EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
INEPTIDÃO
AVALISTA
PERSI
Sumário


1. A causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, apresentando-se o título executivo como o instrumento documental dessa relação.
2. Sendo o título executivo um título de crédito dotado de literalidade, abstração e autonomia, a causa de pedir da ação executiva é enformada pela relação cartular que o título documenta e evidencia, encontrando-se o Exequente dispensado de alegar e provar a relação subjacente.
3. O requerimento executivo não é inepto por ininteligibilidade da causa de pedir quando o Exequente alega de forma discriminada os valores que compõem a quantia aposta na livrança dada à execução.
4. Impende sobre o Embargante o ónus de alegar e provar que o valor aposto na livrança não corresponde ao valor em dívida e que a mesma foi preenchida com violação do pacto de preenchimento.
5. Não afeta a exequibilidade do título de crédito e a responsabilidade do avalista, eventuais violações do regime das cláusulas contratuais gerais em relação ao negócio subjacente.
6. Ao avalista do subscritor da livrança não é aplicável o regime do PERSI.
7. O protesto não é necessário para ser acionado o avalista do subscritor da livrança.
8. O valor exequendo exigível é o que se encontra em dívida à data da denúncia do contrato de conta-corrente, independentemente de se encontrar formalizado o encerramento e a liquidação da mesma.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 1773/22.5T8SLV-A.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Juízo de Execução ... – J...
Apelante: Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Apelado: AA

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução ordinária (agente de execução) para pagamento de quantia certa, em que é Exequente CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. e Executados A..., LD.ª, BB e AA, veio este último deduzir oposição à execução mediante embargos, pugnando pela extinção da instância e, subsidiariamente, pela redução da quantia exequenda.

O Embargante alegou relevantemente para o efeito e, em síntese, a ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir; vícios da relação subjacente; postergação do PERSI; incumprimento contratual e violação do pacto de preenchimento da livrança em branco que subscreveu na qualidade de avalista; falta de protesto e inexigibilidade da quantia exequenda por a conta-corrente nunca ter sido encerrada.

Na contestação, a Exequente impugnou o alegado e concluiu no sentido da improcedência dos embargos.

Após produção de prova, foi proferida sentença, constando na sua parte dispositiva:
«Pelos fundamentos acima expostos, o Tribunal julga procedente a presente oposição à execução mediante embargos do Executado e, em consequência, declara extinta a execução por ineptidão do requerimento executivo.»

Inconformada, a apelou a Embargada, pugnando pela revogação da sentença e, consequentemente, pela improcedência dos embargos e subsequente prossecução da execução, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O Tribunal a quo considerou verificada a ineptidão do requerimento executivo por ininteligibilidade da causa de pedir;
2. Nos termos do artigo 724.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, no requerimento executivo, o exequente deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo;
3. Uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai;
4. Conforme o douto Venerando Tribunal da Relação de Évora 28/06/2017, processo n.º 172/15.0T8CBA-A.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que numa situação em que o título executivo consiste na livrança «prescinde da alegação, no requerimento executivo, dos factos constitutivos da relação subjacente, pelo que não se verifica a exceção dilatória da falta de causa de pedir»;
5. A aqui Apelante atuou de acordo com a lei, sendo certo que o artigo 724º, nº 1, al. e), do Código de Processo Civil apenas exige a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, não sendo pois inepto o requerimento executivo, por falta da indicação da causa de pedir;
6. Pelo que, deverá revogar-se a douta decisão impugnada, determinando-se improcedente os Embargos apresentados e, consequentemente, a prossecução da execução que corre termos nos autos principais.
A decisão sob censura violou, entre outros, o seguinte preceito legal:
• Artigo 724.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil.»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância fundamentou a decisão com base na seguinte matéria de facto.
FACTOS PROVADOS
«1. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (Embargada) instaurou, em 18 de Outubro de 2022, acção executiva contra “B..., Lda.”, BB e AA (Embargante) acção executiva com vista à cobrança coerciva da quantia global de €42.465,48, sendo €42.018,77 de capital e €446,71 de juros de mora e imposto de selo.

2. Fundamentou a sua pretensão na livrança cuja cópia consta de fls. 378 e 379 do processo de execução (PE), cujo teor ora se dá por reproduzido.

3. Trata-se de uma livrança subscrita pela sociedade acima identificada e assinada o verso pelos demais Executados sob os dizeres “bom por aval ao subscritor”.

4. Essa livrança não foi paga nem na data do vencimento – 16 de Maio de 2022 – nem posteriormente.

5. Subjacente à emissão da livrança esteve o “contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples)”, datado de 14 de Abril de 2016, subscrito pela Embargada, pela sociedade Executada e pelo Executado BB, o qual se encontra junto com a contestação e cujo teor ora se dá por reproduzido.

6. Este contrato foi depois alterado, em 03 de Abril de 2017, passando a incluir o Embargante como parte, na qualidade de “avalista”, nos termos que melhor constam da cópia junta com a contestação, e cujo teor ora se dá por reproduzido.

7. Por carta de 19 de Novembro de 2020, o Embargante foi informado pela Embargada de que o valor em dívida, reportado à data anterior, era de €35.000 em termos de capital a que se somavam juros vencidos, juros de mora e comissões, perfazendo um valor global de €38.341,10.
8. Por carta de 30 de Novembro de 2020, a Embargada comunicou ao Embargante que havia procedido à denúncia do contrato, por incumprimento, com exigibilidade antecipada dos valores em dívida.»

FACTOS NÃO PROVADOS
«Não há, com relevo para a decisão que vai ser proferida.»

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consiste em apreciar se o requerimento executivo é inepto por ininteligibilidade da causa de pedir, nos termos do artigo 186.º, n.º 2, do CPC.
E em caso negativo, em substituição do tribunal recorrido, apreciar as demais questões colocadas nos embargos e que não foram conhecidas na sentença recorrida por a sua apreciação ter ficado prejudicada.

2. A sentença recorrida respondeu positivamente à questão referenciada em primeiro lugar, invocando, em suma, que é ininteligível o modo como a Exequente alcançou o valor de aposto na livrança e como determinou o valor da composição das várias componentes (capital em si mesmo, juros remuneratórios, juros de mora, comissões/despesas e impostos).

Discorda a Apelante pelas razões que aduz nas Conclusões de recurso, invocando, em suma, que a livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per se, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai, e que, nos termos do artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, no requerimento executivo expôs sucintamente os factos que fundamentam o pedido, pelo que o mesmo não é inepto por falta de indicação da causa de pedir.

Analisemos, então, a questão da ineptidão do requerimento executivo.
Tendo em mente que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, n.º 5, do CPC) e que os títulos executivos que servem de base à execução se encontram elencados taxativamente no artigo 703.º do CPC, importa considerar que o artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, prescreve que, no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
O que significa que, atualmente, o regime legal vigente manda atender, leia-se alegar, a factualidade concernente ao conteúdo da relação jurídica subjacente, afastando a ideia (que vingava nos precitos originários do anterior CPC em que os títulos executivos eram maioritariamente de natureza cambiária[1]) que a causa de pedir na ação executiva se consubstancia pelo próprio título executivo.
Atualmente, será mais correto afirmar que a causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, sendo o título executivo o instrumento documental privilegiado dessa demonstração.
Como referem os autores infra citados: «A causa de pedir na ação executiva não se reconduz ao título executivo e, como tal, não está dispensada a ponderação relativa à validade (formal e substantiva) do negócio fonte da obrigação», sublinhando os mesmos que, nesse sentido, aponta o artigo 762.º, n.º 2, alínea c), do CPC, a propósito dos títulos executivos negociais.[2]
O que sucede igualmente quando estão em causa títulos de crédito cambiários que perderam a natureza de títulos de crédito e que são apresentados como quirógrafos, ou seja, como documentos autógrafos demonstrativos da obrigação subjacente[3], como resulta evidenciado do disposto no artigo 703.º.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ao prescrever que à execução podem servir de base «Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.»
Todavia, se o título executivo apresentado for um título de crédito dotado das caraterísticas que lhes são próprias (literalidade, abstração e autonomia), o título de crédito apresentado à execução (letra, livrança ou cheque) é exequível e é autónomo em relação à obrigação subjacente, pelo que a causa de pedir, nesse caso, é enformada pela relação cartular que o próprio título de crédito documenta e evidencia, encontrando-se o Exequente dispensado de alegar e provar a relação subjacente.
Consequentemente, na data do vencimento ou nas circunstâncias referidas no artigo 43.º da LULL, o legítimo portador pode exigir dos responsáveis o pagamento do capital inscrito, dos juros de mora e restantes acréscimos referidos no artigo 48.º da LULL ou no artigo 45.º da LUch (cfr. artigo 77.º da LULL quanto às livranças).
As pessoas acionadas por essa via não podem opor ao portador do título cambiário, as exceções fundadas nas relações pessoais com o sacador ou portador anteriores (artigos 17.º e 77.º da LULL).
Encontrando-se o título de crédito dado à execução no âmbito das relações imediatas (o que sucede quando entre os dois signatários não se interpõe qualquer outro ou em que os sujeitos da relação cambiária são concomitantemente os sujeitos da relação causal), e porque não estão em causa interesses de terceiros de boa-fé, os princípios da literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos cambiários deixam de funcionar, podendo fundar-se a defesa nas exceções emergentes da relação causal[4].
Nessa situação, e exemplificando com relevância para os presentes autos, no caso da livrança em que foi prestado aval ao subscritor da mesma, impende sobre o avalista demandado na execução, o ónus de alegar e provar, em sede de embargos, os factos referentes ao preenchimento abusivo do pacto de preenchimento e os meios de defesa oponíveis à relação causal, enquanto exceções de direito material (factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito - artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil)[5].
No caso em apreço, foi apresentado como título executivo uma livrança, enquanto título de crédito.
Logo, no requerimento executivo, a Exequente não carecia de alegar os factos constitutivos da relação subjacente, pelo que não se verifica a exceção dilatória de falta de causa de pedir, nem da sua ininteligibilidade, porquanto alegou de forma perfeitamente clara e percetível que era a portadora de uma livrança subscrita pela Executada e avalizada pelos Executados, entre eles, o Embargante AA, com vencimento em 16-05-2022, e não paga nessa data, nem posteriormente, apesar das interpelações dos Executados nesse sentido, mencionado, ainda, qual o valor do capital (€42.018,77), valor dos juros de mora (€429,53), respetiva taxa, imposto de selo sobre os juros de mora (€17,18), tudo atingindo o valor de €42.465,48, valor este aposto na livrança.
Todavia, entende a sentença recorrida que a ininteligibilidade da causa de pedir decorre de não ser percetível como a Exequente alcançou o valor peticionado e aposto na livrança.
Ora, em face do alegado no requerimento inicial e da discriminação dos valores ali referidos, não se verifica a alegada ininteligibilidade, porquanto a soma dos valores mencionados correspondem ao valor aposta na livrança.
Ou seja, o requerimento inicial não sofre de ineptidão, nem a causa de pedir é ininteligível.
Coisa diversa é saber se a livrança foi preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento existente e se o valor aposto na mesma é o devido, factualidade que competia ao Embargante alegar e provar, alegando, então, a factualidade referente à relação subjacente, uma vez que a livrança se manteve no âmbito das relações imediatas.
Todavia, essa alegação e prova em nada interfere com a invocada ineptidão da causa de pedir, mas sim com o conhecimento do mérito dos embargos.
O que se passa a apreciar considerando o disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, por as questões terem sido objeto de discussão e os autos disporem de todos os elementos necessários.
O Embargante não logrou provar que, aquando do preenchimento da livrança (que foi subscrita em branco, o que é admissível em face dos artigos 1.º e 10.º da LULL), a Exequente violou o pacto de preenchimento (cfr. ponto 23.1 do contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples), alterado em 03-04-2017, e que incluiu o Embargante como avalista), por a quantia aposta na livrança não ser a que era devida naquela data.
É certo que no ponto 7 dos factos provados consta que, em 19-12-2020, a exequente lhe comunicou que o capital em dívida correspondia a €35.000,00, a que acresciam juros vencidos, juros de mora e comissões, o que difere do valor do capital referido no requerimento inicial.
Todavia, esta factualidade em nada altera o que vem sendo dito, porquanto o que era essencial era que o Embargante provasse que o valor aposto na livrança não correspondia ao valor em dívida à data do preenchimento da mesma.
O que, como já dito, não provou.
O que determina que se conclua que não se provou que o valor aposto na livrança não era o devido, nem que tenha existido violação do pacto de preenchimento nos termos alegados pelo Embargante.

Também alegou o Embargante que o contrato subjacente à emissão da livrança, acima referido, viola o regime das Cláusula Contratuais Gerais (RCCG) previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, e alterações subsequentes, por a Exequente não ter cumprido os deveres de informação, esclarecimento e entrega de exemplar ao Embargante.
Esta alegação não colhe, porquanto estamos perante uma execução cambiária em que o título dado à execução é um título de crédito e não o referido contrato, sendo que em relação aos títulos de crédito não é aplicável o referido regime das CCG.
Nem sequer se aplica em relação ao avalista que se limita a dar o seu aval num negócio alheio, intervindo nele nessa qualidade, ou seja, como terceiro.[6]
De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse por o ora Embargante ter assinado a alteração contratual por via da qual assumiu a posição de avalista, e por estarmos no domínio das relações imediatas[7], também aqui não se aplica tal regime.
Nesse sentido, veja-se o Ac. STJ, de 24-01-2012[8], constando do ponto IV do seu sumário o seguinte:
«IV- Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.»
Notando-se, ademais, o que ficou a constar na cláusula IV da alteração ao contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples) datada de 03-04-2017, subscrito pelo ora Embargante, ali se lendo, referindo-se ao ora Embargante: «(…) desde já declara conhecer perfeita e integralmente os termos, cláusulas e condições do referido contrato (…)», o que evidencia que lhe foi dado cabal conhecimento e informação sobre as condições contratuais do contrato de conta-corrente e da obrigação assumida como avalista.

Alega também o Embargante que a Exequente não respeitou o regime do PERSI previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, e alterações subsequentes.
Também esta alegação não colhe, porquanto este regime apenas é aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo, o que exclui as pessoas coletivas, como é caso da Executada (cfr. n.º 1 do artigo 2.º, n.º 1, conjugadamente com a alínea a) do artigo 3.º e artigo 2.º, n.º 1,da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31-07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04).
Ademais, e como decorre artigo 21.º, n.º 2, do regime do PERSI e do Aviso do BP n.º 17/2012, de 17/12[9], em relação aos garantes, o PERSI é aplicável ao fiador (eventualmente também ao fiador simultaneamente avalista[10]), mas não ao avalista que apenas intervenha nessa qualidade, uma vez que a responsabilidade deste não é equiparável às situações abrangidas pelo regime do PERSI, o que se colhe da intenção legislativa subjacente ao regime e ao âmbito da sua aplicação.[11]

Alega também o Embargante que era necessário fazer o protesto da livrança antes da mesma ser apresentada em juízo.
Mais uma vez, não tem razão, pelas razões que se colhem no Acórdão desta Relação de Évora, de 20-12-2018[12], lendo-se na parte correspondente do sumário:
«2. No caso do aval prestado ao subscritor de livrança, não é necessário a formalização do protesto, por falta de pagamento, para acionar o avalista, porque este responde no lugar do subscritor, não tem a posição equivalente ao sacador, endossantes e outros coobrigados a que alude o art.º 53.º da LULL, já que estes são meros obrigados de regresso, responsáveis entre si, nos termos do art.º 516 do C. Civil, enquanto o avalista é um obrigado direto, que fica sub-rogado nos direitos do subscritor (art.º 32.º e 77.º da LULL).»
No mesmo sentido, decidiu o STJ que «(…) o protesto não é necessário para ser acionado o avalista do aceitante»[13].

Finalmente, alegou o Embargante que a quantia exequenda não era exigível por falta de encerramento da conta-corrente, nos termos da legislação comercial.
Mais uma vez, sem razão.
Como prescreve o artigo 349.º do Código Comercial, o termo do contrato põe fim ao próprio relacionamento negocial das partes em termos de conta-corrente e implica, necessariamente, o encerramento e liquidação da conta.
«São efeitos do contrato de conta corrente, a compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respetivos créditos e débitos ao termo do encerramento da conta-corrente e a exigibilidade meramente terminal do saldo da conta-corrente», o que significa que «Produzido que seja o encerramento definitivo da conta corrente, torna-se exigível, e apenas, o saldo final, independentemente de confirmação da parte contrária».[14]
Porém, no caso, no ponto 8 dos factos provados ficou a constar que, por carta de 30-11-2020, a Exequente comunicou ao Embargante que tinha denunciado o contrato, por incumprimento, com exigibilidade antecipada dos valores em dívida.
Sendo assim, o valor exigível é o que se encontrava em dívida à data da denúncia do contrato, independentemente de se encontrar formalizado o encerramento e a liquidação da conta-corrente.

Em face do exposto, procede a apelação por não se verificar a ineptidão do requerimento executivo, revogando-se a sentença recorrida e, conhecendo dos demais fundamentos do embargos em substituição do tribunal a quo, julgam-se os mesmos improcedentes, devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação.

IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, e, em substituição do tribunal a quo, julgam os embargos improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução.

Custas na 1.ª instância pelo Embargante (artigo 527.º, n.º 1, do CPC) e sem custas em relação ao recurso por não ter sido apresentada resposta ao mesmo.

Évora, 08-02-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Albertina Pedroso (1.ª Adjunta)
Francisco Xavier (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao CPC, vol. I, p. 98; LOPES CARDOSO, Manual da Ação Executiva, p. 23 e 29.
[2] ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, II, Almedina, 2020, p. 23.
[3] Cfr. Autores citados na obra citada em 1, p. 26, onde exemplificam várias situações em que o título de crédito apenas tem natureza de documento quirógrafo.
[4] Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 30-05-2023, proc. n.º 529/21.7T8GMR-A.G1.S1; AC. STJ, de 08-11-2022, proc. n.º 529/21.7T8GMR-A.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Trata-se de jurisprudência consensual. Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 07-12-2023, proc. n.º 2070/19.9T8PRT-A.P1.S1; Ac. STJ, de 21-04-2022, proc. n.º 15165/19.0T8SNT-C.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, cfr. Ac. RC, de 06-10-2015, proc. n.º 94/12.6TBVZL-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Nesse sentido, veja-se Ac. RC, de 01-07-2014, proc. n.º 712/11.3T2AGD-A.C1, em www.dgsi.pt.
[8] Proferido no proc. n.º 1379/09.4TBGRD-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Publicado no DR, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012, regulamentando o n.º 5 do artigo 17.º do PERSI, aplicável à data da denúncia do contrato de conta-corrente. Atualmente, revogado pelo Aviso n.º 7/2021, de 20-12-2021 (publicado no DR, 2.ª série, Parte E, n.º 244, de 20-12-2021).
[10] Cfr. Ac. STJ, de 20-09-2023, proc. n.º 2160/20.5T8ALM-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, entre outros, cfr. Ac. STJ, de 31-10-2023, proc. n.º 5070/16.7T8ALM-C.L1-7; AC. RE, de 15-04-2021, proc. n.º 992/19.6T8PTG-A.E1; Ac. RP, de 07-03-2022, proc. n.º 266/10.8TBVLC-B.P1, em www.dgsi.pt.
[12] Proferido no proc. n.º 7633/15.9T8STB-A.E1, e AC. do STJ, de 14-05-2019, proferido no mesmo processo, disponíveis em www.dgsi.pt.
[13] Ac. STJ, de 14-05-2019, proc. n.º 7633/15.9T8STB-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Ac. RL, de 19-09-2013, proc. n.º 679/09.8YXLSB.L2-2, disponível em www.dgsi.pt.