DOENÇA PROFISSIONAL
DATA DA RETRIBUIÇÃO DE REFERÊNCIA PARA O CÁLCULO DOS MONTANTES DAS PRESTAÇÕES
DATA DA CERTIFICAÇÃO DA DOENÇA
REMIÇÃO DA PENSÃO
DOENÇA PROFISSIONAL COM OU SEM CARÁCTER EVOLUTIVO
Sumário

I - A doença profissional surge de uma forma lenta e insidiosa, sendo provocada por agentes nocivos a que o trabalhador, por força das suas funções laborais, está habitual e continuadamente exposto ao longo do tempo de desempenho das mesmas no seu local de trabalho ao serviço da sua entidade empregadora.
II - A determinação da retribuição de referência que serve para o cálculo dos montantes das prestações devidas em caso de incapacidade resultante de doença profissional implica a consideração de dois momentos, a data da cessação da exposição ao risco, ou a data da certificação da doença que determine incapacidade, se for anterior.
III - A data da certificação da doença corresponde à data do 1º diagnóstico inequívoco da doença e a data da cessação da exposição ao risco corresponde à data em que a vítima deixou de exercer as tarefas que implicaram o aparecimento da doença de que padece.
IV - O disposto no nº 1 do artigo 135º da LAT apenas permite a remição da pensão que seja devida por doença profissional sem carácter evolutivo.

Texto Integral

Proc. Nº 1512/22.0T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – Juiz 2


Recorrente: Instituto da Segurança Social, I.P. – Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais
Recorrido: AA






Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
O A., AA, operador de máquinas, nascido a ../../1967, beneficiário da Segurança Social nº ...08, NIF ...85, residente na Rua ...-Bairro ..., ... OVAR, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou a presente acção, sob a forma de processo especial, emergente de doença profissional contra o R., Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais, com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa, alegando, em síntese, que trabalhou como operador de máquinas de estirar desde 1990, função que se consubstancia em movimentos repetitivos usando os membros superiores, com a ajuda de um ferro de certa de 2,5kgs de peso, o que ocasionou dores e, enfim, as doenças profissionais que invoca, com a inerente incapacidade, as quais, participadas à ré, foram rejeitadas.
Pede que, “deve a acção ser julgada provada e procedente e por via dela, ser a R. condenada a:
I) Reconhecer que o A. é portador de doenças profissionais a nível dos membros superiores, designadamente: tendinite calcificada do supraespinhoso do ombro direito e esquerdo; periartrite escapular bilateral; tendinites dos supraespinhosos calcificados; bursites acrómio-clavicular bilateral; omalgias bilaterais: tendinite do supraespinhoso bilateral, bursite acrómio-clavicular bilateral; tenossinovite do polegar direito desde, pelo menos Dezembro de 2018;
II) Prestar ao A. todas as prestações em espécie de que careça, para tratamento das Doenças Profissionais de que é portador;
III) Pagar ao A. indemnização em capital de remição da pensão que lhe couber com base na retribuição anual referida no artº. 18º da p.i. e na I.P.P. que lhe vier a ser fixada no Exame Pericial Colegial, com início em Dezembro de 2018;
IV) Juros de mora à taxa legal a contar do vencimento das obrigações nos termos do artigo 135º do Código de Processo do Trabalho.
Por fim, indicou as provas e requereu a sua submissão a Junta médica, “tendo em vista determinar-se a origem natural ou profissional das doenças nos membros superiores de que o A. é portador e se essas doenças lhe conferem qualquer grau de I.P.P., segundo a T.N.I.” e formulou os seguintes QUESITOS:
1º - O A. padece de tendinite calcificada do supraespinhoso do ombro direito e esquerdo; periartrite escapular bilateral; tendinites dos supraespinhosos calcificados; bursites acrómio-clavicular bilateral; omalgias bilaterais: tendinite do supraespinhoso bilateral, bursite acrómio-clavicular bilateral; tenossinovite do polegar direito?
2º - Tais doenças foram provocadas pela realização contínua e sistemática, durante cerca de 28 anos, de movimentos repetitivos com utilização de ambos membros superiores, para, entre outras tarefas:
a) em pegar em rolos de arame de diâmetro de 10 a 14mm, entre 1,70 e 2 metros de altura e entre 1500 e 2700kg., cada, os quais se encontravam em tensão, procedendo ao seu estiramento (desenrolamento), nas medidas pretendidas, geralmente de 3 metros, para serem seccionados por uma máquina, ou proceder ao seu parcial enrolamento, formando rolos de 500 a 1000 kg, também accionando uma máquina de corte,
b) Sendo tal actividade exercida sempre de pé, manualmente, com a ajuda de um ferro com cerca de 90cm de comprimento e 2,5kg de peso
c) Procedendo, em média, por cada jornada de trabalho, ao estiramento de 3 a 6 daqueles rolos, dependendo do peso de cada um.
d) performances essas que eram controladas a vários níveis na hierarquia da fábrica onde o A. laborava?
3º - As doenças de que o A. é portador, em caso de resposta positiva ao quesito 2º, são classificadas como doença profissional?
4º - Tais doenças são susceptíveis de tratamento médico, nomeadamente cirúrgico ou conservador?
5º - As doenças profissionais que afectam o A., conferem-lhe algum grau de I.P.P. segundo a T.N.I?
6.º- Qual o respectivo grau de I.P.P. de cada uma das aludidas doenças profissionais?”.
Juntou entre outros o seguinte documento:


*
Citado, o R. veio contestar, nos termos da oposição junta em 17.05.2022, onde discorda da pretensão do A., em querer ser reconhecido como portador de doença profissional, alegando, em síntese, não existir nexo de causalidade entre as queixas do Autor, a tendinopatia calcificante da coifa, sem atrofias musculares, e o exercício da profissão que exerce e, ainda, que o mesmo, foi observado nos serviços médicos do R., tendo sido considerado portador de doença natural e não profissional.
Conclui que, “deve a acção ser julgada improcedente, por não provada, tudo com as devidas e legais consequências”.
Concordou com a realização de exame por Junta Médica, aceitou os quesitos formulados pelo Autor e acrescentou, ainda, os seguintes:
“a) Os sintomas e queixas apresentadas pelo Autor são classificadas como Doença Profissional?
b) Em que consistiu, ao longo dos anos, a atividade profissional do Autor?
c) Qual a histórica clínica do Autor?
d) O Autor desempenhou as mesmas funções e forma de execução das mesmas sem alterações?
e) Quais as limitações apresentadas ao exame objetivo?
f) Quando começou a apresentar as queixas solicitou à entidade empregadora ser afeta a outro posto de trabalho?
g) Desde que data o Autor está afetada de incapacidade?
h) O Autor padece de tendinite calcificada do supraespinhoso do ombro direito e esquerdo; periartrite escapular bilateral; tendinites dos supraespinhosos calcificados; bursites acrómio-clavicular bilateral; omalgias bilaterais; tendinite do supraespinhoso bilateral, bursite acrómio-clavicular bilateral; tenossinovite do polegar direito desde, pelo menos, Dezembro de 2018?
i) A doença de que o Autor sofre tem origem profissional?
j) Tem enquadramento como doença profissional?
k) Existe nexo causal entre a atividade profissional exercida pelo A. e o resultado do seu diagnóstico?
l) Se porventura, a incapacidade do Autor fosse considerada doença profissional, qual a IPP a atribuir segundo a TNI?
m) As lesões que o Autor alega sofrer são consequência directa e necessária das funções de operador de máquinas de estirar?”.
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Nos termos que constam do despacho de 23.06.2022, relegou-se a atribuição do valor da causa para final, foi proferido saneador tabelar e na consideração de se mostrar “controvertida matéria de facto relevante para a decisão da causa”, procedeu-se à fixação da matéria de facto considerada assente: “A) O autor nasceu em ../../1967, sendo beneficiário da Segurança Social n.º ...08.
B) O autor foi admitido, em 1990, ao serviço da empresa denominada “A..., S.A.”, com sede no concelho de Ovar.
C) O Exm.º Sr. Dr. BB elaborou e subscreveu as participações obrigatórias/pareceres clinicos de folhas 6 verso-7 e 7 verso-8, com datas de 10.10.2017 e 10.12.2018.
D) A ré, após submeter o autor a exames, concluiu que o autor não está afectado por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença.
E) Tal decisão foi comunicada ao autor por ofício de 25.05.2021.
G) Nos 12 meses que precederam o momento em que lhe foram diagnosticadas as doenças constantes da última participação referida em C). o autor auferiu retribuições, com incidência contributiva para a Segurança Social, no montante global anual ilíquido de € 13.147,70”;
à identificação do objecto do litígio: “saber se o autor é portador de doença(s) profissional(ais) que lhe confira(m) o direito à pretendida reparação em dinheiro e em espécie, por parte do Instituto da Segurança Social, I.P.” e;
à enunciação dos temas da prova: “I. Apurar das funções que o autor desempenhava e do modo e das circunstâncias em que aquele as exercia.
II. Apurar se o autor é portador de doenças profissionais dos membros superiores, designadamente de tendinite calcificada do supraespinhoso do ombro direito e esquerdo; periartrite escapular umeral bilateral; tendinites dos supraespinhosos calcificados; bursites acrómio- clavicular bilateral; omalgias bilaterais; tendinite do supraespinhoso bilateral, bursite acrómio – clavicular bilateral; tenossinovite do polegar direito, desde Dezembro de 2018, em consequência das circunstâncias em que exercia o seu trabalho, alegadas na petição inicial.
III. Em caso afirmativo, determinar se dessa(s) doença(s) lhe adveio incapacidade permanente para o trabalho.”.
Por último, foi ordenado o desdobramento do processo, para fixação da incapacidade para o trabalho.
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Organizado o apenso para fixação de incapacidade, após a realização do exame por junta médica, nos termos do auto datado de 26.05.2023, a Mª Juíza “a quo”, sob a consideração de que, “Não se vislumbra a necessidade de realizar qualquer outra diligência, uma vez que as respostas dos senhores peritos não suscitam dúvidas…” e que, “O Tribunal, ponderando os elementos clínicos juntos aos autos, e à unanimidade que se formou na Junta Médica, decide aderir à posição que ali se formou, por entender que faz correcta integração da situação clínica do autor na Tabela Nacional de Incapacidades.
Com efeito, tendo em conta o resultado do exame efectuado pela Junta Médica (fls. 10-11), mormente as considerações e conclusões aí expressas pela unanimidade dos Exm.ºs Peritos que nela intervieram, verifica-se que o autor está afectado de IPP, em virtude de doença profissional de que padece”, proferiu o seguinte:
Face ao exposto, decido fixar ao autor uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%, desde 23.10.2014, em virtude de doença profissional de que padece-tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral.
Notifique.”.
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Após, prosseguiram os autos para julgamento e realizada a audiência, nos termos que constam da acta datada de 30.10.2023, foram os mesmos conclusos para o efeito e proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e decide-se:
a) Reconhecer que o autor é portador das seguintes doenças profissionais: tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral desde 23/10/2014;
b) Fixar em 3% a incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP) de que o autor se encontra afetado, em consequência das doenças profissionais referidas em a);
c) Condenar a ré a pagar ao autor:
1. todas as prestações em espécie de que careça, para tratamento das Doenças Profissionais de que é portadora;
2. a quantia de € 3.939,95, a título de capital de remição referente à pensão anual e vitalícia no valor de € 276,10, devida desde 23/10/2014, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de junho e novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses;
3. os juros de mora à taxa supletiva legal em vigor para as transações civis, atualmente fixada em 4% ao ano, vencidos desde 23/10/2014, e vincendos até efetivo e integral pagamento;
4. as prestações em espécie de que o autor careça para tratamento das doenças profissionais de que é portador, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho e à sua recuperação para a vida ativa.
d) Absolver a ré do demais peticionado.
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Custas processuais a cargo de autor e ré, na proporção de 50% para cada um, estando o autor isento do respetivo pagamento.
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Fixa-se à presente ação o valor de €3.939,95 (três mil novecentos e trinta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) – cf. o artigo 120.º, ex ui o artigo 155.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.”.
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Inconformado o R. interpôs recurso nos termos das alegações juntas que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES
I. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal a quo, que decidiu julgar parcialmente procedente a ação por parcialmente provada e, em consequência, decidiu condenar o Instituto da Segurança Social, IP –Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, a: «(…)
a) Reconhecer que o autor é portador das seguintes doenças profissionais:
tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral desde 23/10/2014;
b) Fixar em 3% a incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP) de que o autor se encontra afetado, em consequência das doenças profissionais referidas em a);
c) Condenar a ré a pagar ao autor: 1. todas as prestações em espécie de que careça, para tratamento das Doenças Profissionais de que é portadora;
2. a quantia de € 3.939,95, a título de capital de remição referente à pensão anual e vitalícia no valor de € 276,10, devida desde 23/10/2014, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de junho e novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses;
3. os juros de mora à taxa supletiva legal em vigor para as transações civis, atualmente fixada em 4% ao ano, vencidos desde 23/10/2014, e vincendos até efetivo e integral pagamento;
Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e decide-se:
(…) a) com efeitos a partir de 20/07/2018, pensão anual e vitalícia no valor de € 480,22 (quatrocentos e oitenta euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros de mora sobre as prestações vencidas, à taxa legal, desde aquela data ate integral pagamento e
b) com efeitos a partir de 03/12/2020, a pensão anual e vitalícia no valor de € 446,94 (quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora sobre as prestações vencidas, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento.».
II. Transcreve-se o teor da Sentença do Tribunal a quo, em que o mesmo utilizou como remuneração de referência 13.147,70€.
«Expressando o raciocínio supra explanado de forma aritmética, a pensão por incapacidade permanente parcial será calculada de acordo com a seguinte fórmula:

P = RA x 0,7 x I
sendo P = Pensão, RA = rendimento anual e I = grau de incapacidade.
No caso dos presentes autos:
A pensão a arbitrar será a seguinte:
P = € 13.147,70 x 0,7 x 0,03 = € 276,10.
(…)
€ 276,10 x 14,270 = € 3.939,95».

III. Com todo o respeito e salvo melhor entendimento, não pode o Recorrente concordar com o cálculo do pagamento da pensão com base numa remuneração de referência de 13.147,70€ respeitante a outra data indicada pelo Recorrido na petição inicial (dezembro de 2018) (cfr. artigos 18.º e 20.º da P.I.).
IV. Tendo a data de início da incapacidade, ter sido fixada como a data de 23/10/2014, então a remuneração de referência deveria atender aos períodos de 09/2014 a 08/2013.
V. O n.º 1 do artigo 111.º da Lei 98/2009, estipula que: «1 - Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.
(…)».
VI. O Tribunal a quo tinha conhecimento dos montantes remuneratórios do Recorrido para calculo da remuneração de referência à data de 23/10/2014, tendo em conta o documento n.º 5 (extrato de remunerações) junto pelo próprio Recorrido com a petição inicial.
VII. Acresce que, o Tribunal a quo condenou o Recorrente a pagar: «(…) 2. A quantia de € 3.939,95, a título de capital de remição referente à pensão anual e vitalícia no valor de € 276,10, devida desde 23/10/2014, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de junho e novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses;
(…)».
VIII. O n.º 1 do artigo 135.º da LAT, dispõe que: «Pode ser remida, mediante requerimento do interessado ou por decisão judicial, a pensão devida por doença profissional sem carácter evolutivo, correspondente a incapacidade permanente parcial inferior a 30 %.» (sublinhado nosso).
IX. Tendo o Recorrido pedido a condenação no capital de remição, cabia ao mesmo, provar que estavam reunidos os requisitos do artigo 135.º da LAT.
X. Ora, o Recorrido deveria ter formulado o quesito para a perícia médica (na junta médica) se pronunciar sobre o alegado caracter não evolutivo da doença.
XI. Não há quaisquer provas/elementos no processo que permitam caracterizar a doença do Recorrido como sendo de caracter não evolutivo, pelo que o Tribunal a quo, não poderia ter decidido condenar o Recorrente na remição.
XII. O Recorrente também não concorda com a condenação no pagamento do capital de remição, quando ficou provado que «6. O autor mantém-se, até à data de hoje, no mesmo posto de trabalho (…)», sendo que o mesmo continua exposto ao risco, e deste modo, a doença do Recorrido terá caracter evolutivo.
XIII. Ora, é precisamente o caráter evolutivo, lento e progressivo que distingue a doença profissional do acidente de trabalho.
XIV. Nesse conspecto, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que «A doença profissional “pressupõe uma evolução lenta e progressiva, ao contrário do acidente de trabalho que se traduz num evento súbito, inesperado e de origem externa que lhe confere até a possibilidade de ser datável» – cfr. acórdão do STJ de 14-04-1999, CJ, S, 1999, II, 260 e Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, pág. 37.
XV. Assim, face ao supra exposto, tratando-se de uma doença profissional, e por isso, de evolução continuada, gradual e progressiva, não se encontram preenchidos os requisitos elencados no n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro para que seja efetuada a remição da pensão ao Recorrido.
XVI. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de data de 03-10-2022 do Processo n.º 8465/21.0T8VNG.P1 do relator Nelson Fernandes, que decidiu que: «Não é remível a pensão devida por doença profissional com caráter evolutivo.».
XVII. Pelo que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a Sentença do Tribunal a quo padece de vício de violação de lei, atendendo a que Recorrido padece de doença profissional e que a mesma é de caráter evolutivo, não poderá, por isso, ser efetuada a remissão da pensão, pois tal viola de forma flagrante o que dispõe o n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Termos em que, e com o sempre douto suprimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a sentença recorrida, devendo ser substituída por Acórdão que considere que:
a) o cálculo do montante de pagamento da pensão pela tendinite calcificante de ambos os ombros, seja realizado com a remuneração de referência correspondente ao período de 09/2014 a 08/2013.
b) Ser a pensão considerada não remível, por falta de prova que caracterize a doença do Recorrido como não sendo de caracter evolutivo
c) Ser a pensão considerada não remível, pela doença profissional do Recorrido, ter carater evolutivo, por o mesmo manter a mesma atividade profissional que causou a doença profissional, e, sendo doença profissional, a sua agravação ser lenta e progressiva.
Com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça!”.
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O Autor apresentou resposta e sem formular conclusões terminou, em síntese, que “mantendo o essencial da decisão recorrida, com a rectificação da data desde a qual o recorrido se mostra afectado da incapacidade decorrente da doença profissional que lhe foi reconhecida, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA!”.
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O recurso foi devidamente admitido como apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo e foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, não tendo emitido parecer, dado o A. ter o patrocínio do mesmo.
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Cumpridos os vistos, há que decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a decidir e apreciar consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou ao ter:
- realizado os cálculos da pensão com base numa remuneração de referência que respeita ao período antecedente à data de Dezembro de 2018; e
- considerado que a pensão deve ser objeto de remição.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS

a) Factos provados
1. O autor nasceu em ../../1967, sendo beneficiário da Segurança Social n.º ...08.
2. O autor foi admitido, em 1990, ao serviço da empresa denominada “A..., S.A.”, com sede no concelho de Ovar.
3. Após cerca de 4 anos, o seu trabalho consistia em pegar em rolos de arame de diâmetro de 10 a 14mm, entre 1,70 e 2 metros de altura e entre 1500 e 2700kg, cada, os quais se encontravam em tensão, procedendo ao seu estiramento (desenrolamento), nas medidas pretendidas, geralmente de 3 metros, para serem seccionados por uma máquina, ou proceder ao seu parcial enrolamento, formando rolos de 500 a 1000 kg, também acionando uma máquina de corte.
4. Esta atividade era exercida sempre de pé, manualmente, com a ajuda de um ferro com cerca de 90cm de comprimento e pelo menos 2,5kg de peso.
5. Por cada jornada de trabalho, o autor procedia ao estiramento de um número não concretamente apurado de rolos, mas que rondavam os 6, sendo a sua performance controlada hierarquicamente.
6. O autor mantém-se, até à data de hoje, no mesmo posto de trabalho, embora com adaptação das funções, por indicação do médico do trabalho.
7. Antes de iniciar funções na referida empresa, o A. não padecia de qualquer doença, malformação ou limitação física dos movimentos dos membros superiores.
8. Devido à realização contínua daqueles movimentos minuciosos, repetitivos e constantes, a partir de 2005/2006, o autor começou a sentir dor em ambos os ombros, mãos e cotovelos, as quais persistem.
9. O autor padece de tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral desde 23/10/2014, data em que participou a mesma ao réu, sendo que se verifica atrofia muscular discreta da região escapular direita, bem como do bicípite e tricípite desse lado.
10. As doenças identificadas no facto que antecede são resultado da atividade descrita nos factos provados n.º 3 a 5.
11. Fruto dessas patologias, o autor padece de uma incapacidade permanente parcial de 3%.
12. Nos 12 meses que precederam o momento em que lhe foram diagnosticadas as doenças constantes da última participação referida em C). o autor auferiu retribuições, com incidência contributiva para a Segurança Social, no montante global anual ilíquido de € 13.147,70.
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b) Factos não provados
Não foram provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
a) Qualquer outra doença de que o autor padeça e, consequentemente, o respetivo nexo causal com a atividade exercida.
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Consigna-se que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito.”.
*
B) O DIREITO
Insurge-se o R./apelante, nas suas alegações e conclusões de recurso, contra a sentença recorrida, com o argumento de na motivação da mesma, o Tribunal “a quo” para cálculo do pagamento da pensão em relação à tendinite calcificante de ambos os ombros, desde a data de «23/10/2014», se ter baseado numa remuneração de referência de 13.147,70€ respeitante a outra data indicada pelo Recorrido na petição inicial (dezembro de 2018), defendendo que, o Tribunal “a quo”, ao ter alterado a data indicada pelo Recorrido na petição como data de início da incapacidade, deveria ter correspetivamente calculado a remuneração de referência para a data de 23/10/2014, e não deveria ter realizado os cálculos da pensão com uma remuneração de referência que respeita ao período antecedente à data de dezembro de 2018, aplicando uma remuneração de referência (13.147,70€) a uma data a que não corresponde à remuneração de referência dessa mesma data (23/10/2014). Tendo o Tribunal a quo fixado a data de 23/10/2014 a que deveria ser reconhecida a doença profissional e desde que deveria ser paga a pensão, então a remuneração de referência deveria atender aos períodos de 09/2014 a 08/2013.”. Considera, assim, que na decisão recorrida se faz uma inadequada aplicação do direito, violando o disposto no nº 1 do artigo 111º da Lei 98/2009 de 04.09 (a seguir designada LAT) e, ainda, no nº 1 do artigo 135º da LAT, na consideração de que, “Tendo o Recorrido pedido a condenação no capital de remição, cabia ao mesmo, provar que estavam reunidos os requisitos do artigo 135.º da LAT. Ora, in casu, o Recorrido deveria ter formulado o quesito para a perícia médica (na junta médica) se pronunciar sobre o alegado carácter não evolutivo da doença. Não há quaisquer provas/elementos no processo que permitam caracterizar a doença do Recorrido como sendo de carácter não evolutivo. Pelo contrário, presenceia-se um facto dado como provado que permite a caracterização da doença profissional com carácter evolutivo, como seguidamente o Recorrente exporá. Mormente, resulta dos factos dados como provados que «6. O autor mantém-se, até à data de hoje, no mesmo posto de trabalho (…)», sendo que o Recorrido continua exposto ao risco, e deste modo, a doença do Recorrido terá caracter evolutivo., pelo que requer a sua revogação e substituição por outra que considere que: “a) o cálculo do montante de pagamento da pensão pela tendinite calcificante de ambos os ombros, seja realizado com a remuneração de referência correspondente ao período de 09/2014 a 08/2013.
b) Ser a pensão considerada não remível, por falta de prova que caracterize a doença do Recorrido como não sendo de carácter evolutivo
c) Ser a pensão considerada não remível, pela doença profissional do Recorrido, ter carater evolutivo, por o mesmo manter a mesma atividade profissional que causou a doença profissional, e, sendo doença profissional, a sua agravação ser lenta e progressiva.”.
À alegação do recorrente respondeu o recorrido, pronunciando-se, nos seguintes termos: “I-Relativamente à única das doenças profissionais reconhecida ao A., de entre as várias cujo reconhecimento, como tal, integrava, parcialmente, o pedido, cumpre reiterar que aquela (tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral), havia sido participada pelo médico do A. aos serviços da ora apelante a 10/12/2018. Tal factualidade mostra-se descrita na petição inicial (artº10º, al.b)) e demonstrada pelo documento nº2 que acompanhou aquele articulado.
No despacho saneador, proferido a 22/06/2022, dos factos assentes, provados por documentos, assumia decisivo relevo a resposta positiva dada pela Mmª Juiza a quo aos factos “C” e “G”, os quais considerou assentes, respectivamente:
- “O Exm.º Sr. Dr. BB elaborou e subscreveu as participações obrigatórias/pareceres clínicos de folhas 6 verso-7 e 7 verso-8, com datas de 10.10.2017 e 10.12.2018.”
- “Nos 12 meses que precederam o momento em que lhe foram diagnosticadas as doenças constantes da última participação referida em C). o autor auferiu retribuições, com incidência contributiva para a Segurança Social, no montante global anual ilíquido de € 13.147,70.” (os destaques são nossos).
Ora, tal despacho não mereceu, por parte do ora recorrente, qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento…
Contudo, na junta médica que teve lugar a 26/05/2023, os senhores peritos, perante o quesito “g” formulado pelo apelante, o qual rezava assim:
“Desde que data o Autor está afetado de incapacidade?”, responderam aqueles da seguinte forma: “Desde a data da participação (23/10/2014)”.
Data essa (23/10/2014) que, salvo o devido respeito, não encontra qualquer suporte documental nos autos e, induzindo a julgadora em erro, foi tomada em consideração pela Mmª Juíza a quo na sentença proferida no apenso para fixação de incapacidade, proferida a 11/07/2023, sendo depois transposta, ainda sob a indução de tal lapso, para a sentença ora recorrida.
Ora, não se vislumbra como arribaram os senhores peritos médicos a tal data (23/10/2014), uma vez que, ao contrário do que respondeu a perícia colegial, aquela não corresponde à da participação de qualquer das doenças profissionais pelo médico do recorrido (e foram duas as participações daquele clínico, como se alcança do teor do artº 10º da petição inicial), relevando aqui a de 10/12/2018, em virtude de ser aquela que corresponde à única doença profissional reconhecida pela junta médica, no âmbito dos presentes autos, facto assente no despacho saneador, como acima se mencionou.
Nesta conformidade, afigura-se-nos correcta e conforme à Lei (cfr. artº111º, nº1 da Lei nº98/2009, de 04/09) a consideração feita na sentença ora posta em causa da retribuição de referência contida no artº18º do petitório, bem como nos factos considerados assentes, sob a alínea “G” do douto despacho saneador, ou seja a correspondente à retribuição ilíquida devida ao A. nos 12 meses anteriores à certificação da doença que determinou a incapacidade, i.e. o montante de 13.147,70€.
Ora, tal certificação ocorreu, in casu, na data da participação (cfr. artº 128º, nº3 da Lei nº98/2009, de 04/09).
(…).
II- Relativamente à segunda questão levantada pela recorrente, a de saber se a pensão devida ao A. é ou não remível, nos termos do disposto no artº 135º, nº1 da LAT (Lei nº98/2009, de 04/09), deixa-se constar o seguinte:
Entende o respondente, salvo o devido respeito, não ser o carácter evolutivo ou não evolutivo da doença profissional reconhecida ao A. “presumível” pela recorrente, antes se tratando de juízo técnico-científico, a produzir por peritos, maxime em sede de junta médica.
Se é certo que não foi formulado, por qualquer das partes, quesito versando tal matéria, aliás não obrigatórios por lei (cfr. artº139º, nº6, ex vi do artº155º, ambos da LAT), não é menos verdade que a Mmª Juíza o poderia, oficiosamente, ordenar, ainda de acordo com os citados preceitos legais, o que, in casu, não ocorreu.
Inexistindo nos autos a prova de tal facto, ou ele é essencial para a boa decisão da causa e esse Alto Tribunal ordenará o que tiver por conveniente, ou ele é indiferente e a sentença recorrida será, neste ponto, inatacável.
Porém, encontrando-se a matéria controvertida plenamente documentada nos autos, facilitada estará a tarefa desse Venerando Tribunal, no termo da qual, mantendo o essencial da decisão recorrida, com a rectificação da data desde a qual o recorrido se mostra afectado da incapacidade decorrente da doença profissional que lhe foi reconhecida, farão Vossas Excelências, como sempre”.
Que dizer?
Comecemos pelo que a este propósito, o Tribunal “a quo” considerou, transcrevendo, em síntese, o seguinte:“(…).
Ao autor foi reconhecida por decisão em junta médica, secundada por decisão final no apenso A, uma incapacidade permanente parcial resultante das doenças profissionais identificadas, de 3%, a partir de 23/10/2014.
*
b) Dos direitos emergentes da doença profissional
A doença profissional faz nascer na esfera jurídica do trabalhador o direito a receber uma pensão anual e vitalícia de 70% da redução da capacidade geral de ganho que sofreu em virtude da mesma – cf. os artigos 47º n.º 1, al. c), 48º n.º 3, al. c) da Lei dos Acidentes de Trabalho – e ainda as prestações em espécie de que careça, para tratamento das doenças profissionais de que é portador, nos termos previstos nos artigos 98.º, n.os 1 e 2, 99.º, 104.º e 109.º da Lei dos Acidentes de Trabalho.
(…).
O cálculo da pensão é feito por referência à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco ou à data da certificação da doença subjacente à incapacidade, se esta for anterior, aí se incluindo os subsídios de natal e de férias e, bem assim, as demais retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com caráter de regularidade – cf. o artigo 111.º, n. os 1 e 4, al. a) da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Expressando o raciocínio supra explanado de forma aritmética, a pensão por incapacidade permanente parcial será calculada de acordo com a seguinte fórmula:
P = RA x 0,7 x I
sendo P = Pensão, RA = rendimento anual e I = grau de incapacidade.
No caso dos presentes autos:
A pensão a arbitrar será a seguinte:
P = € 13.147,70 x 0,7 x 0,03 = € 276,10.
Sucede que o artigo 135.º da Lei dos Acidentes de Trabalho determina que pode ser remida a pensão por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, se assim for requerido pelo interessado ou por decisão judicial. A menos que a doença seja de caráter evolutivo (n.º 2 do mesmo normativo legal), o que não se reflete nos factos provados.
A pensão deverá ser paga a partir da data da certificação da doença, já que não resulta dos factos a cessação da exposição ao risco (pelo contrário: o autor continua a trabalhar na empresa). Ou seja, é devida desde 23/10/2014 – cf. os artigos 111.º e 128.º, n.º 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho.
(…).”.
Vejamos.
Numa breve introdução importa dizer que, a actual Lei nº 98/2009, de 04.09 (adiante designada LAT) (sem qualquer discussão aplicável ao caso), que regula o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, (à semelhança do que se verificava já no domínio da anterior Lei nº 100/97 de 13.09, art. 27º e ss.) nos art.s 93º e ss., não nos dá uma noção de doença profissional, dispondo, apenas, no nº 1 do seu art. 94º que são doenças profissionais as que constam da lista a que aí se faz referência e que, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 283º do Código do Trabalho, se trata da lista publicada em anexo ao Decreto Regulamentar nº 6/2001 de 05.05 e, posteriormente, alterada e republicada em anexo ao Decreto Regulamentar nº 76/2007 de 17.07, e ainda qualquer outra, “lesão corporal, perturbação funcional ou doença”, não incluída na referida lista, sendo “indemnizáveis desde que se prove serem consequência necessária e directa da actividade exercida pelo trabalhador e não representem normal desgaste do organismo”, como se refere no nº 2 do mesmo art. 94º, (como dissemos, com redacção semelhante, à do art. 27º, da revogada Lei nº 100/97).
Pese embora isso, como refere (Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico Anotado” -2ª ed., pág. 140) “é possível,…, conjugando todas as referências legais, chegar à noção de doenças profissionais como as que são provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuadamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função”.
Pois, contrariamente ao que acontece, em caso de acidente de trabalho, que, como é sabido, trata-se de um evento naturalístico, súbito ou inesperado de que o trabalhador possa ser vítima no exercício da sua actividade laboral ou por causa dela e que seja gerador de consequências danosas no seu corpo ou na sua saúde, determinantes de uma redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho ou da sua morte, no caso de doença profissional, esta, surge de uma forma lenta e insidiosa, sendo provocada por agentes nocivos a que o trabalhador, por força das suas funções laborais, está habitual e continuadamente exposto ao longo do tempo de desempenho das mesmas no seu local de trabalho ao serviço da sua entidade empregadora.
Analisando o caso, verifica-se que, não existe discórdia relativamente à qualificação como profissional da doença que o A. padece, “tendinite calcificante de ambos os ombros, condicionando omalgia bilateral” que lhe confere um grau de 3% de IPP, segundo a TNI e, também, concorda o recorrente, com a data de início da mesma, 23.10.2014, fixada na decisão recorrida, que, diga-se, ao contrário do que defende o recorrido, entendemos, não só não se deve a qualquer lapso da Mª Juíza “a quo”, como se mostra acertada, tendo em atenção o disposto no art. 128, nº 3, da LAT, o que foi a resposta dada, pelos Ex.mos Peritos Médicos, ao quesito g) apresentado pelo recorrente e o que decorre dos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente do PA (junto sob a referência 13014735), em que se verifica que, em 23.10.2014, foi efectuada pelo Dr. CC, a participação obrigatória ao Réu da doença que o A. apresenta, acrescendo que, como se apurou (veja-se facto 6) o mesmo mantém-se no mesmo posto de trabalho.
E, assim sendo, tem a recorrente razão, no aspecto em que discorda da decisão recorrida, quanto à retribuição de referência que foi considerada para calcular a pensão que, como dissemos, não se discute o A. tem direito por padecer da referida doença profissional. Pois, verifica-se daquela que, procedeu a Mª Juíza “a quo” àquele cálculo, com base no montante global da retribuição referido no ponto 12, dos factos provados, quando decorre daquele que, a mesma, se reporta aos 12 meses que precederam a “última participação referida em C)”, como consta desta, elaborada em 10.12.2018.
Ora, assente, como decorre do facto 6, que o autor continua a estar exposto ao risco, para que se possa determinar a retribuição de referência, que por sua vez serve para o cálculo dos montantes das prestações devidas em caso de incapacidade resultante de doença profissional, (cfr. nº 1, do art. 110º da LAT), há que ter em conta a data da certificação da doença, já que, nos termos do art. 111º nº 1 da mesma Lei, a retribuição de referência a ter em conta no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.
Donde, pese embora a lei estipular como possíveis, aqueles dois momentos para a contabilização da retribuição anual ilíquida, a data da cessação da exposição ao risco ou a data da certificação da doença, se for anterior àquela, no caso, só é possível contabilizar aquela à data da certificação da doença.
Nas palavras de (Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pág. 145), quanto à data da certificação da doença, “A data do primeiro diagnóstico inequívoco da doença equivale, para os vários efeitos de reparação à data do acidente de trabalho. Dada a característica normalmente lenta e insidiosa da contracção da doença, aquela data é a única segura para os referidos efeitos. Esse diagnóstico, não tem que resultar feito perante ou por entidades oficiais (tribunais ou serviços públicos de saúde) mas pode ser feito e registado por qualquer pessoa ou entidade qualificada para um diagnóstico médico legalmente válido.”
Resulta do facto provado nº 9 que a data correspondente ao diagnóstico inequívoco da doença foi o dia 23.10.2014, data em que o A. participou a mesma à Ré, a qual foi considerada, e bem, (veja-se art. 128, nºs 1 e 3, da LAT) na sentença recorrida como a data de início de pagamento da pensão.
No entanto, há que determinar qual a correcta retribuição de referência a utilizar para os cálculos, uma vez que na sentença recorrida, como já dissemos os cálculos foram feitos considerando a retribuição referente aos 12 meses que precederam 10.12.2018, obviamente mal, face ao que se deixou exposto.
Assim, para se apurar a retribuição de referência é preciso saber-se quais as remunerações auferidas pelo autor nos 12 meses anteriores a 23.10.2014 e porque, ao contrário do que diz o recorrente, o documento nº 5, junto pelo recorrido com a p.i., apenas refere 3 meses, (2013/12, 2014/08 e 2014/09) daqueles 12 que importa considerar, importará, sem dúvida, anular a sentença recorrida para que a audiência de julgamento seja reaberta e, ampliando-se a matéria de facto, se apure quais as remunerações auferidas pelo autor nos 12 meses anteriores a 23.10.2014 e se profira nova sentença, não se afectando a restante matéria de facto já fixada (art. 662º nº3, al.c) do CPC) e reformulando-se o cálculo indemnizatório.
*
Discorda a recorrente, também, do segmento da decisão recorrida em que se considerou que a pensão deve ser objeto de remição.
Alega que, tendo o Recorrido pedido a condenação no capital de remição, cabia ao mesmo, provar que estavam reunidos os requisitos do artigo 135.º da LAT. Mais, alega que, o Recorrido deveria ter formulado o quesito para a perícia médica (na junta médica) se pronunciar sobre o alegado caracter não evolutivo da doença. Concluindo que, não há quaisquer provas/elementos no processo que permitam caracterizar a doença do Recorrido como sendo de carácter não evolutivo, pelo que o Tribunal a quo, não poderia ter decidido condenar o Recorrente na remição.
Refere-se, em concreto, ao seguinte trecho da sentença recorrida que, se transcreve: “Sucede que o artigo 135.º da Lei dos Acidentes de Trabalho determina que pode ser remida a pensão por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, se assim for requerido pelo interessado ou por decisão judicial. A menos que a doença seja de caráter evolutivo (n.º 2 do mesmo normativo legal), o que não se reflete nos factos provados.
Que dizer?
Desde logo, que a divergência não radica na interpretação do art. 135º da LAT que dispõe: «Pode ser remida, mediante requerimento do interessado ou por decisão judicial, a pensão devida por doença profissional sem carácter evolutivo, correspondente a incapacidade permanente parcial inferior a 30 %.» (sublinhado nosso).
Ou seja, nos termos do mesmo, apenas, se permite a remição da pensão que seja devida por doença profissional sem carácter evolutivo.
Carácter evolutivo da doença que, a Mª Juíza “a quo”, considerou não se refletir nos factos provados e, por isso, decidiu condenar o Réu no capital de remição referente à pensão anual que apurou.
Ora, também, a este propósito não podemos concordar com a conclusão a que a Mª Juíza chegou, a qual, salvo o devido respeito, nos parece precipitada, desde logo, tendo em conta o que consta do apenso para fixação de incapacidade – respostas dos Srs. Peritos médicos, quer quanto ao quesito 4º do recorrido, quer quanto ao quesito d) do recorrente onde, respectivamente, disseram: “poderá beneficiar de tratamento conservador” e “segundo o examinado, terá havido adaptação das funções por recomendação do médico de trabalho”. E, principalmente, tendo em conta a acção em causa, sempre se imporia incluir aquela questão nos temas de prova.
Na verdade, a decisão tomada pela Mª Juíza “a quo” deveu-se à insuficiência da matéria de facto.
Assim, também a este respeito, impõe-se determinar o uso por este Tribunal do disposto no artigo 662º, nº2, al. c) do CPC.
Importa apurar se a doença de que padece o A. tem ou não caráter evolutivo.
Após a formulação de quesitos a este respeito e para apuramento da remuneração, supra referida – e outros que a Mª Juíza “a quo” entenda formular com vista à resolução do presente litígio – deve aquela Magistrada notificar as partes, para querendo, indicarem prova a tais quesitos, e seguidamente proceder a audiência de discussão e julgamento para apuramento dessa factualidade.
Ainda, por estar em causa doença profissional e se mostrar provado que o A. se mantém no mesmo posto de trabalho, (exposição ao risco) poderá, previamente, ser efectuada análise do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, o que permitirá melhor percepção da situação.
E porque a matéria a apurar exige conhecimentos médicos, sugere-se que a Mª Juíza “a quo” convoque para a audiência – art. 134º do CPT – os peritos que intervieram na Junta Médica para que aí prestem esclarecimentos, relativamente ao carácter da doença profissional e justifiquem, caso se mostre necessário, com maior detalhe o parecer pericial emitido.
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III – DECISÃO

Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 e nº2, al. c) do CPC, acordam os Juízes desta secção, em anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal “a quo” formular quesitos adicionais e realizar todas as diligências que tiver por necessárias, atrás sugeridas, tendo em vista apurar as remunerações auferidas pelo autor nos doze meses anteriores a 23.10.2014 e decidir se a doença profissional de que o Autor padece tem ou não carácter evolutivo, elaborando-se posteriormente uma nova sentença tendo-se em conta o acima decidido.

Custas a cargo da parte vencida, a final.
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Porto, 19 de Fevereiro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Relatora: (Rita Romeira)
1ª Adjunta: (António Luís Carvalhão)
2ª Adjunta: (Rui Penha)