CÁLCULO DA PENSÃO
CLÁUSULA 136.º DO ACT
PARA O SECTOR BANCÁRIO
REGRA DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I - Sendo atribuída pela Segurança Social uma pensão de reforma por velhice a um trabalhador bancário em que, além do período relativo a descontos efectuados, referentes a carreira anterior à iniciada no Banco, foi ponderado um período contributivo por actividade bancária, o Banco deve descontar da pensão que paga ao trabalhador, a parte proporcional do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, relativo ao período em que trabalhou no Banco e tomado em consideração no cálculo da pensão resultante da aplicação do ACT aplicável.
II - As deduções a que se refere a cláusula 136.º do ACT, para o sector bancário publicado no BTE nº 3, 1ª série, de 22.01.2011, (cláusula 98ª do ACT do Banco Banco 1...) têm como único critério, apenas, o tempo de descontos para a Segurança Social, sem considerar o valor das retribuições sobre que os mesmos incidiram.
III - Pois, tendo em conta o determinado naquela clª 136º do ACT aplicável e nos artigos 67º, nº1 da Lei nº4/2007 de 16.01 e 63º, nº4 da Constituição da República Portuguesa o Banco, apenas, pode descontar, do montante da pensão prevista no ACT aplicável, a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário, uma vez que, o mesmo não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho.

Texto Integral

Proc. n° 5347/22.2T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3


Recorrente: Banco 1...
Recorrido: AA





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
O A., AA, reformado, contribuinte n.º ...78, residente na Rua ..., ... Matosinhos, intentou acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Banco 1..., pessoa colectiva n.º ...15, com sede na Rua ..., ... Lisboa, peticionando que, “deve a presente acção ser julgada provada e procedente e condenar-se a R.:
a. a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 62,50%, correspondente a 10 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social, enquanto trabalhador bancário, ou seja;
b. a pagar ao A. o valor de quantia de €4.233,08 a título de pensão do CNP indevidamente retida e correspondente ao período de Janeiro de 2022, até à presente data, incluindo retroactivos, acrescido do montante de €114,66 a título de juros de mora vencidos, num valor total global de €4.347,74;
c. a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d. a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a R. a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente acção até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença;”.

Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitido ao serviço da R., em 01/06/1995, com antiguidade bancária reportada a 04/08/1980, tendo passado à situação de reforma, integrado no nível 16 do ACT para o Sector Bancário.
Mais, alega que beneficia de reforma quer pelo Centro Nacional de Pensões quer pelo Fundo de Pensões do Banco, sendo que a ré tem vindo a reter quantia superior à devida, como modo de evitar a duplicidade de benefício de pensão atribuída ao autor.

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Realizada que foi a audiência de partes, nos termos documentados na acta de 28.11.2022, frustrou-se a sua conciliação, tendo o réu sido notificado para contestar, o que fez, referindo, em síntese, que nada deve ao Autor, impugnando o alegado pelo mesmo e afirmando que os cálculos que efetuou para apurar a quantia a reter se encontram de acordo com o Acordo Coletivo aplicável.
Conclui que deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, absolvendo-se o mesmo de todos os pedidos formulados.
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Nos termos que constam do despacho de 07.02.2023, foi fixado em €25.373,41 o valor global da acção, proferido saneador tabelar, dispensada a convocação de audiência prévia e desnecessária a identificação do objeto do processo e dos temas da prova.
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Os autos seguiram para julgamento e realizado este, nos termos documentados na acta de 14.06.2023, as partes acordaram quanto à matéria assente, prescindirem da prova testemunhal arrolada, bem como da prolação de alegações orais e conclusos os autos para o efeito, a Mª Juíza “a quo”, proferiu sentença, terminando com a seguinte Decisão:
«Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo procedente o pedido formulado nos autos pelo que condeno a ré Banco 1...:
a) a reconhecer ao autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 62,50%, correspondente a 10 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social, enquanto trabalhador bancário, ou seja;
b) a pagar ao autor o valor de quantia de €4.233,08 a título de pensão do CNP retida e correspondente ao período de janeiro de 2022 4/11/2022, incluindo retroativos, acrescido do montante de €114,66 a título de juros de mora vencidos, num valor total global de €4.347,74;
e
c) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d) a pagar ao autor todas as quantias que venha a ré a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente ação (4/11/2022) até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora à taxa de 4%, a liquidar posteriormente.
Custas a cargo da ré.
Notifique.
Registe.».
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Inconformada com a sentença a R., nos termos das alegações juntas, interpôs recurso, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES:
“1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, e como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
2. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Banco 1...) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 98.ª.
9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reformas, a saber: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
11. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.
12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
14. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
15. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98.ª do ACT do Banco Banco 1....
16. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.
17. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista do ACT e o benefício do CNP.
18. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.
19. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
20. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
21. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
22. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.
23. Quanto ao elemento histórico, pode dizer-se que a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário remonta ao ACT do setor bancário de 1980 e manteve-se praticamente inalterada na cláusula 98.º do ACT do Banco 1....
24. A sua origem remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios. E, tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.
25. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força co mesmo período contributivo, o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.
26. Fá-lo, limitando a responsabilidade da instituição bancária, à diferença entre os benefícios devidos por aplicação do IRCT e os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação do serviço no sector bancário.
27. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
28. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
29. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
30. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
31. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
32. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
33. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt
34. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
35. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
36. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.
37. A INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.
38. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e no número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
39. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Banco 1...) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
40. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
41. Mais recentemente foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas a estes autos.
42. E é também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.
43. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva do Recorrido não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são de valores SUBSTANCIALMENTE superiores às que foram registadas no período da carreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. 4 junto com a p.i., onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira do Autor:



44. Na interpretação do Recorrido, o ano de 1975, em que tem registado o montante de remunerações revalorizadas de 4.415,80 € tem exatamente o mesmo peso na repartição da pensão (!) que o ano de 2015, em que tem registadas remunerações revalorizadas de 75.601,61 €
45. A interpretação do Recorrido tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos a lei, como se viu, não é assim, pois o cálculo da pensão é efeito em função do tempo (taxa de formação) e das remunerações (remunerações de referência), de tal forma que remunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.
46. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (atual cláusula 98.º do ACT do Banco 1...), por se verificar que a cláusula é omissa quanto à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da INTEGRAÇÃO, ao mesmo resultado.
47. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROF. DOUTORA MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em douto parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha, Proc. n.º 1718/19.0T8CLD, já junto aos autos.
48. No entendimento sufragado pelo Recorrido, as clausulas 136.ª do ACT do Setor Bancário e 98.º do ACT do Banco 1..., violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
49. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
50. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
51. Na interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do Sector Bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Banco 1..., tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
52. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.
53. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Banco 1..., (BTE n.º 8 de 28/02/2017 -Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
Termos em que, concedendo provimento a esta Apelação e, consequentemente, quer pela ILEGALIDADE da decisão – por via da INTERPRETAÇÃO das normas ou da integração de lacuna -, quer por via da INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL das cláusulas 136.ª do anterior ACT do setor bancário e da cláusula 98.ª do ACT do Banco 1…, na interpretação que lhes deu a douta Sentença recorrida, julgando a ação totalmente improcedente, farão V. Exas, JUSTIÇA!”.
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O A. respondeu, nos termos das contra-alegações juntas terminando, sem formular conclusões que, “deve improceder a presente apelação, mantendo-se in totum a Sentença doutamente a em preito à JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo e foi ordenada a sua remessa a esta Relação, nos próprios autos.
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O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.
Notificadas deste, as partes não se pronunciaram.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, a única questão suscitada e a apreciar consiste em saber, se o Tribunal “a quo” errou na decisão que, como defende o recorrente, deve ser revogada.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
- A 1ª instância considerou:
«Estão provados os seguintes factos:
1. A ré é uma instituição de crédito, e exerce a atividade bancária.
2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Grupo Banco 1..., cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 7, de 22/02/2017, pg. 386 e ss., instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
3. O autor encontra-se filiado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, a quem foi atribuído o n.º de associado 3628.
4. O autor foi admitido ao serviço da ré, em 01/06/1995, com antiguidade bancária reportada a 04/08/1980.
5. O autor celebrou com a ré um contrato de suspensão de prestação de trabalho, datado de 30/09/2015, acordando a suspensão da prestação de trabalho entre o dia 01/10/2015 e o dia em que perfizesse 65 anos de idade, data de reforma por invalidez presumível, naqueles dias.
6. O autor passou à situação de reforma bancária, por invalidez presumível, a 16/04/2021.
7. O autor foi informado, por carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 17/12/2021, de que “o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO” sendo que “A pensão por VELHICE tem início em 2021-04-16, sendo o seu valor actual 1100,56 Euros”
8. A pensão atribuída ao autor, por velhice, em resultado do referido cálculo, foi de €1.100,56, pagável a partir de 08/01/2022.
9. O autor passou, então, à situação de reforma, integrado no nível 16 do ACT para o Sector Bancário.
10. Na presente data, a ré entrega ao autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de €2.047,32 e diuturnidades no valor de €299,81.
11. Na presente data, a ré retém, da pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões do autor, o valor de €921,20.
12. O autor teve uma carreira contributiva no regime geral de segurança social, composta pelos períodos de 07/1975 a 09/1980, fora do Banco, e de 01/01/2011 a 10/04/2021, este último período ao serviço do Banco.
13. E outra carreira contributiva, composta pelo período de 04/08/1980 a 10/04/2021, no regime de segurança social do sector bancário.
*
Inexistem factos não provados.».
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B) O DIREITO
Insurge-se a Ré/recorrente, contra a decisão recorrida, apenas, no que toca à interpretação e aplicação do direito, discordando do entendimento seguido naquela, quanto à apreciação da questão do modo como se deve apurar o valor da pensão a abater pelo réu, que é a parte da pensão que o Centro Nacional de Pensões paga ao autor e que respeita ao tempo de serviço no Banco réu. Ou seja, na interpretação da cláusula 98ª do ACT do Sector Bancário publicado no BTE nº 7, de 22/2/2017, em vigor à data da passagem do autor à situação de reforma.
Questão que surgiu, na sequência dos trabalhadores bancários, inscritos na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários, que beneficiavam de um regime específico de segurança social resultante dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis ao sector, terem sido integrados no Regime Geral da Segurança Social, através do Decreto-Lei nº1-A/2011, de 03.01 e a partir de Janeiro de 2011, passando a fazer descontos para a segurança social e a beneficiar do respectivo regime.
Perante aquela integração e mantendo os trabalhadores bancários abrangidos pelos IRCT o direito aos benefícios neles previstos tornou-se necessário articular os dois regimes, através da cláusula 136ª do ACT para o setor bancário, publicado BTE 1ª Série, n.º 3, de 22.01.2011, dispondo o seguinte:
“1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.
2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”.
E, dispõe a cláusula 98ª do ACT, entre a Banco 1... e outros e a Federação do Sector Financeiro-FEBASE e outro, publicado no BTE, 1ª Série, nº7 de 22.02.2017, pág. 386 e ss., em moldes em tudo semelhantes àquela, o seguinte:
“1-As Instituições Subscritoras garantem os benefícios constantes da presente Secção aos trabalhadores referidos no n.º 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas Instituições Subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta Secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª”.
Aquele nº 3 da referida clausula 96ª dispõe que: “Aos trabalhadores que à data da entrada em vigor do presente acordo estejam abrangidos pelo capítulo XI, secção I do acordo coletivo de trabalho do sector bancário ora revogado, é garantido o regime de proteção social em regime de benefício definido nos termos da secção II”.
Verifica-se, assim, que as referidas cláusulas 136ª e 98ª surgem como concretização do princípio da não cumulação de benefícios, enunciado no art. 67º nº 1 da Lei nº 4/2007 de 16.01, revista pela Lei nº 83-A/2013, de 31.12, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, do seguinte modo: “salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido”.
Não se suscitam, assim, dúvidas, face ao teor de tais cláusulas dos ACT aplicáveis, em situações como é o caso, que o R. tem direito a reter da pensão de reforma que o Centro Nacional de Pensões paga ao A. a parte correspondente ao tempo de exercício da atividade bancária com descontos para a Segurança Social. A questão, como já dissemos, é saber como deve ser apurado o montante da pensão correspondente a esse período.
No caso, veio o A./recorrido defender que aquele cálculo deve assentar numa regra de três simples, regra “pro rata temporis”, no qual, apenas, deve ser considerado o factor tempo, em concreto, o período de 10 anos, 3 meses e 15 dias de descontos, de 01.01.2011 até 16.04.2021, donde o valor a descontar será o que resulta da percentagem correspondente àquele período, como defende, correspondente a 62,5% da pensão paga pelo CNP.
Por sua vez, o réu/recorrente considerou e reitera, nesta sede, que para além do tempo de carreira contributiva, importa igualmente atender às remunerações auferidas pelo beneficiário no período em que esteve ao serviço do Banco, por via da remuneração revalorizada, defendendo que, só dessa forma, será possível apurar o benefício decorrente das contribuições efetuadas no período de tempo de serviço prestado ao Banco. E, dessa forma, a percentagem a reter pelo banco ascenderá a 83,70%.
No entanto, como já se disse, concordando, na íntegra com as conclusões dos acórdãos do STJ que cita e com o raciocínio que os suporta, o entendimento do réu, agora, recorrente não foi o preconizado na decisão recorrida, em concreto, no segmento, em que nela se considerou o seguinte: «…, salvo melhor entendimento, julgamos que do teor da cláusula 98ª – assim do teor das anteriores cláusulas 94ª e 136ª - não resulta (como defende a ré) que, para além do fator tempo, se tenha de atender ao “peso” (entenda-se, valor) das contribuições efetuadas em cada um dos períodos.
Na verdade, não é o facto de a cláusula 98ª, nº 2 do ACT referir que para o efeito do nº 1 só “(…) serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições” que permite a conclusão de na determinação do valor a compensar ter de se considerar o peso das contribuições em cada um dos momentos contributivos da carreira do trabalhador como pretende a ré. Pelo contrário, o que está ali em causa é a afirmação de que apenas relevam os períodos de tempo que sejam relevantes para efeito de contagem da antiguidade nos termos do ACT, ou seja os previstos pela cláusula 107ª.
Por outro lado, da dita cláusula 98ª resulta que a instituição de crédito garante a diferença entre o valor dos benefícios da mesma natureza, não resultando daquela cláusula ou de qualquer outra que os valores em confronto para achar a diferença devam ser calculados como pretende a ré.
(…).
Por tudo, concluímos, como o autor, que este só está obrigado a entregar à ré a parte da pensão que recebe do CNP proporcional ao tempo em que, continuando a exercer a atividade bancária, efetuou contribuições para a Segurança Social, no caso, a parte proporcional a 10 anos, 3 meses e 15 dias, calculada por aplicação de uma regra de três simples pura, ou seja, 62,50% dos 100% que correspondem a todo o período temporal contributivo do autor da pensão atribuída pela Segurança Social, o mesmo raciocínio se aplicando, pois, ao valor dos retroativos de tal pensão pagos pelo CNP ao autor.».
Como dissemos, a Ré discorda desta conclusão, com base nos argumentos e posições doutrinais que invoca, em suma, na consideração de que, “Decidindo como decidiu, a douta Sentença violou o disposto na Cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela Cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Banco 1... (BTE n.º 8 de 28/02/2017 – Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
As cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011), e a Cláusula 98.º do atual ACT do Banco 1... (BTE n.º 8 de 28/02/2017), na interpretação que lhes deu a douta sentença recorrida, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.”.
Invoca, também, no sentido por si defendido, alguma jurisprudência, nomeadamente desta Relação, mas diga-se, desde já, sem razão.
Pois, em relação ao acórdão desta Relação, de 10.10.2016, que cita, importa que se diga que os mesmos Ex.mos Desembargadores que o subscreveram (Dr. Domingos Morais e Dra Paula Leal de Carvalho), reviram a sua posição, tendo em conta a posição do STJ expressa, no Acórdão de 06.12.2016, aderindo à defendida neste, conforme consta do Acórdão de 24.01.2018, também, desta Relação. E, quanto ao, também, citado acórdão do TRL de 25.09.2017, no sentido pela mesma defendido, o mesmo, foi revogado pelo Ac. do STJ de 22.02.2018, Proc. nº 9637/16.5T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Do entendimento do réu discorda, também, o Ex.mo Procurador, o qual entende e pugna, nos termos do Parecer junto, pela confirmação da decisão recorrida.
Decisão que, sempre com o devido respeito, se mostra conforme com o nosso entendimento, idêntico ao que tem sido o entendimento da jurisprudência a respeito desta questão quer das Relações, quer do STJ, que vêm decidindo de forma uniforme e reiterada, nos termos decididos naquela, como o demonstram, entre muitos outros, os Acórdãos publicados in www.dgsi.pt., do STJ (de 12.01.2023, Proc. nº422/21.3T8CSC.L1.S1, de 15.12.2022, Proc. nº10014/20.9T8SNT.L1.S1, de 29.11.2022, Proc. nº842/21.3T8VFX.L1.S1, de 02.11.2022, Proc. nº1331/20.9T8VRL.L1.S1, de 29.11.2022, Proc. nº453/21.3T8CSC.L1.S1, de 22.06.2022, Proc. nº14406/20.5T8SNT.L1.S1, de 01.06.2022, Proc. nº3817/19.9T8MTS.P1.S1, de 01.06.2022, Proc. nº598/20.7T8MTS.P1.S1, de 11.05.2022, Proc. nº3798/20.6T8BRG.G1.S1, de 13.01.2022, Proc. nº300/20.3T8MTS.P1.S1, de 29.09.2021, Proc. nº17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 29.09.2021, Proc. nº23235/19.8T8LSB.L1.S1, de 15.09.2021, Proc. nº19922/19.9T8PRT.P1.S1, de 14.07.2021, Proc. nº2084/20.6T8VLG.S1 e de 23.06.2021, Proc. nº2115/20.0T8VFR.S1), e desta Relação do Porto (de 22.02.2021, Proc. nº 17792/19.6T8PRT, de 24.01.2018, Proc. nº 3312/16.8T8PRT.P1, já supra referido e bem recentes, de 27.11.2023, Proc. nº1326/23.0T0AZ.P1 e de 19.12.2023, Proc. nº20246/22.0T8PRT.P1(estes últimos, consultáveis no registo citius de sentenças)).
Com a posição uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que é também a desta Secção, adiantamos, desde já, concorda este colectivo sendo, nos presentes autos, a argumentação do recorrente idêntica à que deduziu, nos dois últimos referidos processos, desta Relação, o primeiro relatado e o segundo, de 19.12.2023, subscrito pelo, agora, 2º Adjunto, (Desembargador Nélson Fernandes) no qual se observou o seguinte que passamos, com o devido crédito aos seus subscritores e atento o disposto no nº 5, do art. 663º, do CPC e nº 3, do art. 8 do CC, a transcrever:
«O que está em causa é a interpretação da citada cláusula 98º do ACT do Grupo Banco 1... (e da anterior cláusula 136ª do ACT do sector bancário) quando determinam que a instituição de crédito apenas garante a diferença entre o valor dos benefícios decorrentes das contribuições para instituições da segurança social e o valor dos benefícios da mesma natureza previstos no ACT.
Tal interpretação, tratando-se de cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho (incluindo o acordo de empresa) dotadas de generalidade e abstração e sendo susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros, de acordo com o entendimento plasmado no Acórdão do STJ nº 1/2019, de 28-09-2018, publicado no DR 1ª série, nº 55, de 19/03/2019, proferido no âmbito do recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, deve reger-se pelas normas atinentes à interpretação da lei, contidas no art. 9º do C.Civil.
Segundo este normativo a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo a partir dos textos reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº1) mas, a seguir, determina que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2) e acrescenta que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
Assim, com a interpretação visa-se encontrar de entre os sentidos possíveis da norma, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo que na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica, não se podendo olvidar que , na vertente situação, o Acordo de Empresa nasce de declarações negociais emitidas no âmbito da autonomia negocial coletiva.
E no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº1/2019, escreveu-se que «no domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.»
Destarte, partindo do enunciado linguístico da cláusula, que é a base da atividade interpretativa, devemos com base nos elementos sistemático, histórico e teleológico, procurar reconstituir o pensamento das partes outorgantes, funcionando, porém, o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo, visto não poder ser considerado um sentido que não tenha o mínimo de correspondência verbal.
A recorrente interpreta a cláusula em análise, com invocação dos elementos literal, sistemático, histórico e teológico, no sentido de que “a pensão de abate” é o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que foram as regras aplicáveis ao cálculo da pensão paga pelo CPN, defendendo que tal interpretação resulta do nº2 do texto da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como da cláusula 98.ª do atual ACT do Grupo Banco 1...) porquanto aí se refere expressamente “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços da segurança social, pelo que sendo a pensão de reforma por velhice paga pelo regime geral de segurança social (através do CNP) apurada com base no tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão) e nos montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência) impõe-se com base nas mesmas regras calcular duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados repartir a pensão paga pelo CPN, sob pena de, não o fazendo, se subverter totalmente a ratio da cláusula em análise.
Porém, com o devido respeito, entendemos que o texto das cláusulas em apreço não consente tal interpretação. Como resulta do atrás exposto sobre as regras interpretativas, a letra das cláusulas é não apenas o ponto de partida da interpretação mas também o limite da mesma e não vemos qualquer referência que permita sustentar que o apuramento da quantia da pensão a reter pelas instituições deve crédito ( pensão de abate) deva obedecer às regras da segurança social utilizadas para o cálculo da pensão unitária pelo Centro Nacional de Pensões.
Como vem sendo explicitado em diversos dos citados arestos do Supremo Tribunal de Justiça, da letra cláusula 136ª do ACT para o sector bancário resulta somente a garantia de benefícios pelas instituições de crédito e no caso de benefícios da mesma natureza serem atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito garantirão apenas a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. (nº1)
E o nº2 clarifica que para o cálculo dessa diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que não significa, nem se confunde, com o valor das contribuições. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para especificar o tempo de serviço a considerar, que é o período atendível para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.
Tal cláusula nunca refere o valor das contribuições como factor de ponderação no apuramento da “pensão de abate”. E partindo da presunção de que as partes outorgantes se souberam exprimir adequadamente há que concluir que não pretenderam atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições.
Além disso, não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.
No sumário do citado aresto do STJ de 23-06-2021, proferido no processo n.º2115/20.0T8VFR.S1, consignou-se:
I.O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário (cláusula 98ª do ACT do Banco Banco 1...) ao referir no seu segundo segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem à reforma) à Instituição (de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
II. As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.»
Em síntese, analisados os elementos textuais da cláusula 136ª do ACT para o sector bancário e da cláusula 98ª do ACT do Grupo Banco 1... que lhe sucedeu, acompanhamos o entendimento pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de que a interpretação preconizada pela recorrente no sentido da ponderação do “peso” contributivo de cada um dos períodos de descontos do trabalhador para a Segurança Social na formação do valor global da pensão de velhice, não encontra naqueles o mínimo de correspondência verbal.
Anota-se que aquando da revisão do ACT para o sector bancário em 2016 a controvérsia sobre a interpretação da cláusula 136ª já existia e a cláusula 94ª que lhe corresponde no ACT de 2017( (98ª no ACT do Grupo Banco 1...) manteve uma redacção semelhante, não tendo as partes introduzido qualquer menção à ponderação do valor das contribuições em cada período, o que seria normal se essa tivesse sido a sua intenção inicial.
E como se assinalou no Ac. do STJ de 12-01-2023, processo n.º 422/21.3T8CSC.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes «não tendo a tese da recorrente o mínimo de apoio na letra da cláusula, torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.»
No entanto, sempre se dirá que atentando na fórmula de cálculo prevista no D.L. 187/2007, verificamos que o cálculo da pensão é determinado por vários factores, inexistindo uma relação de proporcionalidade directa entre o valor das retribuições o valor da pensão final atribuída pelo CNP.
Na verdade, de acordo com o estatuído no Decreto-Lei n.º 187/2007, a pensão estatutária resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão (artigo 26.º, n.º 1), sendo o seu montante mensal igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade (artigo 26.º, n.º 2). Por sua vez, a remuneração de referência é calculada nos termos do artigo 28.º desse diploma, tendo como base as remunerações anuais de toda a carreira contributiva, revalorizadas nos termos do artigo 27.º, e o número de anos civis com registos de remunerações, com as correções e ajustamentos que aquele dispositivo prevê.
Destarte, o montante da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões decorre de uma pluralidade de factores, não se verificando uma correlação direta entre o mesmo e o valor das remunerações registadas para o cálculo da remuneração de referência, e as partes aquando das negociações do ACT não ignoravam aqueles factores de formação da pensão unitária e se tivessem querido que a “pensão de abate” fosse apurada de acordo com tais factores, teriam remetido para as regras do D.L. 187/2007, o que não fizeram.
E salvo o devido respeito por diferente opinião, não cremos existir qualquer lacuna sobre o modo de cálculo da diferença dos benefícios a colmatar com o recurso às regaras do D.L. 187/2007, como defende no parecer junto aos autos a Srª Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho, pois a referida cláusula não visa estabelecer os critérios de cálculo dos benefícios (pensões), apenas pretende evitar a duplicação de pagamento dos benefícios já calculados.
Quando na cláusula 94ª do ACT para o sector bancário as partes outorgantes consignaram que apenas seria garantida … a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção (o mesmo estabelece a cláusula 98º do ACT do grupo Banco 1...) tinham em mente a pensão já calculada pela Segurança Social correspondente a toda a carreira contributiva do trabalhador com base na remuneração de referência resultante das regras do D.L. 187/2007 e visaram impedir a cumulação de benefícios pelo mesmo período contributivo (ou seja, o período em que foi prestado trabalho no sector bancário). E para apurar o valor da pensão correspondente a esse período o mais correto é apelar a uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura, como defende o A. e foi acolhido na decisão recorrida.
Com efeito, estando subjacente à cláusula em referência a pensão única calculada pela Segurança Social, não se pode ficcionar um cálculo diferente, com duas sub pensões, o que consubstanciaria um recálculo da mesma, quando o objectivo é apenas determinar o valor daquela pensão única paga pelo Centro Nacional de Pensões correspondente a determinado período de tempo, para o que regra da proporcionalidade, pro-rata temporis, se tem como adequada.
Em síntese, entendemos que a interpretação adoptada na decisão sob recurso, se mostra conforme à lei, aos ACT aplicáveis e, ao invés do afirmado pela recorrente, está igualmente em consonância com o artigo 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe «Todo tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado».
Este preceito constitucional consagra o princípio do aproveitamento integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, remetendo para o legislador ordinário a concretização das soluções que o permitam, que podem ser várias.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, assinalam que este normativo pretende “salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias atividades e respetivos descontos para os diversos organismos da Segurança Social”, acrescentando que “em termos técnicos, acabou por se impor a prorratização, isto é, totalização dos períodos de seguro e a repartição das cargas prestacionais de acordo com a duração dos períodos cumpridos em cada um dos sistemas” -in CRP Anotada, 4ª edição revista, 2007, Coimbra, pág. 819.
A interpretação seguida considera todo o tempo de trabalho do A., cumprindo o imperativo constitucional de aproveitamento integral do tempo de serviço para o cálculo da pensão.
Sobre esta questão da inconstitucionalidade invocada pela recorrente também já se pronunciou, afastando-a, o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos arestos de 8-06-2021, 11-05-2022 e 12-01-2023.
Por tudo o exposto, sucumbe a argumentação recursiva da recorrente e não vemos razões para nos afastarmos do entendimento jurisprudencial praticamente uniforme da questão em análise, acolhido na decisão recorrida, impondo-se a confirmação da mesma.».
Ora, este entendimento que se veio de reproduzir, pese embora, o devido respeito por outros, desde logo, o expresso pelo recorrente, ajusta-se rigorosamente ao caso vertente.
E concordamos inteiramente com ele.
Tudo o que pudéssemos dizer por palavras próprias mais não seria que uma repetição de tal entendimento, sendo que, ao concordarmos com o mesmo e dando-o como integrante deste acórdão, ficam afastados todos os argumentos invocados pelo Réu nos presentes autos, como já dissemos, no essencial idênticos aos deduzidos no processo onde foi proferido aquele aresto e, totalmente, idênticos aos deduzidos no Acórdão de 27.11.2023, como já dissemos, relatado pelo, agora, 2º Adjunto.
Como assim e, sem necessidade de outras considerações, julgamos que decidiu corretamente o tribunal recorrido, razão para que se mantenha a decisão recorrida.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta secção, da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.
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Porto, 19 de Fevereiro de 2024

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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Relatora: Rita Romeira
1º Adjunto: António Luís Carvalhão
2º Adjunto: Nelson Fernandes