portugal a 17 de Fevereiro (ponto 14);

- Em 18 de Fevereiro de 2023 a Requerente propôs o pagamento, a título de reforço de sinal, de uma quantia mensal acrescida da ocupação definitiva pela Requerente do imóvel a partir de 1 de abril de 2023 (cfr. ponto 15);

- E o agendamento da escritura de compra e venda até setembro de 2023 ( cfr. ponto 16);

- Tal proposta foi aceite pela 1ª Requerida (cfr. ponto 17);

- A 1ª Requerida ficou de providenciar por um 2º aditamento ao CPCV de 15 de Setembro de 2022, que refletia os termos acordados pelas partes ( cfr. ponto 18).


Temos, assim, perfunctoriamente evidenciado o exercício ilícito do direito potestativo de resolução por parte da requerida, situação que por ser de equiparar à recusa em cumprir pela sua parte[3], confere à requerente, o direito a requerer a execução específica.

Sufragamos o entendimento que apesar da ocorrência de incumprimento definitivo por parte do outro contraente, o “interesse do credor pode sobreviver, pode subsistir para além do incumprimento definitivo … Se o credor mantiver interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica, já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato”-

Também não é a circunstância de a 1ª requerida ter celebrado um contrato promessa de compra e venda com a 2ª requerida e providenciado pelo registo provisório de aquisição que vai obstar à execução específica.

Como proficientemente se afirma no Acórdão do STJ de 20.1.2009 [4]: “Estando em causa dois contratos-promessa que não dispõem de eficácia real, nem tendo havido ainda alienação do imóvel, duplamente prometido alienar pelo titular do direito de propriedade, que figura como comum promitente alienante – in casu no contrato-promessa de compra e venda, e num contrato-promessa de dação em cumprimento de que é beneficiário o recorrente – deve prevalecer o contrato-promessa celebrado em primeiro lugar, mais a mais considerando a má-fé do promitente-alienante, valendo na hipótese o normativo do art. 407º do Código Civil – “incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo”.”.

Ora, como referimos, através do procedimento cautelar comum, pretende-se acautelar que outrem, antes de proposta a acção principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito da requerente .

Assim, evidenciando-se ser a requerente titular do direito de execução específica, a eventual venda do imóvel de que a 1ª Requerida é titular frustrará o interesse da Requerente na realização do contrato e como tal é susceptível de causar-lhe prejuízo irreparável (perante a iminência de tal poder suceder)

Impõe-se, portanto, que seja de imediato impedida de o fazer, não se vislumbrando outra forma de evitar tal perigo que não através da providência requerida.

Esta, revela-se, aliás e pelo exposto, insusceptível de implicar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar.

Mas a pretensão da Requerente não se queda por aqui.

Pretende igualmente que lhe seja reconhecido “o direito de retenção sobre o mesmo imóvel”.
Dispõe o artigo 755º, n.º 1, alínea f) do Código Civil que, goza ainda do direito de retenção “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º”.
Ora, o crédito a que se refere tal norma e que justifica o direito de retenção sobre a coisa entregue pela traditio, é o crédito resultante do accionamento do mecanismo do regime do sinal.
Efectivamente, “havendo sinal e o promitente fiel for o adquirente, e este não opte pela execução específica ou esta não seja já possível, assiste-lhe o direito de exigir o dobro do que prestou, ou caso, tenha havido tradição da coisa objecto do contrato definitivo prometido, o valor desta, objectivamente determinado ao tempo do não cumprimento, com dedução do preço convencionado, e a restituição do sinal e da parte do preço que tenha pago (artº 442º, nºs 1, 2, 2ª parte, e 3 do Código Civil)[5]”.

Ora, como se explicou, a Requerente revelou manter interesse na celebração do contrato e, portanto, a sua opção pela solução que possibilita a sua concretização, o que não é compaginável, como da lei expressamente decorre, com o reconhecimento, pelo menos nesta providência, de um direito de retenção sobre o imóvel.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em, julgando parcialmente procedente a apelação, revogar parcialmente a decisão recorrida e, em consequência, determinar:
A) A intimação da 1ª Requerida de se abster de vender à 2ª Requerida ou a outrem o prédio urbano denominado ..., sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto por edifício de cave, rés-do-chão e sótão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o número ...20;
B) Que ambas as requeridas sejam advertidas, nos termos e para os efeitos do artº 375º do C.P.C., que a infracção da providência decretada, as fará incorrer na prática do crime de desobediência qualificada.
C) Subsequentemente à intimação e advertência determinadas, que seja cumprido o disposto no art.º 366º nº6 do CPC.

Custas pela apelante (art.º 439º, nº1 do CPC).

Évora, 8 de Fevereiro de 2024
Maria João Sousa e Faro
Maria Adelaide Domingos
Maria José Cortes

__________________________________________________
[1] Neste sentido, Ac. TRL de 8.3.2016 ( Isabel Fonseca).
[2] Não o mantendo, poderia pura e simplesmente desencadear o mecanismo do sinal de acordo com o disposto no art. 442º do Cód. Civil, aplicável aos contratos-promessa em que tenha havido sinal, nele se prevendo no nº2 que “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (...)”.
[3] Assim ,Brandão Proença in Do incumprimento do contrato promessa Bilateral , Coimbra 1987, pag. 89.
[4] Relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos.
[5] Assim, Ac.TRC de 15.1.2013 ( Henrique Antunes).