EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
NULIDADES PROCESSUAIS
Sumário

I - Uma das formas da extinção da instância, que não passa pelo julgamento, é a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, prevista na alínea e) do artigo 277.º CPC, forma o anormal de extinção da instância.
II - A manutenção da ação esbarraria na violação de um princípio de lógica elementar: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Não se pode pretender a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento definitivo e receber a correspondente indemnização, e continuar a execução desse mesmo como se não tivesse sido resolvido.
III - Ao continuar com a execução do contrato ─ situação absolutamente incompatível com a pretensão de resolução e correspondente indemnização ─ a apelante inviabilizou o prosseguimento dos autos.

Texto Integral

Apelação n.º 2860/20.0T8PNF.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto



1. Relatório
A..., Ld.ª, com sede na Rua ..., Zona Industrial ..., Sector ..., freguesia ... do concelho ... e com o número único de matrícula e pessoa colectiva ...93, intentou acção declarativa comum contra B..., Ld.ª, com número único de matricula e pessoa colectiva ...20 e sede em Rua ..., ..., .../..., pedindo que seja:
a) declarado resolvido, com todas as consequências legais, o contrato celebrado entre a A. e R. em 27 de Dezembro de 2016;
b) a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 37.001,25 (trinta e sete mil e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de indemnização pelo incumprimento contratual da R., à qual acrescerão juros de mora vencidos e vincendos contados sobre aquele valor desde a data da resolução do contrato e até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto, e em síntese, que, em 27 de Dezembro de 2016, celebrou com a R. um contrato designado por acordo comercial, através do qual, pelo período de 60 meses, a R. obrigou-se a adquirir-lhe, mensalmente e em regime de exclusividade, a quantidade mínima de 42 (quarenta e dois) Kgs de café A... lote “Buono” e seus sucedâneos, para consumo no seu estabelecimento comercial, no total de 2.485 (dois mil quatrocentos e oitenta e cinco) Kgs de café.
Em contrapartida, concedeu à R. um desconto antecipado no valor de € 10,63 (dez euros e sessenta e três cêntimos) por cada um dos 2.485 (dois mil quatrocentos e oitenta e cinco) Kgs aquela se obrigou a adquirir, no valor de total de € 25.980,00 (vinte e cinco mil novecentos e oitenta cêntimos), o que cumpriu mediante a entrega de materiais e equipamentos para utilização no estabelecimento comercial.
Acrescentou que a R. adquiriu sempre quantidades inferiores à contratada, sendo
que em Fevereiro de 2020 tinha adquirido apenas a quantidade de 860 (oitocentos e sessenta) Kgs de café.
Informada da intenção da R. de trespassar o seu estabelecimento comercial, comunicou-lhe que não autorizava qualquer cessão de posição contratual e interpelou-a para o cumprimento do contrato.
Mantendo-se o incumprimento da R., a A., por carta registada datada de 8 de Setembro de 2020, dirigiu-lhe interpelação admonitória, interpelando-a para adquirir a quantidade de café em falta e realizar aquisições conforme o contratualmente previsto, concedo-lhe um prazo peremptório de oito dias, sob pena de dar por incumprido e resolvido para todos os devidos e legais efeitos o contrato celebrado.
A R. manteve-se em incumprimento, considerando a A. que, perdido o beneficio do prazo concedido à R. para a aquisição do café, assiste-lhe o direito de receber o valor do café cuja aquisição se encontra em falta, ao PVP e IVA em vigor à data do efectivo pagamento do mesmo, o que perfaz a quantia de €37.001,25 (trinta e sete mil e um euros e vinte e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora.
Contestou a R., excepcionando a impossibilidade objectiva parcial, nos termos do artigo 793.º, n.º 2, CPC, com a consequente extinção parcial da obrigação, o que torna a resolução declarada pela A. injustificada, ilícita e ineficaz o que deverá ser declarado com as consequências legais.
Alegou para tanto, e em síntese, que, devido ao estado de emergência decretado em consequência da epidemia de covid 19 a actividade de restauração sofreu inúmeras restrições, a partir de 14.03.2020 e ainda vigentes à data da apresentação da contestação, levou a um funcionamento restrito do estabelecimento, tendo ocorrido o seu encerramento definitivo em 23.05.2020.
Excepcionou ainda o abuso do direito porque a A., valendo-se do quadro contratual unilateralmente imposto, a que a R. se limitou a aderir, abstraindo-se deliberadamente das relevantíssimas circunstâncias transversais ao país, ao sector da restauração e concretamente à R., interpelando-a para que, no prazo de cinco dias, ─ e não os oito dias que alega na petição inicial, que não seria igualmente um prazo razoável ─, colocasse cobro a um incumprimento com a dimensão que os autos indiciam. E que, a ser consentido o exercício dos direitos a que a A. se arroga, ocorrerá uma desproporção inadmissível entre a vantagem a obter pela A. e o sacrifício que lhe é imposto, pois ela pretende obter indemnização correspondente ao fornecimento de café, sem o desconto contratado, café que manterá, além do mais, na sua disponibilidade.
Invoca ainda a R. o instituto da alteração das circunstâncias, previsto no artigo 437.º e ss., CC, por ter sido forçada, por imperativo legal, a encerrar o estabelecimento de restauração que explorava devido aos constrangimentos da epidemia de Covid 19, realidade que se instalou em Março de 2020 e se manteve inalterada até Setembro de 2020, data da resolução declarada pela A.. E que, face à impossibilidade objectiva da R. adquirir as quantidades de café, a manutenção do contrato conforme celebrado provoca uma flagrante lesão à R., que estaria nessa hipótese obrigada a adquirir café em quantidades não despendidas, sem o poder escoar com o fornecimento aos seus clientes, circunstância contrária à boa-fé.
Sublinha que a A., apenas após a instalação da pandemia por covid 19, começou a interpelar a R. para adquirir as quantidades de café constantes do contrato, embora a R. nunca tivesse atingido aqueles consumos mensais desde o primeiro mês. A A. nunca retirou qualquer efeito do facto da R. não atingir a cada mês o volume de compras de café acordado, isto até Março/Maio de 2020, nunca lhe tendo imputado qualquer mora durante mais de três anos.
Sustenta, pois, que tem direito à modificação do contrato segundo o prudente juízo de equidade, que, em seu entender, deve conduzir à redução dos fornecimentos àqueles que efectivamente foram realizados pela A. à R., ou, pelo menos à redução do período de vigência do acordo comercial, à data da alteração das circunstâncias, ou seja, a 14 de Março de 2020, com a redução proporcional das prestações de A. e R.
Defendeu-se ainda por impugnação e deduziu reconvenção, pedindo a redução da prestação devida pela aquisição das quantidades de café devidas até 15.3.2020, e que quantificou em €6.341,10, após convite nesse sentido.
Replicou a A., pugnando pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional.
A R. apresentou articulado superveniente, alegando que, em 11.05.2021 cedeu a exploração comercial restaurante à sociedade comercial por quotas com a firma C..., UNIPESSOAL Ld.ª, pessoa colectiva n.º ...84, com sede na Rua ..., ..., Funchal, tendo o restaurante reaberto no início de Junho corrente, explorado pela referida cessionária, todavia, sem poder utilizar toda a sua capacidade produtiva, face às restrições/limitações à prossecução da actividade da restauração.
Cedente e cessionária solicitaram à A., que aceitou, a continuação dos fornecimentos da café nos termos do contrato em causa nos autos, acordo que está novamente em execução.
Assim, a A. comunicou à R. que os consumos de café referentes ao contrato seriam facturados em nome da identificada cessionária, mantendo-se o contrato nos seus exactos termos, mormente quanto à responsabilidade contratual do cumprimento, bem como à utilização dos equipamentos. Sublinhou a A. que isso não implicava a alteração subjectiva do contrato: o terceiro não assumia qualquer posição contratual naquele contrato.
Nessa conformidade, A. encontra-se, desde então, 27.05.2021, a fornecer café ao estabelecimento comercial de que a R. é proprietária.
Considerando tratar-se de factos impeditivos, modificativos, ou extintivos dos direitos que a A. pretende fazer valer por via da acção, considera a R. dever a instância ser extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), CPC: a A. se encontra a cumprir a obrigação de fornecimento de café que decorre do contrato cuja cessação, por resolução, se encontra em discussão nos autos e a R., como proprietária do estabelecimento de restauração, se encontra a consumir café nos mesmos termos, apenas com a alteração formal no que à facturação diz respeito, decorrente da cessão de exploração supra referida.
Se assim não se entender, devem os factos supra enunciados ser aditados à discussão da causa por interessarem à sua boa decisão e à justa composição do litígio.
A A., devidamente notificada, não respondeu, tendo sido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 574.º, n.º 2, 587.º, n.º 1 e 588.º, n.º 4, CPC, considerada demonstrada a factualidade alegada em tal articulado.

Foi então proferido despacho:
A impossibilidade superveniente da lide verifica-se quando por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor não se pode manter por desaparecimento dos sujeitos ou do objeto.
Ora, com os factos trazidos aos autos no articulado superveniente, que a Autora não contestou, pelo que se têm por admitidos, resulta inequívoco que a pretensão da Autora formulada nestes autos não pode permanecer.
Com efeito, não pode persistir esta ação com base num incumprimento definitivo de um contrato que a Autora considerou resolvido e com base no qual pede uma indemnização, correspondente ao valor que a Ré deixou de pagar e simultaneamente manter-se a execução do mesmo contrato, tendo acordado com a Ré a permanência deste, imputando no mesmo o fornecimento do café a um terceiro.
Tais comportamentos são incompatíveis e não podem coexistir, sendo que a atuação da Autora plasmada no articulado superveniente, porque posterior à instauração da presente ação, extingue o objeto e o fundamento desta– o incumprimento por parte da Ré.
Assim, ocorre uma impossibilidade superveniente da presente lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC.
Em face do exposto, julgo extinta a presente ação que A..., Lda instaurou contra B..., Lda.
Inconformada, apelou a A., apresentando as seguintes conclusões:
A) Por sentença de fls… veio o Tribunal a quo julgar extinta a presente instância, considerando ocorrer uma impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do CPC.

B) A sentença foi proferida em sede de saneador-sentença, sem que tivesse sido realizada audiência prévia ou sem que o Tribunal a quo tivesse sido dado oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de proferir tal sentença, em sede de saneador.

C) Nos termos do artigo 593.º do Código de Processo Civil, é obrigatória a realização de audiência prévia, quando o Tribunal pretende conhecer imediatamente do mérito ou de alguma circunstância que impeça o prosseguimento dos autos ou, numa interpretação mais permissiva, deverá notificar previamente as partes dessa intenção, para se pronunciarem, querendo.

D) Não o tendo feito, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil e 3.º do Código de Processo Civil, por omissão de um ato que a lei expressamente determina e que influiu diretamente na decisão da causa, resultando numa decisão surpresa.

E) Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, devendo o Tribunal a quo proferir despacho a determinar a realização da audiência prévia, nos termos do artigo 593.º do Código de Processo Civil, seguindo os autos a tramitação subsequente.

Sem prescindir,

F) Mal andou o Tribunal a quo ao extinguir a presente ação, já que da factualidade não se retira qualquer justificação para a inutilidade superveniente da lide.

G) Da prova documental existente nos autos e, bem assim, da matéria alegada pelas partes, nomeadamente, pela Ré, no articulado superveniente, não resulta que a presente ação deixou de ser necessária, já que o direito da Autora não se extinguiu.

H) A Ré não alegou que, após a instauração da Ação, liquidou – por si ou através de um terceiro
– as responsabilidades peticionados pela Autora em sede de petição inicial ou que procedeu ao cumprimento (tardio/subsequente) das obrigações resultantes do contrato em causa nos autos.

I) O que a Ré alegou é que a Autora aceitou que um terceiro pudesse consumir para a aquisição de café em falta.

J) No articulado superveniente apresentado pela Ré foi junta, como Doc. N.º 2, uma carta, dirigida pela Autora à Ré, de onde se concluiu que a Autora, apesar de permitir que os consumos de café sejam efetuados por terceiro, recusa qualquer assunção/cessão contratual da Ré para outros terceiros, mantendo-se a Ré como responsável pelo cumprimento das obrigações que assumiu.

K) Do mesmo modo, não há qualquer facto que demonstre que da ação desapareceram sujeitos ou o objeto da ação.

L) Nunca alegou a R. que consumiu toda a quantidade de café em falta ou liquidou o montante correspondente.

M) Ora, concluiu-se que da factualidade alegada, não existem fundamento para a inutilidade superveniente da lide, uma vez que não foi alegada uma cessão da posição contratual ou um cumprimento superveniente, por parte da Ré ou de terceiro, das obrigações que a Autora reclama na petição inicial.

N) Quando muito, a factualidade alegada no articulado superveniente determinaria uma modificação dos direitos peticionados pela Autora, na petição inicial, conforme até refere a Ré, no seu articulado superveniente, ainda que subsidariamente.

O) Tal redução não implica a manutenção da pretensão da A. com a ação, uma vez que não esta em causa a satisfação do pedido (consumo de toda a quantidade em falta ou liquidação do montante respetivo)

Nestes termos, e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, sendo a decisão recorrida integralmente revogada e substituída por outra que:

a. Declare nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por violadora nos artigos 195.º e 3.º do Código de Processo Civil, com o consequente proferimento de despacho a determinar a convocação de audiência prévia, nos termos do artigo 593.º do Código de Processo Civil;

Sem prescindir,

b. Seja a sentença recorrida revogada, devendo os autos prosseguirem a sua habitual tramitação, para apreciação de facto e de direito da matéria alegada pelas partes, e eventual realização de audiência de discussão e julgamento.

Contra-alegou a R., assim concluindo:

1. Em 16/06/2021 a Recorrida, ofereceu o articulado superveniente a fls. …, no qual alegou factos capazes de demonstrar a manutenção do contrato de fornecimento de café cuja resolução a A. havia declarado e pretendia ver reconhecida na acção como fundamento da indemnização reclamada na P.I., nesse sentido vejam-se os pedido e respectiva causa de pedir;

2. Aquando do oferecimento do articulado superveniente, em consequência dos factos alegados e documentalmente demonstrados, a Apelada requereu a título principal a extinção da instância pela inutilidade superveniente da lide;

3. Por douto despacho de 06/04/2022 a fls. … ordenou-se a notificação da Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 588.º, n.º 4, última parte do C.P.C.;

4. O referido despacho foi cumprido por notificação com data de 7/4/2022 a fls. …;

5. Assim se cumpriu o contraditório e a A./ Recorrente nada requereu, sem que disso resulte qualquer violação do contraditório – art.º 3.º do C.P.C., pelo contrário este foi cumprido na forma legalmente imposta;

6. A falta de resposta ao articulado motivador no prazo legal de 10 dias tem por efeito considerarem-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados – art.º 588.º, 587.º e 574.º todos do C.P.C.;

7. Ora, a Recorrente não impugnou os factos alegados pela Recorrida, não impugnou os documentos juntos, sendo que destes decore que a R. cedeu à exploração o seu estabelecimento de restauração e que a A. comunicou à R. que o contrato se mantém nos seus exatos termos, sendo da responsabilidade da R. o seu cumprimento e que que o está a pagar, mantendo-se assim o contrato em execução;

8. No seu recurso a Apelante esqueceu os factos que alegou no seu libelo e o pedido formulado
de declaração de resolução do contrato de fornecimento de café;

9. Sem a resolução declarada e que é a causa de pedir da acção, nenhum direito à indemnização
subsequente àquela subsiste na esfera da Recorrente;

10. Como resulta da factualidade provada: a A. enviou uma carta à R. dando-lhe notícia entre outros que: “(…) o terceiro em causa não assume qualquer posição contratual naquele contrato, mantendo-se o mesmo nos seus exatos termos, mormente quanto à responsabilidade contratual do cumprimento do mesmo.” – cfr. carta a fls. … junta com o articulado motivador -;

11. Não pode a Apelante litigar no melhor de dois mundos: sustentando a resolução e o incumprimento definitivo do contrato pela Recorrida, pedindo a sua condenação no pagamento da respectiva indemnização e, simultaneamente, imputar à Recorrida a responsabilidade contratual decorrente da manutenção do contrato, fornecendo-lhe café, especificando que aquele se mantém não com o terceiro cessionário do estabelecimento, mas com a própria R., nos seus exactos termos;

12. Ao contrário do alegado em sede de recurso não se verifica qualquer nulidade do processo, ou da decisão recorrida por preterição da audiência prévia legalmente imperativa, ou pela existência de “decisão surpresa”;

Com efeito,

13. A fls. … consta a “ata de audiência prévia” realizada no dia 20 de Dezembro de 2021, pelas 14:15 horas, apenas com a finalidade única de tentativa de conciliação;

14. A Recorrente sustenta que foi preterida uma das finalidades legalmente obrigatórias da audiência prévia, porém, fosse esse o caso, devia ter reclamado a inclusão de tal finalidade aquando da marcação ou naquela diligência ou, pelo menos, ter arguido no prazo legal a nulidade decorrente da omissão de tal acto, prazos há muito decorridos pois a Recorrente esteve presente na diligência;

15. Precludido está assim o direito da Recorrente em arguir a nulidade decorrente da omissão que invoca;

Sem prescindir,

16. A Recorrente foi expressamente notificada do oferecimento do articulado superveniente, tendo disposto de prazo para impugnar: os factos, os efeitos jurídicos destes, os documentos e o pedido formulado naquele o de extinção da acção por inutilidade superveniente, tal como veio a ser decidido na douta sentença recorrida;

17. É assim de afastar, por não verídica, a conclusão do recurso da Apelante de que o Tribunal a quo não deu às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a matéria que foi decidida na sentença;

18. Nos termos artigo 592.º do C.P.C., a audiência prévia não se realiza nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;

19. A norma supra pretende ser a consagração do princípio da celeridade, utilidade e eficiência do processo e da Justiça, pois não poderá ser convocada audiência prévia para discutir aquilo que uma das partes não contesta (tendo sido para isso notificado: querendo), isto é, não discute, nem põe em causa, sendo evidente que o processo reúne todos os elementos para poder ser decidido;

20. Acresce que, nunca a audiência prévia poderia servir para suprir aquela falta de contestação/resposta, ou para derrogar e violar os princípios da legalidade e do contraditório, fazendo tábua rasa da notificação legal endereçada à A. – a do art.º 588.º n.º 4 do C.P.C.-, do prazo perentório para o exercício daquele direito e, por fim, para violar flagrantemente e votar à ineficácia a cominação legal para a falta de resposta;

21. Por tudo, a audiência prévia não podia ser convocada com a finalidade pretendida pela Recorrente na motivação do seu recurso e se fosse, mais não representaria que a prática de um
acto inútil, por isso nulo e proibido por Lei – art.º 130.º do C.P.C.-;

Sem prescindir, ainda,

22. Não procede qualquer nulidade por “decisão surpresa”;

23. Como ficou demonstrado a Recorrente foi notificada do oferecimento do articulado superveniente e posteriormente foi notificada do despacho da sua admissão nos termos e para os efeitos legais, garantindo-se na forma legalmente prevista o contraditório;

24. Aliás, a Recorrente nada respondeu, porque assim decidiu, desde logo por estar ciente da verdade dos factos constantes do articulado superveniente e da natureza genuína dos documentos
que os suportam (o mais relevante da sua autoria);

Por último,

25. Nos mesmos termos a Apelante não impugnou no presente recurso a matéria de facto;

26. A douta sentença recorrida não enferma de qualquer erro na interpretação e aplicação do direito aos factos provados;

27. Não pode quedar-se qualquer dúvida, na presença daqueles factos, conforme muito bem se decidiu na douta sentença recorrida que a manutenção do contrato e a resolução são realidades incompatíveis e mutuamente exclusivas;

28. Tal como considerado pelo Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão, sendo declarada a manutenção do contrato à R. pela A. após a propositura da acção, esta será a realidade mais recente, actual e que assim derroga/revoga, ou afasta e, por tudo extingue, o direito e o fundamento objecto da acção: a resolução do contrato, o incumprimento definitivo e a respectiva indemnização;

29. Ao referido não pode ser oposto, como alega a Recorrente, a circunstância desta não aceitar a cessão da posição contratual no contrato de fornecimento de café; é que esse não foi o fundamento para se considerar extinto o direito da A. reclamar a indemnização na sequência da resolução declarada, antes este extinguiu-se nos termos em que a Recorrente o declarou à Recorrida: o contrato matem-se nos seus exatos termos e a responsabilidade contratual do cumprimento do mesmo é da R.;

30. Diferentemente do que a Apelante alega o pagamento não é o único facto capaz de modificar, impedir, ou extinguir um direito de crédito e logo aquele em causa na presente acção, sendo-o igualmente os factos provados;

31. Tendo a A. declarado a manutenção do contrato à R. (anteriormente resolvido), reiterado as suas condições e os seus sujeitos, retomando os fornecimentos que são o núcleo da sua prestação económica naquele contrato, extinguiu de forma voluntária e consciente o seu direito à indemnização decorrente da resolução em causa na acção;

32. Não merece qualquer censura a sentença recorrida, improcedendo assim totalmente o recurso da Apelante;

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, por ser esse o acto de inteira e sã Justiça;


2. Fundamentos de facto

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. Em 11.5.2021 a R. cedeu o estabelecimento comercial restaurante “D...” à exploração à sociedade comercial denominada C..., Unipessoal, Ld.ª, conforme teor do documento n.º 1 junto com tal articulado que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2. Iniciada a actividade, aquela sociedade manifestou interesse em continuar com o contrato celebrado entre A. e R. em 27.12.2016 (o dos autos), nos termos e condições contratadas e mantendo os equipamentos transmitidos por efeito daquele contrato.

3. A A. aceitou continuar com a execução do contrato, fornecendo o café na qualidade e quantidades constantes do mencionado contrato de fornecimento de café dos autos agora a C..., Unipessoal, Ld.ª, o que tem vindo a fazer desde 27.05.2021.

4. A A. comunicou à R. que os consumos de café referentes ao contrato com esta celebrado (o dos autos) serão facturados em nome do identificado cessionário, mantendo-se o contrato nos seus exactos termos, mormente quanto à responsabilidade contratual do cumprimento, bem como à utilização dos equipamentos conforme teor do documento n.º 2 junto com tal articulado que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, CPC
5. Na comunicação referida no ponto anterior, a A. sublinhou que “o terceiro em causa não assume qualquer posição contratual naquele contrato, mantendo-se o
mesmo nos seus precisos termos.


3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões:

─ nulidade por não ter sido convocada a audiência prévia e decisão surpresa;

─ saber se a celebração de um contrato de cessão exploração de estabelecimento comercial pela R., na pendência de uma acção em que a A. pede a resolução de um contrato de fornecimento de café e consequente indemnização, implica a impossibilidade superveniente da lide se a A. aceita continuar a fornecer café ao cessionário, declarando que este não assume qualquer posição contratual, mantendo-se o contrato nos seus precisos termos.

3.1. Da nulidade por não ter sido convocada a audiência prévia e decisão surpresa

Sustenta a apelante que, ao ter sido proferida decisão em sede de saneador-sentença, sem que tivesse sido realizada audiência prévia ─ obrigatória quando o Tribunal pretende conhecer imediatamente do mérito ou de alguma circunstância que impeça o prosseguimento dos autos ─, foi cometida um nulidade nos termos do artigo 195.º e 3.º CPC, por omissão de um acto que a lei expressamente determina e que influiu diretamente na decisão da causa, resultando numa decisão surpresa.

Pretende a revogação da decisão recorrida e que seja ordenada a realização da audiência prévia.

Apreciando:
A realização da audiência prévia constitui a regra nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação (cfr. artigos 591.º e 597.º CPC), e deve ser convocada a fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito no caso que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (artigo 591, n.º 1, alínea b), CPC).

E, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, CPC, Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

De acordo com o artigo 199.º, n.º 2, do mesmo diploma, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Ora, estando em causa uma nulidade processual, deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, pois foi aí que teve possibilidade de se aperceber da omissão da audiência prévia. Não o tendo feito, a nulidade fica sanada, não podendo ser invocada em sede de recurso.

Mesmo que esteja em causa o princípio do contraditório.

Vejamos:

O contraditório, um dos princípios estruturantes do nosso processo civil, ganhou particular relevo na Reforma de 1995/6, na sequência de várias decisões do Tribunal Constitucional, designadamente a propósito de condenações por litigância de má fé, sem que a parte fosse ouvida, sem possibilidade de se defender.
Daí que o artigo 3.º, n.º 3, CPC, de teor idêntico ao seu homólogo do Código
pregresso, estabeleça que O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Não obstante o relevo do contraditório, a sua violação configura uma nulidade secundária, enquadrável na definição do artigo 195.º, n.º 1, CPC, nos termos do qual
Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, [os artigos 186.º a 194.º, que prevêem as nulidades principais ou nominadas] a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Assim, todas as nulidades secundárias ou inominadas, omissão do contraditório incluída, ficam sujeitas ao regime geral dos artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º, n.º 3, CPC.
Trata-se de nulidades subtraídas ao conhecimento oficioso do Tribunal, dependendo de reclamação do interessado (artigo 197.º), perante o Tribunal que a cometeu.
O prazo para reclamação contra nulidades que não sejam do conhecimento oficioso é, em regra, de dez dias contados do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Reconduzindo-se a violação do contraditório a uma nulidade secundária — omissão de uma formalidade que a lei prevê—, a parte tem de reclamar da nulidade, e apenas do despacho que não atenda a reclamação é que cabe recurso (cfr. artigo 630.º, n.º 2, in fine, CPC).
No sentido de que a violação do contraditório configura uma nulidade processual, passível de reclamação no prazo de dez dias, sob pena de sanação, insusceptível de fundar um recurso, se pronunciaram os acórdãos do STJ, de 01.02.2011, Hélder Roque, www.dgsi.pt.jstj, proc. 6845/07.3TBMTS.P1.S1, de 14.052009, Serra Baptista, www.dgsi.pt.jstj, proc. 09B0677; de 22.09.2005, Oliveira Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 05B1488; de 13.012005, Araújo Barros www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4031.
Não se desconhece a existência de decisões em sentido contrário, partindo da ideia de que a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório se encontra coberta por uma decisão judicial.
Sobre o princípio de que a nulidade coberta por despacho judicial é passível de recurso, e não de reclamação, escreve Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. II, pgs. 507-8:
A arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados «dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (….).
Se, em vez de recorrer do despacho, se reclamasse contra a nulidade, ir-se-ia pedir ao juiz que alterasse ou revogasse o seu próprio despacho, o que é contrário ao princípio de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional de quem decidiu (…).
Em sentido idêntico, Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil,
1979, Coimbra Editora, pg. 183:
…se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
Não se discordando do princípio supra enunciado, a questão que se suscita é a do alcance da expressão «estar a coberto de despacho judicial» — quando é que se pode afirmar que a nulidade se encontra coberta por uma decisão judicial.
Mais concretamente, e no que ao caso dos autos concerne, importa determinar se a sentença prolatada, na sequência de uma violação do princípio do contraditório, dá cobertura à nulidade, por forma a permitir que ela seja conhecida a se em sede de recurso da decisão.
Bastará, para considerar-se a nulidade coberta pela sentença, que esta se siga cronologicamente ao cometimento da nulidade?
A resposta não pode deixar de ser negativa, como advertem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4.ª ed., pgs. 404-5:
Assim também, quando um despacho judicial aprecia a nulidade dum ato processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática de um ato da parte que não podia ter lugar, ordena a prática de um ato inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo ato prescrito por lei, a questão deixa de ser o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional (art. 613-1). É o que usa ser traduzido com o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. Veja-se ALBERTO DOS REIS, Comentário cit., II ps. 507-513, embora com exemplos em parte desatualizados. Mas tenha-se em conta que não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento do vício para que este: se possa considerar por ele implicitamente coberto (ANSELMO DE CASTRO, DPC cit., III, ps. 134-5).
Com efeito, o argumento de que a nulidade fica coberta pelo despacho não se adequa
às nulidades secundárias, que não são do conhecimento oficioso.
Como refere Anselmo de Castro, op. cit, pg. 134-5,
Se ao juiz é vedado o conhecimento oficioso da nulidade, não pode ele deixar de exarar os despachos que houver de dar para prosseguimento do processo, enquanto a nulidade não seja objecto de reclamação. É evidente que em tais casos não está nem pode estar em causa o princípio da inalterabilidade da decisão, visto que não chega a existir decisão alguma.
Para Alberto dos Reis, op. cit., pg. 511, nos casos em que o despacho não incide expressamente sobre a irregularidade, o critério distintivo será o seguinte: recurso, se for de admitir que o despacho contenha resolução implícita sobre o facto que serve de fundamento ao recurso; no caso contrário, deve reclamar-se contra a nulidade.
Ora, no caso da violação do contraditório, quer o juiz se tenha apercebido da omissão, quer não, nada pode fazer por se tratar de nulidade secundária, subtraída ao conhecimento oficioso.
Por essa razão entendemos que a nulidade em apreço não se mostra coberta pela sentença.
Por outro lado, não acompanhamos aqueles que fundamentam a recorribilidade da decisão no argumento de que a nulidade é cometida através da prolação da decisão recorrida.
Na verdade, a violação do contraditório pre-existe à sentença; situa-se a montante, sendo-lhe exterior. O que sucede é que é a sentença que revela a violação do contraditório, pois é com a sua notificação que o destinatário fica em condições de perceber que a decisão foi proferida sem ter sido ouvido.
Não sendo a nulidade cometida através da sentença, nem do conhecimento oficioso, entendemos que não se pode afirmar que a nulidade se encontra coberta pela sentença.
O acórdão do STJ, de 23.06.2016, proc. 1937/15.8T8BCL.S1, ensaia uma nova abordagem que, pelo seu interesse, transcrevemos:
É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório.
Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.
É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14).
Tal solução foi reforçada pelo mesmo processualista em comentário ao Ac. da Rel. do Porto, de 2-3-15 (www.dgsi.pt), concluindo que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)”. Com efeito, como aí se refere, até esse momento, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”, e que “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria” (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15).
Na verdade, em tais circunstâncias a parte é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da
possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação (no mesmo sentido cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 25, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 52).
Foi esta também a solução que recentemente foi adoptada no Ac. do STJ, de 17-3-16 (Rel. Fonseca Ramos), no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, onde se refere que “a decisão-surpresa alegada e verificada quanto ao acórdão da Relação constitui um vício intrínseco da decisão e não do iter procedimental, acarretando a nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deveriam ter sido ouvidos recorrente e recorridos”
Temos alguma dificuldade em reconduzir, ainda que de forma indirecta, a omissão de notificação da parte para se pronunciar a uma nulidade de sentença, por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC).
Ocorre nulidade por excesso de pronúncia quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este normativo, emanação do princípio do dispositivo, deve ser equacionado com disposto no artigo 609.º, n.º 2, CPC, que impõe ao juiz conhecer apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, não nos parece adequado afirmar que a nulidade processual consistente na falta de audiência prévia seja consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
As duas nulidades não se fundem: embora só com a sentença seja relevada nulidade consistente na falta de audição prévia, esta é autónoma, situa-se a montante, não perdendo a sua qualidade de vício de procedimento.
A falta de audição é um desvio do rito processual estabelecido na lei — error in procedendo — contra o qual se deve reagir pela forma prevista: arguição perante o tribunal que a cometeu.
Sendo procedente a arguição, o juiz anulará o processado afectado e sanará a nulidade, ordenando a prática do acto omitido, assim evitando o recurso, com o
manifesto proveito da celeridade.
Improcedendo a arguição, aí sim, a parte poderá recorrer do despacho que indeferiu a nulidade.
Nada impede, pelo contrário, que com o conhecimento da sentença a parte argua a nulidade decorrente da falta de audição, dando oportunidade ao juiz de sanar a nulidade.
O relevo atribuído ao princípio do contraditório não foi acompanhado do seu reenquadramento em sede de nulidade, ficando relegado para a categoria residual das nulidades secundárias.
Isto não autoriza, porém, convolar a nulidade processual em nulidade de sentença, cujo elenco é, aliás, taxativo.
Acompanhamos a síntese da decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03.05.2021, Moreira do Carmo, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 1250/20.9T8VIS.C1:
i) Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, do art. 615º, nº 1, c), do referido código;
ii) Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites; tão pouco se confundindo a dita nulidade com um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo;
iii) “Das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respetiva nulidade perante o juiz da causa, e não interpor recurso, invocando aquela nulidade da sentença, já que não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, o qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o trânsito em julgado se dando enquanto a arguição estiver pendente, para se dever entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida; e se a nulidade vier a ser declarada, a sentença deixa de poder subsistir (art. 195º, nº 2, 1ª parte do NCPC);
iv) Quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão proferida.
E discorre no corpo da decisão:
Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites (vide a límpida exposição de Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais…, 4ª Ed., págs. 23/29). Tão pouco se confundindo a dita nulidade com um erro material da decisão ou um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo.
Não aceitamos, por isso, que uma nulidade processual possa gerar uma nulidade da sentença.
Ora, de acordo com o conhecido aforismo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respectiva nulidade perante o juiz da causa, como resulta dos arts. 197º, nº 1, e 199º, nº 1, do indicado código, e não interpor recurso.
O apelante defende, contudo, que neste tipo de situação, em que se detecta uma nulidade que está colada à prolação da sentença o meio de reagir próprio é o recurso. Isto com base na argumentação que retira do Ac. Rel. Lisboa, de 10.9.2020, Proc.12841/19.08T8LSB, em www.dgsi.pt, aresto este que por sua vez se baseia na desenvolvida por Abrantes Geraldes (em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., págs. 26/30), e que o recorrente acompanha de perto e que é a seguinte:
(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa. – idem.
- A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso. – idem.
- Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão. – idem.
- (…) Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). – idem.
- Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.”.
Não subscrevemos, esta interpretação não convincente e utilitarista da aplicação do direito adjectivo, que desconsidera as normas cogentes. Curiosamente, reconhece que existe nulidade processual, que se poderia repercutir na sentença, mas depois manuseando, a nosso ver injustificadamente, os mecanismos processuais, dá um salto de 180 graus para a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (do art. 615º, nº 1, d), do NCPC), no essencial com um único motivo: o de que existe impedimento de outra decisão pelo esgotamento do poder jurisdicional, nos termos do art. 613º, nº 1, do mesmo código. Só que não vemos, do estabelecido na lei processual, que assim tenha de ser.
Subscrevemos, por conseguinte, a tese de Lebre de Freitas (em CPC Anotado, Vol.1º, 2ª Ed., nota 8. ao anterior artigo 201º do CPC = ao atual art. 195º, pág. 374) mais ajustada aos ditames normativos, mais linear, mais objetiva e dotada de mais certeza jurídica, em síntese mais convincente, que professa que ocorrida uma nulidade processual, que nos termos do art. 201º, nº 2 (atual 195º, nº 2, 1ª parte), deva acarretar a nulidade da sentença, não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, o qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o trânsito em julgado se dando enquanto a arguição estiver pendente, para se dever entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ! Certíssimo. E se a nulidade vier a ser declarada, evidentemente a sentença deixa de poder subsistir.
A título meramente exemplificativo, destacamos os seguintes acórdãos (alguns no âmbito da legislção pregressa, com manifesta actualidade):
─Acórdão do STJ, de 13.01.2005, Araújo Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 04B4031:
1. Como decorrência do princípio do contraditório, consagrado, entre outros, no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
2. A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, não constituindo nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, pelo que se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do mesmo diploma).
─ Acórdão da Relação do Porto, de 11.04.2019, Jorge Seabra, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 10135/05.8TBMAI.P1:
IV - De qualquer modo, a inobservância do “ princípio do contraditório ” traduz-se numa nulidade secundária a ser arguida pelo interessado em momento próprio e perante o tribunal recorrido (artigos 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do CPC), não podendo ser relegada apenas para o recurso; Tem ela que ser suscitada no tribunal recorrido – no prazo de 10 dias - e será da decisão judicial que recair sobre a reclamação que será admissível o posterior recurso para o tribunal superior.
─ Acórdão da Relação do Porto, de 10.01.2008, Manuel Capelo, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 0736877:
I – O conhecimento da nulidade do contrato de arrendamento, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório.
II – A violação do contraditório, não sendo, embora, de conhecimento oficioso, inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1, do CPC: dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
─ Acórdão da Relação de Lisboa, de 24.10.2019, Pedro Martins, www.dgsi.pt.jtrl,
proc. n.º 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2:
… se esta nulidade – do não cumprimento do dever de audição prévia – se verificar, se trata de uma nulidade processual, não de uma nulidade da decisão recorrida, que, como tal, teria de ser arguida no tribunal recorrido, e não neste recurso.
─ Acórdão da Relação de Guimarães, de 01.03.2018, António Barroca Penha, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 1218/14.4T8VCT.G1:
VI- A inobservância do “princípio do contraditório” traduz-se numa “nulidade secundária” a ser arguida pelo interessado em momento próprio (arts. 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do C. P. Civil), sob pena de se considerar sanada.
─ Acórdão da Relação de Guimarães, de 12.10.2017, Margarida Sousa, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 329/13.8TJVNF.G1:
I - Só caso a caso se pode saber se, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção;
II - Quando tal dever seja de afirmar e o mesmo não tenha sido cumprido antes de decorrido o prazo da deserção, deve o juiz notificar as partes para exercício do contraditório antes de se pronunciar sobre a verificação daquela;
III - A violação do aludido dever integra uma nulidade que deve ser arguida nos termos do artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil, não podendo ser interposto recurso da sentença com fundamento na omissão daquele despacho tido por devido.
─ Acórdão da Relação de Évora, de 01.04.2004, Ana Resende, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 3625/14.3T8LLE.E1:
I - A preterição do princípio do contraditório imposto pelo nº 3 do art.º 3º do CPC é susceptível de configurar uma nulidade processual que tem de ser arguida no prazo legal junto do tribunal de 1.ª instância onde a mesma, a verificar-se, terá sido cometida, até para facultar àquele tribunal o seu eventual suprimento, como decorre designadamente do art.199ºdo CPC, excepto na hipótese prevista no n.º 3 deste normativo
─ Acórdão da Relação de Évora, de 17.01.2019, Maria João Sousa e Faro, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 2737/03-2:
I – A não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 201, do CPC, obedecendo a sua arguição à regra geral prevista no art.º 205 do CPC.
Improcede, pois, a arguida nulidade.

3.2. Da impossibilidade da lide

Está em causa saber se a celebração de um contrato de cessão exploração de estabelecimento comercial pela R., na pendência de uma acção em que a A. pede a resolução de um contrato de fornecimento de café e consequente indemnização, implica a impossibilidade superveniente da lide, se a A. aceita continuar a fornecer café ao cessionário, declarando que este não assume qualquer posição contratual, mantendo-se o contrato nos seus precisos termos.

A sentença recorrida respondeu afirmativamente, contra o que se insurge a apelante, argumentando que não resulta que a acção tenha deixado de ser necessária, porque o seu direito não se extinguiu, não foi alegada uma cessão da posição contratual ou um cumprimento superveniente, por parte da R. ou de terceiro, das obrigações que reclama na petição inicial.

Apreciando:

Uma das formas da extinção da instância, que não passa pelo julgamento, é a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, prevista na alínea e) do artigo 277.º CPC, forma o anormal de extinção da instância nas palavras de Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. 3.º, pg. 371.
Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, volume 1.º, artigos 1.º a 361.º, 4.ª edição, pg. 561,
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.
Para Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, II, 2000, pg. 54,
A relação processual tem como elementos os seus sujeitos (partes) e o seu objecto (pedido e causa de pedir). Se, por facto posterior ao início da instância (propositura da acção), desaparecer uma das partes e não for juridicamente admissível a sua substituição, por ser estritamente pessoal o direito substancial por ela invocado ou que lhe era atribuído, ou se a coisa de que, por exemplo, se pede a entrega, perecer e for infungível, ou se a causa de pedir se extinguir por qualquer outro motivo estranho à composição da lide, a relação jurídica processual, desprovida de um dos seus elementos vitais, sucumbe, porque se tornou impossível, ou porque já é inútil a decisão final sobre a demanda.
Nestas circunstâncias, o prosseguimento da lide violaria o princípio, consagrado no artigo 130.º CPC, que proíbe a prática de actos ilícitos, comprometendo a economia processual.
No caso dos autos, a manutenção da acção esbarraria na violação de um princípio de lógica elementar: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Não se pode pretender a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento definitivo e receber a correspondente indemnização, e continuar a execução desse mesmo como se não tivesse sido resolvido.
É nesse contexto que a sentença recorrida afirma que a apelante pretende o melhor de dois mundos.
Ao continuar com a execução do contrato ─ situação absolutamente incompatível com a pretensão de resolução e correspondente indemnização ─ a apelante inviabilizou o prosseguimento dos autos.
Razão por que o despacho recorrido não merece censura.


4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527.º CPC).

*


Porto, 20/2/2024.

Márcia Portela
*
Artur Dionísio Oliveira [Declaração de voto: Para além das situações em que estão em causa nulidades de conhecimento oficioso ou cujo prazo de arguição apenas se inicie depois da expedição do recurso para o tribunal superior (artigo 199.º, n.º 3, do CPC), entendo que também nos casos em que o juiz, ao proferir decisão, omite alguma formalidade de cumprimento obrigatório, designadamente a observância do contraditório destinado a evitar decisões surpresa, a parte interessada deve reagir interpondo recurso baseado na nulidade da própria decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Mas, mesmo preconizando a tese contrária à adoptada no acórdão, considero que, no caso concreto, não ocorre a alegada nulidade por violação do contraditório, pelo que voto a decisão.]
*
Anabela Dias da Silva [Declaração de voto: Subscrevo a declaração de voto do Exm.º Sr. Desembargador Artur Dionísio Oliveira.]