PATROCÍNIO OFICIOSO
NOMEAÇÃO
PRAZO
INTERRUPÇÃO
Sumário

O pedido de apoio judiciário consistente no pagamento de honorários a patrono escolhido pelo interessado, constitui uma forma de nomeação oficiosa de patrono, na medida em que compete à Ordem dos Advogados a efectiva nomeação do patrono escolhido e a posterior comunicação a este e ao beneficiário do apoio judiciário.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

A............................. veio propor acção, com processo ordinário, contra B....................... .

No decurso do prazo da contestação, a Ré veio informar ter requerido a concessão de apoio judiciário, juntando documento comprovativo de ter formulado esse pedido, na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido e dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Foi então proferido o seguinte despacho:
Ao abrigo do disposto no art. 25º nº 4 da Lei nº 30-E/2000, de 20.12, a interrupção do prazo para contestar só se verifica nos casos em que o requerente do benefício de apoio judiciário pretende a nomeação de patrono.
Pelo que, nos termos da citada norma legal, indefere-se o requerido a fls. 31.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a Ré, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1. O Tribunal decidiu erradamente, pois deveria declarar interrompido o prazo para contestar, até que à Ré fosse nomeado o patrono que ela própria indicou ou outro.

2. Aguardar, nesse caso, a junção ou não da respectiva contestação, o que aliás e depois da nomeação efectuada veio a acontecer.
3. Assim, o Tribunal interpretou o espírito da Lei 30-E/2000, nomeadamente o seu art. 25º, de forma incorrecta.
4. Deste modo, deve ser reparada a decisão recorrida, decidindo-se que o prazo para contestar se suspendeu desde a entrada do requerimento da Ré, reiniciando-se o mesmo com a nomeação pela Ordem dos advogados do Patrono.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
A questão suscitada no recurso consiste apenas em saber se, na modalidade de apoio judiciário pedida pela Ré - incluindo o pagamento de honorários a patrono escolhido - o prazo em curso para apresentação da contestação se interrompe nos termos do art. 25º nº 4 da Lei 30-E/2000, de 20/12.

III.
Da certidão junta a estes autos decorrem estes elementos:
- a Ré foi citada para contestar em 24.9.2003;
- apresentou, em 15.10.2003, requerimento juntando o duplicado do pedido de concessão de apoio judiciário;
- do teor desse documento, resulta que as modalidades de apoio pretendidas foram a dispensa total de taxa de justiça e demais encargos e o pagamento de honorários do patrono escolhido pela requerente, indicando-se o Sr. Dr. C............ como patrono;
- em 11.3.2004, o Conselho Distrital do Porto da O.A., informou o Tribunal ter sido nomeado o Sr. Dr. C............ como patrono oficioso, sendo também essa a data da notificação da nomeação ao douto patrono;
- na carta remetida pelo referido Conselho ao douto advogado, refere-se, designadamente:
Na sequência do pedido de indicação de patrono acima referido e que o CRSS dirigiu a este Conselho (...).
Fica V. Exa. notificado com a expressa advertência de que, com esta notificação, se reinicia o prazo judicial que estava em curso - art. 33º nº 1 com referência ao artigo 25º nºs 4 e 5 da citada Lei.
- a contestação veio a ser apresentada em 26.3.2004.

IV.
Nos termos do art. 15° da Lei 30-E/2000, de 20/12, o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
c) nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa pagamento de honorários do patrono escolhido pela requerente.
O DL 38/2003, de 8/3 aditou uma nova alínea a este 15°, com a seguinte redacção:
d) nomeação e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado ou, em alternativa, pagamento da remuneração do solicitador escolhido pelo requerente.

No caso dos autos, como se disse, a requerente formulou pedido de apoio na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos e de pagamento de honorários a patrono escolhido, indicando o nome desse patrono.
Tendo em consideração esta última parte do pedido, entendeu o Sr. Juiz que, por não ter sido pedida a nomeação de patrono, não é aplicável o disposto no art. 25º nº 4 da referida Lei.

Aí se dispõe que quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Nos termos do nº 5 a) do mesmo preceito, o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior reinicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

A questão posta no recurso tem, pois, a ver com a interpretação do citado art. 15º al. c) e passa por saber se o pedido formulado pela requerente - pagamento de honorários a patrono escolhido - configura o pedido de nomeação de patrono.

As modalidades previstas na al. c) do art. 15º têm de compreender-se no âmbito de todo o regime de acesso ao Direito definido na referida Lei[Segue-se, de perto, a fundamentação do Acórdão proferido no agravo nº 893/04, desta Secção, relatado pelo Exmo Des. Gonçalo Silvano e que os ora relator e 1ª adjunto subscreveram como adjuntos.].
Assim, o requerente pode pedir a nomeação de patrono oficioso, competindo à Ordem dos Advogados a indigitação do patrono - art. 32° n° 1 - e pode pedir a nomeação de patrono escolhido, competindo neste caso à mesma O.A. a ratificação da escolha, através de comunicação dirigida ao patrono escolhido e ao tribunal onde corra o processo.
É isto o que decorre da conjugação da citada alínea c) do art. 15° com o disposto no art. 50° da mesma lei, onde se admite que "é atendível a indicação pelo requerente do pedido de apoio judiciário de advogado, advogado estagiário ou solicitador, quando estes declarem aceitar a prestação dos serviços requeridos, nos limites das normas regulamentares da Ordem dos Advogados ou da Câmara dos Solicitadores".

Estando-se perante um problema de interpretação da lei, para determinar o alcance dos conceitos que a Lei utilizou importa ter presentes os critérios vertidos no art. 9.° do CC.
Uma vez que da Lei n° 30-E/2000 não se conhecem os trabalhos preparatórios, nem contém relatório preambular, será através daqueles critérios que deverá procurar alcançar-se um resultado que, balizado negativamente pela letra da lei (nº 2), procure compatibilizá-la com a vontade do legislador (nº 1), sem perder de vista a justiça e adequação das soluções mediante a ponderação dos interesses em jogo (nº 3).

Sabemos que a Lei nº 30-E/2000 teve como objectivo, essencialmente, a atribuição aos serviços da Segurança Social, da apreciação dos pedidos de apoio judiciário, retirando essas funções dos tribunais que, até à sua entrada em vigor, detinham essa competência.
Compreende-se, pois, que, comparando a sistematização e conteúdo do articulado da actual lei com os do anterior DL 387-B/87, a diferença essencial respeite à regulamentação do processo de apreciação e concessão do benefício e à entidade competente para o efeito - arts. 21° a 29°.
No mais, haverá que analisar e confrontar os dois diplomas legais para tentar determinar eventuais diferenças de regime.

No nosso caso, importa ter em atenção o que dispõem os arts. 15°, 18º-1-d) e 2, 32° e 50° do DL 387-B/87 e os artigos 15°, 27°-1, 32°, 33° e 50° da actual Lei.

Como resulta daquele primeiro grupo de preceitos, era reconhecido o benefício de apoio judiciário na modalidade de pagamento de serviços do patrono, patrono este que podia ser nomeado pela Ordem dos Advogados, a pedido do interessado formulado em tribunal ou mediante indicação do requerente.
O pedido de nomeação de patrono era dirigido ao juiz do processo ou ao do tribunal competente para a causa a propor (art. 4° do DL 391/88, de 26/10) e a nomeação feita pela Ordem, que a comunicava ao tribunal, ou por este, quando houvesse indicação que, em regra, era atendida.
Na actual lei também se admite, no que respeita a patrocínio oficioso, que a sua indicação seja feita pelo requerente, sendo que a sua nomeação, não passa agora pelo tribunal, mas sim pela O.A., como resulta do art. 27° n° 1, já que se o pedido envolver a designação de patrono ou o pagamento de honorários, o ISSS tem de notificar a Ordem dos Advogados da decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário solicitada.

É certo que a lei prevê a nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários a patrono escolhido pelo requerente.
Continua no entanto a referir-se no nº 1 do art. 27° que a decisão final sobre o pedido de apoio é notificada ao conselho distrital da Ordem dos Advogados se o pedido envolver a designação de patrono ou o pagamento de honorários.
E no citado art. 50° (com conteúdo idêntico ao art. 50° do diploma de 87) continua a admitir-se a possibilidade de o requerente indicar o advogado para o patrocínio oficioso, que é atendida quando o indigitado declare aceitar a prestação dos serviços prestados, como foi o caso dos autos.

Ambas as hipóteses (pedido de nomeação de patrono e pedido de nomeação de patrono escolhido) devem compreender-se na aludida alínea c) do art. 15° da citada Lei e em ambas as situações, sendo deferido o pedido, o requerente está dispensado do pagamento de honorários.
A única diferença que existe actualmente é que, no caso de pedido de nomeação de patrono, sem mais, a Ordem dos Advogados nomeia o patrono oficioso segundo critérios regulamentares internos; no caso de pedido com a indicação de patrono escolhido, a Ordem dos Advogados nomeia o defensor, atendendo ou não (conforme as situações previstas no art. 51° da mesma Lei) à escolha feita pelo requerente.
Mas da conjugação das referidas disposições legais não restam dúvidas de que a nomeação de patrono (em ambos os casos) é da competência exclusiva da Ordem dos Advogados.

O facto de o requerente de apoio judiciário escolher, no requerimento de apoio, o patrono que pretende seja o seu mandatário judicial para determinada acção, não é suficiente para a imediata outorga do respectivo mandato.
É imprescindível que a Ordem dos Advogados valide essa escolha do interessado, ratificando-a através da expressa indigitação do patrono escolhido.
Só assim se compreende o alcance dos arts. 27°, nº 1, 50° e 51° da referida Lei.

O art. 50°, com as limitações ressalvadas no art. 51°, configura, como configurava anteriormente, uma sub-modalidade da modalidade de nomeação de patrono.
O requerente não procedeu a uma escolha do patrono, limitando-se a indicar um que aceita o patrocínio, aguardando a respectiva nomeação.
E essa nomeação tem de ser feita agora pela O.A. por força da conjugação do disposto nos art. 15°-c), 27°, nº 1, 32° e 50° da Lei n° 30-E/2000.

Assim, como se estatui no nº 3 do falado art. 9°, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Haverá, pois, que considerar que o art. 15° al. c) da citada Lei admite como incluída na mesma regulamentação a nomeação de patrono, quer seja ou não indicado o advogado pelo requerente.
A modalidade prevista na al. c) do citado art. 15° é a nomeação e pagamento de honorários, sendo estes pagos ao patrono que foi nomeado pela entidade que tem poderes para tal - art. 36°-a) e b).
A alternativa mencionada no mesmo art. 15°-c) refere-se apenas ao pagamento de honorários e não representa qualquer nova modalidade de apoio judiciário.

A situação descrita não difere da ocorrida com o pedido de patrocínio judiciário, ao abrigo dos arts. 32°, nº 1 e 50° do DL 387-B/87.
Antes, o patrono indicado era nomeado pelo juiz; actualmente o patrono indicado terá de ser sempre confirmando ou ratificado pela Ordem de Advogados e esse acto administrativo da competência exclusiva da Ordem confere, face à lei, poderes ao patrono nomeado para actuar no processo para que é indicado.

Assim, é possível ao requerente de apoio judiciário pedir a nomeação de patrono, competindo ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a indigitação de patrono oficioso, segundo critérios de selecção previamente regulamentados - art. 32°, nº 1 da Lei 30-E/2000 - e igualmente pedir a nomeação de patrono escolhido pelo próprio requerente, competindo (neste caso) ao Conselho Distrital a posterior ratificação da escolha, através de comunicação dirigida ao patrono escolhido e ao tribunal onde corra o processo.

No caso dos autos procedeu-se deste modo, já que após comunicação do ISSS de deferimento do pedido, a O.A. notificou o patrono nomeado da sua designação, comunicando ao tribunal essa nomeação.
Naquela notificação foi efectuada, como supra se deixou referido, a advertência contida na parte final do art. 33º nº 1.

Conclui-se, assim, que o pedido de apoio judiciário consistente no pagamento de honorários a patrono escolhido pelo interessado, constitui uma forma de nomeação oficiosa de patrono, na medida em que compete à Ordem dos Advogados a efectiva nomeação do patrono escolhido e a posterior comunicação a este e ao beneficiário do apoio judiciário (cfr., neste sentido, os Acs. desta Relação de 21.10.2003 - Proc. 0324455 - JTRP00034047; de 6.05.2003 - Proc. 0321801 JTRP00035742 - http://www.dgsi.pt e o de 21.02.2003, CJ XXVII, 1, 193).
Daí decorre que, no caso, o prazo judicial para apresentação da contestação foi interrompido nos termos do art. 25º nº 4.

Nestes termos assiste razão à agravante.

V.
Pelo exposto acorda-se em dar provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, considerando-se que o prazo para contestação foi interrompido nos termos do art. 25º nº 4 da Lei 30-E/2000, de 20/12.
Sem custas.

Porto, 1 de Julho de 2004
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano Seabra Teles de Menezes e Melo (vencido, conforme declaração que se junta)
(No agravo n.º 731/04 - 3ª Secção, de que fui relator, publicado na sessão de 11.3.04, em situação que apresenta com este analogia, já que o requerente nesses autos pediu o apoio judiciário nas modalidades de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento de honorários do patrono, mencionando-o. O dito requerente foi notificado pelos SSS de que o seu pedido havia sido deferido na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários do patrono escolhido por ele.
No acórdão referido entendeu-se que o artº 27/1 da Lei 30-E/2000 prevê também duas hipóteses à semelhança do que se faz na al. c) do art. 15º - designação de patrono; ou pagamento de honorários. Em ambos os casos a SS tem de notificar a decisão tomada à O.A., mas esta não tem de nomear a não ser quando essa nomeação lhe é solicitada.
De acordo com o artº 50, a atendibilidade da indicação pelo requerente de advogado tem de inscrever-se na hipótese primeira da alternativa estabelecida na al. c) do art. 15, isto é, de pedido de nomeação de patrono e de pagamento dos respectivos honorários e não no de mero pagamento de honorários ao patrono escolhido (uma coisa é escolher, constituir, outra é indicar aquele que se pretende seja nomeado).
Na hipótese do requerente pedir a nomeação e indicar o advogado pretendido, para que essa indicação seja atendível, há-de o visado declarar que aceita a prestação dos serviços requeridos. Assim, de acordo com o art. 25/4, o prazo que estiver em curso só se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo com vista à nomeação de patrono. E reinicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação - n.º 5 - a).
Ora, só compete à O.A. a nomeação de patrono, com eventual atendimento da indicação feita pelo requerente quanto à identidade do advogado a nomear, se o requerente lha houver pedido, caso em que se interrompe o prazo em curso. Como só foi pedida a modalidade de pagamento de honorários a advogado escolhido pelo requerente, isto é, mandatado ou a mandatar por ele, mas ao qual não pode pagar, não compete à O.A. a nomeação, pelo que não há lugar a interrupção do prazo em curso.
Como dissemos no aludido acórdão, o legislador não usou indiscriminadamente os conceitos, presumindo-se que se exprimiu correcta e adequadamente (artº 9/2/C.C.).
Ao falar de nomeação e, a par desta, de indicação pelo requerente, que pedia aquela, reporta-se a uma realidade; ao falar de pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo requerente, reporta-se a outra realidade. Quando se pede a nomeação, admite-se a indicação; quando se pede o pagamento de honorários a patrono escolhido, está-se a pensar em constituído ou a constituir, mas para o qual e pretende garantia, no âmbito do apoio, o pagamento da actividade a desenvolver, que o próprio requerente não pode, por razões económicas, assegurar.
Sendo a última a hipótese destes autos, entendo que não há lugar à interrupção do prazo em curso).