IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
NULIDADE DE ACORDO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Sumário


I- A impugnação da decisão da matéria de facto constitui uma prerrogativa do recorrente.
II- Todavia, o artigo 640.º do CPC, sujeitou-a a diversas condições/exigências/regras que na eventualidade de não serem observadas conduzem à rejeição do recurso quanto à impugnação.
III- A falta de indicação, pelo recorrente, de quaisquer meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, origina a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão fáctica, por incumprimento da condição exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
IV- O acordo remuneratório com um sistema de pagamentos diferentes dos existentes nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, apenas é válido quando estabelecer condições mais favoráveis para o trabalhador (artigo 476.º do CT).
V- Se o acordo remuneratório, que se apurou ter sido celebrado, se revelar desfavorável para o trabalhador, deve declarar-se o mesmo nulo, declaração essa que é de conhecimento oficioso (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, ambos do Código Civil).
VI- A declaração de nulidade de tal acordo tem efeito retroativo (artigo 289.º do Código Civil),.
VII- Tendo, porém, resultado demonstrado o parcial pagamento das quantias que eram devidas pelo regime remuneratório estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva e tendo sido peticionada, em reconvenção, a compensação de créditos, o tribunal deve calcular a exata diferença entre o que foi pago e o que era devido e condenar em conformidade.
VIII- Para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento(s) concretamente imputado(s) na carta de resolução apresentada à empregadora;
2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa;
3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
IX- Não tendo o trabalhador logrado demonstrar que as situações invocadas para a resolução do seu contrato de trabalho, ainda que constituíssem violações culposas do contrato, eram suficientemente impactantes e graves para justificar a rutura definitiva da relação laboral, há que concluir pela não verificação da justa causa invocada.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral







P.1722/21.8T8TMR.E2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, movida por AA e BB contra OC – Serviços Partilhados, Lda., foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo:
«4.1. Pelo exposto, decido julgar a petição inicial inepta quanto ao pedido do autor AA de declaração da justa causa para a rescisão do contrato e absolver a ré da instância quanto a este pedido.
4.2. Mais decido julgar a presente ação parcialmente procedente e a reconvenção parcialmente procedente, e, operando a compensação de créditos, condenar a ré OC - Serviços Partilhados, Lda., a pagar:
a) Ao autor AA a quantia total de € 5.152,45, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento;
b) Ao autor BB a quantia total de € 957,33, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento;
4.3. Absolvo a ré do demais peticionado pelos autores e estes do demais peticionado por aquela.
4.4. Condeno ainda os autores e a ré a pagarem as custas da ação, na proporção de 7/8 e 1/8, respetivamente. As custas da reconvenção são a suportar na proporção de 11/12 pela ré e 1/12 pelos autores.
4.5. Notifique.».

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Os Autores apresentaram recurso da sentença, finalizando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«a) - Ao iniciarem a sua atividade profissional de motoristas os A.A. celebrarem com a Ré contratos de trabalho escritos (Doc. nº 1 e 2 juntos com a p.i.)
b)- Desses contratos não consta o acordo levado ao ponto 2.1.10 dos Factos Provados, em nenhum dos muitos pontos que aí se deram como acordados.
c)- Pelo que e uma vez que a validade de tal acordo exigia que o mesmo, a existir logo no início da atividade dos A.A. fosse levado ao contrato ( art. 476 do C. do T.) e como tal não aconteceu, não se poderá dar como provado tal acordo
d)- E, mesmo para o caso não previsto na sentença do acordo ter sido celebrado após a celebração dos respetivos contratos, como estes revestiam a forma escrita a validade das respetivas alterações estaria dependente da mesma forma, a forma escrita, não bastando a prova testemunhal o que torna o putativo acordo nulo ( art. 394º nº1 do C. Civil.)
Mas e, por outro lado:
e)- Também não é possível dar como provado ter a Ré acordado com os A.A. pagar-lhes, nas ajudas de Custo, não só estas, como ainda todas as diferenças salariais em relação à categoria profissional dos A.A. de motoristas internacionais até final da vigência do CCTV de 08.03.980 em 30.09.2018 e a de motoristas ibéricos a partir desta data com a vigência dos CCTV de 15.09.2018 e 08.12.2019.
f)- E isto porque lendo o teor dos arts. 13º a 36º da Contestação, “máxime” o art. 35º não ficam quaisquer dúvidas que a Ré sempre considerou os A.A., como motoristas de serviço nacional
g)- Ora se a Ré nessa peça defende tão veementemente a categoria profissional dos A.A. como motoristas afetos ao serviço nacional e, isto, afirma “seja porque nunca tiveram aquela categoria profissional, ou somente porque nunca desempenharam funções que não fossem as de motorista de âmbito nacional” impossível se torna aceitar que ela fosse celebrar um acordo com os A.A. para lhes pagar retribuições exclusivas de motoristas internacionais ou ibéricos. Com efeito
h) - Veja-se como nos arts. 33 e 34 da contestação a própria Ré afirma o seguinte:
“Para que fosse devida qualquer quantia de Ajuda de Custo Tir teria de existir pernoita for do território nacional, o que só excecionalmente era o caso.
Por essas razões não é devida qualquer Ajuda de Custo Tir (o conhecido Prémio Tir)”
Ora se para a Ré, os A.A. eram motoristas apenas de âmbito nacional, torna-se impossível admitir que ela fosse celebrar um acordo para o pagamento desse Prémio Tir nas Ajudas de Custo, quando era ela própria a negar esse direito aos A.A.
i) - E o mesmo se diga da Clª 74 nº7 a qual apenas era devida aos motoristas internacionais na vigência do CCTV de 08.03.980 ou seja até 30.09.2018.
Além disso
j)- Não se entende nem se aceita que a Ré fizesse uma acordo com os A.A. para lhes pagar com a designação de “Ajudas de Custo” complementos salariais que já constavam dos recibos sob a designação da Clª 74 e Clª 61, pois nenhum motivo foi invocado que pudesse justificar essa prática.
Por tudo o alegado “supra” entende-se que:
l)- O facto levado ao art. 2.1.10 da relação dos “Factos Provados” deve daí ser retirado e levado integralmente à relação dos “Factos não Provados”.
E, assim:
m) - Do facto levado à relação dos Factos Provados no art. 2.1.11 deve ser retirada a palavra “acordo” e as A) a E) devem passar a ter a seguinte redação:
n) - Do ponto A. desse art. 2.1.11 deve constar que a Ré pagava aos A.A. um subsídio de alimentação, conforme consta dos recibos juntos aos autos assim como lhe pagava as Ajudas de Custo pelos valores aí referidos.
o) - Do ponto B. deve passar a constar o seguinte: A Ré pagava aos A.A. a Clª 74 nº7 e a Clª 61 pelos montantes indicados nos recibos.
p) - Do ponto C deve constar o seguinte: A Ré pagou aos A.A. de Setembro de 2018 a Dezembro de 2.019, o complemento salarial pelo valor legal do serviço ibérico de 18,90 € ( 0,03 x 630) conforme consta dos respetivos recibos.
q) - Do ponto D deve constar o seguinte:
A Ré pagava aos A.A. a título de Ajudas de Custo 0,04 € por km percorrido conforme aos Mapas de Ajudas de Custo juntos aos autos
r) - E do ponto E que a Ré pagava €5,00 por cada serviço de transporte realizado
s) - Dos arts. 2.1.12; 2.1.13 e 2.1.14 devem ser retiradas as exceções “Na execução desse acordo”
t) - Os A.A. preenchiam os Mapas das Ajudas de Custo e a Ré, com base neles, calculava o valor das Ajudas de Custo que levava aos recibos.
Porém
O valor dos alimentos foi fixado com base na categoria profissional reconhecida pela Ré aos A.A. esquecendo a verdadeira categoria destes de motoristas internacionais na vigência do CCTV de 08.03.980 e de motoristas ibéricos a partir desta data não respeitando nem levando em conta o valor legal mínimo das refeições e das diárias previstas para estas categorias de motoristas, pelo que é evidente concluir que os A.A. tinham a receber mais do que o fixado para as refeições nos referidos Mapas de Ajudas de Custo.
u) - Se a Ré entendia que o montante pago pelas Ajudas de Custo excedia os respetivos montantes normais devia tê-lo alegado e provado nos termos do disposto no art. 260º nº1,a) do C. do T.
v) - O preenchimento dos Mapas de Ajudas de Custo pelos A.A. juntos aos autos, para serem entregues à Ré, apenas se justificam pela obrigação dos A.A. no cumprimento dessas ordens da Ré e não a prova da existência dum esquema ou conluio entre as partes no pagamento das Ajudas de Custo, como se considerou, erradamente, na sentença
x) - Dado os factos acordados nos arts. 2.1.3; 2.1.4; 2.1.10 e 2.1.11 aos A.A. devia ter sido reconhecida e como tal levada à relação dos Factos Provados, a categoria profissional de “Motoristas dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias” conforme ao disposto no Anexo I do CCTV de 08.03.980 até 30.09.2018, e com a entrada em vigor no C.C.T. de 15.09.2018 a categoria de motoristas de pesados de âmbito ibérico, conforme ao disposto na Clª 45 nº 1 e 2 desta convenção.
z) - Ao contrário do referido na sentença, o subsídio noturno é cumulável com a Clª 61ª desde que no cálculo para determinação do valor desta, nos anos de 2018 e 2019, tenha a final sido abatido o valor do subsídio noturno como se fez na p.i., art. 9º “Cálculo das Clªs 74 e 61 al. b) onde o valor de 302,01 € já tem descontados os 63,00 € do subsídio noturno, mas se manteve o valor da anterior Clª 74 de 354,38 € por força do disposto na Clª82 nº1 dessa Convenção ( e “mutatis mutandis” para o A. BB)
a,a) - Quanto aos factos levados aos arts. 2.1.13 e 2.1.14 da relação dos Factos Provados, aceita-se efetivamente que os A.A. receberam a título de Ajudas de Custo, o 1º A. a quantia de 18.257,45 € e o 2º A. 18.164,17 € onde vêm discriminados nos arts. 64 e 73 da Contestação, por meses, referidos aos documentos 1 a 47 e 103 a 141. Ora estes documentos são os recibos dos salários pagos aos A.A. onde aquelas quantias constam das verbas “Ajudas de Custo” e donde foram transcritos para os referidos arts. da Contestação.
a,b) - Não se aceitam em termos jurídico/probatórios as razões invocadas na sentença para indeferir o pedido de indemnização da rescisão do contrato com justa causa, uma vez que o facto do 2º A. Nunca ter reclamado da Ré até ao penúltimo mês do contrato o pagamento das “Ajudas de Custo Tir” também conhecido por “Prémio Tir” e as Clªs 74 e 61 muito abaixo do seu valor legal, em nada culpabiliza este A. uma vez que sobre ele não recai qualquer dever legal de avisar a Ré sobre tais incumprimentos e antes agrava a responsabilidade da Ré. Por outro lado a Ré pagou as “Ajudas de Custo Tir” no último mês mas nada pagou de todos os meses anteriores assim como a Clª 61 a pagou pelo valor legal no último mês mas não pagou as diferenças em falta de todos o meses anteriores.
Por outro não se aceita, como já se alegou “supra” que a Ré tivesse acordado pagar estes montantes relativos ao “Prémio Tir” nas Ajudas de Custo, uma vez que a Ré sempre entendeu não ser devido ao A. o Prémio Tir, por este ser apenas motorista de âmbito Nacional ( cfr. arts. 31 a 36 da contestação)
Nestes termos deve declarar-se com justa causa a rescisão do contrato pelo 2º A. condenando-se A Ré a pagar-lhe, a título de indemnização os peticionados 2.415,98, conforme ao art.81º da p.i. e em consequência absolvendo-se este A. de pagar à Ré a indemnização de 1.466,14 €, pedida por esta em reconvenção.
a,c) - Por Ponto 3.2 do Cap. 3 com base em se ter dado como provado que todos os valores se encontravam pagos, por acordo, nos montantes das Ajudas de Custo, mas que o acordo não tinha conferido aos A.A. condições mais favoráveis que o C.C.T. uma vez que se este tivesse sido cumprido o 1º A. teria recebido o total de 23.609,90 € e o 2º A. 20.568,84 € e como a Ré lhes havia pago de Ajudas de Custo apenas 18.257,45 ao 1º e 18.164,17 € ao 2º tinham ficado em dívida, respetivamente, 5.352,45 € ao A. AA e 2.404,67 € ao A. BB.
Ora esta conclusão é abusiva por 3 razões a saber:
1º) - Porque com esta compensação ir-se-ia utilizar todo o montante pago pela Ré em Ajudas de Custo, para compensar outras rúbricas, deixando assim os A.A. privados dos montantes das Ajudas de Custo a que têm direito que não reclamaram por terem sido pagos enquanto tal.
2º - Porque pelas razões já expostas os A.A. não aceitam terem celebrado com a Ré qualquer acordo quanto a um sistema de pagamentos diferente dos existentes nos C.C.T.
3º - Porque é a própria sentença a reconhecer que tal acordo não conferiu aos A.A. condições mais favoráveis que o C.C.T. não respeitando assim o disposto no art.476º do C. do T. para a validade deste acordo.
Em consequência
a,d) - Deve declarar-se que os A.A. têm direito às quantias que lhe foram reconhecidas na sentença se o CCT tivesse sido integralmente implantado e cumprido de respetivamente:
O A. AA - 23.609,90 €
O A. BB - 20.568,84 €
sendo que ao A. BB deve ser ainda reconhecido o direito à indemnização pela rescisão do contrato com justa causa no valor de 2.415,98 €
a,e) - Mas como os A.A. têm a devolver, cada um deles, à Ré, a quantia de 200,00 € que lhes foi adiantada no início do contrato para eventuais gastos, deve a Ré ser condenada a pagar aos A.A. respetivamente:
Ao A. AA: 23.609,90 - 200,00 = 23.409,90 € e ao A. BB : 20.568,84 + 2.415,98 - 200,00 = 22.784,82 €
a,f) - O MMº Juiz violou, assim na douta sentença, os arts. 476 e 260 nº1 do C. do T. o art. 394 nº1 do C. Civil e a Clª 45 nº 1 e 2 do CCTV de 15.09.2018.
Termos em que
Deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado nos termos e com os fundamentos “supra” expostos e, em consequência, revogada a sentença e substituída por douto Acórdão que condene a Ré a pagar aos A.A. as quantias “supra “ referidas.».
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Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso.
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A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e atribui-lhe efeito meramente devolutivo.
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Tendo o processo subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer.
Notificadas, as partes não ofereceram resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão de facto.
2.ª Direito ao recebimento das quantias que seriam devidas pelo instrumento de regulamentação coletiva aplicável.
3.ª Verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho relativo ao 2.ª Autor e direito ao recebimento de uma indemnização.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância deu por provados os seguintes factos:
2.1.1. A R. dedica-se ao Transporte Público Rodoviário de Mercadorias;
2.1.2. Os A.A., foram admitidos ao seu serviço, o primeiro no dia 17-10-2017 e o segundo no dia 16-08-2018;
2.1.3. Desempenhando as funções de motoristas de veículos pesados de mercadorias;
2.1.4. Por múltiplas vezes, conduziam entre Portugal e Espanha;
2.1.5. A ré pagou aos autores quantias relativas à cláusula 74.ª, n.º 7, do contrato coletivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE, 1ª série nº 9, de 08-03-1980;
2.1.6. Em comunicação datada de 29-07-2021 e recebida pela Ré nesse mesmo dia, o A. denunciou o contrato pedindo que, no período de pré-aviso, gozasse os dias de férias a que tinha direito, acrescidos dos adquiridos nesse ano;
2.1.7. O primeiro autor prestou trabalho para a ré nos dias indicados no art.º 51.º, da petição;
2.1.8. Em carta registada datada de 01-10-2021, o 2.º A. rescindiu o contrato de trabalho com efeitos imediatos a partir dessa data, invocando que:
a) - Em virtude de nos meses anteriores não lhe ter sido paga a Clª 61 no montante legal e agora, no último mês que lhe foi pago que foi o de Agosto de 2021 terem-lhe já pago o montante legal mas não lhe pagarem as diferenças dos meses anteriores;
b) - Por anteriormente nunca lhe ter sido pago o montante relativo às Ajudas de Custo TIR e agora, no salário de Agosto de 2021, o pagarem sem entretanto pagarem todos os relativos aos meses atrasados;
c) - Por nunca lhe terem pago os dias de descanso trabalhados, ou seja, sábados, domingos e feriados;
d) - Por não lhe serem dados a gozar os descansos compensatórios relativos aos domingos e aos feriados trabalhados;
e) - Porque a gravidade, reiteração e consequências dos referidos factos o impediam de continuar a trabalhar para a Ré.
2.1.9. O segundo autor prestou trabalho para a ré nos dias indicados no art.º 91.º, da petição;
2.1.10. A R. e os AA. acordaram que aquela processaria e pagaria aqueles, sob a designação de “ajudas de custo”, uma quantia como contrapartida de parte da cláusula 74º do antigo CCTV de 1980 e posteriormente a cláusula 61º dos CCTV seguintes (de 2018, e de 2019), e outros valores que lhe fossem devidos, mormente dias de descanso trabalhados ou dias de descanso não gozados, por um cálculo sobre distâncias percorridas e serviços prestados;
2.1.11. Esse acordo englobava como valores fixos:
A) Um subsídio de alimentação em 12 meses independentemente de estar ou não de férias ou faltas, acrescido de um valor por refeição nos dias em que trabalhasse.
B) Um valor fixo de cláusula 74º nº7/ cláusula 61º paga em 14 meses.
C) Nos CCTV de 2018 e 2019 um complemento da cláusula 59º pago pelo valor de serviço ibérico independentemente do motorista não desempenhar aquele serviço.
E como elementos variáveis:
D) Um valor de € 0,04 cêntimos por Km percorrido tendo em conta o mapa de distâncias entre localidades existente na empresa, por forma a tratar todos por igual.
E) Um valor de € 5,00 (cinco euros) por cada serviço de transporte realizado
2.1.12. Na execução desse acordo, os autores elaboravam e entregavam à ré um mapa de “ajudas de custo”, onde indicavam, entre o mais, os dias de trabalho e as distâncias percorridas;
2.1.13. Na execução desse acordo, a ré pagou ao autor AA só a título de “ajudas de custo” a quantia de € 18.257,45, conforme está descriminado no artigo 64.º da contestação;
2.1.14. Na execução desse acordo, a ré pagou ao autor BB só a título de “ajudas de custo” a quantia de € 18.164,17, conforme está descriminado no artigo 73.º da contestação;
2.1.15. Na data de entrada de cada um dos autores ao serviço da R. foi-lhes entregue o valor de € 200 para gastos que este pudesse ter em nome e por conta da R..
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E julgou não provada a seguinte factualidade:
2.2.1. As partes estabeleceram que o horário dos AA. era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respetivamente;
2.2.2. Os autores apenas desempenhavam as funções de motoristas de mercadorias entre Portugal e a Espanha;
2.2.3. Os autores gozaram outros dias de férias para além dos que confessaram na petição.
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IV. Impugnação da decisão fáctica
Os recorrentes vieram impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos 2.1.10 e 2.1.11 do elenco dos factos provados.
Discordam que tenha sido julgada provada a existência de um acordo remuneratório.
Na sequência, pugnam, ainda, para que se retirem dos pontos 2.1.12, 2.1.13 e 2.14 do acervo fáctico provado as expressões que aludem à execução do referido acordo.
A certa altura das conclusões do recurso, alegam, também, que deveria ser levada à relação dos factos provados a categoria profissional de “Motoristas dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias”, conforme o disposto no Anexo I do CCTV de 08-03-1980 até 30-0-2018 e com a entrada em vigor no CCT de 15-09-2018 a categoria de motoristas de pesados de âmbito ibérico, conforme ao disposto na Cláusula 45.ª n.os 1 e 2 desta convenção. Ora, nesta parte, a questão suscitada tem natureza jurídica, pelo que, não pode admitir-se como impugnação da decisão fáctica.
Apreciemos, então.
A impugnação da decisão da matéria de facto constitui uma prerrogativa do recorrente.
Todavia, o legislador civil (e o legislador laboral, por subsidiariedade da aplicação do regime), sujeitou-a a determinadas condições.
O artigo 640.º do Código de Processo Civil[2], sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, prescreve o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Sobre as exigências/condições impostas por esta norma, refere, com interesse, António Abrantes Geraldes[3]: «Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.».
Quanto à consequência prevista para o desrespeito pelo ónus de impugnação, resulta do citado artigo que é a rejeição do recurso.
Vejamos, pois, se os recorrentes cumpriram as regras necessárias para a admissão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Entendemos que os recorrentes especificaram suficientemente os pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados e indicaram a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas – artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil.
Os pontos incorretamente julgados são os pontos 2.1.10 e 2.1.11 do elenco dos factos provados, que, do ponto de vista dos recorrentes, devem, o primeiro, integrar o conjunto dos factos não provados e, o segundo, ser objeto de alteração.
As modificações respeitantes aos pontos 2.1.12, 2.1.13 e 2.14 são uma consequência da visada procedência da impugnação, tendo em vista evitar contradições na decisão fáctica.
Contudo, afigura-se-nos que os recorrentes não observaram a condição exigida pela alínea b) do n.º 1 do citado artigo 640.º.
Para fundamentar a impugnação não indicam quaisquer meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Ora, a indicação dos meios probatórios que fundamentam o erro de julgamento integra os ónus primários previstos nas três alíneas do n.º 1 do artigo 640.º.
Pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2022 (Proc. n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1):[4]
«I - Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto.
II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.».
Ou, ainda, no Acórdão do mesmo tribunal, proferido em 02-06-2020 (Proc. n.º 1678/12.8TBMCN.P2.S2):[5]
«I - Os ónus primários descritos nas três alíneas do n.º 1 do art. 640.º são indispensáveis à concretização do objeto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II - O incumprimento de qualquer um deles implica a imediata rejeição do recurso de apelação, nos termos da referida norma.»
Os recorrentes não cumpriram a regra imposta pela alínea b) do n.º 1 do mencionado artigo.
Afirmar, como foi feito, que se tivesse ocorrido qualquer acordo remuneratório desde o início das relações laborais dos recorrentes, o mesmo não poderia deixar de constar dos contratos de trabalho que foram celebrados por escrito, sob pena de invalidade, não é, seguramente, o mesmo que indicar os meios probatórios que fundamentam o apontado erro de julgamento.
E referir «[e], mesmo para o caso não previsto na sentença do acordo ter sido celebrado após a celebração dos respetivos contratos, como estes revestiam a forma escrita a validade das respetivas alterações estaria dependente da mesma forma, a forma escrita, não bastando a prova testemunhal o que torna o putativo acordo nulo ( art. 394º nº1 do C.Civil.)» também não satisfaz o ónus indicado na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil. Ademais, a alegada violação das regras de direito probatório revela-se absolutamente inútil para o caso concreto, uma vez que o acordo remuneratório, conforme se infere da factualidade assente[6], foi celebrado no início dos vínculos laborais que se apreciam nos autos. Como tal, este tribunal não deve conhecer da questão, atento o princípio consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
Por fim, alegar que por a Ré ter sustentado, na contestação, que os recorrentes eram motoristas de serviço nacional tornava impossível dar por provado o impugnado acordo remuneratório, também não cumpre o ónus que se aprecia.
Em suma, os recorrentes discordam da decisão que considerou provado o acordo remuneratório, mas não são capazes de invocar porque é que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa.
Deste modo, em face do exposto, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por incumprimento do ónus de impugnação primário previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
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V. Do alegado direito ao recebimento das quantias que seriam devidas pelo instrumento de regulamentação coletiva aplicável
Conforme se infere da factualidade provada, os recorrentes foram admitidos ao serviço da recorrida para desempenharem as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias, na qualidade de trabalhadores subordinados.
O contrato de trabalho do 1.º recorrente teve o seu início em 17-10-2017.
O contrato de trabalho do 2.º recorrente iniciou-se em 16-08-2018.
Mais resultou apurado que a recorrida e os recorrentes, desde o início da relação contratual, acordaram que aquela processaria e pagaria a estes, sob a designação de “ajudas de custo”, uma quantia como contrapartida de parte da cláusula 74.ª do antigo CCTV de 1980 e posteriormente da cláusula 61.ª dos CCTV seguintes (de 2018, e de 2019), e outros valores que lhe fossem devidos, mormente dias de descanso trabalhados ou dias de descanso não gozados, por um cálculo sobre distâncias percorridas e serviços prestados.
Esse acordo englobava como valores fixos:
A) Um subsídio de alimentação em 12 meses independentemente de o trabalhador estar ou não de férias ou faltas, acrescido de um valor por refeição nos dias em que trabalhasse.
B) Um valor fixo de cláusula 74.ª n.º7/ cláusula 61.ª paga em 14 meses.
C) Nos CCTV de 2018 e 2019 um complemento da cláusula 59.ª pago pelo valor de serviço ibérico independentemente do motorista não desempenhar aquele serviço.
E como elementos variáveis:
D) Um valor de € 0,04 cêntimos por Km percorrido tendo em conta o mapa de distâncias entre localidades existente na empresa, por forma a tratar todos por igual.
E) Um valor de € 5,00 (cinco euros) por cada serviço de transporte realizado.
Na sentença recorrida, entendeu-se que o acordo remuneratório celebrado desfavorecia os trabalhadores em relação ao regime remuneratório resultante dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis.
Aí se escreveu:
«As partes podem afastar as disposições de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho desde que estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador – art.º 476.º, do Código do Trabalho. Naturalmente, esse acordo não poderá ser utilizado para defraudar o cumprimento de obrigações fiscais ou da Segurança Social, como sucede com o processamento de retribuições como se se tratassem de ajudas de custo.
Relativamente ao autor AA conclui-se que o acordo não lhe conferiu condições mais favoráveis que o C.C.T., visto que subsiste um valor em dívida relativamente ao que lhe era devido se o mesmo tivesse sido integralmente implementado e cumprido:
Total 23.609,90
Pagou 18.257,45
Em dívida 5.352,45
O mesmo se dirá quanto ao autor BB:
Total 20.568,84
Pagou 18.164,17
Em dívida 2.404,67
Logo, na parcial procedência da exceção de pagamento, a pretensão do autor AA será atendida deveria pelo montante apurado (€ 5.352,45). Relativamente à pretensão do autor BB, na parcial procedência da exceção de pagamento, esta será atendida pelo montante confessado de € 2.623,47».
Em sede de recurso, os recorrentes manifestam a sua discordância com o decidido, baseando a sua argumentação em três aspetos:
1. Não aceitam ter celebrado com a recorrida qualquer acordo quanto a um sistema de pagamentos diferentes dos existentes nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis.
2. A existir o acordo, o mesmo não é válido, conforme foi reconhecido na sentença.
3. Com a operação de compensação de créditos realizada o que se está a fazer é utilizar todo o montante pago pela recorrida a título de ajudas de custo, para compensar outras rúbricas, deixando os recorrentes privados dos montantes de ajudas de custo a que têm direito e que não reclamaram por terem sido pagos enquanto tal.
Em consequência, pugnam para que se declare que têm direito às quantias que lhe foram reconhecidas na sentença da 1.ª instância resultantes da aplicação do regime remuneratório convencionado nos instrumentos de regulamentação coletiva (€ 23.609,90/1.º recorrente e € 20.568,84/2.º recorrente), deduzidas apenas da quantia de € 200,00 que foi adiantada no início do contrato a cada um dos recorrentes para eventuais gastos.
Vejamos.
No que concerne ao primeiro aspeto mencionado, o mesmo não é suscetível de provocar alteração na decisão recorrida, porquanto, apesar de os recorrentes não aceitaram a existência de um acordo remuneratório com um sistema de pagamentos diferentes dos existentes nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, ficou demonstrada a existência de tal acordo.
Quanto aos segundo e terceiro itens referidos, iremos apreciá-los em conjunto e, de permeio, também apreciaremos a temática relacionada com o subsídio noturno suscitada no recurso.
Na sentença recorrida entendeu-se que o acordo remuneratório celebrado se revelou desfavorável para os recorrentes, o que afeta a sua validade.
Nesta parte, nenhuma censura nos merece o decidido.
Efetivamente, dispõe o artigo 476.º do Código do Trabalho:
- As disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.
E, com relevância, escreveu-se no acórdão desta Secção Social de 12-05-2022 (Proc. n.º 869/19.5T8TMR.E2)[7]:
«Nos termos do art. 405.º do Código Civil, as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos ou de neles incluir as cláusulas que lhes aprouver, sendo que, no domínio das relações laborais, o limite legal, no que à situação concreta importa, resulta do disposto no citado art. 476.º do Código do Trabalho, pelo que apenas se mostram válidos os acordos celebrados no âmbito do contrato individual de trabalho que sejam mais favoráveis do que as condições previstas no respetivo instrumento de regulação coletiva.
Na eventualidade desses acordos não se revelarem mais favoráveis, deverão os mesmos ser declarados nulos, declaração essa que é de conhecimento oficioso (arts. 280.º, n.º 1 e 286.º, ambos do Código Civil).».
Mantemos esta posição.
Assim, o acordo remuneratório que está em causa nos autos, por desrespeitar o estatuído no artigo 476.º do Código do Trabalho, deve considerar-se nulo.
E, atendendo ao disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.[8]
Como efeito da declarada nulidade, os recorrentes têm a obrigação de restituir à recorrida tudo o que lhes foi pago na execução do acordo e a recorrida têm a obrigação de pagar aos recorrentes as retribuições estabelecidas nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis.
Sucede que a recorrida logrou provar o parcial pagamento das quantias que eram devidas aos recorrentes e foi peticionada, em reconvenção, a compensação de créditos – artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil – logo, restava à 1.ª instância calcular a exata diferença entre o que foi pago aos recorrentes e o que lhes era devido.
E foi precisamente esta a operação efetuada e que levou a que se entendesse que a recorrida teria ainda de pagar ao 1.º recorrente a quantia de € 5.352,45 e ao 2.º recorrente a quantia de € 2.404,67.
A operação de compensação realizada não merece, pois, crítica.
Importa agora apreciar se nos cálculos efetuados pela 1.ª instância deveria ter entrado todo o subsídio noturno reclamado pelos recorrentes, uma vez que, no âmbito do recurso, estes vêm impugnar a decisão que apreciou o referido subsídio.
Sobre a matéria do subsídio noturno escreveu-se na sentença recorrida:
«Relativamente ao subsídio pelo trabalho noturno reclamado nos art.ºs 22.º e 64.º, da douta petição, o mesmo não é cumulável com o pagamento da retribuição prevista na cláusula 61.ª, em vigor em Outubro e Novembro de 2018, visto que o seu n.º 3 refere que “Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV”.
Ou seja, o trabalhador ou recebe integralmente a retribuição prevista na cláusula 61.ª ou recebe a retribuição prevista na cláusula 48.ª, mas depois terá que a deduzir (retirar) da retribuição prevista na cláusula 61.ª.».
Desde já adiantamos que esta decisão não nos merece reparo.
Em outubro e novembro de 2018 o instrumento de regulamentação coletiva que se aplicava às relações laborais sub judice era o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 34, de 15-09-2018.
É o seguinte o teor da cláusula 48.ª deste CCTV:
1- O trabalho noturno será remunerado com um acréscimo de 25 % em relação à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.
2- A entidade empregadora poderá optar pelo remuneração do trabalho noturno como previsto no número anterior ou pela atribuição de um subsídio de trabalho noturno no valor de 10 % da remuneração base, caso em que se entenderá que a retribuição foi estabelecida atendendo à circunstância de o trabalho dever ser prestado em período noturno, nos termos do artigo 266.º, número 3 alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
3- O pagamento do subsídio de trabalho noturno referido no número anterior, é obrigatório para os trabalhadores com a categoria profissional de motorista afetos ao transporte ibérico ou internacional, sendo devido por 13 meses.
4- No caso dos trabalhadores com a categoria profissional de motorista afetos ao transporte nacional, o pagamento do subsídio de trabalho noturno é facultativo.
Por seu turno, a cláusula 61.ª tem a seguinte redação:
1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.
2- Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula: (Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12 VH = Período normal de trabalho semanal x 52 1.ª hora x 50 % 2.ª hora x 75 % Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.
3- Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV.
4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).
5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.
6- No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula.
Ora, no vertente caso, resultou demonstrado que a recorrida sempre pagou aos recorrentes, no âmbito do acordo remuneratório celebrado, um valor fixo da cláusula 74.ª, n.º 7 do anterior CCTV e um valor fixo da citada cláusula 61.ª.
E de acordo com o estipulado no n.º 3 da cláusula 61.ª, como bem se interpretou na sentença recorrida, «o trabalhador ou recebe integralmente a retribuição prevista na cláusula 61.ª ou recebe a retribuição prevista na cláusula 48.ª, mas depois terá que a deduzir (retirar) da retribuição prevista na cláusula 61.ª».
Não havia, assim, fundamento para acumular o valor integral da retribuição prevista na cláusula 61.ª com o valor de subsídio de noturno resultante do n.º 2 da cláusula 48.ª.
Por conseguinte, a não inclusão do subsídio noturno referente aos aludidos meses nas contas finais não merece censura.
Em conclusão, bem andou a 1. ª instância no cálculo dos valores em dívida resultantes da nulidade do acordo remuneratório, após a compensação de créditos:
- 1.º Autor a quantia de € 5.352,45;
- 2.º Autor a quantia de € 2.404,67.
Sucede que, como no artigo 11.º da contestação, a recorrida confessou dever ao 2.º recorrente a quantia de € 2.623,47, o tribunal a quo acabou por atender ao valor confessado.
Finalizando, o segundo fundamento do recurso improcede na totalidade.
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VI. Da alegada justa causa de resolução do contrato de trabalho do 2.º recorrente e consequente direito ao recebimento de uma indemnização
A última questão suscitada no recurso relaciona-se com a alegada existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho do 2.º recorrente, uma vez que a 1.ª instância não reconheceu a verificação de tal situação.
Analisemos.
Resulta dos factos provados que o 2.º recorrente, por carta registada datada de 01-10-2021, comunicou à empregadora a rescisão do seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos, invocando:
a) - Em virtude de nos meses anteriores não lhe ter sido paga a Clª 61 no montante legal e agora, no último mês que lhe foi pago que foi o de Agosto de 2021 terem-lhe já pago o montante legal mas não lhe pagarem as diferenças dos meses anteriores;
b) - Por anteriormente nunca lhe ter sido pago o montante relativo às Ajudas de Custo TIR e agora, no salário de Agosto de 2021, o pagarem sem entretanto pagarem todos os relativos aos meses atrasados;
c) - Por nunca lhe terem pago os dias de descanso trabalhados, ou seja, sábados, domingos e feriados;
d) - Por não lhe serem dados a gozar os descansos compensatórios relativos aos domingos e aos feriados trabalhados;
e) - Porque a gravidade, reiteração e consequências dos referidos factos o impediam de continuar a trabalhar para a Ré.
Percebe-se que através da referida missiva o trabalhador pretendeu resolver o contrato de trabalho com fundamento em justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição e desrespeito pelo direito ao descanso compensatório relativo aos domingos e feriados trabalhados.
Dispõe o artigo 394.º do Código do Trabalho:
1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato;
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4- A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (…).
De harmonia com o normativo citado, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho, devido à existência de justa causa.
A justa causa pode ser objetiva (não culposa) ou subjetiva (culposa).
A primeira, prevista no n.º 3 do normativo, resulta de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador.
A segunda, tem na base um comportamento ilícito da entidade empregadora e a ela se reporta o n.º 2 do artigo supra citado (embora, a título meramente exemplificativo).
A distinção entre as duas formas de justa causa mostra-se relevante, devido às consequências legalmente previstas.
Consagra o artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho que em caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento no facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
A justa causa para a resolução do contrato deverá ser apreciada, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
Ou seja, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, para se poder concluir pela impossibilidade da manutenção do vínculo laboral.[9]
Não obstante as situações previstas no n.º 2 do artigo 394.º consubstanciem comportamentos que o legislador considerou que constituem justa causa de despedimento, a jurisprudência tem entendido que não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos previstos, sendo ainda preciso que o comportamento da entidade empregadora «pela sua gravidade e consequências, torne prática e imediatamente impossível a manutenção da relação de trabalho».[10]
E, conforme foi sumariado no Acórdão da Relação de Évora, de 01-02-2011 (Proc. n.º 51/10.7TTEVR.E1):[11]
«A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, a existência de justa causa».
Deste modo, para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora (como é o caso da situação que se aprecia nos autos), mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento(s) concretamente imputado(s) na carta de resolução apresentada à empregadora;
2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa;
3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Quanto à culpa da empregadora, em regra, a mesma presume-se nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do Código Civil. Ou seja, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta.
Todavia, existe uma situação específica em que o legislador expressamente considera culposa a omissão ou a ação da entidade empregadora.
Dispõe o n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
De acordo com este normativo, decorrido um período de 60 dias em que se mantém o incumprimento por parte do empregador, presume-se a existência de culpa na falta de pagamento pontual da retribuição.
Apresentado, pois, o enquadramento legal da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em justa causa, analisemos agora se os requisitos enunciados supra, se mostram preenchidos no caso sub judice.
O trabalhador, na carta de resolução que dirigiu à empregadora, imputou-lhe os seguintes comportamentos:
- Falta de pagamento do montante legal da retribuição prevista na cláusula 61.ª do CCTV;
- Falta de pagamento do montante relativo às ajudas de custo TIR;
- Falta de pagamento dos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) trabalhados;
- Não concessão do gozo dos descansos compensatórios relativos aos domingos e feriados trabalhados.
Ora, com arrimo nos factos assentes e em função da declarada nulidade do acordo remuneratório, constata-se que, na data em que foi comunicada a resolução do contrato, existiam diferenças retributivas não liquidadas ao trabalhador, relativas às prestações mencionadas na carta de resolução, e, além disso, existiam descansos compensatórios, por trabalho realizado em domingos e feriados, que não foram concedidos.
Nessa medida, o 2.º recorrente logrou provar os incumprimentos culposos imputados à empregadora na carta de resolução.
Importa agora analisar se a conduta assumida pela empregadora tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Em causa está, pois, a apreciação da verificação do terceiro dos requisitos enunciados supra.
Ora, no que concerne à apreciação deste requisito deve ter-se presente o que foi escrito no Acórdão desta Relação de 07-02-2013, (Proc. n.º 56/11.0TTPTM):[12]
«Na apreciação de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação da justa causa de despedimento- uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reação alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento.».
Ademais, a apreciação do nexo causal entre o comportamento culposo do empregador e a impossibilidade de sobrevivência do contrato de trabalho, deve ser feita em função dos factos assentes, dado que ao ter tomado a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho, mesmo que nada seja alegado nesse sentido, está implícito que o trabalhador considerava impossível a manutenção daquela relação laboral.
Vejamos.
À data em que o 2.ª recorrente pôs termo ao contrato de trabalho, o mesmo tinha um total de diferenças retributivas em dívida no valor de € € 1.709,24 (€ 2.404,67 - € 281, 19 - € 288,40 - € 125,84[13]), para além de ter por gozar descansos compensatórios (13 dias em 2019, 12 dias em 2020 e 5 dias em 2021), que lhe conferiram, estes últimos, um crédito laboral no valor de € 695,43.
O incumprimento culposo assumido pela empregadora durou três anos.
Nada resultou apurado quanto às condições económico-financeiras do 2.º recorrente e do seu agregado familiar, o que nos impede de conhecer a real repercussão da falta do pagamento pontual das diferenças retributivas em falta.
Porém, se dividirmos as diferenças salariais em dívida por três anos, temos um impacto mensal nos rendimentos de trabalho do 2.º recorrente de € 47,48[14], o que não nos parece significativo para justificar a absoluta impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
Quanto aos dias de descanso compensatório não gozados (13 dias em 2019, 12 dias em 2020 e 5 dias em 2021), também não se nos afigura que os mesmos constituam uma violação do contrato tão considerável que justifique, por esse motivo, a rutura definitiva da relação laboral.
E mesmo considerando as duas situações de incumprimento em conjunto, entendemos que as mesmas não eram suficientemente impactantes e graves, a ponto de constituir justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
Por conseguinte, sufragamos a decisão recorrida que entendeu que as situações invocadas não consubstanciaram uma lesão grave dos interesses do trabalhador, em termos de fundamentarem a cessação do contrato e o pagamento da reclamada indemnização.
Consequentemente, improcede o recurso quanto à questão agora analisada.
-
Concluindo, o recurso improcede na totalidade, devendo as custas inerentes ao mesmo serem suportadas pelos recorrentes.
*
VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Notifique.

Évora, 8 de fevereiro de 2024
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Subsidiariamente aplicável ao processo laboral, por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
[3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.
[4] Publicado em www.dgsi.pt.
[5] Idem.
[6] Cf. Pontos 2.1.2, 2.1.14 e 2.1.15 do elenco dos factos provados.
[7] Consultável em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2015 (Proc. n.º 10/12.5TTVD.L1.S1) e de 18-01-2005 (Proc. n.º 04S3034), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] Cf. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª edição, pág. 534.
[10] Ver, a título de exemplo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2007, (Proc. n.º 06S4282); de 13-11-2000, (Proc. n.º 2204/00); de 05-02-1998, (Proc. n.º 3/97); de 11-02-1998, (Proc. n.º 141/97), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Consultável na base de dados anteriormente referida.
[12] Idem.
[13] Os valores subtraídos referem-se ao crédito que se apurou ser devido pelos descansos compensatórios não gozados.
[14] Número arredondado.