INSCRIÇÃO OFICIOSA NO FICHEIRO CENTRAL DE PESSOAS COLETIVAS
CADUCIDADE DO CERTIFICADO DE ADMISSIBILIDADE
ENTIDADE NÃO SUJEITA AO REGISTO COMERCIAL
DECLARAÇÃO DE PERDA DE DIREITO DE USO DE FIRMA OU DEMONINAÇÃO
SOCIEDADE DE ADVOGADOS
Sumário

1 – Nos termos do art. 12º do Decreto Lei nº 129/98 de 13/05, o RNPC, quando o entenda, fundamentadamente e de acordo com as regras aplicáveis, pode inscrever no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas entidades que não cumpram a obrigação legal de promover a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida, tratando-se apenas de uma exceção à regra da promoção pelo interessado da inscrição no FCPC e permitindo ao RNPC, sempre que o entenda, e não apenas quando seja obrigatório ou lhe seja solicitado por terceiro, proceder oficiosamente à inscrição.
2 – Sendo o prazo para promoção da inscrição no FCPC exatamente o prazo de validade previsto para o certificado de admissibilidade, tal implica que a caducidade do certificado de admissibilidade não é automática e incondicional. Não faz qualquer sentido prever a possibilidade de o RNPC proceder a uma inscrição oficiosa após decorrido o prazo previsto no art. 11º nº2 do Decreto Lei nº 129/98, se o não puder fazer.
3 - A norma do art. 61º nº1, al. a) do Decreto Lei nº 129/98 tem como único possível campo de aplicação a situação das entidades não sujeitas ao registo comercial que não tenham, no prazo previsto no nº2 do art. 11º do mesmo diploma, promovido a respetiva inscrição no FCPC.
4 - Sendo esse o único campo de aplicação da norma a conclusão impõe-se: o legislador, ciente que para a aplicação deste preceito estaria necessariamente decorrido o prazo de validade do certificado de admissibilidade, previu a necessidade de declaração de perda do direito ao uso de firma ou denominação pelo RNPC, oficiosamente ou a requerimento, necessariamente precedida de audição dos interessados, o que significa que o certificado de admissibilidade não caducou automaticamente, impondo-se o procedimento prévio previsto no nº2 do referido artigo 61º.
5 – Quando o RNPC não procedeu à notificação prevista no nº2 do art. 61º do Decreto Lei nº 129/98, não procedendo, assim, à audição da requerente, não poderia ter procedido à eliminação da mesma do FCPC, impondo-se a anulação da decisão de eliminação que gerou a perda do direito à firma ou denominação, incluindo o NIPC, da requerente, e a determinação ao RNPC que cumpra o disposto no nº2 do art. 61º do RRNPC.

Texto Integral

Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
M, RI, apresentou impugnação judicial, dirigida ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, do ato administrativo da Sra. Conservadora do IRN, de 20/06/2014, que determinou a perda do uso do NIPC …., nos termos do disposto nos arts. 63º nº1, al. b), 67º nº1 e 70º do Decreto Lei nº 129/98 de 13/05, pedindo a anulação do ato impugnado e a condenação do IRN à adoção dos atos necessários para reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado.
Citado o Instituto dos Registos e Notariado IP contestou, excecionando a incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos e a competência dos tribunais comuns e nestes das secções de comércio, dado o Registo Nacional de Pessoas Coletivas ser uma conservatória do registo comercial.
No mais defendeu-se por impugnação e de direito, pedindo seja a ação julgada improcedente por inimpugnabilidade do ato impugnado.
A A, respondeu, pedindo a improcedência da exceção.
Foi proferida em 04/11/19, sentença declarando a incompetência do tribunal em razão da matéria.
A requerimento do A. foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra, nos termos dos arts. 14º nº2 do CPTA e 632º nº3 do CPC.
Por decisão de 15/05/2020 o Juízo de Comércio de Sintra declarou-se incompetente em razão do território, ordenando a remessa dos autos, após trânsito, ao Juízo de Comércio de Lisboa.
Remetidos os autos o Ministério Público teve vista e emitiu parecer nos termos do art. 105º do Código do Registo Comercial, aplicável  ex vi art. 92º do Regime do RNPC, dando por reproduzido parecer[1] no sentido de que, estando a A. obrigada a inscrever-se no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas e não o tendo feito no prazo de validade do certificado de admissibilidade, deveria o RNPC ter procedido à inscrição oficiosamente, nos termos do art. 12º do RRNPC, sendo que o mero decurso do prazo não extingue a tutela conferida às pessoas coletivas não sujeitas ao registo comercial, mas apenas após declaração oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado e promovendo a anulação do despacho que declara a perda do direito ao uso da firma ou denominação da recorrente e determinado ao RNPC que proceda à notificação do Requerente para proceder à regularização da situação e efetuar a inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas no prazo previsto no nº 2 do artigo 61º do RNPC.
Tendo sido determinado o contraditório quanto ao parecer emitido pelo Ministério Público veio a Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP pronunciar-se no sentido da sua improcedência.
A A. veio exercer, por sua vez o contraditório e ainda, novamente, por ordem do tribunal, o IRN, IP.
Em 19/06/2023 foi proferida a seguinte sentença:
“Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se o presente recurso procedente, e em consequência, revoga-se a decisão recorrida que determinou a perda do direito ao uso do NIPC (em virtude da perda do direito ao uso de firma ou denominação e determina-se que o RNPC proceda, subsequentemente, à notificação do Recorrente para proceder à regularização da situação e efectuar a inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas no prazo previsto no nº 2 do artigo 61º do RNPC.”
Inconformada, a Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões:
1ª - O FCPC é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação atualizada sobre as pessoas coletivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições (cfr. n° 1 do artigo 2º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas - RRNPC).
2ª - Nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 4º do RRNPC, o FCPC integra informação relativa, entre outras entidades, a sociedades civis. Consubstanciando as sociedades de advogados sociedades civis, estão as mesmas sujeitas a inscrição no FCPC.
3ª - Por força do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 56° do RRNPC, está sujeita à verificação da disponibilização de certificado de admissibilidade da respetiva firma ou denominação, a inscrição no FCPC do correspondente contrato de sociedade. Nos termos do n° 3 do citado artigo, o certificado de admissibilidade deve estar dentro do seu prazo de validade à data do pedido de inscrição no FCPC.
4ª - Estipula igualmente o n° 2 do artigo 11° do RRNPC, que as demais entidades, isto é, as entidades não sujeitas a registo comercial, devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, que é de três meses (cfr. n° 1 do artigo 53° do citado Regime).
5ª - Ultrapassado o prazo de validade previamente fixado no certificado de admissibilidade de firma ou denominação, o direito extingue-se, cessando a presunção de exclusividade para o uso daquela firma e daquele NIPC.
6ª - Não se encontrando feita a necessária inscrição no FCPC naquele prazo de validade, a entidade, que é provisória, e o NIPC que lhe está associado, são naturalmente eliminados, de forma automática, do Ficheiro, ficando a firma sem qualquer proteção.
7ª - A eliminação de NIPC constitui uma consequência legal da não inscrição da entidade no FCPC.
8ª - Em matéria de inscrição no FCPC vigora o chamado princípio da instância, competindo a iniciativa e promoção da inscrição no FCPC, a que alude o art. 4° do RRNPC, aos interessados - artigo 11°, n° 2 do RRNPC -, constituindo a oficiosidade, prevista no artigo 12° n° 1 do mesmo Regime, uma exceção que só ocorre nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente nas situações previstas no n°l do art. 11º do RRNPC, relativo às entidades sujeitas a registo comercial e nas situações em que a Autoridade Tributária (AT) solicita ao RNPC a inscrição oficiosa para efeitos de atribuição de NIPC, de determinada entidade sujeita ao Regime Jurídico do RNPC e que não cumpriu as formalidades legais de inscrição, mas cuja identificação esteja naturalmente estabelecida - cfr. art.° 27°, n° 1 al. c) do Decreto-Lei n° 14/2013, de 28 de janeiro.
9ª - Assim, no caso, e sem embargo de a sociedade civil se ter constituído e registado na respetiva Ordem dos Advogados, esta já não é detentora do referido NIPC.
10ª - A perpetuação no FCPC da firma admitida a que estava associado o NIPC …, significaria uma clara violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da prioridade, porquanto decorre expressamente da lei, nomeadamente do n°3 do art.° 15° RRNPC, que o NIPC provisório tem o mesmo prazo de validade do certificado que lhe deu origem.
11ª - Mais, a sua manutenção no FCPC, para além do prazo previsto, inviabilizaria a eventual aprovação de firma idêntica a favor de outrem, em clara violação do princípio da prioridade.
12ª - O RNPC não proferiu nem poderia proferir declaração de perda do direito ao uso de NIPC (figura que não existe), nem de denominação relativamente à entidade em questão, uma vez que nunca se consolidou na sua esfera jurídica o direito ao uso da denominação aprovada pelo certificado de admissibilidade n°750171, emitido em 30/07/2008, que aprovou a denominação "M, RI", exatamente por motivo de caducidade do mesmo.
13ª - A possibilidade de o RNPC poder declarar a perda do direito ao uso de firma e denominação por falta de inscrição no FCPC no prazo em que a mesma devia ter sido realizada, só poderá ser aplicada a casos em que a entidade obteve o direito ao uso exclusivo da denominação, ainda que não inscrita.
14ª - Razões pelas quais, deverá ser requerido novo certificado de admissibilidade de firma ou denominação, para efeitos de inscrição da sociedade no FCPC, à qual será atribuído inevitavelmente um novo NIPC.”
A A. contra-alegou, pedindo a manutenção da decisão recorrida formulando as seguintes conclusões:
“A. A Sentença recorrida e que anima o Recurso interposto, ao decidir no sentido em que o fez, enveredou por uma correta interpretação e aplicação do direito, considerando os factos que, também de modo isento de crítica, julgou provados e não demonstrados.
B. Neste contexto, nenhuma alteração se impõe quanto ao Julgamento da matéria de facto e, consequentemente, em sede de subsunção do direito aos factos com relevância para a boa decisão da causa, no que se reporta às soluções jurídicas pelas quais enveredou a Sentença sob escrutínio.
C. A par do correto enquadramento jurídico suscitado pelo Tribunal a quo, chama a Recorrida à colação a violação pela Recorrente do direito de “Audiência Prévia", plasmado no artigo 121.º do CPA, enquanto direito fundamental e corolário do princípio do procedimento equitativo,
D. impondo este um direito ao contraditório dos particulares caso a tomada de decisão seja por este considerada como inadequada.
E. A falta de audiência prévia determina a preterição de formalidade essencial, gerando, necessariamente, uma atuação ilícita da administração, por desconforme com o direito vigente.
F. A conduta omissiva do Recorrente, identificada na Sentença sob crítica, determina a aplicação do regime da anulabilidade.
G. Julgando como julgou o Tribunal a quo, de modo isento de crítica e bem fundamentado, a factualidade que lhe foi presente pelos sujeitos processuais, impõe-se e requer-se, atento aos fundamentos aduzidos, a improcedência do Recurso interposto.”
O recurso foi admitido por despacho de 29/11/2023 (refª 430706006).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas o relatório e conclusões acima transcritas é questão a decidir a determinação de se o incumprimento do prazo de inscrição obrigatória no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, para entidades não sujeitas a registo comercial obrigatório, determina automaticamente a caducidade do certificado de admissibilidade e, em consequência igualmente automática, a respetiva perda do direito ao uso da firma/denominação.
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3. Fundamentos de facto:
Foi proferida, na sentença recorrida, a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
1. A Recorrente M R.I. é uma sociedade de advogados registada na Ordem dos Advogados sob o n.º ../...
2. Tendo iniciado a sua actividade em 4 de Novembro de 2008.
3. Em 29.05.2014, a Recorrente foi notificada, em 29 de maio de 2014, do ofício emanado pela Autoridade Tributária, que informava da intenção de fazer cessar, de forma oficiosa, a sua atividade, em virtude de ter sido eliminada do Ficheiro Nacional de Pessoas Coletivas (doravante “FNPC”).
4. Após a Recorrente ter exercido o seu direito de audiência prévia, a AT notificou-a da suspensão provisória da decisão notificada em 29.05.2014.
5. Em 20.06.2020, o IRN notificou a Recorrente da decisão e de que havia sido eliminada do FNPC, em consequência do decurso do prazo de validade do certificado de admissibilidade que aprovou aquela denominação, sem que, naquele prazo, tivesse sido promovida, por iniciativa dos interessados, a inscrição que alude o n.º 2 do artigo 11.º do RRNPC.
6. A Recorrente não foi notificada da eliminação do seu registo no FCPC.
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Com interesse para a decisão do recurso, nos termos do disposto no art. 662º do CPC, consideram-se ainda os seguintes factos, resultantes da tramitação dos autos:
7 - O RNPC certificou a admissibilidade da firma/denominação M, RI, em 30/07/2008, sob o nº ….
8 – O respetivo pedido havia sido formulado em 28/07/2008 por CSV, que indicou no pedido o respetivo endereço e número de telefone.
9 – A Ordem dos Advogados comunicou à requerente, mediante o ofício nº 666-08 de 30/10/2008, ter sido aprovado o contrato de sociedade.
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4. Fundamentos de direito:
O presente recurso mostra-se interposto da sentença que, em 1ª instância, revogou a decisão recorrida que determinou a perda do direito ao uso de NIPC por parte da recorrente, perda essa decorrente da perda do direito ao uso de firma ou denominação e que determinou que o RNPC notifique o recorrente para proceder à regularização da situação e efetuar a inscrição no FCPC, no prazo previsto no nº2 do art. 61º do Decreto Lei nº 129/98 de 13 de maio (doravante RRNPC).
A situação de facto respeita a uma sociedade de advogados constituída na vigência da Lei nº 15/2005 de 26/01, regendo o Decreto Lei nº 229/2004 de 10/12[2], diplomas dos quais resultava a obrigatoriedade de registo, na Ordem dos Advogados, destas sociedades. Sendo uma sociedade civil, a sua informação estava abrangida na informação constante do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (doravante FCPC) nos termos do art. 4º nº1, al. a) do RRNPC, tendo sido requerido o certificado de admissibilidade de firma/denominação, nos termos do disposto no art. 45º nº1 do mesmo diploma.
Tal certificado tinha o prazo de validade de três meses, nos termos do art. 53º do RRNPC, na versão em vigor à data da emissão[3].
Ao tempo vigorava a versão original do art. 11º do RRNPC[4] que já previa a inscrição oficiosa das entidades sujeitas a registo comercial no FCPC, no nº1 do preceito e previa, quanto às demais:
«2 - As demais entidades abrangidas pelo FCPC devem solicitar ao RNPC a inscrição dos seguintes factos, no prazo de 90 dias a contar da sua verificação:
a) Finalização das formalidades legais de constituição, no caso de pessoas colectivas;
b) Publicação do diploma de criação, no caso de entidades constituídas por diploma legal;
c) Início de actividade, nos restantes casos.
3 - A inscrição deve ser solicitada em impresso próprio, contendo as informações constantes do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 10/91, de 29 de Abril, acompanhado dos documentos de prova necessários.»
Resultava já também do regime em vigor a atribuição de um NIPC a cada entidade inscrita no FCPC e que esse número seria o número de identificação fiscal (NIF)[5].
A recorrente tinha assim, 90 dias contados de 30/10/2008 (facto nº9) para requerer a sua inscrição no FCPC, não o tendo feito.
Algures no tempo, antes de 29/05/2014[6], foi verificada a não inscrição no FCPC, e o respetivo registo foi eliminado, causando a comunicação do facto à Autoridade Tributária e o oficio constante do ponto 3 da matéria de facto provada.
A recorrente foi, assim, em 2014, informada da eliminação do direito ao uso de firma/denominação e NIPC, que era também o seu NIF, com base numa caducidade baseada numa omissão da sua parte: não sendo uma entidade sujeita a registo comercial, havia omitido o dever de requerer a inscrição no FCPC.
A decisão recorrida considerou, depois de enumerar as disposições legais aplicáveis:
“Face ao acima aludido, consideramos que, pese embora a Requerente estivesse obrigada a proceder à sua inscrição junto do FCPC, não se afigura correta a solução protagonizada pelo RNPC, uma vez que este possui a faculdade de inscrever oficiosamente no FCPC as entidades que incumpram a obrigação de requerer a inscrição, e, in casu, sempre poderia ter inscrito a entidade em apreço.
Como tal, a presunção de exclusividade conferida à Impugnante com a emissão do certificado de admissibilidade da respectiva firma não se extinguiu automaticamente, exigindo se que seja declarada pelo RNPC, o qual previamente deverá notificar a impugnante para proceder à inscrição em falta no prazo de 30 dias o que não aconteceu.”
Citou em abono o Ac. TRC de 11/10/2017 (Fonte Ramos – 4804/14) que concluiu que a caducidade do certificado de admissibilidade seria “diferida e condicionada ao não cumprimento pelo administrado do “convite” para sanar a “irregularidade formal” cometida, procedimento” ainda referiu que o argumento “da falta de meios para notificação dos interessados não pode ser justificação para diminuir direitos aos cidadãos, mas antes deve servir para chamar à colação a necessidade de aumentar os meios humanos e técnicos que permitam assegurar o funcionamento do Estado de Direito.”
A esta fundamentação opôs a Presidente do Conselho Diretivo do IRN os seguintes argumentos:
- o que está em causa no recurso não é uma declaração de perda ao direito ao uso de NIPC, figura que desconhece, mas sim se o RNPC deve proceder à inscrição de uma entidade no FCPC em violação do disposto no art. 56º nº1, als. b) e nº3 do RRNPC;
- o art. 56º, nº1, al. b) sujeita à exibição de certificado de admissibilidade a inscrição no FCPC do contrato de sociedade, sendo que o certificado tem a validade de 3 meses, nos termos do srt. 53º nº1; o nº2 do art. 11º estipula que as entidades não sujeitas a registo comercial devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade;
- o certificado de admissibilidade da recorrente estava expirado à data em que efetuou exposição na sequencia da comunicação da AT;
- expirado o prazo de validade do certificado o direito extingue-se, cessando a presunção de exclusividade para uso da firma e NIPC. A entidade, que é provisória e o NIPC associado são eliminados do FCPC;
- a eliminação do NIPC decorreu, de forma automática, do decurso do prazo de validade do certificado de admissibilidade, não decorrendo da lei qualquer exigência relativamente à notificação dos interessados nesta situação;
- o art. 12º do RRNPC é de âmbito muito limitado e aplica-se quando a AT solicite ao RNPC a inscrição oficiosa para efeitos de atribuição de NIPC de entidade sujeita ao regime do RRNPC mas que não cumpriu as formalidades legais de inscrição, nos termos do art. 27º, nº1, al. c) do Decreto Lei nº 14/2013 de 28/01, mas cuja identificação esteja estabelecida;
- O RNPC apenas detém sobre a entidade os elementos constantes do pedido de certificado de admissibilidade: denominação pretendida, objeto social e concelho da sede, pelo que não haveria elementos para proceder à inscrição oficiosa;
- ainda que assim se não entendesse, seria uma obrigação inexequível para o RNPC face ao elevado número de certificados de admissibilidade emitidos diariamente e não utilizados pelos interessados no decurso do seu prazo de validade;
- o RNPC não proferiu qualquer declaração de perda de direito ao uso de NIPC ou de denominação dado que esse direito nunca se consolidou na esfera jurídica do recorrente, por caducidade do certificado de admissibilidade;
- o certificado constitui mera presunção de exclusividade, nos termos do art. 35º nº1 do RRNPC;
- a recorrente nunca obteve o direito ao exclusivo da denominação por não ter promovido a sua inscrição no FCPC, sendo pouco plausível, dado tratar-se de uma sociedade de advogados, que desconhecesse essa obrigação, pretendendo beneficiar do desconhecimento da lei para repristinar um NIPC há muito eliminado;
- a perpetuação no FCPC da firma admitida a que estava associado o NIPC, significaria uma clara violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da prioridade e inviabilizaria a eventual aprovação de firma idêntica a favor de outrem, em clara violação do princípio da prioridade;
- a inscrição de constituição de sociedade da requerente no FCPC só poderá ser efetuada se requerido novo certificado de admissibilidade de firma ou denominação, para efeitos de inscrição da sociedade já constituída, por forma a aferir da existência de eventual firma confundível e ao qual será, consequentemente, atribuído um novo NIPC;
- a declaração de perda do direito ao uso de uma denominação nos termos do art.61° n°l alínea a) do RRNPC não é aplicável ao caso em apreço e não pode servir de fundamentação para a não eliminação do número de identificação provisório, nem para inscrever a entidade no FCPC;
- não foi proferido qualquer despacho de declaração de perda de uso de denominação, mas antes um despacho de não aceitação de inscrição no ficheiro central de pessoa coletiva sem certificado de admissibilidade válido;
- a possibilidade de o RNPC poder declarar a perda do direito ao uso de firma e denominação por falta de inscrição no FCPC no prazo em que a mesma devia ter sido realizada, só poderá ser aplicada a casos em que a entidade obteve o direito ao uso exclusivo da denominação, ainda que não inscrita e limita-se às entidades sujeitas a registo comercial, uma vez que apenas nesse caso se poderá verificar a existência de uma entidade definitivamente registada e, consequentemente, com direito ao uso exclusivo de firma ou denominação, mas sem inscrição no FCPC - cfr. artigo 46°, n°. 6 do Código do Registo Comercial - o que não é o caso em apreço;
- em matéria de inscrição no FCPC vigora o princípio da instância, nos termos do nº2 do art. 11º , sendo a oficiosidade uma exceção que ocorre só nos casos previstos por lei, no nº1 do art. 11º e no art. 27º, nº1, al. c) do Decreto Lei nº 14/2013, sendo esses os casos enquadráveis no art. 12º nº1 do RRNPC;
- neste sentido foi já decidido no Ac. TRC de 15/05/2012 (inédito), que transcreve parcialmente.
A recorrida contra-alegou, sustentando a decisão recorrida e acrescentando que se trata de um procedimento de natureza administrativa, sendo aplicável o disposto no art. 121º do CPA (direito de audiência prévia) cuja falta gera ilicitude e anulabilidade.
Apreciando:
O direito a uma firma ou denominação, com todas as suas implicações, que incluem a atribuição de um NIPC que funcionará como NIF para as entidades sujeitas ao regime do RRNPC, depende do seu registo no RNPC que pressupõe a obtenção de um certificado de admissibilidade – arts. 45º e ss. do RRNPC.
Na versão inicial do RRNPC, a inscrição no FCPC não estava interligada com a validade do certificado de admissibilidade: nos termos do art. 11º nº2 do RRNPC na versão em vigor à data da admissão do certificado de admissibilidade da recorrente/requerente a inscrição deveria ser solicitada no prazo de 90 dias contados de:
“a) Finalização das formalidades legais de constituição, no caso de pessoas colectivas;
b) Publicação do diploma de criação, no caso de entidades constituídas por diploma legal;
c) Início de actividade, nos restantes casos.”
No caso da requerente, era aplicável a al. a), pelo que o prazo de 90 dias se iniciaria com a aprovação do respetivo pacto social que, como resulta do ponto 9 da matéria de provada, se deu em 30/10/2008. Terminava, assim, e seguindo os ditames do art. 12º do CC, em 30/01/2009[7].
Previa já então o art. 53º nº1, na redação dada pelo Decreto Lei nº 111/2005, de 08/07, que o certificado de admissibilidade era válido por três meses contados da data da sua emissão.
No caso concreto, como certamente em muitos mais casos, isso significa que, quando se iniciou o período de inscrição no FCPC, estava a terminar o prazo de validade previsto para o certificado de admissibilidade. No caso concreto, curiosamente, na mesma data: o certificado caducaria em 30/10/2008, data em que foi comunicada a aprovação do pacto social da requerente, assim terminando as respetivas formalidades legais de constituição.
Ou seja, pese embora a previsão do termo do prazo de validade do certificado de admissibilidade, se a requerente tivesse promovido a sua inscrição no FCPC até 30/01/2009, não haveria fundamento legal para o recusar.
Tal não sucedeu, e se enumeramos o regime legal então em vigor é apenas para clarificar que a relação entre a validade do certificado de admissibilidade e a inscrição no FCPC não é umbilical, tanto assim que o legislador não entendeu consagrá-la, na primeira versão do diploma.
Também é percetível, que, como em muitos outros domínios, o RRNPC se foi tornando uma verdadeira manta de retalhos com as várias revisões a que foi sujeito. O prazo inicial de validade do certificado era de 180 dias, ou seja, o dobro do atual. As hipóteses de o prazo previsto no art. 11º nº2 se conter neste prazo eram, nessa redação, bastante mais altas. A versão em vigor à data da emissão do certificado de admissibilidade em causa nos autos continha esta conjugação quase impossível entre prazos, que certamente terá contribuído para a sua revisão.
A partir do momento em que deixou correr o prazo de que dispunha para solicitar a sua inscrição no FCPC, a recorrente ficou sob a alçada da lei então em vigor, ou seja, no caso, a atual redação do art. 11º nº2 do RRNPC, onde se prevê que as entidades não sujeitas a registo comercial – como é o seu caso - «devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, quando exista, ou no prazo de um mês a contar da verificação dos seguintes factos:
a) Finalização das formalidades legais de constituição, no caso de pessoas colectivas;
b) Publicação do diploma de criação, no caso de entidades constituídas por diploma legal;
c) Início de actividade, nos restantes casos.»
Sendo indiscutível que ambos os prazos haviam decorrido – o previsto na lei ao tempo da emissão e o previsto na lei ao tempo do não exercício da promoção de inscrição – à data em que foi verificada a não inscrição e eliminado o registo, temos que foi praticado um ato da administração – RNPC – tendo por pressuposto a caducidade do certificado de admissibilidade e o respetivo automatismo[8].
A decisão recorrida fundamenta a decisão em dois vetores, sendo o primeiro que o RNPC podia ter inscrito oficiosamente a recorrente, ao abrigo do disposto no art. 12º do RRNPC, citando para o efeito o disposto no art. 46º nº6 do Código do Registo Comercial.
O apelante argumenta que a oficiosidade do art. 12º nº1 do RRNPC é excecional, apenas se aplicando nos casos previstos na lei, que indica serem os previstos no nº1 do art. 11º e quando a AT o solicita, nos termos do art. 27º, nº1, al. c) do Decreto Lei nº 14/2013 de 28/01.
Ao interpretar a lei regem as regras do art. 9º do Código Civil: a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo ser reconstituído o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi elaborada.
Neste percurso, porém, o intérprete não pode considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, tendo ainda que se presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se soube exprimir adequadamente.
Por outras palavras, a letra da lei, ou elemento literal é o primeiro elemento de interpretação e desempenha um triplo papel[9] “1) constitui o ponto de partida da interpretação; 2) liga o direito ao juiz, legitimando o papel deste; 3) opera como limite à aplicação, fixando a fronteira entre a aplicação simples e criativa.”
O elemento histórico, decisivo, desdobra-se na 1) occasio legis ou conjunto de circunstâncias relevantes na sua feitura; b) nos trabalhos preparatórios; e c) nas opções subjetivas do legislador quando conhecidas.
O elemento sistemático “recorda que o direito é um todo e que apenas em conjuntos articulados as proposições legais ganham sentido.”
O elemento teleológico recorda que a regra jurídica “não é um fim em si: visa-se um resultado. A ratio legis diz-nos o que pretendeu a lei”. O elemento teleológico, referido no art. 9º nº1 do CC quando manda atender às condições específicas em que a lei é aplicada, “obriga a ponderar as consequências da interpretação. Se esta conduzir a um resultado contrário ao fim da lei, o procedimento deve ser retomado e corrigido.”
O legislador, que se soube exprimir de forma adequada, conferiu ao RNPC uma faculdade, a de inscrever oficiosamente as entidades que não cumpram a obrigação legal de requerer a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida[10]. Não incluiu na norma qualquer limitação ou referência da qual seja possível concluir que o RNPC não pode inscrever oficiosamente qualquer entidade naquelas circunstâncias ou que só o poderá fazer, sempre em relação às mesmas entidades, verificados determinados requisitos ou pressupostos.
Aliás, o primeiro caso de aplicação apontado pelo RNPC, o de inscrição das entidades sujeitas a registo comercial obrigatório, claramente não cai no campo de aplicação desta norma.
O RNPC procede oficiosamente à inscrição no FCPC das entidades sujeitas a registo comercial obrigatório porque esse registo oficioso é obrigatório, nos termos do nº1 do art. 11º e não porque pode fazê-lo.
Se se entendesse que a inscrição das entidades sujeitas a registo comercial obrigatório está abrangida pelo art. 12º nº1, isso significaria que o RNPC tinha a faculdade de fazer ou não fazer essa inscrição, o que contrariaria o nº1 do art. 11º.
Quanto ao segundo caso de aplicação do art. 12º do RRNPC indicado pela recorrente, olhando ainda e apenas ao elemento literal, a limitação ao mesmo não consta do texto da lei.
Da lei, para que se pudesse fazer a leitura proposta pela recorrente, teria que constar que o RNPC pode fazer inscrever no FCPC as entidades cuja inscrição lhe seja solicitada por outras entidades oficiais no exercício das suas funções/atribuições ou, pela Autoridade Tributária, no exercício das suas funções/atribuições.
Nos termos do art. 11º do Decreto Lei nº 14/2013 o NIF (número de identificação fiscal) das entidades abrangidas pelo regime jurídico do RNPC corresponde ao NIPC (número de identificação de pessoa coletiva atribuído por esta entidade, após emissão de certificado de admissibilidade de firma ou denominação ou de inscrição no FCPC.
Trata-se de matéria regulada nos nºs 13 e ss. do RRNPC.
A Autoridade Tributária atribui NIF às entidades não abrangidas pelo RRNPC previstas no nº2 do art. 11º do Decreto Lei nº 14/2013.
Nos termos da al. c) do nº1 do art. 27º do referido Decreto Lei nº 14/2013, sem prejuízo da infração que ao caso couber, a AT procede, fundamentadamente à inscrição oficiosa para efeitos de atribuição de NIF, designadamente, quando “As entidades sujeitas ao regime jurídico do RNPC não cumpram as formalidades previstas nesse regime.”, comunicando, por escrito, ao contribuinte, a respetiva inscrição.
Para a AT, o art. 27º nº1, al. c) do Decreto Lei nº 14/2013 não prevê uma faculdade, antes uma verdadeira obrigação. E a inscrição ali regulada é para atribuição de NIF, e não de NIPC. De facto, o que se prevê é a inscrição para efeito de atribuição de NIF quando se perde o NIPC, que era, enquanto vigente, o NIF[11].
O que para o caso que tratamos tem a seguinte implicação de um ponto de vista sistemático: não há qualquer previsão de pedido de inscrição no FCPC por parte da AT ao RNPC – e não duvidamos que ele possa ser feito, ao abrigo do art. 12º do RRNPC – pelo que entender que a previsão do art. 12º do RRNPC se refere a uma situação que a lei sequer prevê, carece de qualquer sentido.
O elemento histórico também confirma esta visão: a redação do art. 12º do RRNPC é originária, estando à data em vigor o Decreto Lei nº 463/79 de 30/11, no qual já se previa que o NIF das pessoas coletivas ou equiparadas seria o que lhes fosse atribuído pelo Gabinete do Registo Nacional, no respetivo ficheiro central, nos termos dos Decretos-Leis n.ºs 555/73, de 26 de Outubro, e 326/78, de 9 de Novembro (art. 1º/4)[12].
Aquele diploma apenas previa a inscrição oficiosa dos contribuintes nos processos de transgressão relativos a qualquer tipo de infração tributária, para efeitos de atribuição do respetivo número fiscal, sempre que se verificasse a sua falta de inscrição nos temos do presente diploma – cfr. art. 12º nº2 daquele diploma, sem qualquer previsão de não inscrição no FCPC.
Defender que uma norma tem por campo de aplicação uma situação prevista noutra norma que, pura simplesmente, inexistia ao tempo da entrada em vigor da primeira não se mostra, assim, possível.
A única interpretação possível do art. 12º do RRNPC é o seu sentido literal – o RNPC, quando o entenda, fundamentadamente e de acordo com as regras aplicáveis, pode inscrever entidades que não cumpram a obrigação legal de requerer a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida.
A única faceta excecional do art. 12º é a de permitir ao RNPC postergar o princípio do pedido, que rege quanto às entidades não sujeitas a registo comercial obrigatório, quanto à inscrição no FCPC. Exceciona o princípio da promoção pelo interessado, permitindo ao RNPC, sempre que o entenda[13] e não apenas quando seja obrigatório ou lhe seja solicitado por terceiro, proceder oficiosamente à inscrição.
Neste sentido, e com toda a naturalidade, Menezes Cordeiro refere que “Todos os obrigados a ter firma devem requerer a inscrição, em virtude do princípio da obrigatoriedade. Se não o fizerem, o artigo 12.º/1 do RNPC permite que ela seja feita oficiosamente, sem prejuízo do subsequente procedimento legal.”[14]
Trata-se apenas de uma constatação, que não invalida o facto de, expressamente, se tratar de uma faculdade do RNPC, cuja opção de não utilização no caso concreto não cabe aqui censurar.
Mas vale como argumento no sentido de que, efetivamente, sendo da responsabilidade das entidades não sujeitas a registo comercial a promoção da respetiva inscrição no FCPC, se trata de uma regra que o próprio RNPC pode excecionar, não tendo o valor absoluto que lhe está a ser conferido na prática.
E se pode ser excecionada, sabido que o prazo para inscrição é exatamente o prazo de validade previsto para o certificado de admissibilidade, tal implica, como afirmado na decisão recorrida, que a caducidade do certificado de admissibilidade não é automática e incondicional. Não faz qualquer sentido prever a possibilidade de o RNPC proceder a uma inscrição oficiosa após decorrido o prazo previsto no art. 11º nº2 se o não puder fazer.
Mas a resposta não é a argumentada pela apelante – que não o poderá fazer por ser ilegal – a resposta é a dada pela decisão recorrida e ainda pelo Ac. TRC de Coimbra, de 11 10 2017, já citado: “tendo o RNPC a faculdade de inscrever oficiosamente no FCPC as entidades (devidamente identificadas) que incumpram a obrigação de requerer a inscrição, mesmo a acolher a tese do recorrente, nunca haveria extinção automática da protecção conferida pelo certificado de admissibilidade da firma: é que, em rigor, esta ficaria na discricionariedade do RNPC, que poderia usar ou não a dita faculdade de inscrever a entidade no ficheiro.”
A segunda linha de argumentação respeita à regra do art. 61º, nº1, al. c) do RRNPC, onde se dispõe que artigo 61º do diploma em apreço que “1 - O RNPC ou qualquer um dos serviços de registo designados nos termos do n.º 1, do artigo 78.º podem, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, declarar a perda do direito ao uso de firma ou denominação de terceiro, mediante prova da verificação das seguintes situações:
a) Falta de inscrição da entidade no FCPC decorrido um ano desde o prazo em que a mesma deveria ter sido realizada;
(…)
2 - No caso previsto na alínea a) do número anterior, pode ser declarada a perda do direito ao uso da firma ou denominação, desde que os interessados tenham sido notificados para a sede declarada a fim de regularizarem a situação e o não fizerem no prazo de um mês, a contar da notificação.”
A apelante defende que a declaração de perda do direito ao uso de uma denominação nos termos do art. 61° n°l alínea a) do RRNPC não é aplicável neste caso e só poderá ser aplicada a casos em que a entidade obteve o direito ao uso exclusivo da denominação, ainda que não inscrita, limitando-se tal possibilidade às entidades sujeitas a registo comercial uma vez que apenas nesse caso se poderá verificar a existência de uma entidade definitivamente registada e, consequentemente, com direito ao uso exclusivo de firma ou denominação, mas sem inscrição no FCPC - cfr. artigo 46°, n°. 6 do Código do Registo Comercial.
Tendo em conta que as entidades sujeitas a registo comercial são inscritas oficiosamente, nos termos do art. 11º nº1 do RRNPC e que, não o tendo sido, ao efetuar uma apresentação de documentos no registo comercial ou pedido de registo, a Conservatória comunicará tal facto ao RNPC para que se proceda à inscrição no FCPC “no próprio dia”, não há qualquer campo de aplicação do disposto no art. 61º , nº1, al. c) a estas entidades.
Tratam-se, os arts. 11º nº1 do RRNPC e 46º nº6 do CREgCom, de normas imperativas dirigidas aos serviços: se uma entidade sujeita a registo comercial estiver registada, mas não inscrita no FCPC, ou o RNPC a inscreve oficiosamente ou a Conservatória do Registo Comercial remete informação para que seja inscrita oficiosamente. Se tal entidade perder o direito ao uso de firma ou denominação nunca poderá ser por falta de inscrição no FCPC, que compete aos serviços, mas nos termos do art. 60º nº1 do RRNPC, ou seja por razões substantivas.
A norma do art. 61º nº1, al. a) do RRNPC tem como único possível campo de aplicação a situação das entidades não sujeitas ao registo comercial que não tenham, no prazo previsto no nº2 do art. 11º promovido a respetiva inscrição no FCPC. Precisamente o caso presente.
Sendo esse o único campo de aplicação da norma a conclusão impõe-se: o legislador, ciente que para a aplicação deste preceito estaria necessariamente decorrido o prazo de validade do certificado de admissibilidade, previu a necessidade de declaração de perda do direito ao uso de firma ou denominação pelo RNPC, oficiosamente ou a requerimento, necessariamente precedida de audição dos interessados, o que significa que o certificado de admissibilidade não caducou automaticamente, impondo-se este procedimento prévio.
Não foi esse o procedimento seguido pelo RNPC, que se limitou a, sem notificação dos interessados – tendo a identificação completa da subscritora do pedido –, eliminar a entidade do Ficheiro e comunicar à Autoridade Tributária.
Note-se que o procedimento previsto no nº2 do art. 61º do RRNPC não posterga, por qualquer forma, a regra de promoção pela entidade da inscrição no FCPC, o denominado princípio da instância. Continua a ser a entidade a promover a sua inscrição, se assim o entender, no prazo de 30 dias previsto no nº2 do art. 61º do RRNPC e não o RNPC oficiosamente.
Este entendimento, além de ser o que melhor se adequa à letra das normas é também o mais conforme à filosofia de remoção de entraves de natureza burocrática com que os nossos sucessivos governos se têm comprometido[15].
O argumento da apelante de que não tem qualquer elemento sobre a sede ou efetiva constituição das entidades que requerem certificado de admissibilidade dado que neste apenas consta o concelho da sede, pode perfeitamente ser resolvido mediante a adaptação dos formulários e, não sendo o caso, mediante o contacto da pessoa responsável pelo pedido, cuja identificação completa consta do formulário.
No caso concreto, aliás, por via da presente impugnação, dispõe de todos os elementos de identificação da requerente necessários para o efeito.
Quanto ao argumento de inexequibilidade para o RNPC, dado o elevado número de certificados emitidos e não utilizados, repete-se o que, justamente consta da decisão recorrida: “o argumento da falta de meios para notificação dos interessados não pode ser justificação para diminuir direitos aos cidadãos, mas antes deve servir para chamar à colação a necessidade de aumentar os meios humanos e técnicos que permitam assegurar o funcionamento do Estado de Direito.”
O RNPC não procedeu à notificação prevista no nº2 do art. 61º do RRNPC, não procedendo, assim, à audição da requerente, pelo que não poderia ter procedido à eliminação da mesma, impondo-se, tal como decidido, a anulação da decisão de eliminação que gerou a perda do direito à firma ou denominação, incluindo o NIPC, da requerente, e a determinação ao RNPC que cumpra o disposto no nº2 do art. 61º do RRNPC.
A presente apelação improcede integralmente.
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A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[16].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando a apelação integralmente improcedente, manter a decisão recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pela apelante.
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Notifique, nos termos do disposto no artigo 106.º, n.º 1 e 2 do Código de Registo Comercial, aplicável ex vi art. 92º do RRNPC, a apelada, a apelante e o Ministério Público.
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Lisboa, 19 de março de 2024
Fátima Reis Silva
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro
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[1] Que havia sido emitido pelo Ministério Público junto do Juízo de Comércio de Sintra.
[2] Diplomas entretanto revogados pela Lei nº 145/2015, de 09/09.
[3] Dada pelo Decreto Lei nº 111/2005, de 08/07.
[4] Que viria a ser alterada pelo Decreto Lei nº 247-B/2008, de 30/12, que entrou em vigor no dia 31 de dezembro de 2008 e que deu ao art. 11º a sua atual redação.
[5] Estava em vigor o Decreto Lei nº 463/79 de 30/11, no qual já se previa que o NIF das pessoas coletivas ou equiparadas seria o que lhes fosse atribuído pelo Gabinete do Registo Nacional, no respetivo ficheiro central, nos termos dos Decretos-Leis n.ºs 555/73, de 26 de Outubro, e 326/78, de 9 de Novembro (art. 1º/4), diplomas revogados pelo Decreto Lei nº 144/83, de 31/03, que, por sua vez, na parte que ainda estava em vigor, foi revogado pelo Decreto Lei nº 129/98.
[6] Mas claramente muito depois de 30/01/2009, data em que terminou o prazo de inscrição no FCPC de acordo com a lei que estava em vigor à data.
[7] Não obstante entretanto ter entrado em vigor a atual redação, dada pelo Decreto Lei nº 247-B/2008 de 30/12, que entrou em vigor no dia 31/12/2008.
[8] Trata-se claramente de uma expressão legal e não factual, dado que decorreram cerca de cinco anos até que a caducidade “automática” fosse verificada.
[9] Seguimos de perto Menezes Cordeiro em Código Civil Comentado, Vol. I, Parte Geral, CIDP/Almedina, 2020, pgs. 102 e ss.
[10] Claramente o caso da recorrida, que se encontrava completamente identificada, razão, aliás, pela qual lhe foi atribuído o certificado de admissibilidade da denominação e NIPC.
[11] A lei não prevê o inverso, apenas que o NIPC atribuído pelo RNPC é o NIF.
[12] Diplomas revogados pelo Decreto Lei nº 144/83, de 31/03, que, por sua vez, na parte que ainda estava em vigor, foi revogado pelo Decreto Lei nº 129/98.
[13] por exemplo, justificando-se no caso de entidades não sujeitas a registo comercial obrigatório, mas sujeitas a um qualquer tipo de registo obrigatório, como por exemplo as sociedades de advogados, que estão sujeitas ao registo na Ordem dos Advogados.
[14] Em Direito Comercial, 4ª edição, Almedina, 2019, pg. 400.
[15] Exemplificando, além do Preâmbulo do Decreto Lei nº 247-B/2008 de 30/12, cfr. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020/2024, disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNDAxMQAAnRDZFAUAAAA%3D, pg. 32 e ss., Relatório Económico Portugal, 2023, OCDE, disponível em https://www.oecd.org/economy/portugal-economic-snapshot/, entre outros.
[16] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.