DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IMPULSO PROCESSUAL
Sumário

I - A deserção da instância depende da verificação dos seguintes pressupostos:
- Que o prosseguimento da instância dependa do impulso das partes;
- Que o processo esteja parado há mais de seis meses por falta desse impulso;
- Que essa falta se deva a negligência das partes.
II - A violação do princípio do contraditório pode determinar a nulidade nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C.P.Civil, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
III - Era dever do tribunal que pretendia declarar a deserção da instância por falta de impulso processual das partes ouvi-las sobre essa intenção e só após decidir.

Texto Integral

Apelação - Processo n.º 6685/21.7T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5



Recorrente – AA
Recorrido - BB


Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. João Proença
Desemb. Rui Moreira



Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)


I AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, pedindo:
a) Condenar o réu a restituir ao autor o montante de 25.450,00€ (vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta euros), quantia com que injustamente se locupletou da conta da empresa do Banco 1... com o IBAN: ...64, para a sua conta com o n.º ...78.
b) Mais requer o pagamento dos juros legais em vigor desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
Alegou, para tanto e em síntese que o autor era gerente da sociedade A... – Comércio Automóveis, com sede na Rua ..., ..., ... Porto, que se dedicava à compra e venda de automóveis usados. E no âmbito da sua atividade comercial abriu uma conta no Banco 1... com o IBAN: ...64, para onde eram feitos os depósitos e transferências do dinheiro proveniente da compra e venda dos veículos automóveis.
O autor e réu eram amigos de longa data e o réu tinha muitos conhecimentos junto dos concessionários de automóveis e disponibilizou-se para comprar os carros aos concessionários com o dinheiro do autor e depois, entregava-os a este, para ele os vender no seu stand. Por isso, durante o ano de 2014, o autor efetuou para a conta do réu com o n.º ...78, cinco transferências bancárias, num montante total de €25.450,00 para este comprar vários automóveis usados para o stand do autor. Todavia, este nunca entregou os carros comprados, nem devolveu o dinheiro.

Citada o réu, este veio apresentar contestação, pedindo a improcedência da ação.
Para tanto, alegou, em suma, nada deve ao autor ou à sociedade, uma vez que foi feito, oportunamente, o necessário acerto de contas entre todos.

Mais excecionou a ilegitimidade do autor e a litispendência.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as exceções da ilegitimidade e da litispendência invocadas pelo réu. Foi fixado o objeto do processo e elencados os temas de prova.

Em sede de audiência de julgamento, a 21.04.2022, as partes solicitaram a suspensão da instância para análise de todo o global litígio pendente entre elas com vista à obtenção de um desejado acordo, também global.
Tal pretensão foi deferida, determinando-se a suspensão da instância por 15 dias e, mais se disse que “em face do forte propósito conciliatório assumido pelas partes, entende-se ser prematuro, por ora, agendar nova data para a audiência de julgamento”.

Nada sendo, entretanto, requerido nos autos, em 20.05.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Solicite aos Mandatários que informem do desfecho das negociações mantidas, sem prejuízo da reserva em pontos cobertos pelo segredo profissional, bem como no mais que tiverem por conveniente”.

Veio o réu, por requerimento de 30.05.2022, requerer a concessão de um prazo adicional de 20 dias para ultimarem as negociações entre as partes.

Pelo que, em 2.06.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Em face do requerimento que antecede, que denota um forte propósito conciliatório das partes, defere-se ao requerido e prorroga-se o período de suspensão da instância por 20 dias – cfr. artigo 272º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Notifique”.

Dado o silêncio das partes, em 14.09.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Solicite aos Mandatários que informem do desfecho das negociações mantidas, no prazo de 10 dias, sem prejuízo da reserva em pontos cobertos pelo segredo profissional, bem como no mais que tiverem por conveniente.
Caso nada seja dito, os autos retomam a sua regular tramitação”.

Mas, por requerimento de 26.09.2022, veio o réu aos autos informar que as partes continuavam em negociações, e por isso, requereu a concessão de um prazo de 30 dias para a obtenção do acordo pretendido.

Pelo que, em 13.10.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Atento o requerido, que evidencia um forte propósito conciliatório das partes, defere-se a prorrogação da suspensão da instância (cfr. artigo 272º, nº 1 do Código de Processo Civil), ainda que por um período inferior ao pretendido, dado o lapso de tempo entretanto decorrido, ou seja, por 20 dias.
Notifique”.

De novo, em face do silêncio das partes, em 15.11.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique as partes para, no prazo de 10 dias, informarem os autos sobre se lograram alcançar a composição extrajudicial do litígio.
d.n.”.

Mais uma vez, o réu veio responder, por requerimento de 28.11.2022, dizendo, em suma, que as negociações entre as partes estavam em curso, sobre este e outros processos, mas requeria a prorrogação do prazo de suspensão da instância por mais 20 dias.

Pelo que, em 14.12.2022, foi proferido o seguinte despacho: “Ref.ª 34009020:
Face ao exposto, que julgo sério e atendível, e ao abrigo do disposto no art.º 272.º, n.ºs 1 e 4 do CPC, prorrogo a suspensão da instância por mais 20 (vinte) dias em conformidade com o requerido.
Notifique.
Porto, d.s.”

Decorrido o prazo referido no anterior despacho e nada tendo sido requerido nos autos, a 12.10.2023, foi proferido o seguinte despacho: “No seguimento dos despachos de 01.02 e 12.09, mantendo-se o silêncio do autor, e nos termos do artigo 281.º, n.º 1 e 4 do CPC, julgo deserta a instância.
Custas pelo autor.
Registe e notifique e, oportunamente, arquivem-se os autos.
Valor da ação: €25.450,00”.


Inconformado com tal decisão, dela veio o autor recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que determine o prosseguimento dos ulteriores termos processuais da ação.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
a) O recorrente discorda da sentença "a quo", a qual, é suscetível de ser modificada por ter ocorrido uma nulidade à luz do conceito geral do direito civil art.º 294.º, C.C. art.ºs 195.º n.º 1 e art.º 615.º n.º 1, al. b), do C.P.C.
b) Dado que, a suspensão da instância ocorreu na audiência de discussão e julgamento, nessa conformidade, a parte não estava obrigada a qualquer impulso processual, por força da lei, uma vez que, a tramitação a seguir era a de designação de data para julgamento, o que não depende de qualquer pedido das partes. O Mm.º Juiz de Direito devia determinar o prosseguimento dos normais trâmites do processo e não decidir pela deserção da instância, sendo este o entendimento da Jurisprudência.
c) O Mm.º Juiz “a quo” devia antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, num juízo prudencial, ouvir as partes, de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.
d) Finda a suspensão da instância acordada entre as partes com o propósito de encetarem negociações com vista a um entendimento sobre o objeto do processo, a omissão da comunicação sobre o resultado das negociações que foram instadas a comunicar ao tribunal, consubstanciando uma falta de cooperação, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 7.º, n.º 1, do CPC, não legitima a paragem do processo para efeitos da contagem do prazo a que alude o art.º 281.º, n.º 1, do CPC, não recaindo sobre qualquer das partes o impulso processual, antes se exigindo que o juiz, oficiosamente, pratique os atos necessários ao prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
e) Porque o artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não consagra nenhuma presunção de negligência e sendo que, do dever de gestão processual decorre que ao juiz cabe, em geral, a direção formal do processo, nos seus aspetos técnicos e de estrutura interna e essa direção implica a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, só excecionalmente cabendo às partes o ónus de impulso processual subsequente, ligado ao princípio do dispositivo.
f) Deste modo, e concluindo-se pela não verificação do requisito objetivo da deserção supra apontado, deve procede a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido, resultando assim prejudicado o conhecimento da questão atinente às custas que nele foram fixadas.
g) Que o despacho recorrido seja declarado nulo por violação do preceituado nos art.ºs 195.º n.º 1, art.º 615.º n.º 1, al. b), do C.P.C e art.º 294.º do Código Civil, sendo revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da ação.


O réu/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.


II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de aqui os reproduzir.


III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do autor/apelante são questões a apreciar no presente recurso:

1.ª – Da alegada nulidade da decisão recorrida.
2.ª- Da (i)legalidade da decisão de deserção da instância.


1.ª- questão – Da alegada nulidade da decisão recorrida.
Argumenta, em suma, o apelante que “a necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência das partes, impõem que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão e na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria (art.ºs 3.º, n.º 3 e 7.º, n.º 1, do C.P.C.)”.
Remete-nos o apelante para a eventual violação do princípio do contraditório e da génese de uma “decisão surpresa”. Ou seja, a situação colocada pelo apelante não seria de nulidade da decisão por falta de fundamentação, mas eventualmente, uma nulidade processual – omissão de um ato que a lei não prevê e cuja omissão teve influência na decisão, cfr. art.º 195.º do C.P.Civil.
Ora, dispõe o art.º 3.º n.º 3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este normativo pretende impedir que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório. Este princípio é corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do n.º1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.
O princípio do contraditório, consagrado no art.º 3.º n.º 3, é um dos princípios basilares que enformam o processo civil. No entanto este princípio não é de aplicação absoluta, havendo situações em que ele poderá não ser atendido, ou mitigado, como ocorre nos processos urgentes, em que a audição da parte contrária pode ser dispensada, ou por manifesta desnecessidade.
Como é sabido, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.
A violação do princípio do contraditório pode determinar a nulidade nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C.P.Civil, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Dúvidas não temos que atentas as circunstâncias dos autos enunciadas no supra elaborado relatório, era dever do tribunal que pretendia declarar a deserção da instância por falta de impulso processual das partes ouvi-las sobre essa intenção e só após decidir, o que não se verificou.
Também a generalidade da jurisprudência e a doutrina vêm exigindo ainda, pelo menos nos casos em que seja menos evidente que o prosseguimento da instância está dependente do impulso das partes, a prévia prolação de despacho judicial que sinalize a necessidade desse impulso e as consequências da sua falta, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 329.
Também o Prof. Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, n.ºs 1.3.4, refere que no âmbito deste princípio de cooperação compreende-se um dever de prevenção do juiz, sendo manifestações do mesmo a advertência às partes das possíveis consequências desvantajosas de certas atuações, cfr. art.ºs 590.º n.º4 e 591.º, al. c), ambos do C.P.Civil, e a própria garantia, pelo juiz, de um contraditório efetivo, cfr. art.º 3.º n.º 3 do C.P.Civil.
E assim, no caso, entende-se que a omissão da notificação do apelante e do apelado para se pronunciarem pela eventual decisão de deserção da instância, por falta de impulso processual das partes, influiu na decisão da causa, pois que impediu as partes de esgrimirem os argumentos que agora o apelante veio invocar em sede de recurso, no que concerne “in casu” ao dever de impulso processual.
Dúvidas não temos de esta nulidade pode ser suscitada por via recursória e colocada diretamente a este Tribunal da Relação. Na verdade, e também como é sabido, em princípio, das nulidades cabe reclamação e não recurso.
Já o Prof, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 424, ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem atos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Ora, “in casu” a omissão foi praticada pelo tribunal, que proferiu decisão sem ouvir previamente as partes, estando coberta pela decisão judicial, a decisão recorrida, pelo que a nulidade pode ser suscitada em recurso e declarada por este mesmo tribunal.
Contudo, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a não ser que não disponha de todos os elementos para o fazer.
Daí que é ao conhecimento do objeto da apelação que vamos proceder de seguida.
Procedem na conformidade com o que ficou exposto as respetivas conclusões do apelante.

2.ª- questão - Da (i)legalidade da decisão de deserção da instância.
Em suma, defende o apelante que “a suspensão da instância ocorreu na audiência de discussão e julgamento, pelo que, a parte não estava obrigada a qualquer impulso processual, por força da lei, uma vez que a tramitação a seguir era a de designação de data para julgamento, o que não depende de qualquer pedido das partes.
Assim, terminada a suspensão, não juntando as partes aos autos qualquer acordo, ou pedido de desistência, ao juiz incumbe diligenciar pelo prosseguimento dos termos do processo, no caso designando, de novo, data para audiência de julgamento”.
Da análise dos autos e das circunstâncias neles ocorridas, é manifesto que assiste plena razão ao apelante.
Mas vejamos.
Preceituam os n.ºs 1 e 4 do art.º 281.º do C.P.Civil, sob a epígrafe “deserção da instância e dos recursos” que:
1.Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4.A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator “.
Relativamente ao regime anterior, a atual lei processual civil, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, de que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo estádio intermédio da interrupção da instância.
Em suma, atualmente, julgamos que o atual regime, sendo diferente é também mais severo ao sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colimando logo com a “deserção” e consequente “extinção da instância”, cfr. art.º 277.º, al. c) do C.P.Civil] a falta de impulso processual das partes.
É evidente que a deserção da instância configura um mecanismo processual baseado no princípio da auto-responsabilidade das partes, destinado a obstar à eternização do processo quando a parte se desinteressa da lide, não promovendo o andamento do processo nas situações em que lhe compete fazê-lo, e que visa tutelar o regular funcionamento dos tribunais e a celeridade processual, enquanto interesses de natureza pública.
Como refere Paulo Ramos de Faria inO julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, Abril 2015, pág. 4, “a deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada, como vimos, que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste”.
A deserção da instância depende, assim, da verificação dos seguintes pressupostos:
- Que o prosseguimento da instância dependa do impulso das partes;
- Que o processo esteja parado há mais de seis meses por falta desse impulso;
- Que essa falta se deva a negligência das partes.
In casu” não se discute que o processo esteve parado durante mais de 6 meses.
Resta apurar se sobre a parte recair ou não o ónus específico de promoção da atividade processual. Pois dúvidas não restam de que nenhuma relevância tem, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre essa mesma parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual.
Quanto à “negligência das partes”, segundo a previsão legal, ela não se basta com o mero decurso do prazo previsto na lei ou a simples verificação de uma não atuação, sendo necessário existir contraditório prévio à prolação da decisão de deserção, sendo ainda que ela pressupõe uma efetiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objetiva suscetível de abranger a mera paralisação aparente do processo.
In casu”, o tribunal recorrido, como se viu, antes de proferir decisão de extinção da instância por deserção, não ouviu as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual era ou não imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas e, também não verificou se, nas circunstâncias dos autos sobre as partes recaía ou não o ónus processual específico de promoção da atividade processual.
Se o tivesse feito, teria verificado que “in casu” a suspensão da instância ocorreu em sede da audiência de discussão e julgamento, e assim, não tendo as partes comunicado ao processo ter sido, ou não ter sido, alcançado um qualquer acordo quanto ao litígio que as divide – fundamento determinativo da suspensão da instância – manifesto é de concluir que elas, por força da lei, não estavam obrigadas a qualquer impulso processual, uma vez que a tramitação a seguir era a de designação de data para julgamento, o que não depende de qualquer pedido das partes, antes é um dever do juiz – dever de gestão processual, cfr. art.º 6.º do C.P.Civil. e assim, este atuando esse dever específico, deveria, sem mais, terminado o prazo concedido às partes – suspensão da instância - diligenciar pelo prosseguimento dos termos do processo, no caso designando, de novo, data para audiência de julgamento.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, procedem as respetivas conclusões do apelante, havendo de se revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos prosseguimento normal dos trâmites processuais, mormente com a designação de data para julgamento.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente, ordena-se o prosseguimento normal dos trâmites processuais da ação.

Custas pelo réu/apelado.


Porto, 2024.02.20
Anabela Dias da Silva
João Proença
Rui Moreira