EXPROPRIAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


1 – No processo especial de expropriação podem e devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelas partes que se apresentem como podendo ter relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
2 – Nada obsta a que seja admitida prova testemunhal ou por declarações de parte, ainda que sobre matéria coincidente com aquela que é objecto da prova pericial, desde que se verifiquem as circunstâncias referidas.
3 – A prova pericial produzida no processo especial de expropriação, tal como a prova testemunhal ou por declarações de parte, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, dada a aplicação subsidiária das normas e princípios do processo comum.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
A - Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante Infraestruturas de Portugal SA e são expropriados AA e outra, vieram os expropriados recorrer da decisão de indeferimento de meios de prova que haviam requerido, concretamente as declarações de parte do próprio expropriado e os depoimentos de quatro testemunhas.
B – Fundamentando o recurso de apelação interposto, os expropriados apresentam no final das suas alegações as seguintes conclusões, que transcrevemos, para melhor compreensão, apesar da extensão:
“1ª A expropriação de parte da Herdade... para a construção de uma linha ferroviária, com a afetação da exploração agropecuária que aí se desenvolve e com a divisão da propriedade em duas partes separadas entre si, gera uma situação complexa, seja quanto a essa exploração, seja quanto à desvalorização das parcelas sobrantes no mercado;
2ª Apesar de os Expropriados terem peticionado diferentes tipos de danos que esta expropriação/linha ferroviária vem causar à propriedade, na Avaliação pericial efetuada os Senhores Peritos designados pelo Tribunal desconsideraram em absoluto os diversos tipos de danos que, para além do solo expropriado e das existências que aí se registaram, se verificam na parte sobrante da propriedade, na exploração agropecuária aí desenvolvida e no seu valor de mercado.
Isto é, uma típica Herdade alentejana com uma intensa exploração agropecuária (designadamente touros bravos) e um Monte habitacional é atravessada por uma linha ferroviária, que a divide a meio, e entende-se que daí não resultam quaisquer prejuízos para as sobrantes, designadamente quanto à exploração agropecuária aí desenvolvida e quanto ao seu valor de mercado!
Mas a questão não tem só que ver com o facto de não ter sido calculada qualquer indemnização pelos diferentes tipos de danos que esta expropriação vem causar na exploração agropecuária e nas parcelas sobrantes(supra, nº 9): o que importa constatar é que a Avaliação pericial maioritária não registou quaisquer factos de onde se pode considerar a existência desses danos e, portanto, a necessidade de serem indemnizados.
E a Avaliação pericial maioritária não registou esses factos e desvalorizações porque o critério indemnizatório aí utilizado padece de um estruturante erro nos pressupostos, mesmo em relação à desvalorização do Monte habitacional calculada por esses Peritos. De facto, como os Peritos maioritários escreveram na pág. 18 do Relatório de Avaliação Pericial de 24.06.21, “Face ao exposto, os peritos consideram que as partes sobrantes mantêm, proporcionalmente, os mesmos cómodos, não se justificando a sua avaliação ou desvalorização, com excepção da habitação existente que seguidamente avaliam.”.
Desta expressa assunção pericial, resultam 2 conclusões essenciais:
a. Por um lado, a questão indemnizatória das sobrantes só foi analisada por estes Peritos maioritários numa perspetiva: a perspetiva da funcionalidade, dos cómodos em causa; em suma da utilidade. Dado que as utilidades agropecuárias da propriedade se mantêm estruturalmente e que a exploração agropecuária existente poderá continuar a ser desenvolvida, por um lado, e que, por outro, o Monte habitacional continuará a poder ser utilizado, não é devida indemnização.
Assim, esses Peritos maioritários não consideraram sequer, por exemplo, a hipótese de o valor de mercado da propriedade (das duas parcelas sobrantes em que agora se decompõe, designadamente dos edifícios habitacionais e outros que aí existem) ser afetado pela sua divisão e pelo facto de, agora, passarem a ter como vizinhos uma linha férrea e comboios a circular; tudo isto numa típica propriedade e paisagem alentejana.
b. Por outro lado, a perspetiva redutora dos Peritos maioritários relativamente à afetação da exploração agropecuária: o facto de ser assegurada a passagem entre a parte sobrante norte da propriedade e a parte sobrante sul é diferente de não haver qualquer divisão da propriedade, sem uma linha férrea pelo meio a dividir, a condicionar, com locais específicos de passagem (estreitos, com o piso não natural), sem a continuidade natural do solo.
3ª Pelo contrário, numa atitude e metodologia analítica e rigorosa da situação em causa, este Perito indicado pelos Expropriados, Eng. BB, atendeu e caracterizou os essenciais da afetação que esta expropriação, linha ferroviária e divisão estruturante da propriedade vem causar à exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e ao valor de mercado das parcelas sobrantes e do edificado aí existente.
4ª A absoluta necessidade de o Tribunal esclarecer e conhecer os factos relativos à afetação que esta expropriação/linha férrea vem causar na exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade e no valor de mercado da propriedade e das parcelas sobrantes.
- A necessária procedência deste recurso numa perspetiva estrutura, principialista e constitucional.
4ª.1 Sabemos que nos processos de expropriação os Tribunais tendem a subscrever as avaliações periciais subscritas pelos 3 peritos que designam, nomeadamente pela sua imparcialidade/isenção. Assim, perante as diferentes avaliações periciais com que será confrontado na fase de proferir a Sentença (as efetuadas pelos Peritos designados pelo Tribunal e a que vem subscrita pelo Perito indicado pelos Expropriados), o Tribunal recorrido tenderá a subscrever essa primeira Avaliação pericial.
4ª.2 No entanto, como decorre do que vem de ser exposto nos números anteriores, mais do que uma diferente perspetiva indemnizatória por parte das duas Avaliações periciais em confronto (que aqui não se discute), o que se constata é que a Avaliação pericial dos Peritos do Tribunal é muito deficitária na factualidade relevante, isto é, na caracterização da situação que existia antes desta expropriação e nos termos da afetação que esta expropriação/linha ferroviária vem causar à exploração agropecuária aqui desenvolvida, às parcelas sobrantes e ao valor de mercado da propriedade.
Isto é, por considerarem, de forma apriorística (e em erro), que não haveria que indemnizar outros danos para além do solo expropriado e das existências aí verificadas (dado que as utilidade agropecuárias se mantêm estruturalmente e que a exploração agropecuária existente poderá continuar a ser desenvolvida, por um lado, e que, por outro, o Monte habitacional continuará a poder ser utilizado), os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal não retrataram a situação de facto subjacente a esses danos e indemnização.
4ª.3 Assim, o que se verifica é um efetivo deficit na descrição da situação de facto (complexa) com que nos deparamos, impedindo-se assim que o Tribunal, na fase de julgamento, possa daí retirar consequências indemnizatórias. É este o propósito essencial deste recurso: permitir ao Tribunal esclarecer essa situação de facto relevante e complexa para depois concluir se a mesma deve ser indemnizada ou não. Sem esclarecer/conhecer esses factos, o Tribunal terá uma natural dificuldade em apurar/decidir se a situação deverá ou não ser indemnizada.
Sem o completo esclarecimento da factualidade relevante nunca teremos o bom Direito.
E a situação em que os Expropriados se encontram, em função dos referidos deficits da Avaliação pericial maioritária e limitação instrutória decidida no Despacho recorrido, é a de um evidente estado de necessidade instrutório. Mantendo-se a decisão recorrida resulta violado o direito dos Expropriados à instrução do processo; neste caso, por se tratar de uma expropriação, do direito fundamental de defesa perante uma ablação do seu direito fundamental de propriedade privada. Em suma, perde-se o direito fundamental a um processo equitativo e o essencial/material do direito fundamental de acesso à justiça e a uma justa indemnização (arts. 20º e 62º da Constituição).
4ª.4 Neste contexto e para assegurar esses princípios e direitos fundamentais, torna-se necessário/essencial que o Tribunal recolha os depoimentos das testemunhas que os Recorrentes Expropriados indicaram e das suas próprias declarações: são pessoas que conhecem a realidade (propriedade e exploração agropecuária) que se pretende avaliar e que podem auxiliar o Tribunal recorrido a atender a fatores que não vêm abordados na Avaliação pericial maioritária). E estes depoimentos podem não valer por si só. De facto, com base nos mesmos, o Tribunal poderá até entender necessário, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (arts. do CPC), determinar aos Peritos maioritários que se pronunciem ou complementem a Avaliação pericial efetuada.
5ª O ilegal indeferimento da tomada de declarações de parte não pode ser mantida, seja pelas razões gerais que ficaram referidas nos nºs. 12 a 14 destas Alegações, seja pelas seguintes razões principais:
5ª.1 No seu Requerimento de 28.02.2022 os Expropriados cumpriu de pleno o Despacho de 18.02.2022, pois referiu aí expressamente, como solicitado, que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada”.
Quanto ao rol de Testemunhas apresentado, os Expropriados tiveram a oportunidade de salientar o facto de serem “pessoas que não só conhecem a propriedade em causa, como também conhecem outras propriedades na envolvência desta e, sobretudo, que conhecem o mercado deste tipo de propriedades no Alentejo, sendo o seu testemunho essencial para apurar a desvalorização que esta expropriação vem provocar ao valor de mercado desta propriedade (arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada) ”.
Depois, os Expropriados densificaram também os motivos que determinaram a escolha das quatro testemunhas indicadas, elencando as suas atividades profissionais e a utilidade de cada um dos testemunhos relativamente a diversos tópicos a serem abordados pelo Tribunal recorrido.
5ª.2 O Expropriado Eng. AA, cujas declarações de parte foram requeridas, é quem melhor conhece a exploração agropecuária que se desenvolve na propriedade afetada, os termos em que se processa, os condicionalismos e contingências que afetam os níveis de produtividade e o bem estar animal, os fatores relativos à sua circulação na propriedade, os equipamentos e infraestruturas necessárias para o efeito, etc., etc..
O gestor desta exploração agrícola conhece melhor que qualquer dos Peritos do Tribunal esta exploração, por uma razão concreta: é o mesmo que a gere e tem específica formação e experiência quotidiana sobre a sua gestão.
Em qualquer caso, os conhecimentos e experiência do Expropriado Engro. AA poderão ser observados in loco pelo Tribunal no seu depoimento: é um juízo valorativo que o Tribunal poderá fazer após a audição do seu depoimento e nunca antes.
5ª.3 Os Expropriados não pretendem substituir a Avaliação Pericial pelas suas declarações de parte. O objetivo é, fundamentalmente, ajudar o Tribunal a conhecer a realidade que se pretende indemnizar e a constatar que a Avaliação pericial maioritária é deficitária na realidade que considera, podendo e devendo o Tribunal recorrido testar/avaliar a correção dessa Avaliação maioritária.
Além disso, existindo divergências estruturantes entre a avaliação dos Peritos maioritários e a avaliação efetuada pelo Perito indicado pelos Expropriados, Engro. BB, é natural que o Tribunal recorrido fique com dúvidas sobre a matéria controvertida: o que não pode é dispensar elementos instrutórios que possam contribuir para o esclarecimento que se pretende.
5ª.3 Em terceiro lugar, já num plano formal e ao contrário do que se refere no Despacho recorrido, não é verdade que os Expropriados não tenham discriminado os factos sobre os quais deverão recair as declarações de parte requeridas, pois no seu Requerimento de 28.02.2022, os Expropriados esclareceram que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada” (sublinhado nosso).
Isto é, os Expropriados, por remissão para a sua petição de recurso do Acórdão arbitral e a fim de evitar desnecessárias repetições discursivas, especificaram os factos sobre os quais deverão recair as declarações de parte requeridas. Esta remissão é plenamente aceitável e cumpre a exigência legal do art. 452º, nº 2, do CPC, que resulta assim violado.
5ª.4 Deste modo, a conclusão que o Despacho recorrido, para além de assentar num erro sobre os pressupostos (os Expropriados invocaram expressamente os artigos/factos da sua petição de recurso sobre os quais deveria incidir as requeridas declarações de parte), fez uma interpretação puramente formalista e desadequada do art. 452º, nº 2, do CPC, no que resulta na sua violação.
6ª Quanto à audição das Testemunhas arroladas pelos Expropriados no Recurso do Acórdão Arbitral interposto, o Despacho recorrido indeferiu a sua audição. Esta decisão, com o devido respeito, não pode ser mantida, seja pelas razões gerais que ficaram referidas nos nºs. 12 a 14 destas Alegações, seja porque não pode aceitar-se a tese do Tribunal recorrido de que a “prova testemunhal só terá relevância desde que se destine a provar os factos não compreendidos nas funções dos peritos”.
6ª.1 Esta tese parte do pressuposto (errado) de que os Peritos do Tribunal não erram na leitura e análise dos factos, em particular quando nos deparamos com situações complexas, como a que nos ocupa. No entanto, não é assim: a análise e conclusão dos peritos do Tribunal não são dogmas – podem e devem ser questionados e testados face a outros meios de prova. De facto, os peritos indicados pelo Tribunal, humanos, também erram; também podem não retratar adequadamente a realidade que se pretende avaliar; também assumem pressupostos incorretos face ao regime legal aplicável; também se enganam nas avaliações efetuadas. E por isso, como se sabe, os Tribunais afastam-se muitas vezes da análise e conclusões dos peritos maioritários, designadamente dos peritos indicados pelo Tribunal.
6ª.2 De facto, a prova testemunhal (e outros meios de prova) também tem relevância no âmbito dos factos compreendidos na função dos peritos, pois só assim, muitas vezes, as partes conseguem demonstrar os erros cometidos pelos peritos, em particular em situações complexas como esta, em que os Peritos demonstram desconhecer as especificidades da criação de gado bravo que se faz nesta propriedade e em que só analisaram/avaliaram as parcelas sobrantes numa perspetiva da sua utilidade, ignorando o impacte negativo que esta linha ferroviária tem no valor de mercado dessas sobrantes.
Isto é, apesar da relevância da avaliação pericial (que não se discute), essa relevância não é excludente, não podendo impedir, naturalmente, a utilização de outros meios de prova sobre a mesma factualidade: a lei admite expressamente outros meios de prova que, sendo requeridos pelas partes e relevantes, devem ser produzidos, e entre eles, encontra-se a prova testemunhal. É o que resulta, desde logo, do já citado art. 61º, nº 2, do Código das Expropriações, que também resulta assim violado: a avaliação pericial não esgota, nem poderá esgotar, os meios de prova possíveis de serem requeridos no decurso dos processos expropriativos.
6ª.3 Naturalmente que os Expropriados não pretendem substituir a avaliação pericial pelas testemunhas que indicaram: uma coisa é a prova pericial, outra é a prova testemunhal. No entanto, nenhum desses meios de prova pode pretender ter a ‘verdade’ do processo. Para atingir essa ‘verdade’ (ou a melhor verdade possível) importa considerar os diversos meios de prova disponíveis, em particular se os mesmos forem razoáveis e só pretenderem esclarecer o que os Peritos indicados pelo Tribunal não esclareceram.
O depoimento das testemunhas indicadas ajudará este douto Tribunal na análise das avaliações periciais efetuadas, pois a avaliação pericial maioritária, por exemplo, padece de lapsos inadmissíveis, seja quanto à exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade, seja porque omite de todo em todo a desvalorização das parcelas sobrantes no mercado em função de a propriedade passar a ser dividida por uma linha férrea com que tem que conviver.
Assim caberá ao Tribunal, naturalmente, analisar, ponderar e valorizar comparativamente as diferentes diligências instrutórias efetuadas, mas só o poderá fazer após a sua realização, e não em momento anterior como se decidiu no Despacho recorrido.
O que é inadmissível, com o devido respeito, é pretender cercear os Expropriados dos seus direitos probatórios, numa evidente violação do direito fundamental dos cidadãos de acesso à justiça, a um processo equitativo e a uma justa indemnização (arts. 20º e 62º, nº 2, da Constituição).
Noutra perspetiva, importa atender ao seguinte: os Tribunais, por mais técnicas ou complexas que possam ser as questões envolvidas e a decidir, não podem deixar de tomar posição fundada e consciente sobre cada uma das questões que lhes sejam submetidas a julgamento. Estará assim de todo vedado ao julgador alhear-se dessas questões e remeter a respetiva decisão para os peritos – é o Juiz que preside à avaliação e é o Tribunal que decide.
Do mesmo modo, os Tribunais deverão sempre verificar a correção e legalidade do discurso e método adotado pelos peritos: a justa indemnização devida aos Expropriados pode não ser a que estes entendem mas a que resulta de uma adequada interpretação e aplicação de todas as regras e princípios jurídicos ponderáveis, máxime, da Constituição.
Nestes termos, condição essencial para que os Tribunais possam aderir às conclusões dos peritos é que estas ponderem todos os factos juridicamente relevantes e respeitem as exigências legais, designadamente a metodologia e critérios estabelecidos no Código das Expropriações devidamente interpretados pela tutela constitucional. Se assim não for, como não é no caso que nos ocupa, as avaliações efetuadas pelos Peritos não podem ser seguidas.
Nestes termos,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Despacho recorrido, determinando-se que o Tribunal a quo ouça os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Expropriados e proceda à tomada das declarações de parte requeridas.”
C - A expropriante contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, com a consequente confirmação da decisão impugnada, considerando nomeadamente a inutilidade para a boa decisão da causa, e consequente inadmissibilidade, da prova testemunhal e da prova por declarações de parte que foram requeridas.

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II - DOS FACTOS
A matéria relevante para a decisão do recurso é que consta das incidências processuais a considerar, a que faremos a necessária referência no decorrer da fundamentação, de modo a evitar repetições indesejáveis (sendo certo que a decisão a proferir depende exclusivamente da aplicação do Direito).
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III – OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, tendo em conta o conteúdo das conclusões que acima se transcreveram, verifica-se que a questão a apreciar é a de saber se deve ou não ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
A - Entendem os recorrentes/expropriados que devem ser admitidos os meios de prova por eles requeridos no final do recurso que interpuseram contra o acórdão arbitral, admitindo-se agora as declarações de parte do expropriado Eng. AA e os depoimentos de quatro testemunhas que então indicaram.
Quanto a essa pretensão, verifica-se que o tribunal começou por proferir despacho, a 18-02-2022, sob a Referência: ...32, convidando os requerentes a fundamentar devidamente o requerido.
Assim, no tocante a declarações de parte, e recordando que o art. 466º do Código de Processo Civil, dispõe, no seu nº 1, que “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”, o tribunal convidou os expropriados a “concretizar quais os factos que são a base do seu pedido que sejam tomadas as suas declarações de parte”, considerando que “no caso concreto, a parte não elenca qualquer facto, sendo que, nos termos da citada norma do Código de Processo Civil, a tomada de declarações de parte incide apenas sobre os factos em que a parte interveio pessoalmente e de que tenha conhecimento directo.
Em relação aos depoimentos testemunhais, e recordando que “dispõe o artigo 61º, nº1, do Código das Expropriação que as provas oferecidas pelos intervenientes não são obrigatórias, dependendo a sua produção da apreciação que o juiz faça da sua pertinência e interesse para a causa”, o tribunal convidou os requerentes a concretizar “quais as razões que sustentam o pedido de inquirição das testemunhas por si arroladas, de forma a habilitar o Tribunal a ponderar se a audição daquelas se mostra, ou não, pertinente para a boa decisão da causa.
Notificados, os expropriados vieram responder em resumo o seguinte (cfr. requerimento de 28-02-2022):
Em relação às declarações de parte, que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral dos Expropriados.
Quanto às testemunhas, que estas “são pessoas que não só conhecem a propriedade em causa, como também conhecem outras propriedades na envolvência desta e, sobretudo, que conhecem o mercado deste tipo de propriedades no Alentejo, sendo o seu testemunho essencial para apurar a desvalorização que esta expropriação vem provocar ao valor de mercado desta propriedade (arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral do Expropriados).”
Especificando, mais em concreto:
A testemunha “CC, Engenheiro, é Perito avaliador de imóveis registados na CMVM, conhece esta propriedade e este tipo de propriedades alentejanas, podendo contextualizar e justificar grande parte dos danos suportados/peticionados pelos Expropriados, designadamente os que respeitam à necessidade da adaptação da exploração agropecuária desenvolvida após a expropriação (e por causa da expropriação) e os fatores que determinam a sua desvalorização no mercado.”
A testemunha “empresário DD, por sua vez, é proprietário da Herdade contígua à Herdade que aqui nos ocupa, conhecendo e podendo atestar as condições de exploração/valor destas Herdades antes da expropriação e depois da mesma e, consequentemente, os danos/prejuízos que a mesma implica para este tipo de propriedade.
A testemunha “EE, agente imobiliário, será essencial para esclarecer o processo acerca da relevância que este tipo de equipamento/infraestrutura existente em propriedades desta natureza tem no valor de mercado e na procura das mesmas.
E a testemunha “Eng. FF, Engenheiro Técnico Agrário, é Perito Avaliador, membro da APAE- Associação Portuguesa dos Peritos Avaliadores de Engenharia e dedica-se profissionalmente à avaliação imobiliária de prédios rústicos e urbanos e a avaliações no âmbito de expropriações, integrando também a Lista Oficial de Peritos do Distrito Judicial de Lisboa, com formação avançada em avaliação imobiliária. Pretende-se que o seu testemunho incida, essencialmente, na desvalorização que esta expropriação vem provocar no valor de mercado da propriedade, isto é, das parcelas sobrantes, na parte rústica e urbana.
Notificada desta fundamentação apresentada pelos expropriados, a expropriante manifestou a sua oposição ao deferimento pretendido, observando desde logo que os expropriados pretendem fazer uso da prova testemunhal no âmbito de matérias compreendidas nas funções dos peritos, o que a seu ver não é admissível.
Além disso, uma das testemunhas, Eng.º FF, é perito da lista oficial (da lista do Distrito Judicial de Lisboa) e assim fazer intervir este perito da lista como “testemunha” implica desrespeito pela inibição legal prevista no art.º 15.º do DL 125/2002, de 10 de Maio, uma vez que iria depor precisamente sobre matérias próprias da prova pericial.
Quanto às declarações de parte, também seriam de indeferir, por inúteis, e também por não estar suficientemente concretizada a matéria sobre a qual iriam incidir, sendo certo que só podem recair sobre factos de natureza pessoal.
Conhecendo então do requerimento em apreço, o tribunal proferiu o despacho de 29-05-2022, Referência: ...07, que veio a ser o recorrido, no qual indeferiu na totalidade o requerimento probatório em apreço.
O tribunal fundamentou a sua decisão com a seguinte argumentação jurídica:
“Como é sabido o exame pericial é o único meio de prova obrigatório do processo especial de expropriação, pelo que o Tribunal apenas deverá produzir outros meios probatórios quando entenda serem úteis à boa decisão da causa – artº 61º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações.
Sendo a prova testemunhal uma das provas ali expressamente admitidas, ela só terá relevância desde que se destine a provar os factos não compreendidos nas funções dos peritos. Na verdade, os peritos no processo de expropriação, são como que testemunhas qualificadas relativamente à prova de certos factos, designadamente quanto ao valor médio das transacções imobiliárias na zona envolvente, ou quanto aos valores de venda no produtor dos produtos da exploração agrícola.
Quanto a estes factos a prova pericial dispensará, em princípio, a prova testemunhal, a qual, como regra, assumirá, assim, neste tipo de processo um carácter excepcional e meramente residual (Cf. Pedro Elias da Costa, in Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2º ed., p. 192, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.04.2006, Proc. 523/06, em dgsi.pt).
A simples razão de as testemunhas arroladas pela expropriada serem pessoas que conhecem bem o valor do mercado e a propriedade em causa nos autos, não justifica a necessidade de serem inquiridas. E da exposição da expropriada nada indica que sejam portadores de conhecimentos especiais que os peritos designados para a avaliação não possuam, prendendo-se fundamentalmente com os factos compreendidos nas funções daqueles (sendo que no caso específico de FF, perito oficial, o mesmo naturalmente não possui quaisquer conhecimentos especiais relativamente aos seus colegas que elaboraram o relatório pericial, pelo que iria depor relativamente aos factos que respeitam às funções que os peritos exerceram nestes autos).
Ante a tudo o exposto, determina-se que não se irá proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, por não ser pertinente para a decisão da causa.
No que toca à prova por declarações de parte, para além de no requerimento da expropriada não ressaltar que o seu legal representante seja portador de elementos que os peritos designados não possuem, inexistindo, consequentemente, necessidade para que sejam tomadas as suas declarações, o ora requerido sempre claudicaria por razões formais, senão vejamos.
O meio de prova das declarações de parte não incide sobre toda a matéria de facto alegada, mas apenas sobre a matéria factual de que o declarante tenha conhecimento directo ou em que tenha intervindo pessoalmente (artigo 466º, nº1, do Código de Processo Civil).
Incumbe, pois, ao respectivo requerente indicar, de forma discriminada, os factos por si alegados sobre que deverão incidir as suas declarações de parte, em conformidade com o disposto no art. 452º/2 do CPC, aplicável por do art. 466º/2, do mesmo diploma.
Como tal não aconteceu, o Tribunal convidou a expropriada para concretizar os factos sobre os quais incidiram as declarações de parte.
Porém, a expropriada, respondeu de modo genérico e abstracto, limitando-se a explicar que serão “os(factos) essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade”.
Ora, a parte que pretende prestar declarações de parte deve proceder à discriminação factual, por referência ao seu articulado, dos factos sobre os quais irão incidir as suas declarações.
Contudo, tal não ocorreu no caso concreto. O ónus processual de indicação dos factos não se satisfaz com uma mera referência genérica e sem concretização fáctica, estando o Tribunal impossibilitado de ponderar quais os factos alegados em sede de alegações de recurso que o legal representante da expropriada tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo. (…)
Pelo exposto, vai também indeferida a tomada de declarações de parte do legal representante da expropriada.”
B - Expostos que ficaram os dados da questão, importa agora apreciar e decidir do mérito do recurso.
Antes do mais, diremos que tem razão a expropriante no que toca à impossibilidade legal de ouvir como testemunha o Eng. FF.
Com efeito, dispondo o art.º 15.º do DL 125/2002 que “os peritos avaliadores constantes da lista oficial não podem intervir como peritos indicados pelas partes em processos de expropriação que corram em tribunal”, não pode deixar de se concluir que as partes não podem indicar um perito da lista oficial como testemunha, sobre matéria objecto da avaliação, sob pena de se consagrar uma forma óbvia de contornar essa proibição legal.
Por essa via a parte interessada, que tem o direito de indicar um perito para efeitos da avaliação, conseguiria colocar mais um perito a produzir prova, por via testemunhal – e para mais alguém que por ser perito oficial não poderia sequer intervir na avaliação como perito indicado pela parte.
Note-se, no caso, que o depoimento requerido recairia precisamente sobre matérias da avaliação, nomeadamente a questão da desvalorização da sobrante, como indicam os expropriados.
Em suma, sendo o Eng.º FF, como aliás os requerentes referem, perito da lista oficial do Distrito Judicial de Lisboa, não pode este depor como testemunha em processos de expropriação, por força do disposto no citado art.º 15.º do DL 125/2002, de 10 de Maio.
Como sublinha o Acórdão desta Relação de Évora de 13-10-2022, proferido no processo n.º 65/19.1T8RDD-D.E1 (Relator Albertina Pedroso, aqui Adjunta), disponível em www.dgsi.pt:
“Pela mesma ordem de razões que fundamentam a proibição prevista no artigo 15.º do EPA, de os peritos avaliadores constantes da lista oficial não poderem intervir como peritos avaliadores indicados pelas partes em processos de expropriação que corram em Tribunal – a salvaguarda das garantias de isenção e imparcialidade das suas funções –, não podem as partes contornar aquela proibição legal, apresentando a depor outros peritos da lista oficial, na qualidade de testemunha sobre matérias da avaliação, quando a lei expressamente atribui a cada uma das partes a possibilidade de nomear um único perito (artigo 62.º, n.º 1, do CExp).”
Julgamos, pois, que, com este fundamento, não pode deixar de indeferir-se o pedido de inquirição como testemunha do perito acima indicado, como o fez o despacho em apreço.
Relativamente às restantes três testemunhas, nomeadamente CC, DD e EE, importa analisar os fundamentos em que assentou o indeferimento decidido.
Em primeiro lugar, constata-se que pelo despacho de 18-02-2022, que convidou os expropriados a concretizar “quais as razões que sustentam o pedido de inquirição das testemunhas por si arroladas”, o entendimento do tribunal recorrido era no sentido de que a admissão desses meios de prova dependeria de um juízo a fazer sobre a sua pertinência.
Escreveu-se então que “dispõe o artigo 61º, nº1, do Código das Expropriação que as provas oferecidas pelos intervenientes não são obrigatórias, dependendo a sua produção da apreciação que o juiz faça da sua pertinência e interesse para a causa”, visando o convite para melhor concretização “habilitar o Tribunal a ponderar se a audição daquelas se mostra, ou não, pertinente para a boa decisão da causa.
Apresentadas as razões dos requerentes, o indeferimento está justificado, no despacho recorrido, essencialmente pela consideração de que a prova testemunhal “só terá relevância desde que se destine a provar os factos não compreendidos nas funções dos peritos”.
Julgamos que tal entendimento não é de subscrever.
Com efeito, as provas a considerar pelo tribunal, fora dos casos de prova vinculada, estão todas elas sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 655º do Código de Processo Civil, segundo qual o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção.
Tal princípio vigora também no processo especial de expropriações, regulado em primeira linha pelo Código das Expropriações (aprovado inicialmente pela Lei n.º 168/99, de 18/09), mas a que se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Ou seja, ao processo especial em causa aplicam-se antes do mais as disposições que lhe são próprias e as disposições gerais e comuns, e em tudo quanto não estiver previsto numas e noutras é-lhe aplicável o que se acha estabelecido para o processo comum (cfr. art. 549º, n.º 1, do CPC).
Assim sendo, esse princípio da livre apreciação da prova abrange também a apreciação e valoração da prova pericial. O resultado desta está sujeito à livre apreciação do tribunal, tal como acontece com a força probatória do depoimento das testemunhas, de acordo com o disposto nos artigos 389º e 396º do Código Civil.
Por outro lado, a circunstância de estar consagrada a obrigatoriedade desse meio de prova, no art. 61º, n.º 2, do Código das Expropriações, e a não obrigatoriedade dos restantes meios em referência, não equivale de modo algum à exclusividade do primeiro.
Diga-se que o despacho recorrido, em rigor, não contraria tal afirmação, antes aceitando que possam ter lugar no processo de expropriação outros meios de prova para além da prova pericial, mas quanto ao objecto da prova testemunhal restringe o seu âmbito de uma forma que não acompanhamos. É o que se deduz da consideração de que a prova testemunhal “só terá relevância desde que se destine a provar os factos não compreendidos nas funções dos peritos”.
Julgamos que não é assim, podendo perfeitamente a prova testemunhal contribuir para a formação da convicção do julgador, mesmo no respeitante aos factos sobre os quais incidiu a perícia.
A questão da sua admissão ou não admissão deve ser vista simplesmente à luz do disposto no n.º 1 do art. 61º do Código das Expropriações, quando este estatui que nesta fase do processo têm lugar “as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa”.
Ou seja, a lei atribui ao tribunal o poder de avaliar se a prova requerida reveste ou não utilidade para a decisão da causa, sendo este critério da utilidade aquele que deve presidir à sua decisão. Se esse meio de prova apresentar potencialmente relevo para a decisão da causa, deve ser deferida a pretensão da parte requerente.
Como sublinha o Acórdão da Relação de Évora de 13-10-2022, já citado, que versa sobre caso paralelo em que se perfilam as mesmas questões, “poderá afirmar-se sinteticamente o princípio de que devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelas partes que se apresentem como podendo ter relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
Por outras palavras, agindo ao abrigo do princípio do inquisitório, nos termos do art. 61º do CE, o juiz pode restringir os meios de prova oferecidos pelas partes ou diligenciar para além deles, de acordo com o que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Diga-se aliás, que o despacho recorrido acaba por concordar na vigência deste critério legal, uma vez que concluiu que não se iria “proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, por não ser pertinente para a decisão da causa.”
Porém, verificamos que os requerentes alegaram para fundamentar a indicação dessas testemunhas que o depoimento das mesmas seria essencial para apurar a desvalorização que esta expropriação vem provocar ao valor de mercado desta propriedade, visando comprovar o alegado nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral do Expropriados.
Examinando o teor dos referidos arts. 20º a 30º constata-se que efectivamente, como aponta a expropriante, estes incluem matéria de direito e matéria conclusiva, e quando alegam factos incluem matéria coincidente com a tratada no relatório pericial e nas respostas aos quesitos.
Porém, como já ficou dito entendemos que não há razão para excluir a prova testemunhal apenas por recair sobre matéria também objecto da prova pericial, podendo as partes produzir essa prova, que competirá depois ao tribunal valorar, atenta a liberdade que lhe assiste.
E o certo é que do conteúdo dos aludidos arts. 20º a 30º é possível extrair matéria de facto, e não apenas considerações de direito ou meras conclusões, por natureza insusceptíveis de prova testemunhal.
Nomeadamente, os expropriados, para além de considerações sobre o valor da indemnização, articulam também afirmações sobre os valores que consideram devidos para ressarcimento de prejuízos que terão sofrido durante a execução da obra (artigo 21.º), ou devidos a título de desvalorização da área sobrante (artigos 22.º a 25.º), e alegam que a expropriação determinará a redução dos apoios sob a forma de subsídios ao agricultor em 1.250 €/ano (artigo 26.º), e ainda que a expropriação implicará a necessidade da abertura de um furo artesiano e a aquisição dos equipamentos conexos, no valor de 10.790 € (artigo 27.º), e determinará a necessidade da construção de um parque de maneio a sul da ferrovia, o que representará para os expropriados um encargo de cerca de € 6.400, acrescido de IVA (artigo 28.º), e implicará também a aquisição de um reboque para o transporte dos animais, que representará um encargo de cerca de € 7.340 (artigo 29.º) e implicará uma reorganização das cercas do gado, num encargo de cerca de € 11.613,91, acrescido de IVA (artigo 30.º).
Não se pode dizer, sem mais, que tudo isso é irrelevante para os efeitos consagrados nos arts. 23º e 27º do Código das Expropriações, de forma a atingir o cálculo da justa indemnização a arbitrar no caso, em cumprimento aliás da orientação constitucional.
Recorde-se, a este propósito, que nas expropriações parciais, a que se reporta o art. 29º do CE, são indemnizáveis, nomeadamente, a depreciação da parcela sobrante, e os prejuízos e encargos determinados pela expropriação.
Recorde-se que estamos perante uma expropriação, para instalação de uma linha ferroviária, que implica a divisão em duas parcelas separadas de uma herdade onde se desenvolve uma exploração pecuária, com os inevitáveis prejuízos e a desvalorização das parcelas sobrantes.
Sublinhamos ainda que os expropriados baseiam o seu recurso, em grande medida, nas posições expostas e defendidas pelo seu perito em sede de relatório pericial, Eng. BB, naturalmente na parte em que este se afasta das posições maioritárias, sufragadas pelos restantes peritos, pelo que também por esta via se compreende a relevância atribuída por eles a esta prova que requereram, e o interesse que estes depoimentos podem assumir para a formação da convicção do julgador, colocado perante entendimentos divergentes.
Concluímos, pois, que deve deferir-se o requerimento probatório em referência, nesta parte, uma vez que que os meios oferecidos podem revestir interesse para a boa decisão da causa, que vem a coincidir com a fixação da justa indemnização, a que alude a constituição e a lei.
No respeitante às declarações de parte do expropriado, Eng. AA, diremos também que não acompanhamos as considerações expendidas no douto despacho recorrido.
De facto, entendeu este que se justificava o indeferimento desse meio de prova, desde logo, por razões formais.
Refere o despacho em causa, acertadamente, que “o meio de prova das declarações de parte não incide sobre toda a matéria de facto alegada, mas apenas sobre a matéria factual de que o declarante tenha conhecimento directo ou em que tenha intervindo pessoalmente (artigo 466º, nº1, do Código de Processo Civil).
Incumbe, pois, ao respectivo requerente indicar, de forma discriminada, os factos por si alegados sobre que deverão incidir as suas declarações de parte, em conformidade com o disposto no art. 452º/2 do CPC, aplicável por do art. 466º/2, do mesmo diploma.
Como tal não aconteceu, o Tribunal convidou a expropriada para concretizar os factos sobre os quais incidiram as declarações de parte.
Porém, a expropriada, respondeu de modo genérico e abstracto, limitando-se a explicar que serão “os(factos) essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade”.
Ora, a parte que pretende prestar declarações de parte deve proceder à discriminação factual, por referência ao seu articulado, dos factos sobre os quais irão incidir as suas declarações.”
E conclui o despacho que tal não se verifica no caso concreto, uma vez que os requerentes se limitaram a fazer uma “mera referência genérica e sem concretização fáctica, estando o Tribunal impossibilitado de ponderar quais os factos alegados em sede de alegações de recurso que o legal representante da expropriada tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.”
Todavia, e salvo o devido respeito, não foi isso que se verificou. Em resposta ao convite endereçado pelo tribunal os requerentes especificaram, no seu requerimento de 28-02-2022, que as declarações de parte do expropriado AA incidiriam sobre a matéria de facto incluída nos arts. 20º a 30º da petição de recurso por eles apresentada contra o acórdão arbitral (a mesma factualidade referida a propósito dos depoimentos testemunhais requeridos).
Reproduzindo a sua resposta, informaram os requerentes que “os factos relativos às declarações de parte são essencialmente os que se referem à desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, factos esses que foram referidos nos arts. 20º a 30º da petição de recurso do Acórdão Arbitral da Expropriada”.
Como já ficou dito, em tais artigos encontra-se matéria insusceptível de ser objecto da prova, por se traduzir em considerações jurídicas ou meras conclusões. Porém, também ali se encontra alegação de factos sobre os quais pode recair o meio de prova em questão, tal como já ficou dito a propósito da prova testemunhal, não estando o tribunal impossibilitado de determinar quais os factos a considerar para o efeito, ao contrário do afirmado.
Acrescentaremos que, não se verificando esse argumento formal para indeferir esse meio de prova, também julgamos não ocorrer fundamento substancial para tal indeferimento.
Na verdade, e tendo presente o critério já invocado para justificar o deferimento dos depoimentos testemunhais (devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelas partes que se apresentem como podendo ter relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio) afigura-se que, independentemente do valor probatório que estas declarações de parte venham a revestir, questão esta que é posterior, e dependente da livre apreciação do julgador, também esta parte do requerimento probatório deve neste momento ser deferido.
Com efeito, como sublinham os recorrentes, não se pode duvidar que o expropriado Eng. AA, cujas declarações de parte foram requeridas, por ser o gestor desta exploração agrícola, conhece pessoal e directamente a exploração que gere, e possui formação específica e experiência quotidiana sobre a sua gestão, sendo a pessoa que melhor conhece a exploração agropecuária que se desenvolve na propriedade afectada, os termos em que se processa, os condicionalismos e contingências que afetam os níveis de produtividade, os factores relativos à circulação dos animais na propriedade, os equipamentos e infraestruturas necessárias para o efeito.
Ora, visando os recorrentes com essa prova por declarações demonstrar os factos atinentes à “desvalorização das parcelas sobrantes e demais danos provocados por esta expropriação na propriedade em que se integram as parcelas expropriadas”, não se deve concluir antecipadamente pela inutilidade das suas declarações, e antes se afigura razoável concluir que essas declarações poderão de forma útil ajudar a esclarecer o tribunal sobre esses aspectos.
Deste modo, julgamos procedente o recurso também nesta parte, admitindo as aludidas declarações de parte.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida no que respeita ao indeferimento dos depoimentos como testemunhas de CC, DD e EE, e das declarações de parte do expropriado AA, admitindo agora esses meios de prova, sobre a factualidade alegada nos artigos 20º a 30º do recurso dos expropriados contra o acórdão arbitral, tudo com as legais consequências.
Mantém-se o decidido quanto à testemunha FF, cuja inquirição fica indeferida.
Custas a cargo da recorrida e dos recorrentes, na proporção de 4/5 para a primeira e um quinto para os segundos.
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Évora, 8 de Fevereiro de 2024
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso