SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário

I - A suspensão da instância motivada pela pendência de causa prejudicial não pressupõe que esta tenha sido necessariamente instaurada antes de proposta a causa dependente. O que pressupõe é que, à data em que é decidida essa suspensão, ambas as ações estejam pendentes.
II - Tal suspensão não pode ser determinada quando, como é o caso, a ação prejudicial foi instaurada com o objetivo de suster os termos da causa dependente.

Texto Integral

Processo n.º 3512/22.1T8VNG.P1


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Sumário
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Relator: João Diogo Rodrigues
Adjuntas: Ramos Lopes;
Anabela Dias da Silva.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

1- A..., Ldª, alegando cumprir o deliberado na sua assembleia geral de 11/03/2022, instaurou, no dia 05/05/2022, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que este último seja “condenado a restituir à Sociedade Autora os valores por si apropriados que totalizam o montante de €16.121,40, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, com fundamento na responsabilidade decorrente do incumprimento dos deveres de lealdade enquanto gerentes, nos termos do artigo 72.º, n.º1 do CSC”, ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja o R. “condenado a restituir à Autora a quantia que totaliza o montante de €16.121,40, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, com fundamento no enriquecimento sem causa”. 

2- Contestou o R. rejeitando estes pedidos, porque, para além do mais, são nulas as deliberações tomadas na referida assembleia geral, não tendo para ela sido convocado ou dela tomado conhecimento antes da citação para esta ação, sendo ainda falsa a ata correspondente a essa assembleia, que crê não ter sido efetivamente realizada.

Deste modo, com este fundamento, pede a sua absolvição “da instância por falta do pressuposto processual da prévia deliberação válida dos sócios nos termos do artigo 246.º, n.º 1, al. g), do CSC”.

3- Seguidamente, no dia 25/10/2022, foi proferido o seguinte despacho:

“No artigo 5.º da contestação, alega o réu que “Com a citação para os presentes autos, o réu tomou conhecimento da realização de assembleia geral extraordinária no dia 11/03/2022, pelas 14h30, na Rua ..., ..., ... em ..., concelho de Gondomar, tendo como ponto único da ordem de trabalhos “deliberar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 246.º, n.º 1, alínea g) do Código das Sociedades Comerciais (CSC), sobre a proposição de ação judicial com vista a exigir o montante de € 16.121,40 (dezasseis mil cento e vinte e um euros e quarenta cêntimos) ao sócio AA (…)”.

Não alega, porém, o réu que se encontra pendente qualquer ação de anulação das deliberações sociais tomadas na aludida assembleia geral extraordinária, sendo certo que não peticiona a sua declaração de nulidade em sede de pedido reconvencional, esclarecimento, por isso, que se afigura relevante para os ulteriores termos da ação.

Assim sendo, notifique o réu para, no prazo de 10 dias, esclarecer se instaurou a referida ação e, em caso negativo, as razões da referida opção”.

4- Em resposta a este despacho, no dia 08/11/2022, o R. informou “que ainda não intentou a referida ação de impugnação da deliberação social, no sentido de ser declarada/reconhecida o vicio que lhe aponta – o da nulidade -, ação, esta, que não se encontra sujeita a prazo” e que “não o fez ainda, seja em sede de reconvenção ou em ação autónoma, porquanto se encontrar ainda a reunir um conjunto de informação e documentos necessários à instrução da referida ação, isto é, à prova dos factos que aí pretende alegar, cuja junção a lei impõe que seja efetuada aquando da dedução do respetivo articulado”.

5- Sobre esta resposta recaiu, no dia 06/12/2022, o seguinte despacho:

“Tendo em consideração o despacho proferido a 25.10.2022, a informação prestada pelo réu e dada a influência da instauração da aludida ação nos ulteriores termos desta ação, suspende-se a mesma por 15 dias por existir motivo atendível para o efeito.

Notifique e decorrido o referido prazo, notifique, de novo, o réu para informar se instaurou a referida ação”.

6- Efetuada esta última notificação, veio o R., no dia 26/01/2023, informar que ainda não intentou a referida ação de impugnação da deliberação social, “porquanto ainda se encontrar ainda a reunir um conjunto de informação e documentos necessários à instrução da referida ação, isto é, à prova dos factos que aí pretende alegar, cuja junção a lei impõe que seja efetuada aquando da dedução do respetivo articulado”.

7- Em contraditório subsequente, exercido no dia 16/02/2023, a A. opôs-se à continuação da suspensão da instância, a qual, a seu ver, deve ser cessada.

8- Em seguida, no dia 06/03/2023, foi proferido o seguinte despacho:

“Tendo em consideração o despacho proferido a 25.10.2022, a informação prestada pelo réu e dada a influência da instauração da aludida ação nos ulteriores termos desta ação, prorroga-se por mais por 15 dias o prazo de suspensão, sendo certo que decorrido o mesmo e caso a ação não seja efetivamente instaurada será determinado o seu prosseguimento.

Notifique e decorrido o referido prazo, notifique, de novo, o réu para informar se instaurou a ação”.

9- De novo notificado como ordenado, no dia 03/04/2023, o R. não deu qualquer resposta.

10- Foi então, no dia 11/05/2023, proferido o seguinte despacho:

“Notifique o réu para, no prazo de 05 dias, informar se instaurou a ação a que se alude no despacho precedente, sob pena de ser condenado em multa por ausência de colaboração com o Tribunal – artigo 417.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.

11- No dia 22/05/2023, o R. informou então “que já intentou ação de impugnação de deliberação social, não tendo ainda sido realizada a respetiva distribuição no sistema informático citius”.

12- No dia 24/05/2023, o R. informou, porém, “que a ação de impugnação de deliberação social intentada corre termos no Tribunal de Santo Tirso (Comarca do Porto) – Juízo de Comércio – Juiz 3, com o n.º 1634/23.0T8STS”.

13- Posteriormente, no dia 14/06/2023, o R. foi notificado “para instruir os presentes autos com cópia da petição inicial da referida ação”.

14- Junta essa peça processual, foi no dia 19/09/2023, proferido o seguinte despacho:

“Tendo em consideração a causa de pedir e o pedido da ação de impugnação de deliberações sociais que corre termos no Juízo de Comércio - J3, sob o n.º 1634/23.0T8STS conclui-se que a mesma constitui causa prejudicial da presente ação existindo, por isso, fundamento para a suspensão da presente instância.

Impõe-se, porém, a observância prévia do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, pelo que se determina a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, em 05 dias”.

15- A A. opôs-se a esta suspensão, por considerar, em suma, que “a ação de nulidade de deliberação social teve e tem como propósito único suspender a ação dos presentes autos”.

16- Foi então, no dia 17/10/2023, proferido despacho no qual se considerou em síntese, que a ação de impugnação de deliberações sociais que corre termos no Juízo de Comércio - J3, sob o n.º 1634/23.0T8STS constitui causa prejudicial em relação à presente ação e que não está demonstrada “a intencionalidade do Réu em, com essa causa, obter a suspensão desta.

Daí que se tenha declarado suspensa a presente instância até ao trânsito em julgado da sentença a proferir naquela ação.

17- Inconformada com o assim decidido, recorre a A., terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso insurgir-se contra o despacho recorrido, que decidiu pela suspensão da instância, com fundamento na existência de pendência de causa prejudicial.

2. De todo o modo, não pode a Recorrente conformar-se com o decidido no despacho que ora se recorre, porquanto este faz uma errada interpretação da lei, no que concerne ao artigo 272.º do CPC. Vejamos:

3. Na Petição Inicial que deu entrada a 5 de maio de 2022, a Autora – aqui Recorrente – alegou que o Réu – aqui Recorrido – se tinha locupletado indevidamente do património da Sociedade, no montante de €16.121,40 (dezasseis mil cento e vinte e um euros e quarenta cêntimos).

4. Tendo, previamente, deliberado em assembleia geral regularmente convocada a proposição da ação que deu origem aos presentes autos.

5. Deliberação essa posta em crise na invocada causa prejudicial.

6. Após os articulados, o Tribunal a quo profere despacho, a 25 de outubro de 2022, a notificar o Réu para, no prazo de 10 dias, esclarecer se instaurou a referida ação de nulidade de deliberação e, em caso negativo, as razões da referida opção.

7. Tendo o Réu respondido que ainda não o tinha feito porquanto se encontrava a recolher informação.

8. Por conseguinte, o Tribunal profere despacho a 6 de dezembro de 2022 a suspender a instância por 15 dias por entender existir motivo atendível para o efeito.

9. Após esse despacho, o Tribunal a quo notificou o Réu do despacho de 6 de dezembro de 2022 por mais três vezes (a 10 de janeiro de 2023, 6 de março de 2023 e 3 de abril de 2023).

10. Perante a ausência de resposta do Réu, o Tribunal profere despacho a 11 de maio de 2023 a notificar o Réu para este informar se deu entrada da referida ação, sob pena de ser condenado em multa.

11. Perante tal insistência do Tribunal, o Réu deu entrada da ação de nulidade de deliberação social no dia 22 de maio de 2023 – mais de um ano após a entrada da ação dos presentes autos.

12. O que motivou o Tribunal a quo a decretar a suspensão da instância, por entender existir um nexo de prejudicialidade entre as duas ações.

13. Tendo em consideração o objeto do despacho que ora se recorre, não obstante ser inegável o nexo de prejudicialidade entre as duas ações, a verdade é que os pressupostos para operar a suspensão da instância não se verificam no presente caso.

14. Para motivar a suspensão da instância é necessário, porquanto é pressuposto no artigo 272.º, n.º1 do CPC, que a causa prejudicial tenha sido proposta em momento anterior à propositura da ação a suspender.

15. O que, in casu, não aconteceu, visto que os presentes autos antecedem a causa prejudicial em 1 ano.

16. Sendo que o momento que releva não é o que foi proferido o despacho para suspensão da instância, mas, por outro lado, a anterioridade de uma ação relativamente à outra.

17. Pelo que é por demais evidente a errada interpretação da lei por parte do Tribunal a quo ao decretar a suspensão da instância dos presentes autos, pois dúvidas não subsistem, porquanto é um facto, que a causa prejudicial é posterior à ação a suspender.

Caso assim não se entenda, o que não se concebe, e apenas por mero dever de patrocínio de equaciona, sempre se dirá que,

18. Com base na sequência cronológica, afigura-se-nos evidente que a posterioridade da propositura da ação prejudicial demonstra a intencionalidade do Réu em, com essa causa, obter a suspensão desta, razão pela qual sempre teria aplicação o n.º 2 do artigo 272.º do CPC.

19. Isto porque, o Réu não só sabia que nenhuma consequência adviria caso optasse por não exercer o seu direito de ação–concretizado na entrada da ação de nulidade de deliberação social – como tinha conhecimento, sem poder desconhecer, que a entrada da mesma motivaria a suspensão da ação dos presentes autos.

20. O que era claro, porquanto o Tribunal suspendeu a instância (por 15 dias que passaram a ser 10 meses) bem antes da ação de nulidade de deliberação social dar entrada.

21. Em face do exposto, importará concluir que o despacho de que aqui se recorre viola o disposto no artigo 272.º do CPC, razão pela qual deverá ser revogado e substituído por outro que não suspenda a instância, devendo os autos prosseguir os seus termos”.

É, em resumo, o que pede.

18- Não consta que tivesse havido resposta.

19- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.


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II- Mérito do recurso

1- Atendendo às conclusões das alegações da recorrente que, como é sabido, em regra e ressalvadas designadamente, as questões de conhecimento oficioso, delimitam o objeto dos recursos [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)], cinge-se esse objeto, no caso presente, apenas a saber se a presente instância não devia ter sido suspensa, nos termos em que o foi pelo despacho recorrido.

2- Tendo em conta os factos descritos no relatório supra exarado – que são os únicos relevantes para a decisão daquela questão – vejamos, então, como soluciona-la:

Estamos no domínio da suspensão da instância decretada pelo juiz, por razões de conveniência[1]. E, nessa hipótese, prevê o artigo 272.º, n.º 1, do CPC, que “[o] tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. Porém, acrescenta o n.º 2: “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

No caso presente, não se discute o nexo de prejudicialidade entre a ação que corre termos no Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 3 -, sob o n.º 1634/23.0T8STS, e esta ação. A Apelante apenas considera que há dois obstáculos à suspensão da presente instância: a não anterioridade daquela ação (n.º 1634/23.0T8STS), em relação a esta; e a intenção do R. de, com aquela ação, obter a suspensão desta instância.

Comecemos, então, por analisar o primeiro destes fundamentos.

Como decorre da letra da lei, a mesma, para o efeito referido, exige que estejam pendentes, em simultâneo, duas ações conexas por um vínculo de prejudicialidade. Mas, ao contrário do que sustenta a Apelante[2], não impõe que a causa prejudicial seja proposta antes da subordinada. Apenas exige que à data em que é avaliada a viabilidade e conveniência da suspensão estejam pendentes essas ações. Por isso mesmo, a circunstância da causa prejudicial ser instaurada depois da causa dependente não constitui, por si só, impedimento legal à suspensão da instância relativa a esta última. A ordem de propositura das ações é, neste contexto, irrelevante. O que importa, repetimos, é que, na data em que é decretada a suspensão da instância, se verifique o nexo de prejudicialidade entre ambas as ações, justificativo dessa suspensão. Não a prioridade da sua propositura. O normativo transcrito, de resto, aponta claramente nesse sentido ao relacionar a ação “já proposta” com o momento em que é ponderada a ordem de suspensão e ao impedir que essa ordem seja emitida se houver fundadas razões para crer que a causa prejudicial “foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”[3].

Por conseguinte, não há nenhum motivo para considerar que a ação prejudicial tem de ser proposta antes da subordinada. E, assim, não obstante a dita ação n.º 1634/23.0T8STS tenha sido instaurada depois desta, aliás, bem depois desta (esta foi proposta no dia 05/05/2022 e aqueloutra foi-o no dia 22/05/2023), tal não é, só por si, impedimento à suspensão da presente instância. O que determina a improcedência deste fundamento do recurso.

Passemos à análise do seguinte; ou seja, à questão de saber se pode considerar-se que o R. instaurou a já referida ação (n.º 1634/23.0T8STS) com o único propósito de obter a suspensão desta instância.

Como já demos conta, a A., alegando cumprir o deliberado na sua assembleia geral de 11/03/2022, instaurou a presente ação, no dia 05/05/2022, contra o R. pedindo que este último seja condenado a restituir-lhe os valores de que alegadamente se terá apropriado.

O R. contestou esta pretensão e como primeiro fundamento de defesa alegou, por exceção, a nulidade daquela deliberação e a falsidade da ata relativa aquela assembleia. Pediu, aliás, na sequência desta arguição, a sua absolvição “da instância por falta do pressuposto processual da prévia deliberação válida dos sócios nos termos do artigo 246.º, n.º 1, al. g), do CSC”.

Perante esta defesa, foi ordenado que o R. informasse se se encontrava pendente alguma ação de anulação das deliberações sociais tomadas na aludida assembleia geral.

O R. respondeu negativamente, uma vez que, não estando aquela ação sujeita a prazo, ainda se encontrava “a reunir um conjunto de informação e documentos necessários à instrução da referida ação, isto é, à prova dos factos que aí pretende alegar, cuja junção a lei impõe que seja efetuada aquando da dedução do respetivo articulado” e, na sequência desta resposta, vem a ser ordenada, uma primeira vez, a suspensão da instância, por 15 dias, “por existir motivo atendível para o efeito”. Não sem se ter ordenado, em simultâneo, que, decorrido este prazo, o R. fosse notificado “para informar se instaurou a referida ação”.

Efetuada esta última notificação, veio o R., no dia 26/01/2023, informar que ainda não tinha intentado a dita ação de impugnação da deliberação social, porquanto se encontrava “ainda a reunir um conjunto de informação e documentos necessários à instrução da referida ação, isto é, à prova dos factos que aí pretende alegar, cuja junção a lei impõe que seja efetuada aquando da dedução do respetivo articulado”.

Perante esta resposta e não obstante a oposição da A. à continuação da suspensão da instância, foi, no dia 06/03/2023, proferido o seguinte despacho:

“Tendo em consideração o despacho proferido a 25.10.2022, a informação prestada pelo réu e dada a influência da instauração da aludida ação nos ulteriores termos desta ação, prorroga-se por mais por 15 dias o prazo de suspensão, sendo certo que decorrido o mesmo e caso a ação não seja efetivamente instaurada será determinado o seu prosseguimento”.

E, de novo, como ordenado, decorrido o aludido prazo, foi o R. notificado para informar se instaurou a ação em causa, não tendo, no entanto, o mesmo dado qualquer resposta.

Foi então, no dia 11/05/2023, proferido o seguinte despacho:

“Notifique o réu para, no prazo de 05 dias, informar se instaurou a ação a que se alude no despacho precedente, sob pena de ser condenado em multa por ausência de colaboração com o Tribunal – artigo 417.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.

O R. informou, então, no dia 22/05/2023, que já tinha instaurado aquela ação, que ainda não tinha sido distribuída, mas, no dia seguinte, já precisou o número e o tribunal onde corria termos.

Posteriormente, o R. foi notificado para instruir os presentes autos com cópia da petição inicial da dita ação.

Junta essa peça processual, foi no dia 19/09/2023, proferido o seguinte despacho:

“Tendo em consideração a causa de pedir e o pedido da ação de impugnação de deliberações sociais que corre termos no Juízo de Comércio - J3, sob o n.º 1634/23.0T8STS conclui-se que a mesma constitui causa prejudicial da presente ação existindo, por isso, fundamento para a suspensão da presente instância”.

E, assim, depois de observado o contraditório, com oposição da A., veio a ser decretada aquela suspensão.

Ora, é perante este curso dos acontecimentos que se impõe saber se a instauração da já aludida ação (n.º 1634/23.0T8STS) foi instaurada, ou não, com o único propósito de suspender a presente instância.

E, a nosso ver, a resposta não pode deixar de ser positiva.

Com efeito, o R., como vimos, não tinha inicialmente intenção de propor aquela ação. Até porque, como referiu, no seu entender, a mesma não estava sujeita a prazo. Mas, depois do tribunal ter manifestado o entendimento de que essa ação poderia ter influência nesta e de ter suspendido a presente instância com o objetivo de permitir a instauração daquela, só pode ter ponderado tomar a decisão contrária. E mais se agudizou a necessidade de a instaurar quando o tribunal prorrogou, em novo despacho, o prazo de suspensão (“dada a influência da instauração da aludida ação nos ulteriores termos desta ação”) e, ulteriormente, cominou o R., inclusive, com o pagamento de multa, se nada dissesse. O que, passados vários meses, veio a ter como desfecho a propositura dessa dita ação.

Ora, neste contexto, não temos qualquer dúvida de que o único objetivo dessa propositura foi mesmo a suspensão da presente instância. Aliás, como o tribunal recorrido tinha, por várias vezes, sugerido e, inclusive, induzido, ao sobrestar os termos deste processo precisamente com essa finalidade.

Assim, não podem restar quaisquer dúvidas de que foi aquele o objetivo prosseguido pelo R. E, sendo assim, como é, nitidamente se encontra preenchido o obstáculo previsto na 1ª parte do n.º 2, do artigo 272.º, do CPC, ou seja, a suspensão da presente instância não podia, nem pode ter lugar e, nessa medida, o despacho recorrido, porque decidiu o contrário, não pode manter-se em vigor na ordem jurídica. Daí a procedência do presente recurso.


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III- Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.


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- Em função deste resultado e do prescrito no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as custas deste recurso serão pagas pelo R.

Porto, 20/2/2024
João Diogo Rodrigues
João Ramos Lopes
Anabela Dias da Silva
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[1] Neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, pág. 268.
[2] E também, por exemplo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 314.
[3] Neste sentido, Alberto dos Reis, ob cit, págs. 288 a 290, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4ª Edição, Almedina, pág. 551 e Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, consultável em https://drive.google.com/file/d/1s1_hx9B-ANEea2kKSw8LD_cNgkQtK6P6/view, pág. 155.
Na jurisprudência, Ponto I do Sumário do Ac. RC de 09/03/2004, Processo n.º 4265/03 e Ac. RG de 07/12/2023, Processo n.º 3708/23.9T8PRT.G1, consultáveis em www.dgsi.pt.