PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário


1. Num procedimento cautelar de restituição provisória de posse:
1.1. É admissível o contraditório dos requerentes à matéria nova alegada pelos requeridos na sua oposição diferida, como fundamentos da excecão do efeito requerido no procedimento cautelar e do pedido formulado na oposição, nos termos gerais do art.3º/3 e 4 do CPC.
1.2. É admissível a junção de documento com o contraditório referido em 1.1. supra, respeitante a alegação feita no mesmo (e não a alegação do requerimento inicial) e apresentado 20 dias prévios à audiência final, nos termos do art.3º/3 e 4, 410º ss e art.423º/2 do CPC.
2. Tendo os requerentes exercido o contraditório de 1.1. supra antes da audiência final, este deve ser aproveitado na mesma, ao abrigo do princípio da limitação dos atos (art.130º do CPC).

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

No procedimento cautelar de restituição provisória de posse, movido por AA e mulher BB contra CC e mulher DD:
1. Os requerentes, a 14.04.2023:
1.1. Requereram: que se ordenasse «a) (…) a restituição provisória da posse (ou doutras medidas que entender convenientes) do caminho de servidão, nomeadamente através da remoção da vedação, de modo que os AA. possam ter um acesso completamente livre e desimpedido ao prédio de que são proprietários e proceder à urgente limpeza do terreno, uma vez que são direitos já efectivamente existentes e que lhes assistem, com as legais consequências.», com dispensa de audiência prévia do requerido; que se fixasse uma sanção pecuniária compulsória; que se invertesse o contencioso.
1.2. Alegaram, como fundamento:
a) A propriedade por ambas as partes de prédios rústicos que identificam.
b) O benefício pelos requerentes de uma servidão de passagem para o seu prédio através do prédio dos requeridos, por um caminho de 150 m de extensão, adquirida por usucapião.
c) A realização, pelos requeridos, de uma desflorestação e limpeza no seu prédio, no âmbito da qual as máquinas destruíram o caminho, danificando o seu leito, impedindo a sua passagem.
d) A sua reclamação junto dos requeridos, após a qual «d) (…)os RR., que ora diziam que haviam de colocar o caminho em condições, ora acenavam com a mudança da servidão para outro local, mas na ausência de uma conduta sincera e eficaz, os AA., viram-se na necessidade de eles mesmos, contratando um tractorista, de arranjar e colocar o caminho nas condições mínimas de passagem e de acesso ao seu prédio, tanto mais que decorriam tempos chuvosos, que mais o dificultavam, conforme resulta das fotografias e da fatura que ora se juntam - doc. ... e doc. ....» (bold aposto nesta Relação).
e) A realização posterior de uma vedação do seu terreno pelos requeridos, que não lhes permite a passagem pelo caminho.
2. Marcada e realizada a inquirição de testemunhas a 08.05.2023, nesta mesma data foi proferida decisão sobre a providência, com o seguinte dispositivo:
«3.Decisão
Pelo exposto, determino a imediata restituição provisória aos autores da posse do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco junto com a petição inicial, o prédio referido em B dos factos provados, determinando a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados, vindos da via pública – Rua ... –, e vice-versa.».
3. Notificados pessoalmente os requeridos da providência, a 15.06.2023 deduziram oposição, na qual:
3.1. Impugnaram factos alegados pelos requerentes em relação ao caminho invocado por estes e à sua impossibilidade de acesso ao seu prédio e alegaram factualidade nova respeitante à construção de um caminho alternativo que assegura a passagem dos requerentes, com base no qual defenderam a «II- (…) desnecessidade da servidão/mudança do caminho de servidão.”», passível de extinguir a servidão inicial, nos termos do art.1569º/2 do CC, declarando, nomeadamente:
«11º
Ora, sempre se dirá que para aceder ao seu prédio, os requerentes podem fazê-lo através de outro caminho, situado pela extrema norte do prédio do RR, no sentido nascente-poente, como aliás o tem vindo a fazer. (cfr. doc. n.º... e ...)
12º
Os requerentes de forma deliberada, omitem todo o processado anteriormente à interposição da presente providência,
13º
Bem como alteram toda a realidade factual, à sua conveniência, procurando convencer o tribunal da sua versão dos factos, o que não poderá obviamente proceder.
14º
Desde logo, não corresponde de todo à verdade que a passagem dos AA. para o seu prédio esteja atualmente impedida, ou tivesse ficado impedida por actuação dos RR.
15º
O que sucedeu e se passa a descrever, é que os aqui RR. na qualidade de proprietários do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., ... e ... sob o artigo ...87 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...17 começaram a procederam à limpeza do terreno em finais de dezembro de 2022, e deflorestação no seu prédio durante o mês de janeiro até meados de fevereiro de 2023, no intuito de realizarem uma plantação de árvores da espécie Pauwlonia.
16º
Ao mesmo tempo que os RR. realizavam tais trabalhos, procederam à abertura e construção de um novo caminho de servidão para a extrema norte do seu prédio, no sentido nascente poente.
17º
Tal caminho encontra-se em perfeitas condições de uso de pé, carro, trator e máquinas agrícolas, devidamente compactado e permite a passagem e a circulação em condições de fluidez e segurança, para o prédio dos AA. (cfr. doc. ... e ...).
18º
O caminho de servidão que os AA. referem nunca teve as características, largura, e configuração descritas no item 5º da petição inicial, e esteve sempre aberto e transitável até ../../2023.( cfr. doc. n.º ...)
19º
Após concluírem as obras do novo caminho, e de forma proteger a sua plantação, procederam à vedação do prédio em 18 de março 2023.
20º
Garantindo contudo a livre passagem pelo novo caminho, que se situa da parte de fora da vedação do prédio dos RR., e que está em perfeitas condições de circulação, desde ../../2023,
21º
Facto que é totalmente omitido e que os AA. procuram esconder do tribunal, no sentido de servir a narrativa que melhor lhes convém,» (bold aposto nesta Relação).
3.2. Pediram que se revogasse a providência e que fosse «permitido ao requerido a colocação da rede conforme se encontrava anteriormente, devendo ser ordenado ao requerente a passagem pela nova servidão construída pelo requerido.».
4. A 28.06.2023 os requerentes:
4.1. Apresentaram o seguinte contraditório, declarando fazê-lo nos termos do nº3 do art.3º do CPC:
«AA e mulher BB, nos autos acima identificados em que são requeridos CC e mulher, notificados do teor da oposição, bem como dos documentos apresentados, vem dizer e requerer o seguinte (nº 3 do artº 3º do CPC):

No essencial, os requeridos, aceitam:
a) a existência de um caminho de servidão que onera o seu prédio rustico (identificado em 2º da petição) em benefício do prédio rustico dos requerentes (identificado em 1º da petição), com a localização referenciada na petição;
b) o esbulho e a violência em que eles próprios protagonizaram, ao admitirem que com a desflorestação, com o auxílio de máquinas, destruíram completamente o caminho de servidão, deixando-o intransitável (demonstração que “retirar-se-ia em larga medida, se necessário fosse, também apenas da comparação do que lá havia com o agora lá se fotografou”, como muito bem se salienta na decisão de restituição de 08.05.2023);

Tanto bastaria para que os requeridos arrepiassem caminho, respeitando os direitos dos outros e não tentassem subreptícia e paulatinamente, eliminar o caminho de servidão e os vestígios que este ainda apresenta, apesar de tudo, com desculpas sem sentido.

Na oposição que deduzem e em termos simples, os requeridos acham-se legitimados na sua ilícita conduta, porque enquanto destruíam o caminho de servidão, abriam um outro ali por perto e, por isso, os requerentes não tinham de se queixar... Até podiam abrir 50 caminhos!

Dito de outro modo, os requeridos acham que podem mudar (usando a sua terminologia) uma servidão a seu bel prazer e à revelia dos donos do prédio dominante, por entenderem que a existente é desnecessária, confundindo, desde logo, a possibilidade de mudança (alteração) com a extinção por desnecessidade.

Sem cuidarmos aqui se o tal “novo caminho” obedece aos requisitos mínimos de que eventualmente dependeria uma mudança (traçado, piso e dimensões do leito e, naturalmente, condições de segurança), por comparação com o original – o que no caso está muito longe de ser verdade – a confusão dos requeridos, com a ideia de que o podem fazer por seu livre arbítrio, sem o escrutínio dos requerentes e até do Tribunal, é fatal.

Ora, é falso e inventado que os requeridos alguma vez hajam utilizado o referido “novo caminho” (a norte) ou que por lá alguma vez hajam passado, como falso e inventado é tudo quanto a este respeito os requeridos invocam.

Os requerentes não têm necessidade de omitir o que quer que seja, porque ainda hoje aguardam que os requeridos deem sinal sobre o documento que os requerentes lhes remeteram em 13.01.2023, exactamente sobre a possibilidade de mudança e das condições mínimas para que tal se processasse (doc. junto).

Mas os requeridos, manhosamente, nunca se pronunciaram sobre o mesmo, preferindo actuar a seu bel-prazer, de forma enviesada, mas sempre com o intuito de acabar com os sinais visíveis e permanentes do caminho, ou seja, com a servidão.

À excepção do documento nº ..., os demais juntos pelos requeridos não retratam a realidade dos factos, apenas servem para confundir, pelo que se não aceitam e impugnam.
10º
E a mais se não responde por a lei o não permitir.
Termos em que deve a oposição ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.

Requer:
a) a junção de um documento.
b) a inquirição de
i) EE, casado, residente na Avenida ..., ..., ... e ..., ... ... e
ii) FF, casada, residente na Avenida ..., ..., ... e ..., ... ....
Junta: 1 documento.» (bold aposto nesta Relação).
4.2. Juntam um documento com epígrafe «Mudança de Servidão», datado de 12.01.2023.
5. A 30.06.2023 foi proferido despacho a marcar audiência para o dia 19.07.2023, às 09.30 horas, alterada a 14.07.2023 (a pedido dos requerentes) para o dia 03.08.2023.
6. A 20.07.2023 os requerentes apresentaram o seguinte requerimento:
«Através de requerimento junto aos presentes autos em 28.06.2023, com a Ref.ª Citius: ...30, os requerentes requereram a inquirição de duas testemunhas, a saber:
1) EE, casado, residente na Avenida ..., ..., ... e ..., ... ..., e
2) FF, casada, residente na Avenida ..., ..., ... e ..., ... ....
As referidas testemunhas por serem os anteriores proprietários do prédio serviente e, nessa qualidade, o terem transmitido aos requeridos, conhecem os factos em discussão e, portanto, mostram-se essenciais para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Porém, por lapso do qual se penitenciam e, desde já, se requer a V.ª Ex.ª seja relevado, os requerentes não requereram a notificação daquelas testemunhas e, por isso, o Tribunal não procedeu à notificação das mesmas para comparecerem na Audiência de Discussão e Julgamento designada para o dia 03.08.2023, às 10:00 horas.
Em face do exposto, relevado que seja lapso, requerem a V.ª Ex.ª se digne ordenar a notificação das testemunhas acima identificadas, para comparecerem na aprazada Audiência de Discussão e Julgamento.
Espera deferimento.».
7. A 23.07.2023 foi proferido o seguinte despacho, notificado às partes por ato eletrónico de 24.07.2023:
«Req. ref.ª....67:
Uma vez que a produção de prova na oposição “deve ficar limitada à audição das testemunhas ou à apreciação de outros meios de prova exclusivamente apresentados pelo oponente” (António Abrantes Geraldes, in Temas da reforma do processo civil, III vol. 2ª ed. pag. 261), indefiro a inquirição das testemunhas indicadas pelos requerentes.
Notifique.».
8. A 03.08.2023 foi proferido despacho a decretar a suspensão da instância por 30 dias, face à comunicação de requerimento das partes nesse sentido.
9. Prosseguido o processo, a requerimento de 25.08.2023, foi designada data para a realização da audiência para o dia 11.10.2023 (face ao despacho de 14.09.2023, que alterou a data proposta a 06.09.2023).
10. Realizou-se audiência final, na qual:
10.1. Na sessão de 11.10.2023, após declaração de abertura: foram inquiridas as testemunhas GG, HH, II e JJ; foi declarada interrompida a audiência e designada para a sua continuação o dia 16.10.2023.
10.2. Na sessão de 16.10.2023:
a) Foi inquirida a testemunha KK.
b) Foi ouvido o requerido em declarações de parte, no qual este, nas instâncias do mandatário dos requerentes.
c) Foi interrompida a audiência e designado para o seu termo o dia 25.10.2023.
10.3. A 25.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Na passada sessão de julgamento fomos surpreendidos com a existência de um articulado denominado de “resposta à oposição”, que já estava junto aos autos e sobre o qual não recaiu qualquer despacho.
Tal articulado já estava junto aos autos no processo eletrónico, mas não no processo físico e como tal, a instâncias da última testemunha, foi requerido o confronto com um suposto documento que estaria com tal articulado, tendo sido nessa altura que tivemos conhecimento da existência do mesmo. Passa-se, então, a proferir despacho sobre a admissibilidade do referido articulado e documento que o acompanha:
Nos termos do disposto no artigo 365º do C.P.C., designadamente no seu nº 3, é subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos artigos 293º a 295º.
Tais artigos regulam a tramitação dos incidentes da instância. E diz-nos o artigo 293º do mesmo diploma legal, que “no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova”, e, de acordo com o número 2 “a oposição é deduzida no prazo de 10 dias”.
Portanto, nos incidentes da instância (regime aplicável aos procedimentos cautelares), não é admissível qualquer resposta à oposição.
Ademais, de acordo com o disposto no artigo 3º do C.P.C. neste tipo de ações, se a parte quiser exercer o seu direito ao contraditório, deve fazê-lo no inicio da audiência final (art.º 3º, nº 4 do C.P.C.), motivo pelo qual determino o desentranhamento do referido requerimento, que se trata de articulado legalmente inadmissível e também não admito o documento que o acompanha porque extravasa o âmbito das normas legais acima determinadas.
Notifique.

*
Requerimento datado de 19-11-2023 junto aos autos a fls. 67 e seguintes:
Após a passada sessão de julgamento, AA e mulher, vieram requerer a junção aos autos de troca de e-mails com a ilustre mandatária dos requeridos, alegando, para tanto e em síntese, que “a junção destes documentos justifica-se assim para que o Tribunal, decidindo como tiver que decidir, esteja na posse de elementos que falam por si e que explicam a oposição que os requerentes sempre mantiveram”.
Ora, à semelhança do que já expusemos, de acordo com os preceitos legais aplicáveis aos incidentes da instância, a junção de documentos nesta fase processual não é admissível.
Ademais, também extravasa o limite temporal do artigo 423º, nº 2 e 3 e os fundamentos aduzidos não se aplicam no âmbito de tal preceito legal.
Acresce, ainda, outra questão jurídica que nunca nos permitiria admitir a junção dos documentos em causa. Analisados os documentos de fls. 68 e seguintes, constata-se que se tratam de troca de correspondência entre advogados e portanto, esta troca de correspondência está devidamente legislada no Estatuto da Ordem dos Advogados e não é admissível, no caso concreto, como o ilustre mandatário dos autores ou dos requerentes bem sabe, motivo pelo qual determino o desentranhamento, quer do requerimento datado de 19/10, quer ainda dos documentos que o acompanham.
Notifique.».
11. Os requerentes interpuseram recurso sobre o despacho de I-10.3. supra, no qual apresentaram as seguintes conclusões:
«1º - Os recorrentes não se conformam com o teor do despacho proferido em 25.10.2023, o qual determinou o desentranhamento do requerimento junto aos presentes autos pelos recorrentes em 28.06.2023, no Citius com a Refª: ...30, por o Tribunal a quo entender que se trata de um articulado inadmissível e consequentemente, não admitindo a junção do documento que o acompanha.
2º - O requerimento em causa bem como o documento que o acompanha foi junto aos autos pelos recorrentes, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 3º do CPC (no Citius com a Ref.ª ...30) na sequência da oposição deduzida pelos requeridos.
3º- Notificados do teor daquele requerimento e do documento que o acompanha, os requeridos nada disseram, tendo os autos seguido os seus normais termos, e nessa sequência o Tribunal a quo proferiu vários despachos, não tendo em nenhum deles indeferido quer o citado requerimento (mesmo naquele em que se pronuncia sobre a impossibilidade de inquirir as testemunhas indicadas nesse mesmo requerimento), quer a junção do documento que o acompanhava.
4º - Neste quadro, o documento que acompanhava o requerimento dos recorrentes – já depois de proferidos sucessivos despachos e não existindo nenhum despacho que o rejeitasse - foi objeto da inquirição da parte e das testemunhas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, sem qualquer oposição do Tribunal a quo ou dos requeridos.
5º - O que permitiu aos recorrentes (e até aos recorridos) atuar sempre com a convicção de que o mesmo tinha sido admitido, até porque, como se disse, os requeridos notificados desse requerimento e do documento (em 28.06.2023) e, em momento algum, se opuseram a que o mesmo fosse utilizado como meio de prova, sendo, por isso, lícito e razoável presumir que aquele requerimento/resposta havia sido admitido.
6º - Assim, não pode o Tribunal a quo ignorar, nesta fase e em julgamento da oposição, a admissão do mesmo, e proferir um despacho/decisãosurpresa, por há muito se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional.
7º - Não é aceitável num Estado de Direito que num processo (no caso, numa providência cautelar), com diversas intervenções do Tribunal a quo, este venha quatro meses depois, após permitir que as testemunhas e o próprio requerido fossem questionadas sobre o teor do mesmo, alegar desconhecimento da existência daquelerequerimento/resposta edo documento então junto e venha maistarde apronunciar-sedomodo como o fez, violando com esta nova decisão o disposto no art.º 613º do CPC (n.º 1 e 3).
8º - Como sereferiu,o requerimento junto pelosrecorrentes foi apresentado ao abrigodo n.º3,do art.º 3º do CPC,mas não obstante, o Tribunal aquo no despacho em crise, decidiu que“de acordo com o disposto no artigo do C.P.C. neste tipo de ações, se a parte quiser exercer o seu direito ao contraditório, deve fazê-lo no início da audiência final (art.º 3º, 4 do C.P.C.).”
9º - Num Estado de Direito é facultado às partes em qualquer altura do processo o exercício do contraditório, de forma a ser garantida a tutela jurisdicional efetiva em todo o desenrolar do processo, princípio esse que tem consagração Constitucional (art.º 20º da CRP).
10º - O próprio Tribunal pode e deve, em qualquer fase do processo, admitir e promover o exercício do contraditório, em obediência ao princípio da gestão processual e da cooperação (n.º 1, do art.º 6.º e n.º 1, do art.º 7.º do CPC).
11º - Decidiu o Tribunal a quo que o direito ao contraditório deve ser exercido no início da audiência final, entendimento com o qual também não podemos concordar, por não existir uma norma expressa que determine que tal direito tem de ser exercido necessariamente no início da audiência, pois na realidade, quando muito há um limite temporal, até ao início da audiência final (art.º 3 n.º 4 do CPC), podendo, assim, o direito ao contraditório ser exercido até esse momento.
12º -Com efeito, porumaquestão deceleridade, de clareza e transparência e lealdade processual, atento o que vinha invocado pelo requeridos na oposição, a resposta e o esclarecimento da sua posição (acerca das negociações entre as partes) só podia surgir naquele momento, pois só assim o Tribunal estaria, desde logo, na posse de todos os elementos necessários e em melhores condições para apreciar todos factos e proferir uma boa decisão da causa.
13º - Por outro lado, também não resulta da lei, para além do momento, qual o modo próprio para responder às exceções deduzidas ou aos factos impugnados e, portanto, só ao abrigo do princípio do contraditório é que os recorrentes o poderiam fazer, como sucedeu nestes autos, no sentido, aliás, do entendimento da jurisprudência acima citada.
14º – Os recorrentes exerceram devidamente e em momento próprio o seu direito ao contraditório e, portanto, ao não admitir o requerimento e respetivo documento naquela fase do processo, o Tribunal violou o disposto nos artigos 3º n.º 3 e 4, art.º 6º e art.º 7º, todos do CPC.
15º -O despacho em crise ao decidir que“…também não admito o documento que o acompanha porque extravasa o âmbito das normas legais acima determinadas.”, incorreu numa errada aplicação do direito ao caso concreto, usando critério e sustentação contrária ao entendimento proferido no despacho na parte que se segue à decisão em crise, constante da mesma Ata, e que se reporta à junção de outros meios prova, como acima assinalamos.
16º - Na oposição deduzida, os requeridos alegam, entre o mais, que “… para aceder ao seu prédio, os requerentes, podem fazê-lo através de outro caminho, situado pela extrema norte do prédio do RR, no sentido nascente-poente, ... (ponto 11) facto que é totalmente omitido e que os AA. procuram esconder do tribunal, no sentido de servir a narrativa que melhor lhes convém” (ponto 21º).
17º -Perante talalegação (queo próprio Tribunal considerou como matériadeexcepção…), paraprova da deturpação e da falsidade de tal facto, impunha-se aos requerentes repôr a verdade, defendendo-se, tendo por isso apresentado a sua resposta, esclarecendo que nada omitiram, uma vez que se ainda se encontravam a aguardar que os requeridos se pronunciem sobre o documento “Acordo Mudança de Servidão”, que lhes havia sido remetido em 13.01.2023.
18º - Acordo esse que esteve pacificamente no processo durante mais de 4 (quatro) meses...
19º - Como é óbvio, aquando dapetição inicial, não semostrou necessário (nem erapertinente, em face dos elementos que integram a figura da restituição provisória de posse e que importava alegar), a junção deste documento, mas ante o invocado na oposição, em jeitodejustificação oudeexcepção, osrecorrentes não viram outra solução, até para ajudar o Tribunal a quo a formar a sua convicção, nomeadamente quanto aos elementos e os requisitos que determinam a restituição provisória de posse.
20º - Em abono da verdade, os recorrentes nunca reconheceram a existência desse “novo” caminho, mas também não era isso que estava em causa nos autos, porquanto o que realmente importa para o decretamento da providência é o facto de os requeridos terem destruído o caminho de servidão a favor do prédio dos recorrentes, eliminando todos os sinais (visíveis e permanentes) da sua existência e fecharem-no completamente, colocando uma rede e um poste (esteio) no seu leito, impedindo, desse modo, os recorrentes de acederam ao seu prédio rústico.
21º - Se os próprios requeridos se recusam a assinar o “Acordo Mudança de Servidão” (não sendo hoje necessária escritura pública, deve pelo menos existir um documento escrito) que lhes foi remetido pelos recorrentes (como ficara combinado), não é legalmente admissível, nem exigível aos recorrentes aceitar uma “mudança” de servidão imposta unilateralmente.
22º - Assim, não oferece dúvidas que tal documento foi apresentado em momento oportuno, pois ao contrário do decidido no despacho recorrido, os art.º 365º, n.º 3 ex vi art.º 293º e 295º, não afastam o âmbito de aplicação das normas de carácter geral, designadamente o disposto no n.º 2 do art.º 423º do CPC, que admite a junção de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, às providências cautelares.
23º - No caso, tendo tal documento sido junto aos autos com um prazo de antecedência em muito superior aos vinte dias, não poderia ser motivo de indeferimento, mas quando muito, poderia ser objecto de aplicação de uma multa, caso o Tribunal viesse a entender pela extemporaneidade ou impertinência do mesmo.
24º - A remissão feita pelo n.º 3 do art.º 365º para os art.s 293º a 295º do CPC aparece, assim, apenas com o intuito de as partes interiorizarem que os meios de prova devem ser juntos com a petição e respetiva oposição, não obstando a que não possam ser aplicadas as normas de carácter geral aos procedimentos cautelares, desde que observado o princípio da celeridade processual e seja assegurada a sua natureza urgente.
25º - Acresce que, no despacho de não admissão do documento junto pelos recorrentes o Tribunal a quo fundamenta a decisão em apreço com o estatuído no n.º 3 do art.º 365º do CPC e a remissão para os art. ºs 293º a 295º do CPC.
26º - Porém, como se pode ler na Ata (de 25.10.2023), de imediato é proferido um outro despacho que aprecia a junção de outros meios de prova e, usando diferente critério, conclui pela sua não admissão, por se mostrar ultrapassado o prazo de 20 dias para o efeito, previsto no art.º 423º, n.º 2 e 3 do CPC.
27º - Como se infere, quanto ao documento junto com o requerimento dos recorrentes, o Tribunal a quo não apreciou e, consequentemente, não se pronunciou sobre a admissão daquele meio de prova, nos termos do art.º 423º do CPC, em clara violação do citado normativo e do art.º 6 do CPC, que sempre permitiria a sua junção por se mostrar cumprido o prazo ali estipulado para o efeito, nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais (art.º 615º, aplicável aos despachos art.º 613, n.º 3, ambos do CPC).
28º - Ora, não tendo os requeridos nada dito ou pronunciado sobre o requerimento e documento em causa (por conhecerem e reconhecerem a sua existência e o seu teor) e tendo aquele documento sido usado como meio de prova, falado e mostrado em sede de Audiência de Julgamento (durante duas sessões), o Tribunal aquoestava impedido de se pronunciar sobre a admissão do mesmo, ainda que alegadamente dele não dispusesse em suporte físico.
29º - A verificar-se tal situação, tal erro ou lapso é do Tribunal aquo, cujas consequências os recorrentes não têm de suportar.
30º - Pelo que, neste quadro,o Tribunal aquo, estando impedido, como se disse, de se pronunciar sobre o referido requerimento e documento junto, devia limitar-se a mandá-los imprimir para o processo físico.
31º - O Tribunal a quo ordenou o desentranhamento do citado requerimento e respetivo documento, o que foi concretizado ainda antes do trânsito em julgado da decisão de que se recorre.
32º - Mostram-se, assim, violados os preceitos e as normas legais acima referidas.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao recurso e, nessa medida, revogar-se o despacho recorrido, com as legais consequências.».
12. Os requeridos e recorridos responderam ao recurso......Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa mui doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado como improcedente por falta de fundamento legal ...».
13. O recurso de I- 11 supra foi admitido em 1ª instância e, após, nesta Relação, como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
14. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.

Definem-se como questões a decidir:
1) Se a decisão recorrida viola o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nos termos do art.613º/1 do CPC, por os atos processuais praticados terem permitido presumir que o requerimento de 28.06.2023 e o documento no mesmo junto haviam sido admitidos (conclusões 3º a 7º).
2) Se a decisão recorrida:
2.1) Está errada quando decidiu a inadmissibilidade do requerimento de 28.06.2023: por neste requerimento o requerente ter exercido o contraditório, nos termos do art.3º/3 do CPC, sem oposição dos requeridos; por o Tribunal não ter estado impedido de se pronunciar tempestivamente sobre o mesmo, ainda que não estivesse no suporte físico; por o contraditório dever ser admitido, nos termos dos arts.3º/3 e 4, 6º/1, 7º/1 do CPC e 20º da CRP (conclusões 8ª a 14º, 28º e 30º).
2.2) É nula e errada, quando decidiu rejeitar o documento junto com o requerimento de 28.06.2023: nula por omissão de pronúncia sobre a aplicabilidade dos arts.6º e 423º/2 do CPC (conclusão 27º); errada por o documento realizar contraprova (em relação a matéria alegada no art.21º da contestação e impugnada no contraditório), ter sido junto tempestivamente (art.423º/2 CPC, que considera aplicável pelo facto de os arts.293º a 295º do CPC, ex vi do art.365º/3 do CPC, não afastarem a aplicação das normas de caráter geral), ter estado no processo mais de 4 meses e ter sido usado como prova nas duas sessões da audiência (conclusões 15º a 30º).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:
Julgam-se assentes os atos processuais referidos em I supra, face à força probatória plena dos atos remetidos pelo sistema eletrónico (art. 371º do CC).

2. Apreciação do objeto do recurso:
2.1. Enquadramento jurídico:
2.1.1. O princípio do contraditório (art.3º do CPC):
2.1.1.1. A exigência de observância do princípio do contraditório alicerça-se na garantia constitucional do nº4 do art.20º da Constituição da República Portuguesa, que define, no âmbito dos princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe do art.20º de «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva»: «4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.».
Esta garantia que todos os cidadãos disponham de um processo equitativo na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos tutela o direito dos cidadãos não só ao processo (que garanta os seus direitos e interesses legalmente protegidos), mas também à observância no mesmo do princípio da igualdade entre as partes: na exposição de facto e de direito das suas razões de petição e de defesa; na produção de prova e contraprova; no exercício do direito ao contraditório e à participação no desenvolvimento do processo; no direito ao recurso, sem prejuízo das limitações e restrições sujeitas ao princípio da proporcionalidade[i]
2.1.1.2. No regime processual civil, e para este efeito, o art.3º/3 e 4 do CPC dispõe, como norma geral de contraditório, que «3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.».
Esta exigência de contraditório reveste: uma expressão objetiva de promover a participação das partes na construção da decisão; uma expressão subjetiva de assegurar o direito de defesa.
Neste sentido, como refere Rui Pinto:
«A garantia do processo equitativo do art.20.º n.º4 CRP implica que a medida de tutela final seja produzida com participação dos titulares da relação litigiosa, como, aliás, sucede com toda a actividade do Estado que interfira com os direitos dos cidadãos.
Num sentido objectivo a participação dos interessados é a própria lógica de estruturação do processo e que se sintetiza numa afirmação: a decisão judicial sobre uma providência requerida deve ser o resultado de um procedimento ou método que implique uma faculdade de comparticipação, colaboração ou influência paritárias. Essa participação exprime-se por meio de uma relação dialéctica (…): com o desenvolvimento do processo, cada parte- independentemente da sua posição originária (…)- pode pronunciar-se previamente sobre cada ato que a afete (proibição da indefesa).
Num sentido subjetivo o princípio do contraditório implica um direito de defesa na sua possibilidade e nas armas de que se serve, e o direito de ser ouvido lato sensu- (…)- de que goza não apenas o réu ab initio em simetria com o direito de acção do autor, mas, em geral, todo o sujeito jurídico directamente atingido nos seus direitos por via dos efeitos do caso julgado, seja parte no processo- cfr. o artigo 631.º, n.º1- seja terceiro- cfr. artigos 631.º, n.º2.»[ii].    
Também, neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem:
«Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.»[iii].  
Por sua vez, o acórdão desta Relação de Guimarães de 19.04.2018, proferido no processo nº533/04.0TMBRG-K.G1, a que se adere, também conclui:[iv]
«1- Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal;
2- Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem;
3- Com o aditamento do nº3, do art.3º, do CPC, e a proibição de decisões surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios;
4- Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base da decisão;».
O cumprimento de contraditório, por sua vez, pode ser excecionalmente dispensado em casos, conforme define o nº3 do art.3º do CPC, de “manifesta desnecessidade”. Esta desnecessidade tem sido entendida, nomeadamente, quanto a questões: que são ostensivas, nomeadamente por serem claras na lei e consensuais na doutrina e na jurisprudência, não podendo a parte desconhecê-las; que já foram debatidas; cuja decisão é favorável à parte em relação à qual foi dispensado o contraditório.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa referem, a este propósito:[v]
«A audição das partes apenas pode ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade” (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva), quando se trate de indeferimento de nulidades (art.201º) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé, alegar desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências (RL 24-4-18, 15582/17). (…) Tal dispensa é prevista a título excecional, apenas se justificando quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final.».
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem, a este propósito:
«Pode assim não ter lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra para dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação. Pode ele também não ter lugar quando a questão seja decidida favoravelmente à parte ouvida (o que sempre implicaria a irrelevância da omissão: art.195-1) ou quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar uma irregularidade (art.146-2; art.590- 3) ou uma insuficiência expositiva (art.590-4; art.639-3).»[vi].
A falta de cumprimento de contraditório das partes, em matéria em que o mesmo seja exigível por poder interferir com a decisão da causa, corresponde a uma nulidade processual, dependente de arguição da parte interessada e determinante da anulação dos atos posteriores, nos termos dos arts.195º a 197º, 199º e 200º/3 do C. P. Civil.
Este é o sentido adotado maioritariamente, anotando-se nesse sentido também o acórdão da Relação de Guimarães de 19.04.2018, supra citado, que concluiu também: «5- A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos respetivo enquadramento jurídico.». Quando esta nulidade processual é cometida antes da decisão judicial e está coberta pela mesma, deve ser conhecida no recurso desta mesma decisão[vii].
2.1.1.3. A doutrina e a jurisprudência discutiram se, nos procedimentos cautelares que contemplam apenas o requerimento inicial e a oposição (anterior ou posterior à decisão, consoante não exista ou tenha sido dispensado o contraditório prévio à decisão ou não tenha), nomeadamente no procedimento cautelar de restituição provisória de posse, é admissível o exercício do contraditório da matéria alegada na oposição, maxime, em matéria de exceção.

Pronunciaram-se favoravelmente, entre outros:
_ Abrantes Geraldes, que, em 1998, defendia amplamente o contraditório, em relação ao CPC de 1961, na redação do DL nº329-A/95, de 12.12. («defendemos uma interpretação que, (…), considere admissível a resposta do requerente ao incidente de oposição, sejam ou não deduzidas excepções ou simples impugnação dos factos anteriormente alegados pelo interessado e onde se baseou a tutela cautelar»[viii]).
_ Lucinda Dias da Silva, que, em referência à oposição diferida e tramitação subsequente, defendida em 2009 «(…) o conteúdo da intervenção do requerido pode determinar a concessão, ao requerente, da possibilidade de novamente se pronunciar, à semelhança do que aconteceria se o contraditório não tivesse sido diferida. | Se a igualdade entre as partes inviabiliza que se conceda ao requerente a possibilidade de repetir a intervenção já desenvolvida, a renovação da oportunidade de pronúncia por aquele só poderá ter lugar quando esta revista natureza inovadora, o que ocorrerá se surgirem, entretanto, novos elementos que possam influenciar a decisão a proferir e sobre que, portanto, ainda não se tenha pronunciado. Tais elementos terão sido carreados para o processo por intermédio do requerido ou por força da sua intervenção. | O requerente poder-se-á, neste caso, pronunciar (…), o que só acontecerá, por regra, se o contraditório exercido pelo requerido importar a invocação de novos factos (que não uma versão diferente dos factos já invocados), a junção de novos meios de prova ou envolver o suscitar de novas questões de direito. (…)»[ix].
Ac. RL de 03.12.2020, proferido no processo nº276/18.7T8MFR-C.L1-8, relatado por Isoleta Costa, que concluiu «Nos procedimentos cautelares em que apenas são admitidos dois articulados o Requerente apenas pode responder às exceções ou documentos juntos com a oposição, na audiência final uma vez que não há audiência preliminar (Artigos 293º nº1 e 3º nº 4 do CPC)».
2.1.2. A produção de prova e contraprova:
2.1.2.1. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.341º do CC), através dos meios e do regime legal material e processual aplicável (arts.341º a 396º do CC; 410º a 526º do CPC).
Estes factos a demonstrar pela prova, salvo aqueles que o Tribunal pode considerar oficiosamente (arts.5º/2 e 411º do CPC) ou que não carecem de alegação e prova (art.412º do CPC), correspondem àqueles que foram oportunamente alegados pela parte a quem os mesmos aproveitam, uma vez que cabe às partes alegar os factos essenciais (art.5º/1 do CPC e art.342º/1 e 2 do CC) em que baseiam: as suas pretensões (arts.552º/1-d) e 583º/1 do CPC); a sua defesa por exceção (arts.572º/c) e 584º do CPC).
E, assim, o ónus de prova é repartido pelas partes em consonância com o seu prévio ónus de alegação, cabendo: aos autores e reconvintes o ónus de provar os factos constitutivos do direito de que se arrogaram (art.342º/1 do CC); aos réus e reconvindos o ónus de provar todos os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito contra si invocado, integrativos das exceções que tenham alegado (art.342º/2 do CC).
A contraprova, por sua vez, destina-se a tornar duvidosa a prova não plena produzida pela parte onerada com o ónus de prova, nos termos do art.346º do CC («Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.»).
2.1.2.2. Os requerimentos gerais de prova (e de contraprova):
a) No regime regra do processo de declaração sob forma comum: devem ser apresentados com os articulados nos quais a parte alegue os factos de que lhe cabe produzir prova (petição inicial para o autor- art.552º/2 do CPC; contestação para o réu- art. 572º/d) do CPC), nomeadamente a prova documental, que nos mesmos deve ser junta (art.423º/1 do CPC); podem ser alterados nos termos e prazos previstos por lei, finda a fase dos articulados e antes da audiência (na audiência prévia ou 10 dias após o despacho de dispensa da mesma- arts.591º e 593º/3, ex vi do art.598º do CPC; até 20 dias antes da audiência quanto à prova testemunhal e quanto à prova documental, sujeita a multa- arts.598º/2 do CPC e 423º/2 do CPC); são apreciados na audiência prévia ou no despacho que a dispensar, nomeadamente para programar os atos em audiência (art.591º/1-g) ou 593º/2-d) do CPC), ou, após, quando forem apresentados requerimentos de aditamento ou de alteração, depois de definido previamente o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, face aos factos concretos alegados (art.596º do CPC).
b) Nos incidentes da instância e nos procedimentos cautelares: como regra, os requerimentos de prova devem ser apresentados no requerimento que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida (art.293º/1 do CPC; art.365º e arts.366º ou 372º/1-b) do CPC); não está afastada a ponderação de admissão de contraprova documental face ao regime jurídico infra enunciado, quando se admitir o exercício do contraditório do requerente em relação a exceções deduzidas na oposição pelo requerido, nos termos do art.3º/3 e 4 do CPC.
Na prova documental, em particular, o legislador no Título V respeitante à «Instrução do processo» e no Capítulo II respeitante à «Prova por documentos» consagra, não só a possibilidade regra de apresentação dos documentos com os articulados onde forem alegados os factos, mas a possibilidade de apresentação posterior condicionada aos prazos ou condições previstas, v.g.: no art.423º do CPC prevê-se que «1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»; no art.425º do CPC prevê-se que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.».
Este regime geral não deixa de poder ser aplicado aos procedimentos cautelares, conforme se defende no Ac. STJ de 12.01.2022, proferido no processo nº 172/20.8T8CCH.E.E1.S1, relatado por Rosa Tching, que admitiu a junção de documentos pelo requerente no requerimento em que exerceu contraditório sobre a oposição. Este acórdão, conclui que «Nos procedimentos cautelares, é admissível a junção de documentos posteriormente aos articulados iniciais e até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, nos termos gerais do artigo 423º, nº 2, do Código de Processo Civil», mediante a seguinte fundamentação:
«Delimitado nos termos sobreditos no ponto III o objeto do presente recurso, vejamos, então, se, tal como decidiu o acórdão recorrido, o regime dos procedimentos cautelares impede a junção de documentos após a apresentação dos dois articulados iniciais e até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, nos termos gerais do art. 423º, nº 2, do CPC.
Trata-se de questão que está longe de ser pacífica na jurisprudência.
Com efeito, tal como nos dá conta Abrantes Geraldes[15], já no domínio do Código de Processo Civil, anterior à reforma de 1995, formaram a este respeito duas correntes jurisprudenciais.
Uma delas, sustentada, entre outros, no Acórdão da Relação do Porto, de 11.10.93[16] que, colocando o acento tónico na natureza e a celeridade que o legislador quis imprimir ao processo cautelar, considerou inadmissível a junção de elementos de prova fora do requerimento inicial ou da oposição.
Uma outra, perfilhada, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 18 de Abril de 1991 (processo nº. 80361)[17] e de 09.02.95 (proferido no processo nº 086375 e que revogou o citado Acórdão da Relação do Porto, de 11.10.93)[18] e no Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.06.91[19] , que, dando prevalência à regra geral consignada no art. 523º, nº 2[20], do CPC, defendeu que nos procedimentos cautelares era possível a junção de documentos para além do último articulado, desde que fossem oferecidos até ao encerramento da discussão.
Esta divergência jurisprudencial persistiu após a reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12,12 e pelo DL nº 180/96, de 25.09, tornando-se, porém, maioritária[21] a tese segundo a qual, em processo cautelar, era admissível a apresentação de prova documental nos termos da regra geral do nº 2 do citado at. 523º[22], o que passou a ser sustentado também por Lebre de Freitas[23].
Estas duas correntes continuam a persistir no domínio do novo Código de Processo Civil, havendo quem defenda, como faz o acórdão recorrido, que «O artigo 365.º, n.º 1, estabelece que, com a petição inicial, o requerente da providência oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão. Daqui decorre que o requerente da providência tem o ónus de oferecer toda a prova – com ressalva do que diremos no ponto seguinte a propósito do depoimento de parte – com a petição inicial. Nomeadamente, toda a prova documental deverá ser junta pelo requerente com este articulado. Atentas as já salientadas natureza urgente dos procedimentos cautelares e exiguidade dos prazos legais para a sua decisão em primeira instância (artigo 363.º), deve considerar-se inaplicável, seja subsidiariamente, seja por analogia, o regime estabelecido no artigo 423.º, n.ºs 2 e 3. O regime subsidiário do dos procedimentos cautelares é o dos incidentes da instância e não o do processo declarativo comum (artigo 365.º, n.º 3). No que toca à aplicação analógica do artigo 423.º, n.ºs 2 e 3, a mesma deve ser afastada, desde logo, pela inexistência de uma lacuna sobre esta matéria no regime dos procedimentos cautelares, já que o momento próprio para a junção de documentos se encontra previsto na lei de forma que tem de ser considerada plena ou completa atentas as referidas urgência e submissão a prazos legais excepcionalmente curtos. (…) O requerente tem o ónus de se munir de todos os documentos que considere necessários para a prova sumária dos factos que alega até ao momento em que instaura o procedimento, tal como o requerido tem o ónus de o fazer dentro do prazo da oposição. Não há lugar para a junção de documentos em momento ulterior, a qual, devido às exigências decorrentes do princípio do contraditório, potenciaria o retardamento da decisão da providência de forma incompatível com o disposto no artigo 363.º – atente-se, nomeadamente, no regime constante do artigo 424.º, que continua, na prática, a proporcionar o protelamento do encerramento da audiência final de forma significativa»
E, por outro lado, quem continue a considerar, como acontece nos Acórdãos do Tribunal Relação, de 23.04.2020 (processo nº 543/18.0T8OLH-K.E1) e de 12.03.2015 (processo nº 55/14.0TBAVS.E1)[24], que, ante a alteração do regime que constava do art. 523º do CPC de 1961[25], «o regime dos procedimentos cautelares não impede a junção de documentos após a apresentação dos dois articulados iniciais e até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, nos termos gerais do art. 423º, nº 2, do CPC.».
Tomando posição sobre esta questão e na busca da melhor solução, não deixaremos de perfilhar, de harmonia com o disposto no art. 9º do C. Civil, aquela que melhor se coaduna com o espírito da lei, melhor garante a unidade do sistema jurídico e satisfaz os interesses protegidos por cada uma das normas dos arts. 363º e 423º, ambos do CPC, por forma a obter-se um ponto de equilíbrio entre a urgência e a celeridade que o legislador quis imprimir ao processo cautelar e a necessidade de assegurar a descoberta da verdade e alcançar a justa composição do litígio.
Daí que, no confronto destas duas correntes, se propenda para sufragar o entendimento daqueles que defendem a admissibilidade da junção de documentos após a apresentação dos dois articulados iniciais e até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, nos termos gerais do art. 423º, nº 2, do CPC.
É que, não obstante a remissão feita pelo nº 3 do art. 365, para os arts. 293 a 295º, todos do CPC, deixar claro que os meios de prova devem ser oferecidos com a petição e com a oposição, daí não se retira que, no âmbito dos procedimentos cautelares, não possam ter aplicação também as normas de carácter geral da ação declarativa em tudo aquilo que seja compatível com a celeridade da tutela cautelar urgente e se mostre necessário para dar consistência ao princípio da verdade material.
E do art. 293º, nº 1 também não se extrai qualquer proibição no sentido de que, após aqueles articulados, as partes poderem apresentar documentos, embora sob sanção de multa, sendo certo que, como sublinhou o citado Acórdão do STJ, de 09.02.1995, «não se pode privar a parte de, depois de apresentar o seu articulado, juntar documentos que se considerem necessários para esclarecer a questão e habilitar o juiz a proferir decisão justa», tanto mais que «a parte pode estar impossibilitada de juntar o documento em devido tempo, ou seja com o articulado. Basta, para tanto, que o documento ainda não exista e isto acontece quando se forma posteriormente ao oferecimento do articulado ou, então, que a parte não disponha dele quando apresentou o articulado».
De resto sempre se dirá, ainda na esteira deste mesmo acórdão, que se é possível nos próprios recursos, quer na Relação, quer no Supremo, verificado o condicionalismo previsto nos artigos 651º, nº 1 e 680º, nº 1, ambos do CPC, produzir prova documental, mal se compreenderia que ela não pudesse ser produzida na primeira instância depois de apresentado o requerimento da providência cautelar, embora com observância do disposto no artigo 424 do Código de Processo Civil.
E a verdade é que nem sequer se vê que a aplicação do disposto no art. 423º , nº 2, do CPC, aos procedimentos cautelares contenda com o escopo destes, ou seja, a apreciação sumária e célere de uma situação merecedora de proteção jurídica, pois que com a requerida junção não se adia a realização das diligências de produção de prova, apenas impondo-se conceder prazo à parte contrária para se pronunciar sobre os documentos cuja junção se requer, nos termos do disposto no art. 424º, do CPC.
Daí que, por tudo isto e porque mostra-se justificada pelo Tribunal de 1ª Instância a admissão dos documentos juntos pela ora recorrente, seja de concluir pela procedência do presente recurso, impondo-se, nesta parte, a revogação do acórdão recorrido.».
2.1.3. As decisões judiciais sobre os articulados e sobre a prova:
2.1.3.1. As decisões judiciais, nomeadamente sobre os requerimentos de prova, podem proferidas pelo juiz de forma escrita ou oral, nos termos previstos no art.153º do CPC, respeitante aos «Requisitos externos da sentença e do despacho»), e do art.155º do CPC, respeitante à «Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz ».
As decisões escritas estão sujeitas ao regime do art.153º/1 e 5 do CPC.
As decisões orais estão sujeitas a regimes que preveem: no art.153º/3 do CPC que «3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 155.º, os despachos e as sentenças proferidos oralmente no decurso de ato de que deva lavrar-se auto ou ata são aí reproduzidos; a assinatura do auto ou da ata, por parte do juiz, garante a fidelidade da reprodução. »; no art.155º/1 do CPC, por aquele ressalvado, que «1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais. », sendo que o art.155º/7 do CPC prevê, ainda, que «7 - A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido.». A interpretação deste regime não tem sido interpretada uniformemente:
_ Para uns, a ressalva do nº1 do art.155º do CPC aponta para, no caso de gravação da audiência, as decisões orais aí proferidas não terem que ser reproduzidas em ata. António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, referem «O nº3, ao ressalvar o disposto no nº1 do art.155º, aponta no sentido de que sempre que a audiência for gravada, as decisões aí proferidas não carecem de ser reproduzidas em ata.»[x]. Ramos Faria e Luísa Loureiro, citado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, pronunciam-se, também, pela sustentação da falta de obrigatoriedade de reprodução em ata como regra no CPC de 2013 (situação que cederia apenas perante situações particulares em que se prevê que a decisão seja ditada para a ata, v.g., como no art.595º/2 do CPC e no art.4º/7 do anexo do DL nº269/98, de 01.09.)[xi].
__ Para outros, pode distinguir-se o regime dos requisitos externos da sentença ou despacho (art.153º do CPC) do regime da gravação (art.155º do CPC)[xii].
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre registam, ainda: que, quando a lei impõe reprodução escrita (como ditado pelo juiz), esta não se trata apenas de uma formalidade ad probationem mas a exigência da forma de documento autêntico uma formalidade essencial; que, assim não será quando as decisões orais tiverem sido gravadas e não houver previsão especial que exija a sua reprodução em ata, sendo que «Não havendo reprodução, o documento da diligência atesta que o despacho verbal foi proferido, mas o seu conteúdo está sujeito à livre apreciação do julgador, pois não goza das presunções de genuinidade e integridade estabelecidas no art.7-1 do DL 290-D/99, de 2 de agosto, para os documentos eletrónicos suscetíveis de apresentação como declaração escrita (art.3-5 do mesmo diploma e art.366 CC). Eis porque não se pode aceitar de ânimo leve que a lei dispense a reprodução das decisões na própria ata»[xiii].
2.1.3.2. Proferida uma decisão, por sentença ou despacho, «fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» (art.613º/1 e 3 do CPC), salvo as possibilidades de retificar erros materiais (art.614º do CPC), suprir nulidades (art.615º do CPC) e reformar a sentença ou despacho (arts.616º e 617º do CPC), possibilidades que, quando a sentença ou despacho admitam recurso ordinário, devem ser pedidas nas alegações de recurso. Como refere Rodrigues Bastos «Já os praxistas ensinavam que a sentença fazia terminar o ofício do juiz, por aplicação da regra contida nas Ordenações de que «depois que o julgador der a sentença e a publicar, não tem mais poder de a revogar.»»[xiv].
A sentença ou despacho, por sua vez, «considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação» (art.628º do CPC). Assim, a definitividade de uma decisão sujeita a recurso ordinário consuma-se quando estiver esgotada a possibilidade de recurso ordinário (arts.629º ss do CPC, sem prejuízo da renúncia do art.632º do CPC) e a definitividade de uma decisão sem recurso ordinário ocorre no fim do prazo de 10 dias para reclamação por eventual arguição de nulidades ou de reforma de sentença (arts.149º, 615º, 616º do CPC).
A decisão definitiva, de acordo com um critério da eficácia, terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa- caso julgado material, nos termos do art.619º do CPC (nos limites fixados pelos arts.580º e 581º do C. P. Civil, ressalvado recurso extraordinário de revisão dos arts.696º do C. P. Civil e sem prejuízo da oposição à execução baseada em sentença transitada em julgado, nos termos do art.729º do CPC); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que tenha recaído apenas sobre a relação processual- caso julgado formal, nos termos do art.620º do CPC.
Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como «garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição)»[xv], manifesta-se, de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado:
a) Num efeito negativo e formal, que opera como exceção dilatória e que evita que o Tribunal julgue a ação repetida (entre os mesmos sujeitos e sobre o mesmo objeto processual) e reproduza ou contradiga a decisão anterior, nos termos dos arts.577º/i), 578º, 580º e 581º do CPC [xvi]. Neste caso, a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior[xvii].
b) Num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos.[xviii] [xix]. Neste caso, a decisão anterior vincula a decisão de mérito do distinto objeto posterior[xx].

2.2. Apreciação da situação em análise:
Apreciar o objeto do recurso, face aos factos provados (III-1 em referência a I supra) e ao regime de direito aplicável (referido em III-2.1. supra).
2.2.1. Arguição de violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional:
Os recorrentes defenderam que a decisão recorrida viola o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nos termos do art.613º/1 do CPC, por os atos processuais praticados nos autos antes da mesma (falta de oposição do requerido ao requerimento de 28.06.2023, prolação de vários despachos, nomeadamente sobre as testemunhas indicadas nesse requerimento, sem indeferimento do mesmo; objeto de confronto com as testemunhas e o requerido em audiência) permitirem-lhes presumir que o requerimento de 28.06.2023 e o documento no mesmo junto haviam sido admitidos (conclusões 3º a 7º).
Importa apreciar.
Por um lado, verifica-se que os recorrentes não invocaram como fundamento desta arguição, nem demonstraram, a prolação de um despacho prévio, documentado nos termos dos arts.153º e/ou 155º do CPC, a partir do qual se pudesse considerar que, de forma expressa ou implícita, fora já admitido o requerimento de contraditório de 28.06.2023 e o documento junto com o mesmo, com o qual se tivesse esgotado o poder jurisdicional e se tivesse formado caso julgado formal (arts.613º e 620º do CPC), face ao regime jurídico exposto em III-2.1.3. supra.
Por outro lado, verifica-se que, apesar de se compreender que os requerentes tenham legitimamente presumido que o seu requerimento de exercício de contraditório apresentado a 28.06.2023 e o documento no mesmo junto tivessem sido aceites pelo Tribunal a quo (de facto, o Tribunal a quo: não rejeitou o requerimento de 28.06.2023 e o documento no mesmo junto quando marcou a audiência imediatamente após o requerimento de 28.06.2023 e quando indeferiu o pedido dos requerentes de notificação das testemunhas arroladas a 28.06.2023; iniciou a audiência final para produção de prova da oposição, sem cumprir o contraditório dos factos novos alegados na oposição, nos termos do art.3º/4 do CPC, e sem rejeitar, pelo menos a 16.10.2023, o confronto com o documento junto a 28.06.2023 nessa sessão pretendido pelos requerentes, conforme se depreende do despacho recorrido de 25.10.2023), esta presunção não cria uma decisão judicial, com a qual se esgote o poder jurisdicional, nos termos referidos no parágrafo supra.
Desta forma, não se reconhece que a decisão recorrida de 25.10.2023 tivesse sido proferida após o esgotamento do poder jurisdicional e em violação de caso julgado formal prévio.
2.2. Arguição de omissão e de erros de julgamento:
2.2.1. Os recorrentes defenderam que a decisão que não admitiu o requerimento de contraditório de 28.06.2023 errou: por neste requerimento o requerente ter exercido o contraditório, nos termos do art.3º/3 do CPC, contra o qual não se opuseram os requeridos; por o Tribunal não ter estado impedido de se pronunciar tempestivamente sobre o mesmo, ainda que não estivesse no suporte físico; por o contraditório dever ser admitido, nos termos dos arts.3º/3 e 4, 6º/1, 7º/1 do CPC e 20º da CRP (conclusões 8ª a 14º, 28º e 30º).
Importa apreciar, face ao requerimento inicial da providência, a oposição à mesma e requerimento de 28.06.2023 (referidos em I supra, ex vi de III-1 supra), em confronto com o regime de direito aplicável (exposto em III- 2.1.- 2.1.1. supra).
A oposição apresentada pelos requeridos, conforme documentado nos autos e referido em I supra, não se limitou a impugnar factos alegados pelos requerentes no seu requerimento inicial mas alegou matéria nova (sobre a construção de um novo caminho distinto do caminho de servidão que fundamentou o pedido do procedimento cautelar), com base na qual aqueles defenderam o direito da extinção da servidão anterior por desnecessidade e formularam pedido em conformidade.
Esta matéria nova alegada pelos requeridos para excecionar o efeito jurídico requerido no procedimento cautelar e fundamentar o pedido formulado na oposição (que depois veio a ser indeferido), justifica plenamente o reconhecimento aos requerentes/recorrentes do direito de exercerem o contraditório sobre a matéria nova, nos termos gerais do art.3º/3 e 4 do CPC, conforme se expôs em III-2.1.1. supra.
Tendo os requerentes exercido o contraditório antes da audiência final, através do requerimento de 28.06.2023, este deve ser aproveitado na mesma, ao abrigo do princípio da limitação dos atos, que prescreve que não é licito praticar atos inúteis no processo (art.130º do CPC).
Por esta razão, procede o recurso neste segmento, sem necessidade de apreciar os demais argumentos dos recorrentes.
2.2.2. Os recorrentes defenderam que a decisão que rejeitou o documento junto com a 28.06.2023 é nula e errada: nula por omissão de pronúncia sobre a aplicabilidade dos arts.6º e 423º/2 do CPC (conclusão 27º); errada por o documento realizar contraprova (em relação a matéria alegada no art.21º da contestação e impugnada no contraditório), ter sido junto tempestivamente (art.423º/2 CPC, que considera aplicável pelo facto de os arts.293º a 295º do CPC, ex vi do art.365º/3 do CPC, não afastarem a aplicação das normas de caráter geral), ter estado no processo mais de 4 meses e ter sido usado como prova nas duas sessões da audiência (conclusões 15º a 30º).
Importa apreciar, face aos atos processuais provados (referidos em I supra, ex vi de III-1 supra) e ao regime de direito aplicável (exposto em III- 2.1.- 2.1.2. supra).
Por um lado, não se reconhece qualquer nulidade da decisão recorrida por falta de ponderação na mesma dos invocados arts.6º e 423º/2 do CPC, uma vez que essa falta não corresponde à omissão de apreciação de questão fático- jurídica suscitada pela parte e que o tribunal devesse apreciar nos termos do art.608º/2 do CPC (que prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»), em relação ao qual opera o efeito de nulidade do art.615º/1-d) do CPC («O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;»).
De facto, as questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [xxi].
Estas questões, por sua vez, não se confundem: com os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, esta omissão pode ser invocada como erro de direito (veja-se, nomeadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes)[xxii]; com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento (art.640º do CPC, arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC); com a errada aplicação de normas, por ação ou omissão; com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[xxiii].
Desta forma, não se reconhece a nulidade da decisão, nos termos do art.615º/1-d) do CPC.
Por outro lado, reconhece-se: que o documento junto com o contraditório de factos novos de 28.06.2023, admitido em III-2.2.1. supra, respeita à alegação feita no mesmo e não aos factos que fundamentaram o pedido do requerimento inicial, com o qual devesse ter sido junto; foi apresentado antes dos 20 dias prévios à audiência final, em respeito do regime especial da prova documental previsto no art.423º/2 do CPC.
Desta forma, reconhece-se o direito à junção deste documento, nos termos do art.3º/3 e 4, 410º ss e art.423º/2 do CPC.
Assim, procede o recurso e deve ser revogada a decisão recorrida.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam na revogação do despacho recorrido de 28.10.2023 em relação ao requerimento de 28.06.2023 e ao documento no mesmo junto, que devem permanecer nos autos.
*
Custas pelos recorridos vencidos (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 14 de março de 2024
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores integrantes do coletivo

Alexandra M. Viana P. Lopes (J. Des. Relatora)
Rosália Cunha (J. Des. 1ª Adjunta)
Maria João Marques Pinto de Matos (J. Des. 2ª Adjunta)



[i] Vide amplamente sobre estas matérias, Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada por Jorge Miranda e Rui Medeiros, Universidade Católica Editora, Vol. I, fevereiro de 2017, 2ª edição revista, anotações XVI ss ao art.20º da CRP, págs.321 ss.
[ii] Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, volume I, 2018, nota 3-I ao art.3º, pág. 39.
[iii] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª edição, outubro de 2018, nota 5 ao art.3º, pág. 29.
[iv] Ac. RG de 19.04.2018, proferido no processo nº533/04.0TMBRG-K.G1, relatado por Eugénia Cunha, disponível in dgsi.pt.
[v] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, 2021- Reimpressão, Almedina, notas 12 e 14 ao art.3º. pág.22.
[vi] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, nota 9 ao art.3º, págs.32 e 33
[vii] António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, 2018, Almedina, pág.27.
[viii] Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, 1998, Almedina, pág.236, em relação a discussão desde pag.232 ss.
[ix] Lucinda Dias da Silva, in «Processo Cautelar Comum- Princípio do Contraditório e Dispensa de Audição Prévia do Requerido», Coimbra Editora, 2009, págs.298 e 299.
[x] António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 2 ao art.153º.
[xi] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, anotação 3 ao art.153º do CPC, pág.327.
[xii] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, anotação 3 ao art.153º do CPC, pág.328.
[xiii] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, anotação 3 ao art.153º do CPC, pág.328.
[xiv] Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3ª Edição Revista e Atualizada, Lisboa, 2001, anotação ao art.666º do C.P. Civil de 1961, pág.191.
[xv] Rui Pinto, in Código de Processo Civil anotado, Almedina, vol. II, Almedina, 2018, nota 2-I ao art.619, pág.185.
[xvi] Lebre de Freitas, in «Um polvo chamado Autoridade do Caso Julgado», pág.693, in www.portal.oa.pt
[xvii] Ac. RG de 07.08.2014, relatado por Jorge Teixeira no processo nº600/14.TBFLG.G1.
[xviii] Lebre de Freitas, in artigo citado in ii, pág.693. 
[xix] Rui Pinto, in obra citada in i, nota 2- II ao art.619, pág.186.
[xx] Ac. RG de 07.08.2014, referido supra.
[xxi] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[xxii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/1
0.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt
[xxiii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.