ACORDO
REGIME MAIS FAVORÁVEL
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - Nada impede que o sistema retributivo do CCTV celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, a partir de Outubro de 2018 o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS in BTE nº 34 de 15/09/2018 e Portaria de Extensão in Separata do BTE nº 40 de 17/09/2018 e depois, a partir de Janeiro de 2020 o CCTV celebrado entre a ANTRAM, a ANTP e a FECTRANS seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador;
II – Compete à entidade empregadora provar que o sistema remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador do que o estabelecido no CCTV (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil);
III – Torna-se necessária a ampliação/explicitação da matéria de facto se da mesma consta, além do mais, que a empregadora pagava ao trabalhador sob a rubrica ajudas de custo entre € 630,00 e € 756,39 mensais e que este despendia com deslocações uma média mensal de € 300,00, mas não se concretiza a que fim se destinavam aquelas importâncias pagas.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 3809/22.0T8STB.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
AA (autor/recorrente) intentou na Comarca ... ... – Juiz ...) a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Azivitor Transportes, Lda., (ré/recorrida), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 13.936,77, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar de 24-04-2022 e até integral pagamento

Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 01-01-2017, para desempenhar as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias pelos vários países europeus, conduzindo veículos pesados de mercadorias até 44 Toneladas, que passou a exercer essas funções, que a ré não lhe pagou várias prestações de acordo com o previsto nos contrato coletivos de trabalho vertical (CCTV) e que por carta registada, datada de 21-02-2022, denunciou o contrato de trabalho com efeitos a partir de 24-04-2022.
Alegou também que pese embora tenha começado a trabalhar para a ré em 01-01-2017, com fundamento num contrato de trabalho resolutivo, que é nulo, anteriormente, de 03-08-2015 até 31-12-2016, trabalhou para outra empresa, que tem as mesma instalações e gerência comum da ré, pelo que deve a sua antiguidade para efeitos de diuturnidades ser contada desde 03-08-2015.

Realizada a audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo destas, contestou a ré, alegando, também muito em síntese, que aquando da contratação do Autor acordou com ele um sistema remuneratório global mais vantajoso do que o que decorre do CCTV, sistema remuneratório esse que sempre cumpriu, que reembolsou o Autor das despesas com as deslocações, refeições e pernoitas que o mesmo efetuou ao seu serviço, pagando-lhe essas mesmas despesas, deslocações e pernoitas, sempre que o autor as efetuava ao seu serviço e nos quantitativos legalmente previstos.
Mais alegou que em 2018 o autor deixou de efetuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a efetuar serviços maioritariamente em território nacional, deslocando-se muito esporadicamente a Espanha.
Por consequência, pugnou pela improcedência da ação.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo em 27-06-2023 sido proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condeno a Ré a pagar ao Autor:
A – O valor de 450 euros, relativo à diferença entre o vencimento base de 725,00 euros e o valor de 675,00 euros pago de Janeiro a Setembro de 2018.
B – O valor de 25,84 euros, relativo à 1ª diut. dos meses de Agosto e Setembro de 2018.
C – O valor de 110 euros, relativo ao Prémio TIR Ibérico do mês de Dezembro de 2018.
D – O valor de 180,88 euros, relativo à 1ª diut. dos 12 meses do ano de 2019, e nos subsídios de férias e de Natal.
E – O valor de 110 euros, relativo ao Prémio TIR Ibérico do mês de Janeiro de 2019.
F – O valor de 153,00 euros, relativo à 1ª diut. dos meses de Janeiro a Setembro de 2020.
G – O valor de 16,14 euros, relativo à diferença do vencimento base, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2020, de 725,00 euros para de 733,07 euros.
H – O valor de 344,74 euros, relativo à formação não ministrada.
2. Condeno a Ré no pagamento de juros, à taxa legal, desde a data dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.
3. Absolvo o Autor do pedido de litigância de má fé.(…)”.

Inconformado com a sentença, o Autor dela veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“a) - O A. manteve até final do contrato a categoria de motorista internacional que iniciou a 01.01.2017 mediante o contrato de 03.01.2017 junto com a p.i. como Doc. nº3 e como aí consta da Clª Primeira nº1, uma vez que não se provou ter assinado qualquer declaração a alterar esta categoria ( Clª 45 nº3 do CCTV de 15.09.2019) continuando conforme aos Mapas de Viagens juntos pela própria Ré a realizar viagens ao estrangeiro até final do contrato e, ainda, atento o disposto na Clª 89 nº1 da citada Convenção.
b) - Deve, por isso, ser eliminado dos Factos Provados o art. 37º e substituído por outro com o seguinte teor: “ O A. manteve a categoria de motorista internacional”
c) - O A., na acção, não pede o pagamento de quaisquer horas suplementares, mas antes e apenas dos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) passados ao serviço da Ré e dos descansos compensatórios não pagos, nem gozados, pelo que e por nenhum interesse ou relevância ter para a causa deve ser eliminado da Relação dos Factos não Provados o seguinte:
2. Quantas horas de trabalho suplementar foram prestadas.
d) - E, igualmente, foi levado aos factos não provados, o seguinte:
5 - Como se encontrava organizado o serviço do A. e os descansos respectivos.
Ora, foi levado aos Factos Provados, no art. 30º o seguinte:
“O horário do A. era de 40 horas semanais, móvel, sem hora fixa de saída e de chegada, sendo 8 horas por dia útil de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respectivamente.”
Termos em que deve ser eliminado o referido facto da relação dos Factos não Provados.
e) - Dos Factos Não Provados consta o nº5 com a seguinte redacção:
“Que o fundamento do termo resolutivo não corresponde à realidade.”
o qual deve ser eliminado e levado à relação dos Factos Provados com a seguinte redacção: “O termo do contrato celebrado entre as partes a 03.01.2017 é nulo.” e isto porque tendo o termo por fundamento o disposto no art. 140 nº2 al. c) do C. do T. não foi identificado o motorista a substituir, não permitindo assim, essa omissão, estabelecer em concreto a relação entre o justificativo invocado e o termo estipulado nos termos do art. 141 nº3 do C. do T.
f) - A sentença considerou provado que a Ré pagava a Clª 75 nº4 primeiro e depois a Clª 61, acima dos valores peticionados pelo A., comparando os valores unitários destas Clausulas com os valores pagos pela Ré por elas, mas adicionados com as Ajudas de Custo pagas, com o fundamento que estas integram o valor dessas Cláusulas e concluindo, assim, que o regime retributivo aplicado pela Ré era mais favorável para o A. Em comparação com os dos C.T.T..
Ora esta construção é juridicamente insustentável e arbitrária uma vez que é abusivo para calcular o valor pago por estas cláusulas, adicionar-lhes o valor das Ajudas de Custo pagas. É que este entendimento esquece o valor probatório das quantias levadas aos recibos a título destas cláusulas, pois estes valores plasmados nos recibos pela própria Ré e não contestados provam plenamente contra ela tais valores.
Aliás na tese da Ré nem sequer era possível saber qual o valor pago pela Ré por estas clausulas.
Nestes termos deve ser reconhecido ao A. o direito peticionado às diferenças entre os valores pagos nos recibos pela Clª 75 nº4 e 61ª constantes dos recibos e dos valores legais dessas Clausulas.
g) - Considerou-se na sentença que o A. não tinha direito às diferenças pedidas relativas ao Prémio TIR, como motorista internacional, uma vez que em 2.018 havia deixado de fazer transporte internacional de mercadorias passando a fazer serviço nacional.
ORA, para provar que sempre fez serviço internacional, basta consultar os Mapas das Viagens juntos pela Ré para verificar que o A. nunca deixou de fazer serviço internacional, que a própria Ré, a partir da entrada em vigor do CCTV de 15.09.2018 passou a pagar o salário ao A. classificando-o como ibérico (cfr. recibos 41 e segts juntos com a p.i. “Código 0008” e depois “044” Prémio TIR Ibérico e recibos 54 e sgts, Código “041”, Cláusula 45) e por outro lado, tendo sido contratado como internacional, pela Clª 89 da referida Convenção continuava ele a manter a classificação de internacional, sendo que pela Clª 59 nº3 e 5 só por acordo escrito poderia ser modificada a respectiva categoria.
ASSIM mantendo o A., sempre, a categoria inicial de motorista internacional, manteve durante todo o contrato o direito a receber o valor do Prémio TIR conforme ao fixado para estes motoristas.
h) - Do nº8 de fls. 29 e 30 da sentença consta que o A. não tinha direito a receber os 3 meses de complemento salarial não pagos pela Ré nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2.018, uma vez que pelo CCT apenas lhe era devido o valor mensal de 630,00 € pela retribuição e a Ré lhe pagava por ela 725,00 €, pelo que o valor pago a mais pela Ré na retribuição base é superior ao peticionado.
E daqui se concluiu na sentença da forma seguinte:
“Daqui decorre que, o regime retributivo aplicado pela Ré é mais favorável para o Autor em comparação com o que resulta do C.C.T. pelo que, em consequência improcede este pedido.”
Ora que dizer a isto?
Que na sentença não se reparou que o valor da retribuição base constante das convenções não é o devido, mas sim o valor mínimo a pagar pelo empregador, pelo que qualquer valor acima dele é lícito e qualquer valor inferior é ilícito.
Portanto “in casu” não há qualquer compensação a ter em conta pelo que, ao invés do decidido o pedido do A. deve proceder e pelo fundamento indicado na sentença não se pode concluir que o regime retributivo aplicado pela Ré seja mais favorável para o A. em comparação com o que resulta do C.C.T..
i) - A sentença decidiu que o A. não tinha direito a receber os valores relativos ao complemento salarial não pago nos meses de Janeiro a Abril de 2.019, com o fundamento que nos 3 meses seguintes pagou 137,75€.
Ora a Ré quer prevalecer-se do facto deste valor ser superior ao mínimo estabelecido legalmente, mas a verdade é que a fixação deste valor não lhe dá o direito de unilateralmente dispor da respectiva diferença, para com ela pagar o atrasado em falta. Para tal teria que o mencionar expressamente nos recibos, o que não fez, pelo que o pagamento dessas quantias pela Ré a título de complemento salarial é correcto uma vez que não é inferior ao fixado legalmente.
j) - A Ré não provou como lhe competia que o sistema de pagamento por ela praticado fosse mais favorável ao A. em comparação com o previsto no C.C.T.
l) - O A. tem direito a ver reconhecido todas as diferenças salariais pedidas com base na categoria profissional de motorista internacional e não de motorista nacional como se considerou na sentença.
m) - Ao contrário do decidido na sentença, o A. tinha direito a receber o pedido pelos dias de descanso trabalhados e pelos descansos compensatórios não gozados, uma vez que ao arrepio do decidido, resultou provado que o A. passou esses dias ao serviço da Ré, tanto pelos registos do Tacógrafo por ele juntos, como pelos registos juntos pela própria Ré, não sendo necessário para o efeito qualquer autorização da Ré dado o A. ter a categoria de motorista internacional.
n) - O A. tinha assim o direito ver reconhecido não só o valor referido na sentença como toda a parte restante que só não foi reconhecida pelo facto de não se ter considerado que o A. era motorista internacional e como tal tinha direito às retribuições respeitantes a essa categoria que as retribuições constantes das tabelas das Convenções não são os valores a que os motoristas têm direito, mas sim os valores mínimos e que para determinar o valor das Clªs 74 e 61 não há que somar ao valor constante dos recibos e valor pago pelas Ajudas de Custo.
o) - A sentença recorrida violou, assim, além do mais, do CCTV de 15.09.2018 as Clªs 50 nº1, Clª 59 nº1 e 5, Clª 64 a) , Clª 89, e do Cód. do T. art.141 nº3 e 476.
Termos em que,
Deve o presente recurso de Apelação ser julgado procedente por provado, nos termos e com os fundamentos “supra” expostos e, em consequência ser revogada a sentença proferida e substituída por douto acórdão que condene a Ré na parte em que a absolveu do pedido”.

A Ré apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
“i. A decisão da sentença recorrida, quanto ao Ponto 37 dos Factos Provados - “Em 2018, o autor deixou de efectuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a fazer serviço nacional, por opção do autor” – não merece qualquer censura
ii. Da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente dos depoimentos prestados pelas partes e pelas testemunhas inquiridas, resulta, sem margem para qualquer dúvida, que foi o Autor quem solicitou à Ré passar a fazer transportes apenas em Portugal e Espanha, deixando, por conseguinte, de fazer transporte internacional.
iii. Nos termos do contrato coletivo de trabalho aplicável, entende-se por a) motorista nacional: aquele que apenas realiza viagens em território português e bem assim, aquele que realiza deslocações diárias a Espanha que não importem a realização de repouso diário naquele País;
b) motorista ibérico: aquele que realiza viagens regulares a Espanha que incluam pernoita naquele território; c) motorista internacional: aquele que realiza viagens regulares para além da Península Ibérica”.
iv. Apesar de o autor e a testemunha BB fazerem referência a “motorista ibérico”, nas sua declarações, não foi feita qualquer prova, no sentido de que as viagens que o Autor passou a fazer para Espanha implicassem pernoita naquele território.
v. O que ficou provado, de forma irrefragável, foi, pois, que a partir de 2018, o Autor deixou de fazer viagens internacionais (para além da Península Ibérica) e, a seu pedido, passou a fazer unicamente viagens entre Portugal e Espanha, ou o mesmo é dizer, a partir de 2018, o autor optou pelo serviço nacional.
vi. A realização de viagens para Espanha – confirmadas pelos registos de viagens juntos aos autos, pelo autor e pelas testemunhas inquiridas – vem corroborar o facto vertido no ponto 37, na medida em que, o que dos mesmos resulta é que a partir de 2018, o autor passou a fazer exclusivamente viagens em território nacional e para Espanha - e isso seguramente não faz dele um motorista internacional!!
vii. Tendo ficado comprovado – como ficou - que a antedita alteração decorreu do acordo estabelecido entre as partes, na sequência da vontade, solicitação e necessidade manifestada pelo Autor nesse sentido, não pode o autor/recorrente vir alegar que esse acordo não cumpre os requisitos de forma estabelecidos nas cláusulas por si referenciadas, sob pena de atuar com manifesto abuso de direito.
viii. O ponto 4 dos Factos Não Provados – [Não Provado “quais as despesas com as deslocações que o Autor teve em concreto”] –, é relevante para a presente causa, designadamente para efeitos de apuramento do regime remuneratório mais favorável, - que é, afinal, o cerne da presente ação -e, como tal, não deve ser eliminado.
ix. Se é certo que, por um lado, o autor/recorrente não veio especificamente peticionar o pagamento dessas despesas, a verdade é que invocou que o pagamento dessas despesas era efetuado pela ré a título de ajudas de custo (vd. artigos 8.º, 9.º e 10.º da p.i.).
x. Contudo, o recorrente não provou qual o montante concreto dessas despesas enquanto a ré/recorrida, provou que o pagamento efetuado ao autor, em montante variável e sob a rubrica “ajudas de custo”, contemplava o trabalho que o autor realizava ao longo de um mês de trabalho, em função do número de quilómetros, que incluía o facto de ter que dormir fora, alimentação e despesas de alojamento. – vd. Ponto 39 dos Factos Provados.
xi. Não foi feita qualquer prova sobre como se encontrava organizado o serviço do Autor e os descansos respetivos, pelo que encontra-se corretamente julgado o Ponto 5 dos Factos Não Provados.
xii. O Ponto 6 dos Factos Não Provados: Que o Fundamento do termo resolutivo não corresponde à realidade não tem efetiva relevância para a decisão da presente causa, contudo, tratando-se dum facto invocado pela recorrente, a verdade é que nenhuma prova foi produzida sobre o mesmo.
xiii. Como lhe competia in casu, a entidade patronal, ora recorrida, alegou e demonstrou - fazendo prova nesse sentido - a favoralidade do sistema retributivo praticado por acordo com o trabalhador, ora recorrente.
xiv. A sentença recorrida procedeu a uma análise exaustiva do que foi pago e do que seria devido, por forma a apurar se o regime de remuneração adotado pela ré foi mais favorável ao autor.
xv. Relativamente ao ano de 2017 a setembro de 2018, resultou provado que a ré/recorrente não só pagava ao autor um vencimento base muito superior ao previsto no CCTV - € 145,00 a mais - como depois lhe pagava PRÉMIO TIR – 105,75€ + CLÁUSULA 74 – 185,00€ + AJUDAS DE CUSTO (de valor variável) e essa rúbrica das AJUDAS DE CUSTO tinha a ver com o trabalho que o Autor realizava ao longo de um mês de trabalho, em função do número de quilómetros, que incluía o facto de ter que dormir fora, alimentação e despesas de alojamento, donde se conclui que – de janeiro de 2017 a setembro de 2018 - o trabalhador auferiu montantes em muito superiores ao que decorreriam do IRCT aplicável.
xvi. Quanto aos valores reclamados a título de Prémio TIR internacional, a partir de setembro de 2018 até final do contrato, tendo ficado comprovado que o autor deixou de efetuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a fazer transporte a nível nacional, não tem direito ao recebimento do prémio TIR internacional.
xvii. Com efeito, distintamente do pugnado pelo recorrente, ficou provado –cf. PONTO 37 dos FACTOS PROVADOS – que o recorrente deixou de ser motorista internacional - o que aconteceu não por imposição ou determinação unilateral da ré, mas antes a pedido e solicitação do trabalhador.
xviii. Acresce referir que o valor pago pela ré, sob a rubrica Prémio TIR, nos meses de janeiro de 2020 a dezembro 2020, foi de 115,00€ e não – como alega o autor – de 110,00€ - Cf. recibos juntos pelo autor como Docs. 56 a 67 da p.i..
xix. Também no que concerne aos complementos salariais, a decisão recorrida não merece qualquer censura, na medida em que, tendo presentes os factos considerados provados, é manifesto que o autor recebeu os quantitativos que lhe eram devidos, desde logo atendendo ao facto provado em 37: “Em 2018, o autor deixou de efectuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a fazer serviço nacional, por opção do autor”.
xx. Quanto aos DIAS DE DESCANSO TRABALHADOS E DESCANSOS COMPENSATÓRIOS, considerou bem a sentença recorrida que “não logrou o autor demonstrar como se encontrava organizado o serviço, para permitir aferir se o mesmo trabalhou em dias de descanso, quais e porquê. Isto porque, pode ter o Autor decidido trabalhar em dias de descanso, sem que tal decorresse da organização do seu serviço.”
xxi. A apreciação do regime mais favorável deve ser apurado – como é feito na sentença - a partir da análise de todas as prestações que o trabalhador tem direito a auferir com base no IRCT em comparação com as retribuições que o autor efetivamente auferiu pela via do acordo que celebrou com a ré. (cf. Ponto 4 dos FACTOS PROVADOS), tendo ficado demonstrado que o regime retributivo aplicado pela ré era, na sua globalidade, mais favorável ao autor.
Termos em que, deve improceder, por total falta de fundamento, o recurso de apelação interposto pelo recorrente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, nos termos proferidos”

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no sentido de que (…) o recurso interposto merece pelo menos parcial provimento”.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
2. saber se o sistema remuneratório adotado pela ré/recorrida, e de acordo com o qual pagou ao autor/recorrente a contrapartida da prestação do trabalho, é mais vantajoso para este que o que resulta dos CCTV aplicáveis ao setor;
3. caso a resposta a esta questão seja negativa, importa determinar as consequências, tendo em conta não só o pedido e a causa de pedir, como também a matéria de facto provada.

III – Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré dedica-se ao Transporte Público Rodoviário de Mercadorias.
2. O Autor foi admitido ao seu serviço em 03.01.2017, como motorista de pesados.
3. O Autor desempenhava as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias pelos vários países europeus conduzindo veículos pesados de mercadorias até 44 Toneladas, trabalhando sob as ordens, direção e fiscalização da Ré.
4. Autor e Ré, acordaram um regime remuneratório global, de forma a que o Autor auferisse pelo menos a remuneração de 1.500 euros, podendo acrescer valores consoante o número de km.
5. A Ré não pagava ao Autor as refeições à fatura até Setembro de 2018.
6. De Janeiro de 2017 a setembro de 2018, o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), I Série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com as alterações publicadas nos BTE’s, I Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1981, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, e n.º 30, de 15 de Agosto de 1997 e 32/1998] – fixa a remuneração base em 580,00 euros.
7. De outubro 2018 a dezembro de 2019, o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), I Série, n.º 34, de 15 de setembro de 2018 e Portaria de Extensão publicada BTE n.º 40 de 17.09.2028] – fixa a remuneração base em 630,00 euros.
8. A partir de janeiro de 2020 até 31 de dezembro de 2020, o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM, a ANTP e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 45, de 08 de dezembro de 2019 e Portaria de Extensão publicada in BTE n.º 49/2020] e DL 109-A/2020 de 31/12 (1.ª Série, 3.º Suplemento] – fixa a remuneração base em 700,00 euros.
9. A partir de janeiro de 2021 até 31 de dezembro de 2021, o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a ANTP e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 45, de 08 de dezembro de 2019 e Portaria de Extensão publicada in BTE n.º 49/2020] e DL 109-A/2020 de 31/12 (1.ª Série, 3.º Suplemento] – fixa a remuneração base em 733,07 euros.
10. A Ré pagou ao Autor, os seguintes vencimentos: de Janeiro 2017 a dezembro 2017 – 725,00 euros; de Janeiro 2018 a junho 2018 – 675,00 euros; de Julho 2018 a setembro 2018 – 725,00 euros; de Outubro 2018 a dezembro 2019 – 725,00 euros; de Janeiro 2020 a dezembro 2020 – 725,00 euros; de Janeiro e Fevereiro 2021 – 725,00 euros; de Março a dezembro 2021 – 733,07 euros; Janeiro 2022 a Abril 2022 – 777,05 euros.
11. No recibo de vencimento dos meses de Janeiro a Dezembro de 2017, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento base – 725 euros; Prémio TIR – 105,75 euros; Cláusula 74 – 185 euros; Ajudas de custo internacional – no valor de 756,39 euros, 763,10 euros, 773,55 euros, 944,32 euros, 883,22 euros, 879,98 euros, 502,26 euros, 822,12 euros, 835,34 euros, 591,85 euros e 372,02 euros respetivamente; Duodécimos do subsídio de férias e de natal no valor de 84,65 euros, respetivamente.
12. No recibo de vencimento dos meses de Janeiro a Junho de 2018, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento base – 675 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 630 euros, 735 euros, 735 euros, 665 euros e 700 euros respetivamente; subsídio de férias e de natal no valor de 56,25 euros, respetivamente.
13. No recibo de vencimento dos meses de Julho a Setembro de 2018, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento base – 725 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 700 euros, 735 euros e 735 euros respetivamente; subsídio de férias e de natal no valor de 60,42 euros, respetivamente.
14. No recibo de vencimento do mês de Outubro de 2018, constam discriminadas as seguintes parcelas: Trabalho suplementar em dia descanso semanal – 48,34 euros; Sub. Noturno – 72,50 euros; Cláusula 61 – 407,70 euros; Prémio TIR Ibérico – 110 euros; Vencimento – 725 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 700 euros, 735 euros e 735 euros respetivamente; subsídio de férias – 103,56 euros; subsídio de natal - 60,42 euros e ajudas de custo nacional – 350 euros.
15. No recibo de vencimento dos meses de Novembro a Dezembro de 2018 e de Janeiro a Abril de 2019, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 103,56 euros e 94,39 euros respetivamente; subsídio de natal - 60,42 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 301 euros, 279,50 euros, 200 euros, 301 euros, 279,50 euros e 301 euros respetivamente; Cláusula 61 – 407,70 euros; Sub. Noturno – 72,50 euros; Prémio TIR Ibérico – 110 euros exceto no mês de Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019 ao qual não é feita menção.
16. No recibo de vencimento do mês de Maio de 2019, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 94,39 euros; subsídio de natal - 60,42 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 172 euros; Cláusula 45 – 137,75 euros; Cláusula 61 – 407,70 euros; Sub. Noturno – 72,50 euros e Prémio TIR Ibérico – 110 euros.
17. No recibo de vencimento dos meses de Junho e Julho de 2019, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 94,39 euros; subsídio de natal - 60,42 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 279,50 euros e 236,50 euros; Cláusula 45 – 137,75 euros; Cláusula 61 – 407,70 euros; Sub. Noturno – 72,50 euros; Prémio TIR Ibérico – 110 euros e trab. Sup. Dia descanso semanal – 96,68 euros e 48,34 euros.
18. No recibo de vencimento dos meses de Agosto a Dezembro de 2019, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 103,30 euros; subsídio de natal - 62,23 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 236,50 euros e 279,50 euros respetivamente; Cláusula 45 – 21,75 euros; Cláusula 61 – 420,30 euros; Sub. Noturno – 72,50 euros e Prémio TIR Ibérico – 110 euros.
19. No recibo de vencimento dos meses de Janeiro a Abril de 2020 e Junho a Setembro de 2020, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 107,72 euros; subsídio de natal - 62,23 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 182 euros, 364 euros, 338 euros, 338 euros, 182 euros, 338 euros, 364 euros e 338 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,75 euros; Cláusula 61 – 358,44 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 72,50 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros.
20. No recibo de vencimento do mês de Maio de 2020, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; subsídio de férias – 107,72 euros; subsídio de natal - 62,23 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 390 euros; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,75 euros; Cláusula 61 – 358,44 euros; Trab. Sup. Dia de descanso semanal – 49,78 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 72,50 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros.
21. No recibo de vencimento dos meses de Outubro a Dezembro de 2020 e Janeiro e Fevereiro de 2021, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 725 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 17 euros; subsídio de férias – 109,82 euros; subsídio de natal - 63,65 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 286 euros, 312 euros; 260 euros, 156 euros e 234 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,75 euros; Cláusula 61 – 366,60 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 72,50 euros, Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros e Prémio – 900 euros no mês de Novembro de 2020.
22. No recibo de vencimento dos meses de Abril de Junho de 2021, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 733,07 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 17,80 euros; subsídio de férias – 111,01 euros; subsídio de natal - 64,41 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 338 euros e 260 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,99 euros; Cláusula 61 – 370,97 euros; Trab. Sup. Dia de descanso semanal – 51,52 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 73,31 euros, Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros e Prémio – 900 euros no mês de Junho de 2021.
23. No recibo de vencimento dos meses de Março, Maio e Julho de 2021, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 733,07 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 17,80 euros; subsídio de férias – 111,01 euros; subsídio de natal - 64,41 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 338 euros, 260 euros e 312 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,99 euros; Cláusula 61 – 370,97 euros; Trab. Sup. Dia de descanso semanal – 51,52 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 73,31 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros.
24. No recibo de vencimento dos meses de Agosto, Setembro e Novembro de 2021, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 733,07 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 35,60 euros; subsídio de férias – 113,21 euros; subsídio de natal - 65,89 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 286 euros, 390 euros e 312 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,99 euros; Cláusula 61 – 379,52 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 73,31 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros.
25. No recibo de vencimento dos meses de Outubro e Dezembro de 2021, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 733,07 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 35,60 euros; subsídio de férias – 113,21 euros; subsídio de natal - 65,89 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 286 euros e 130 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 21,99 euros; Cláusula 61 – 379,52 euros; Trab. Sup. Dia de descanso semanal – 52,71 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 73,31 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros e Prémio – 900 euros no mês de Dezembro de 2021.
26. No recibo de vencimento dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 777,05 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 37,74 euros; subsídio de férias – 119,42 euros; subsídio de natal - 69,84 euros; Ajudas de custo nacional – no valor de 286 euros, 338 euros e 416 euros respetivamente; Comp. Salarial cláusula 59ª – 23,31 euros; Cláusula 61 – 402,29 euros; Trab. Sup. Dia de descanso semanal – 51,52 euros; Sub. Noturno cláusula 62ª – 77,71 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 115 euros.
27. No recibo de vencimento do mês de Abril de 2022, constam discriminadas as seguintes parcelas: Vencimento – 621,64 euros; Sub. Férias vencidas e não gozadas – 1.433,04 euros; Diuturnidades cláusula 46ª – 37,74 euros; subsídio de férias – 95,54 euros; subsídio de natal - 55,87 euros; Férias não gozadas referentes a 2021 – 1.498,17 euros Ajudas de custo nacional – no valor de 468 euros; Proporcionais de férias (2022) – 477,20 euros; Comp. Salarial cláusula 59ª – 18,65 euros; Cláusula 61 – 321,83 euros;; Sub. Noturno cláusula 62ª – 62,17 euros e Prémio TIR Ibérico cláusula 64ª – 92 euros.
28. Até Setembro de 2018, a Ré pagava uma quantia variável, mensal, a título de Ajudas de Custo.
29. Em regra, o Autor tinha despesas no valor de 300 euros, nas suas deslocações.
30. O horário do Autor era de 40 horas semanais, móvel, sem hora fixa de saída e de chegada, sendo 8 horas por dia útil de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório respetivamente.
31. Por carta registada com A/R datada de 21/02/2022 o Autor denunciou o contrato de trabalho com efeitos a partir de 24/04/2022.
32. As retribuições a que o Autor tinha direito, quer fixadas nos CCTVs – BTE nº 30 de 15.08.97, BTE nº 34 de 15/09/18 e BTE nº 49/2020 de 26/02 - quer fixadas pela Ré nos recibos, quando iguais ou superiores, são as seguintes:
A - De Janeiro de 2017 a Julho de 2018 (CCTV de 08.03.1980): Retribuição base (fixada pela Ré) 725,00 euros; Clª 74 nº7 407,81 euros; Prémio Tir (fixado pela Ré) 105,74 euros.
B - Dos meses da Agosto e Setembro 2018 (idem): Retribuição base 725,00 euros, 1ª diut. 12,92 euros; Clª 74 (c/ a 1ª diut.) 415,08 euros, Subsídio noturno (0,10 x 725,00) 72,50 euros, Prémio TIR 105,75 euros.
C - De Outubro de 2018 a Julho de 2019 (CCTV de 15.09.2018): Retribuição base 725,00 euros; Complemento salarial (0,05 x 725) 36,25 euros; 1ª diut. 16,00 euros; Subsídio noturno (0,10 x 725,00) 72,50 euros; Clª 61 415,08 euros; Ajudas de Custo Tir 130,00 euros.
D - De Agosto a Dezembro de 2019 (idem): Retribuição base 725,00 euros; Complemento salarial 36,25 euros; 1ª diut. 16,00 euros; Subsídio noturno 72,50 euros; Clª 61 (fixada pela Ré) 420,30 euros; Ajudas de Custo Tir 130,00 euros.
E - Ano de 2020 (CCT de 08.12.2019): Retribuição base 725,00 euros; Complemento salarial 36,25 euros; 1ª diut. 17,00 euros; Subsídio noturno 72,50 euros; Clª 61 420,30 euros; Ajudas de Custo Tir 135,00 euros.
F - De Janeiro a Julho de 2021: Retribuição base 733,07 euros; Complemento salarial (0,05x733,07) 36,65 euros; 1ª diut. 17,80 euros; Subsídio noturno (0,10x733,07) 73,31 euros; Clª 61 420,30 euros; Ajudas de Custo Tir 135,00 euros.
G - De Agosto a Dezembro de 2021: Retribuição base 733,07 euros; Complemento salarial 36,65 euros; 2ª diut. (2 x 17,80) 35,60 euros; Subsídio noturno 73,31 euros; Clª 61 420,30 euros; Ajudas de Custo Tir 135,00 euros.
H - No ano de 2022: Retribuição base 777,05 euros; Complemento salarial (0,05x777,05) 38,85 euros; 2ª diut. (2 x 18,87) 37,74 euros; Subsídio noturno 77,71 euros; Clª 61 420,30 euros; Ajudas de Custo Tir 135,00 euros.
33. O Autor trabalhou para a firma Seamodal Cargo Lda., como motorista internacional, de 03.08.2015 até 31.12.2016.
34. A 03.01.2017 Autor e Ré assinaram um acordo denominado “contrato de trabalho”, pelo qual o Autor passou a trabalhar para a Ré Azivitor como motorista internacional, desde 01.01.2017, mediante a retribuição mensal base de 725,00 euros.
35. Fixando-se o termo do contrato a 01.01.2018, com o fundamento de se tratar dum contrato a termo resolutivo.
36. A firma Seamodal Cargo Lda. para a qual o Autor trabalhou de 03.08.2015 a 31.12.2016 como motorista internacional e a firma Azivitor Transportes Lda. tinham a mesma sede na Av. ..., ..., ... ..., possuem um gerente comum, o Sr. CC.
37. Em 2018, o Autor deixou de efetuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a fazer de serviço nacional, por opção do Autor.
38. Enquanto trabalhou para a Ré, o Autor nunca fez qualquer reclamação.
39. A rubrica que consta nos recibos de vencimento como ajudas de custos, tinha a ver com o trabalho que o Autor realizava, ao longo de um mês de trabalho, em função do número de quilómetros, que incluía o facto de ter que dormir fora, alimentação e despesas de alojamento.

B) A 1.ª instância deu como não provados os seguintes factos:
1. Que a Ré, nos últimos dois anos, deu formação completa ao Autor e quantas horas de formação lhe foram ministradas.
2. Quantas horas de trabalho suplementar foram prestadas pelo Autor.
3. Que não foram pagas ao Autor as horas de trabalho suplementar prestadas.
4. Quais as despesas com as deslocações que o Autor teve em concreto.
5. Como se encontrava organizado o serviço do Autor e os descansos respetivos.
6. Que o fundamento do termo resolutivo não corresponde à realidade.
7. Que as diuturnidades foram pagas na totalidade.

IV – Fundamentação
Como resulta do relato supra, na ação o autor alegou, no essencial, que foi contratado pela ré para desempenhar as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias pelos vários países europeus, conduzindo veículos pesados de mercadorias até 44 Toneladas, que passou a exercer essas funções, que a ré não lhe pagou várias prestações de acordo com o previsto nos contratos coletivos de trabalho vertical (CCTV) aplicáveis.
Em face disso, pediu a condenação da ré em diversas importâncias, a título de cláusula 74.ª, n.º 7 (posteriormente 61.ª), prémio TIR, complemento salarial (cláusula 45.ª do CCTV de 2018 e 59.ª do CCTV de 2019), retribuição base, diuturnidades, dias de descanso trabalhados, descanso compensatório e ainda por falta de formação.

Em contestação, a ré sustentou, em síntese, que aquando da contratação do autor acordou com ele um sistema remuneratório global mais vantajoso do que o que decorre do CCTV, sistema remuneratório esse que sempre cumpriu, que reembolsou o autor das despesas com as deslocações, refeições e pernoitas que o mesmo efetuou ao seu serviço e ainda que em 2018 o autor deixou de efetuar serviços de transporte internacional de mercadorias, passando a efetuar serviços maioritariamente em território nacional, deslocando-se muito esporadicamente a Espanha.

Tendo em vista a resolução da questão equacionada, haverá que atender, como se assinala na sentença recorrida, que até setembro de 2018 é aplicável à relação entre as partes o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE, 1ª série nº 9, de 08.03.1980, com as alterações introduzidas em posteriores revisões (publicadas nos BTEs 16/1982, 18/1986, 20/1989, 18/1991, 25/1992, 25/1993, 24/1994, 20/1996, 30/1997 e 32/1998), por força das Portarias de Extensão publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 30, de 15 de agosto de 1980 e no mesmo Boletim, 1ª Série, nº 33, de 8 de Setembro de 1982; a partir de Outubro de 2018 é aplicável o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS in BTE nº 34 de 15/09/2018 e Portaria de Extensão in Separata do BTE nº 40 de 17/09/2018, a partir de Janeiro de 2020 o CCTV celebrado entre a ANTRAM, a ANTP e a FECTRANS in BTE nº 45 de 08/12/2019 e a Portaria de Extensão in BTE nº 49/2020 de 26/02 e, ainda, o DL 109- A/2020, DR n.º 253, de 31/12 ( 1ª Série, 3º Suplemento), tendo em conta que a ré /recorrente se dedica ao transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias, bem como as funções de motorista que o Autor desempenhava ao seu serviço (factos 1 a 3).
Importa também atender que da interpretação conjugada dos artigos 3.º e 476.º do Código de Trabalho decorre que as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.
Assim, ainda que existisse um acordo entre as partes quanto ao sistema remuneratório alegadamente adotado pela ré/recorrente, para que o mesmo pudesse/possa prevalecer em relação ao que decorre do CCTV sempre terá que se demonstrar que ele é mais favorável ao trabalhador.
E o ónus da prova compete ao empregador (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Com efeito, como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado – inclusive no âmbito de anterior legislação –, nada impede que o sistema retributivo do CCTV seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador [neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos de 05-05-2010 (Recurso n.º 119/07.7TTMTS.S1), de 27-06-2012 (Recurso n.º 248/07.7TTVIS.C1.S1) e de 15-05-2013 (Recurso n.º 446/06.0TTSNT.L2.S1), todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt].
Também este tribunal tem afirmado este entendimento, como pode ver-se, a título de exemplo, o acórdão de 30-03-2017 (Proc. n.º 345/16.8T8EVR.E1), relatado pelo também ora relator e disponível em www.dgsi.pt.
Não provando a empregadora, como lhe competia, que essa alteração remuneratória é mais favorável ao trabalhador, haverá que considerar a mesma nula, por violação das normas legais supra referidas, tal como se encontra previsto no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.
Dessa nulidade decorre que o trabalhador tem direito a receber da empregadora as quantias devidas por força do CCTV e que reclama na ação; porém, tem também o dever, por força do estatuído no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil (de acordo com o qual a declaração de nulidade implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente), de restituir as importâncias que recebeu em consequência do regime remuneratório praticado a tal título.
De outro modo, ou seja, não havendo lugar a essa restituição, estaríamos perante um enriquecimento sem causa justificativa por parte do trabalhador (neste sentido, vejam-se, por todos o referido acórdão deste tribunal, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2023, Proc. n.º 2738/19.0T8STR.E1.S1).
De resto, como se assinalou neste último acórdão, [n]esta matéria há ainda que ter presente o art. 121º, do CT (epigrafado “invalidade parcial de contrato de trabalho”1), que no seu nº 1 consagra um regime idêntico ao da regra geral da redução dos negócios jurídicos (art. 292º, do CC), embora, nos casos de violação de norma imperativa, o nº 2 do mesmo artigo imponha a manutenção do contrato, nos termos aí consignados, sem possibilidade de apelo à vontade hipotética das partes.
Refira-se que nas situações contempladas neste último preceito (substituição de cláusula inválida por norma imperativa), os créditos do trabalhador sempre corresponderão à diferença pecuniária resultante do confronto do regime contratual com as normas imperativas violadas, em coerência com o princípio geral de direito da proibição do enriquecimento sem causa”.

Assim, como se delimitou supra, a questão essencial centra-se em determinar se em concreto o sistema remuneratório adotado pela ré/recorrida é mais vantajoso para o autor/recorrente do que resulta dos respetivos CCTVs, sendo que em caso de resposta negativa deverá aquela, em retas contas, ser condenada na diferença devida.
Ora, a este propósito, independentemente da procedência ou não da impugnação da matéria de facto, entende-se que a mesma não permite, com o mínimo de certeza e segurança jurídica, fazer essa análise e comparação.
Senão vejamos.
Sobre esta problemática consta, além do mais, que o autor e a ré, acordaram um regime remuneratório global, de forma a que o autor auferisse pelo menos a remuneração de 1.500 euros, podendo acrescer valores consoante o número de km (n.º 4);
Mas nada se esclarece sobre o que se entendia estar incluído nesse montante, ainda que parcialmente, ou seja, qual o conteúdo das cláusulas que constava desse montante: retribuição base, cláusula 74.ª, n.º 7 e prémio TIR? Ou outras cláusulas?
Depois, afirma-se que até setembro de 2018 a ré pagava uma quantia variável, mensal, a título de ajudas de custo (n.º 28), e que em regra o autor tinha despesas no valor de 300 euros, nas suas deslocações (n.º 29).
E no n.º 39 afirma-se que a rubrica que consta nos recibos de vencimento como ajudas de custos, tinha a ver com o trabalho que o Autor realizava, ao longo de um mês de trabalho, em função do número de quilómetros, que incluía o facto de ter que dormir fora, alimentação e despesas de alojamento.
Pergunta-se então: mas afinal as ajudas de custo eram só para pagar despesas?
É que essas despesas eram de cerca de € 300,00 mensais (facto 29) e dos factos 10 a 13 decorre que no período em referência o pagamento sob a rubrica de ajudas de custo se cifrou mensalmente em importâncias entre € 630,00 e € 756,39!
Então, a que título, com referência às cláusulas do CCTV, era paga a importância que na rubrica excedia os € 300,00 mensais? Cláusula 74.ª, n.º 7, prémio TIR? ou a outro título?
Afigura-se fundamental esclarecer tais factos, tendo por referência as cláusulas do CCTV, dada a relevância que assumem para a decisão da causa.

E nos recibos a partir de outubro de 2018 constam ajudas de custo nacional de montante variado: as importâncias aí constantes destinavam-se apenas a pagar despesas ou destinavam-se também a outros fins?

No n.º 3 dos factos provados consta que o autor desempenhava as funções de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias por vários países europeus, conduzindo veículos pesados de mercadorias.
Mas no n.º 37 consta que o autor, por sua opção, em 2018 deixou de efetuar transporte internacional de mercadorias, passando a fazer serviço nacional.
Embora se afigure que está em causa uma contradição meramente aparente, uma vez que o facto n.º 3 abrangerá apenas até o final de 2017, será conveniente precisar o facto.
Além disso, tendo até em conta que em recibos de pagamento a ré mencionava “motorista ibérico”, deverá esclarecer-se se o autor fazia ou não regularmente viagens a Espanha e, em caso afirmativo, se aí pernoitava.

No n.º 32 dos factos provados constam as “retribuições a que o autor tinha direito”.
Contudo, da matéria de facto devem constar “factos”, sendo com base nos mesmos que se devem interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Ora, o saber quais as “retribuições” a que o autor tinha direito é uma conclusão jurídica a extrair dos factos.
Basta, para tanto, atentar que o autor pugna por que seja remunerado, sempre, como “motorista internacional”, a ré fazia constar de recibos pagamentos como “motorista ibérico” e face ao n.º 37 da matéria de facto parece enquadrar-se em “motorista nacional” (vide cláusula 45.º do CCTV de 2018 e cláusula 59.ª do CCTV de 2019)!

Acrescente-se ainda que o autor alegou ter trabalhado em determinados dias de descanso e que a ré não lhe deu o descanso compensatório nos 3 dias seguintes (cfr. artigos 52.º a 54.º da petição inicial).
Contudo da factualidade – provada e não provada – não se localiza que o tribunal a quo tenha respondido a essa matéria.

Como se referiu supra, independentemente da procedência ou não da impugnação da matéria de facto, entende-se que outros factos há com relevância para a decisão e que importa explicitar e até ampliar, sendo certo que não pode este tribunal, como tribunal de recurso, substituir-se à 1.ª instância e proceder à reapreciação de toda a prova, de modo a ampliar e explicitar a mesma, tendo em conta a questão essencial decidenda.

Ou seja, tendo em vista uma cabal apreciação da matéria de facto e, com ela, as questões essenciais a decidir, é fundamental que alguns dos factos provados sejam explicitados e até ampliados.
Acresce que, para além dos factos essenciais, sempre poderão ser considerados pelo tribunal a quo factos instrumentais, complementares ou concretizadores [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e n.º 3, do Código de Processo Civil].
Por consequência, tendo presente o disposto no artigo 662º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil, importa determinar a anulação da sentença com vista à explicitação/ampliação da matéria de facto referida, sem prejuízo da reapreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (cfr. alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo), sendo que para além dos factos essenciais alegados pelas partes, poderá também ter por objeto factos instrumentais, complementares ou concretizadores (artigo 5.º do compêndio legal em referência).
Para tanto, após permitir às partes a apresentação de prova, o tribunal procederá a julgamento com vista à ampliação/concretização da factualidade referida.

Face à conclusão alcançada, quedam prejudicadas as questões suscitadas no recurso (artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

V – Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em anular a sentença recorrida, a fim de que, nos termos que se deixaram referidos, se proceda à ampliação/explicitação dos factos em causa.
Custas pela parte vencida a final.

Évora, 20 de fevereiro de 2024
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço (adjunta)
Emília Ramos Costa (adjunta)
________________________________________________
[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.