LEGITIMIDADE PROCESSUAL
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Sumário

I - A prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento posterior das nulidades previstas nos artigos 186º, n.º 1 e 193º, n.º 1, do CPC, o que significa que, proferido aquele despacho, fica definitivamente arredada a hipótese de o juiz (ou as partes) suscitarem e verem apreciadas aquelas (eventuais) nulidades, nomeadamente, como ora sucede, apenas em sede de recurso para o Tribunal da Relação.
II - A legitimidade processual afere-se apenas pela titularidade da relação material controvertida tal como a mesmo foi delineada pelo Autor na petição inicial, partindo do pressuposto que essa precisa relação material existe, assim se distinguindo a legitimidade processual e a legitimidade substantiva.
III - Sendo o Tribunal da Relação confrontado com a omissão no elenco dos factos vertidos na sentença recorrida de matéria de facto alegada pelas partes e essencial à boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, impõe-se decretar a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto perante o Tribunal de 1ª instância, nos termos do preceituado no artigo 662º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPC.

Texto Integral

Processo n.º 1644/22.5T8VNG.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:

1. A..., Lda intentou ação declarativa de condenação com processo comum, contra B..., SA, peticionando a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.596,25 (sete mil quinhentos e noventa e seis euros e vinte e cinco cêntimos) acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento, com todas as consequências legais, sendo que o montante global decomposto é o seguinte:

- € 6.119,14, por ter pago valores a que não estava obrigada por não existir qualquer prestação da Ré;

- € 1.012,66 (respeitante à nota de crédito ...) pois, não existe qualquer crédito efetivo para a compensar, sendo que tal montante respeita ao saldo de quilómetros a favor da Autora;

- € 464,45 a título de danos emergentes.

Como fundamento da referida pretensão, alegou em síntese que celebrou com a Ré um contrato-quadro de aluguer de veículos e de prestação de serviços, com início em 17/02/2017 e termo em 16/02/2021, mediante o qual a Ré se obrigou a proporcionar-lhe o gozo da viatura Ford (...), com a matrícula ..-SN-.. e a prestar os serviços de gestão de seguro, reparação de danos no veículo em caso de sinistro, manutenção, pneus, viatura de substituição, entre outros, contrato esse que a Ré incumpriu não lhe tendo proporcionado o gozo da viatura durante 90 dias em virtude de avaria apesar de nesse período lhe ter cobrado as rendas respectivas, assim como lhe cobrou valores alegadamente respeitantes a danos na viatura que não são imputáveis à Autora, assim como outros valores que não lhe são devidos, que foram pagos pela avalista a quem a Autora reembolsou desses valores.

Mais alegou que o incumprimento contratual da Ré causou-lhe um dano emergente de € 464,45, que aquela terá de ressarcir, tendo ainda direito a receber da Ré o saldo dos quilómetros a seu favor no montante de € 1.012,66.

2. A Ré deduziu contestação, defendendo que segundo o clausulado do contrato quadro apenas estava obrigada, no caso de avaria do veículo locado, a entregar um veículo de substituição durante 15 dias ou a suportar os correspondentes custos despesas, obrigação que cumpriu, sustentando que a Autora não estava desobrigada de pagar as rendas relativas ao período da reparação do veículo apesar de não o ter utilizado e, relativamente aos danos que o veículo apresentava quando regressou á sua posse, alegou que os mesmos são consequência do uso que lhe foi dado pela Autora, tendo direito a deles ressarcir-se através da caução paga inicialmente pela Autora.

Mais invocou a falta de dedução da excepção de não cumprimento do contrato, quer pela avalista, quer pela Autora, assim como o abuso de direito por parte desta para impedir o exercício do direito a que a Autora se arroga nesta ação.

3. Por requerimento de 26.04.2022, Ref Citius 4203398, a Autora respondeu à matéria da contestação, suscitando a nulidade da cláusula do contrato quadro de aluguer que estipula o pagamento das rendas mesmo que o veículo fique imobilizado sem culpa do locatário, ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais (aprovado pelo Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro), por excessiva e abusiva à luz do exercício da liberdade contratual e do princípio da boa fé.

4. Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado o objeto do litigio e enunciados os temas de prova, que não foi objecto de reclamação.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, decido julgar parcialmente procedente, por provada na mesma medida, a presente acção e, em consequência, decido:
1.- condenar a R.:
a)- a pagar à A. as importâncias de € 2.360,70 (dois mil, trezentos e sessenta euros e setenta cêntimos), € 337,29 (trezentos e trinta e sete euros e vinte e nove cêntimos) e de € 1.012,66 (mil e doze euros e sessenta e seis cêntimos);
b)- a pagar à A. o valor dos estragos na carroçaria ou na parte exterior da viatura objecto do contrato referido em 2) dos factos provados, com excepção dos riscos, assinalados no relatório de peritagem junto com a petição inicial como doc. 19, a determinar em sede de liquidação;
c)- a pagar os juros sobre as importâncias referidas nas als. a) e b), à taxa de juro comercial, desde a data da citação até integral pagamento;
2)- absolver a R. do demais peticionado pela A. .
Custas pela A. e R. na proporção dos respectivos vencimentos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), que se fixam provisoriamente em 25% e 75%.
Registe e notifique.”

6. Inconformada, a interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes

CONCLUSÕES
I - O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, e incide sobre a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância no âmbito do processo n.º 1644/22.5T8VNG, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de V. N. de Gaia, Juiz 1, através da qual o Tribunal a quo julgou por parcialmente provada e procedente a acção, e, em consequência, decidiu condenar a Ré a pagar/restituir à Autora uma série de quantias, decisão essa que merece a nossa inteira censura.
II - Entende a Apelante que a sentença, ora em crise, padece de uma série de vícios que a inquinam de nulidade, nos termos do disposto nas alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art. 615.º do CPC, bem como apresenta ainda, paralelamente, uma série de erros materiais e de direito que condicionam e tornam obscura e ambígua a sua fundamentação e respetiva decisão.
III - Em primeiro lugar, cabe referir que, na contestação que apresentou, a Recorrente suscitou uma série de questões de direito, que, em nenhum momento, foram alvo de pronúncia por parte do Douto Tribunal, nomeadamente: o Incumprimento da Autora quanto ao disposto na cláusula 19.ª do contrato, ao ter abandonado o veículo automóvel; Que tendo a avalista – legal representante da Autora - celebrado e outorgado o respetivo pacto de preenchimento de letra, competia-lhe invocar perante o sacador (ora Apelante) a exceção de não cumprimento do contrato, isto é, de não pagamento dos montantes em dívida; Abuso de direito da Autora, ao vir, após ter procedido à liquidação integral do valor vencido e cujo pagamento lhe foi exigido pela Ré, manifestar a sua discordância quanto aos valores e, ainda, exigir da Ré a restituição dos aludidos valores (artigos 70 a 89.º da contestação)
IV - Sucede que, apesar de tais questões de direito terem sido suscitadas pela Ré, na sua contestação, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto às mesmas, o que torna a sentença nula, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art. 615.º do CPC.
V – A sentença é, ainda, nula por omissão de pronúncia e, simultaneamente, excesso de pronúncia.
VI - É que a Autora, sem que o pudesse fazer, veio apresentar um requerimento anómalo (datado de 26/04/2022, com ref.ª 4203398), em que, invoca uma série de novas questões (não lhe foi dada alegadamente a oportunidade de negociar previamente as cláusulas contratuais gerais; nulidade das cláusulas contratuais invocadas na  contestação e falta de comunicação e informação sobre o teor do contrato), requerimento esse sobre o qual o Tribunal não se pronunciou diretamente, tendo sido com surpresa que a Ré constatou, aquando da leitura da sentença, que não só o Tribunal não se pronunciou sobre a manifesta inadmissibilidade do requerimento anómalo apresentado pela Autora, que impunha o seu desentranhamento ou que se tivesse por não escrita toda a matéria que não se relacionasse com a impugnação de documentos, como também fez constar as nova questões do objeto do litígio e dos factos com alegado interesse para a decisão da causa.
VII - Omitiu por isso a pronúncia sobre a apresentação de um requerimento manifestamente infundado e inoportuno, atento o disposto no artigo 584.º do CPC, e ao fazê-lo, ao mesmo tempo, pronuncia-se em excesso sobre questões de facto e de direito sobre os quais não se podia pronunciar por as mesmas não serem de conhecimento oficioso. – Cfr. artigos 195.º e 615.º do CPC.
VIII - Mais, existe, ainda, uma questão de conhecimento oficioso, que deveria ter sido conhecida pelo douto Tribunal, noutro caso de nulidade de sentença por omissão de pronúncia, atento todos os elementos factuais constantes dos autos e até a própria matéria de facto dada por assente, e que implicava a absolvição parcial da Ré.
IX - É que conforme resulta do doc. 28-A junto na petição inicial, e do artigo 50.º da contestação, bem como consta dos factos provados 45, 46) e 48), com exceção do valor da caução prestada de 3.000,00€, todos os demais valores foram pagos por terceiro que não intervém na acção.
X - E quando nos referimos a demais valores, e conforme resulta do cruzamento do mencionado doc. 28-A (junto pela própria Autora na petição inicial), dos factos provados 46) e 48), facilmente se constata que os valores de renda referentes ao período de 1 de Janeiro a 16 de Fevereiro de 2021 (o valor parcial de 561,32€ com referência ao mês de Janeiro e 449,71€ referente aos 16 dias de fevereiro) de que pretende a devolução a Autora, bem como o valor de 337,29€ e ainda 421,71€, foram liquidados pela garante/avalista quando remeteu à Ré o cheque de 2.784,47€ para o efeito, não existindo, nos autos, qualquer prova/documento e/ou é sequer alegado que a Autora reembolsou a garante e/ou que esta exerceu o seu direito de regresso, ou tal sequer consta da matéria de facto dada por provada.
XI - Logo, não se confundido a Autora com a sua garante, por serem pessoas distintas e com personalidade jurídica distinta, facilmente se entende que não tinha, nem tem, a Autora legitimidade, para pedir a devolução daquilo que não foi por si pago, mas antes por um terceiro que consigo – jurídica e judicialmente – não se confunde. Ocorre, por isso, ilegitimidade parcial activa da Autora, nos termos do artigo 30.º do CPC, já que não podia a mesma peticionar o reembolso de valores que não foram por si pagos, o que deverá ser reconhecido pelo Tribunal Superior e implicará, o que aqui vai requerido, a revogação da sentença e a sua substituição por outra que decida nestes termos.
XII - Deve, assim, atento o supra exposto, o douto Tribunal apreciar as nulidades ora invocadas, delas retirando as necessárias e devidas consequências legais, o que implicará certamente a revogação da sentença e a sua substituição por outra que corrija os apontados vícios e absolva, de imediato, a Ré parcialmente do(s) pedido(s).
XII - Sem prescindir, e caso assim não se entenda, e/ou, de forma, alternativa e/ou complementar, existem, de facto e de direito, outras questões cujo conhecimento se impõe e que importarão a procedência do presente recurso
XIII - Entende, desde logo, a Recorrente que o Tribunal de Primeira Instância não andou bem ao dar os factos 18), 25), 47), 54) e 55) por provados, pelo que devem os mesmos ser dados por não provados; que o Tribunal de Primeira Instância também não andou bem ao formular a redação dos factos provados 37), 46), 56), 58), 59), 60), 61), 66) e 67), redação que urge ser alterada; que deve ser aditado um facto provado com referência aos danos apurados na viatura com a matrícula ..-SN-.., nos termos do relatório de peritagem que foi realizado por uma entidade independente (doc. 19 junto com a petição inicial); e que o Tribunal de Primeira Instância também não andou bem ao dar por não provados os factos g), i) e r), que têm de ser dados por provados.
XIV - Ora, começando pela análise dos factos provados 18), 25) e 47), cabe, desde logo, referir que irá a Apelante fazer a sua análise e reapreciação dos meios de prova em conjunto/bloco, por se tratarem de factos interligados e correspondentes à mesma realidade, ou seja, cuja apreciação contende com a apreciação dos mesmos meios de prova, pelo que, a análise de tais factos será feita no presente recurso de forma articulada, por questões de simplicidade processual, facilidade de leitura e respetiva análise, e para evitar a citação constante e repetida dos mesmos trechos de prova dos intervenientes processuais e dos documentos juntos aos autos,
XV - Ora, relativamente aos factos 18), 25) e 47), o Tribunal de Primeira Instância deu os mesmos por provados, por alegado acordo das partes ou documento. Sucede que, tais factos, que correspondem aos artigos 19.º,27.ºe 42.ºda petição inicial, não foram aceites pela Ré, já que foram os mesmos expressamente impugnados pela Ré na contestação deduzida, mormente no art. 3.º, nem resultam de nenhum documento constante dos autos. Pelo que, atento o supra exposto, o Tribunal de Primeira Instância não podia dar os mesmos por provados, por acordo das partes ou por documento, já que ambos foram expressamente impugnados pela Apelante na sua contestação (art. 3.º), ainda para mais quando a matéria constantes dos mesmos é meramente conclusiva. Não podia o Douto Tribunal de Primeira Instância dar a mesma por provada sem apresentar qualquer fundamentação para o efeito, sendo que, ao fazê-lo, ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação, o que aqui vai subsidiariamente invocado. Impõe-se, por isso, que estes factos passem a constar dos factos não provados.
XVI – Também nunca poderia ter sido dado por provado o facto 54), porque tal não resulta do acordo das partes e/ou de algum documento junto aos autos, ao contrário do que consta da sentença, ocorrendo idêntica nulidade da sentença nesta parte por manifesta falta de fundamentação/omissão pronúncia. Mais, não só não foi produzida qualquer prova nesse sentido, como pelo contrário resulta do contrato de renting, mormente da cláusula 20.º, cuja validade não foi posta em causa, que a Autora reconheceu ter sido devidamente informada de todas as cláusulas contratuais, pelo que atento o exposto se impõe que este facto passe a constar dos factos não provados e, pelo contrário, seja aditado aos factos provados o facto contrário (nomeadamente que à Autora foi prestada toda a informação devida e legalmente exigida).
XVII - Salvo o devido respeito, também não andou bem o Tribunal ao dar por provado o facto provado 55), uma vez que não foi produzida qualquer prova pela Autora de que o aluguer das viaturas automóveis, referentes às faturas ... e ... foi feito para suprir a alegada imobilização da viatura com a matrícula ..-SN-.., sendo certo que tais viaturas podem ter sido alugadas por outros motivos que não os que se prendemcoma imobilização da aludida viatura alugada pela Ré à Autora. E a parca prova produzida e valorada pelo tribunal quanto a esta matéria resultou dos depoimentos parciais da legal representante e do seu marido (também ele interessado nos autos na qualidade de avalista, mais resultando que o mesmo era na realidade gerente de facto tendo até procuração para representar a Autora) que deveriam ter sido rejeitados ou desvalorizados pelo douto Tribunal atentas as circunstâncias em que foram prestados (Cfr. Ficheiro áudio 20220530151551_16138800_2871620, minutos 00:19:08 a 00:19:35)
XVIII - Quanto aos factos dados por provados 37), 46), 56), 58), 59), 60), 61), 66) e 67), entende a Apelante que a redação dada aos mesmos pelo Tribunal de Primeira Instância não é a mais correta e precisa, atendendo à prova produzida, pelo que, urge proceder à sua alteração, nos termos que aqui se passam a enunciar.
XIX – No que versa o facto provado 37), é incorreta a referência feita ao valor atribuído à factura de fevereiro de 2021, já que resulta dos autos que o valor da fatura correspondente ao período de Fevereiro de 2021 não é de € 337,29. É que conforma resulta dos autos (doc. 17 e 21 juntos aos autos com a petição inicial), em fevereiro de 2021, foram emitidas duas facturas, sendo uma referente ao período de 01/02 a 16/02, no valor de € 449,71, e uma outra referente ao período de 17/02 a 28/02, no valor de € 337,29. Ou seja, o valor da fatura correspondente ao período de Fevereiro de 2021 não é de € 337,29, mas sim de €786,99. Impõe-se, assim, a alteração deste facto em consonância com o constante dos documentos juntos.
XX–Quanto ao facto provado 46),impõe-se igualmente a correção/alteração do seu teor, de forma a refletir efetivamente o que pagou a avalista e a que título. É que em nenhum momento da douta sentença, o Tribunal de Primeira Instância dá por provado que quantias é que foram pagas pela avalista, Sra. AA, o que resulta do documento n.º 28-A junto aos autos pela Autora, nomeadamente que por conta do valor global liquidou a mesma €421,71, com referência à fatura ..., com a descrição “Recondicionamento Danos”; €213, 60, com referência à fatura ..., com a descrição “Aluguer de 01/04/21 a 16/04/21; €786,99, com referência à fatura ..., com a descrição “Aluguer de 01/03/21 a 16/03/21; €337,29, com referência à fatura ..., com a descrição “Aluguer de 01/02/21 a 28/02/21; € 449,71, com referência à fatura ..., com a descrição “Aluguer de 01/02/21 a 16/02/21; € 561,32, com referência à fatura ..., com a descrição “Aluguer de 01/01/21 a 31/01/21.”
XXI – Quanto aos factos provados 56, 59, 60, 66 e 67 (e correspondente reapreciação da prova produzida), irá a Apelante fazer a sua análise e reapreciação dos meios de prova em conjunto/bloco, nos termos já previamente enunciados e com base nos mesmos fundamentos e motivos.
XXII - Ora, salvo o devido respeito, desde logo, quanto ao facto provado 56), o mesmo não podia ter sido dado por provado nos precisos termos em que foi, com base numa análise cuidada e atenta das incoerências, memória seletiva e discurso pouco fluído/espontâneo dos depoimentos da legal representante da Autora (Ficheiro Áudio 20220530142033_16138800_2871620, minutos 00:04:30 a 00:08:32, minutos 00:09:00 a 00:18:30) e do seu marido (Ficheiro Áudio 20220530151551_16138800_2871620, minutos 00:03:32 a 00:03:55 e 00:13:30 a 00:15:50), já que é claro que os mesmos não foram capazes de explicar o motivo da recusa em assinar/aceitar o relatório de danos. XXIII - Mais, o ónus da prova era da Autora e a mesma não logrou provar que tais danos foram provocados no veículo com a matrícula ..-SN-.. em data posterior à sua utilização e após a mesma ser rebocada pela assistência em viagem.
XXIV - Além do mais, veja-se que a testemunha BB, funcionário da oficina C..., declarou que a viatura com a matrícula ..-SN-.. tinha riscos e que estava tão suja que não dava para notar se havia muitas amolgadelas, muitos riscos, e que só depois de a lavar é que foi possível ver que existiam muitas mossas e riscos profundos. Sendo certo que, essa sujidade inviabilizou que tais riscos e mossas fossem, desde logo, declaradas na guia de transporte, o que apenas foi possível após a sua lavagem e limpeza na Oficina C.... – Cfr. Ficheiro áudio 20220622144615_16138800_2871620, minutos 00:10:35 a 00:11:03 e 00:17:00 a 00:17:33 – e o que devia ter sido refletido na matéria de facto dada por provada, o que não aconteceu.
XXV - Pelo que, jamais se pode aceitar a redação selecionada pelo Tribunal dos factos provados 59) e 60), já que o Douto Tribunal valora esta guia de transporte como se a mesma fosse um relatório pericial, o que não se pode admitir, já que a mesma não passa de uma guia de transporte, e quando se impunha que de tais factos constasse tal menção/precisão.
XXVI - Veja-se ainda que, conforme decorre dos elementos constantes dos autos, apurou-se que a viatura coma matrícula ..-SN-.. tinha os danos constantes do relatório de peritagem. Este relatório de peritagem – que não foi aceite pela Autora, ora recorrida – faz, contudo, prova de que a viatura com a matrícula ..-SN-.. tinha os danos aí elencados já em 11-12-2020. Veja-se ainda que, após receção do relatório de peritagem elaborado pela SGS, entidade isenta e independente, a Ré, ora Apelante analisou o referido relatório, juntamente com o manual de recondicionamento (anexo e integrante do contrato quadro junto com a contestação como doc.6), tendo concluído que os danos identificados no relatório sob os números 6, 7, 16, 21 e 23 eram admissíveis nos termos do manual de recondicionamento, pelo que foi emitida uma nota de crédito no valor de 656,56 euros. – Cfr. Depoimento da Testemunha CC - Ficheiro Áudio 20220530160459_16138800_2871620, minutos 00:03:33 a 00:08:31.
XXVI - Ora, em face do depoimento desta testemunha e dos demais meios de prova supra expostos, dúvidas não existem que a Autora é responsável pelos outros danos que não foram considerados admissíveis nos termos do manual de recondicionamento, ou seja, é responsável pelos danos identificados no relatório de peritagem da SGS sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 22, já que os danos existem no veículo, conforme resulta do relatório pericial e a mesma não logrou provar que os mesmos tenham sido provocados por terceiros e em data posterior à sua utilização. XXVII - Pelo que, deverá ser aditado um novo facto aos factos provados, que consigne que no seguimento do confronto pela Ré do relatório de peritagem com o manual de recondicionamento (anexo e integrante do contrato quadro junto com a contestação como doc.6) apurou-se que eram inadmissíveis os danos identificados no relatório da SGS sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 22, danos que eram por isso da responsabilidade da Autora, nos termos da cláusula décima oitava do contrato quadro de aluguer de veículos e prestação de serviços.
XXVIII - Assim sendo, atenta toda a prova reapreciada nos termos supra expostos, designadamente os depoimentos da legal representante da Autora, da testemunha DD (gerente de facto e avalista da Autora), da testemunha BB, da guia de transporte junta aos autos em 21/06/2022, do relatório de peritagem ao estado da conservação da viatura com a matrícula ..-SN-.., facilmente se compreende que a redação dos factos 56), 59), 60), 66) e 67) está incorreta, devendo os mesmos passar a ter a seguinte redação: 56) A A. não aceitou a factura referida em 35), nem a peritagem realizada a 07/04/2021, não a assinando, mas não soube explicar os motivos pelos quais não concordava com a peritagem e, consequentemente com a factura; 59) Tendo-se verificado, de forma genérica, o estado de conservação em que a viatura se encontrava aquando do transporte, foi elaborada a respectiva guia de transporte; 60) Da referida guia de transporte, com data de transporte em 19/12/2020 e recepção (entrega) na oficina em 14/01/2021, consta que a viatura apresentava vários riscos, que faltavam tampas de rodas (tendo sido inclusivamente assinaladas a caneta as 4 rodas do veículo aí desenhado), quilómetros, ficha técnica, carta verde, autorização, antena, auto radio, alta voz, relógio, faróis adicionais, capas, roda de socorro, macaco, manivela de macaco, ferramentas, mecanismo de reboque. 66) Na peritagem realizada pela SGS, na presença da representante da A. – AA, ao estado de conservação da viatura em 07/04/2021 verificou-se que a mesma apresentava os danos constantes do relatório junto com a petição inicial como doc. n.º 19, designadamente os seguintes: -Falta de CD de navegação e certificado de conformidade; No exterior: Capot amolgado com dano na pintura, revestimento para-choques frontal desalinhado; tampão da roda da frente direita raspado, porta da frente direita riscada, vidro colorido frente riscado, friso inferior porta frente direita - aresta lascada, para choques centro riscado, tejadilho – fluido entornado, porta batente direita riscada, painel lateral esquerdo amolgado com dano na pintura, embaladeira retangular esquerda amolgado com dano na pintura, porta da frente esquerda riscada, quadro da porta da frente esquerda riscado, dano estrutural no volante em pele, para brisas colorido com vidro partido; No interior: revestimento interior teto frente queimado, interior manchado/ sujo, guarnição interior painel lateral retaguarda esquerda riscado, revestimento porta traseira inferior esquerda riscado, guarnição interior painel lateral retaguarda direita riscado. 67) Após analisar e confrontar o relatório da SGS com o manual de recondicionamento, anexo e integrante do contrato-quadro juntos com a contestação como doc. n.º 6, a R. considerou admissíveis os danos existentes na viatura com a matrícula ..-SN-.. e identificados no relatório sob os números 6, 7, 16, 21 e 23, tendo sido emitida a nota de crédito referida em 36. Deverá ainda ser aditado um novo facto aos factos provados, que consigne que o seguinte: 68) Consequentemente, no seguimento da análise e do confronto do relatório da SGS com o manual de recondicionamento, anexo e integrante do contrato-quadro juntos com a contestação como doc. n.º 6, a R. apurou que eram inadmissíveis os danos existentes na viatura com a matrícula ..-SN-.. e identificados no relatório da SGS sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 22, danos que, nos termos da cláusula décima oitava do contrato quadro de aluguer de veículos e prestação de serviços, são da responsabilidade da Autora;
XXIX - Assim sendo, nos termos aqui expostos, deve ser revogada a sentença, ora em crise, e ser a mesma substituída por um acórdão que ordene a alteração da redação dos factos 56), 59), 60), 66) e 67) e que seja aditado um novo facto, nos termos supra requeridos e expostos, com as demais consequências legais.
XXX – Quanto ao facto provado 58), e com base no depoimento da testemunha BB, resulta que foram feitas mais intervenções que a simples substituição da embraiagem (Cfr. Ficheiro áudio 20220622144615_16138800_2871620, minutos 00:05:10 a 00:10:06). O mesmo se extrai dos orçamentos e encontra-se refletido nos emails trocados pelas partes, ambos juntos como doc. 4 da contestação. Impõe-se, assim, que a redação do facto 58 seja alterada, passando a ter o seguinte teor que aqui se propõem: “Na oficina C..., em Viana de Castelo, para a qual foi transportada a viatura após a avaria de 11 de Dezembro de 2020, verificou-se ser necessário proceder à substituição da embraiagem, do volante do motor, de injetores, do óleo do motor e do filtro de óleo da viatura”
XXXI – Quanto ao facto provado 61) devia-se igualmente ter feito constar da redação deste normativo que a demora na prestação do serviço de reparação se deveu essencialmente ao facto de a viatura com a matrícula ..-SN-.. se encontrar na Bélgica e não em Portugal, facto ao qual a Ré é naturalmente alheio e que era um facto notório, dada a distância entre países, bem como, e pelas mesmas razões, que a demora no transporte foi agravada pela pandemia de Covid 19, propondo-se, em consonância, que o mesmo seja alterado, passando a ter a seguinte redação: “A demora na prestação do serviço de reparação ficou a dever-se ao facto de a viatura se encontrar na Bélgica, tendo de ser transportada para Portugal, à inexistência dos componentes a substituir, bem como à demora no fornecimento e entrega destes por parte dos fornecedores, fruto da pandemia de Covid 19 e das limitações à circulação de pessoas e bens;”.
XXXII - E, pela mesma ordem de razão factual e de direito, deveria ter sido dado por provado o facto não provado g), o que aqui vai defendido e o i), atenta a manifesta notoriedade da situação pandémica e das dificuldades associadas à mesma em termos de transporte, circulação de bens e pessoas, atraso no fornecimento de matérias primas etc, o que era do conhecimento de qualquer homem médio, incluindo da Autora (ou seus representantes por ser pessoa coletiva)
XXXII – Também quanto ao facto não provado r) se impõe a respetiva alteração, cabendo referir, em primeiro lugar, que quanto a este facto e aos dois anteriores a sentença é nula por manifesta total falta de fundamentação. Além do mais, veja-se que decorre da cláusula 20, n.º 1, do contrato quadro de aluguer e prestação de serviços, constante dos autos, que “Mediante a assinatura do presente Contrato, o Cliente declara ter sido devidamente informado de todas as cláusulas contratuais, tendo pleno conhecimento das mesmas, aceitando-as na íntegra e confirmando ainda ter recebido um exemplar do presente CONTRATO.” o que, salvo o devido respeito evidencia e faz prova de que a Autora foi informada e devidamente esclarecida de todas as cláusulas do contrato quadro, de onde decorre que caso a viatura avarie, a Autora tem de continuar a pagar as rendas devidas pelo contrato-quadro, até porque em casa de avaria a Ré, ora Apelante, continua a prestar serviços à Autora, no âmbito do aludido contrato, neste caso serviços de reparação da viatura que lhe foi alugado no âmbito deste contrato.
XXXIII - Neste sentido, veja-se inclusivamente que a Autora se mostra bastante conhecedora das cláusulas do contrato quadro, já que, no email datado de 15/07/2020, junto aos autos com a apetição inicial como doc.4-A, a Autora demonstra, por exemplo, ter conhecimento de que a Ré apenas disponibilizaria viatura de substituição por um período de 15 dias, o que, alias, é também evidente nos artigos 12.º e 25.º da petição inicial. De igual modo, a testemunha DD, gerente de facto e avalista da Autora, revela ter conhecimento desta particularidade do contrato quadro. Veja-se para o  efeito, o depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio 20220530151551_16138800_2871620, minutos 00:20:15 a 00:21:00).
XXXIV - Atento o supra exposto, requer-se a alteração da matéria de facto, conforme o disposto no art. 662.º do CPC, alteração que aqui se requer, nos termos supra melhor expostos/propostos.
XXXV - Sendo certo que a alteração da matéria de facto, nos termos aqui requeridos, implicará que a sentença seja revogada e substituída por um acórdão que julgue não provada e improcedente a presente acção e que, em conformidade, absolva a Ré integralmente de todos os pedidos, o que aqui vai invocado, com as demais consequências legais.
XXXVI - Em todo o caso, somos da opinião que mesmo que não ocorra tal alteração, analisados os autos de direito, sempre teria de ter sido proferida decisão oposta à proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, por de direito tal exclusivamente se justificar, por acreditamos existir in casu efetivamente um erro de julgamento.
XXXVII - Ora, lida com a devida atenção a petição inicial apresentada, a verdade é que o principal pedido da Ré (6.119,14€), e respetiva causa de pedir, está obviamente limitado pelas quantias que esta afirma ter entregue diretamente e/ou que foram liquidadas pela avalista/garante AA.
XXXVIII - Em bom rigor, e com exceção dos pedidos com referência a uma nota de crédito, a qual a Autora peticiona efetivamente que a mesma lhe seja paga, e da questão dos danos emergentes (tida por improcedente e, por isso, não merecendo qualquer censura da nossa parte), a Autora o que pretende é o reembolso das quantias que diz ter pago, quando os respetivos montantes no seu entendimento não eram devidos.
XIX - Ora, ao Réu competia alegar e demonstrar/provar, em primeiro lugar, que efetuou os pagamentos cujo reembolso pretende, com referência às faturas referentes ao período em que não gozou da coisa locada e com referência às faturas da reparação de danos pelos quais diz ter sido responsabilizado sem motivo, o que não acontece.
XL - Dos factos provados, e conforme supra se adiantou – e caso não se considere que a Autora era parte ilegítima – não resulta provada a matéria de facto que tinha de ser demonstrada pela Autora com referência aos pedidos que apresentou para que estes pudessem ser procedentes – factos 4, 35, 36, 37, 38, 45, 46, 48, 49, 51.
XLI - Ou seja, em momento algum é alegado e/ou dado por provado que a Ré efetivamente faturou e cobrou à Autora a renda dos meses de julho e agosto de 2020 (total ou parcial) e, de igual forma, também não está alegado e/demonstrado que a Ré tenha liquidado qualquer valor pela (não) utilização do carro no período de 01 de Julho a 5 de Agosto de 2020.
XLII - Autora mais de que incumprir o seu ónus de prova, incumpriu com o ónus de alegação quanto a esta questão de facto, o que só por si implica – quanto ao reembolso das alegadas quantias referentes aos 38 dias de privação do uso da viatura locada em 2020 – que seja declarada a ineptidão da petição inicial quanto a tal matéria.
XLIII - É que tais factos não foram oportunamente alegados, em desarmonia com o respetivo ónus, pois que é as partes que cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (artigos 5.º, n.º1 e 552.º, n.º1, alínea d) do CPC)
XLIV - Analisada a petição inicial apresentada é possível atestar que não foram alegados os factos que constituem causa de pedir adequada à procedência do pedido de reembolso/devolução dos alegados valores que terão sido alegadamente faturados no período de privação da utilização do veículo automóvel ocorridos no ano de 2020.
XLV - A Autora não definiu quanto a este ponto o núcleo essencial da causa de pedir invocada, pelo que padece o seu articulado, nesta matéria, de falta de causa de pedir, vício que gera a ineptidão da petição, de conhecimento oficioso, que deve agora ser declarado pelo douto Tribunal de Recurso.
XLVI - Tal vício, sendo insanável, determina que não possa ser equacionado qualquer convite com vista à sua supressão, sendo que o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial apenas pode ser equacionado para as hipóteses em que a causa de pedir padece de simples deficiências que, no momento da decisão, possam vir a determinar a improcedência da acção, e não para as hipóteses de falta de causa de pedir como a presente. Logo, deverão ser absolvidos os Réus do pedido formulado com referência a este período do ano de 2020, nos termos legais.
XLVII - Mais, caso assim não se entenda, a verdade é que matéria de facto dada por provada é nesta sequência (face à falta de alegação), totalmente omissa quanto a este período, respetiva faturação, pagamento, reembolso, etc., não constando sequer tais valores da conta corrente junto aos autos. Logo, nunca se poderia dar por procedente uma indemnização/reembolso por um custo que não está demonstrado – sequer alegado! - que a Autora teve neste período ocorrido em julho e agosto de 2020.
XLVIII - Mais resulta, conforme já anteriormente evidenciamos, que a renda de junho de 2020 (que inclui os dias 29 e 30 de junho), parte da renda de janeiro de 2021 (no valor de 561,32€) e a renda de 01/02/21 a 16/02/2021 foram liquidados por terceiro que não a Autora.
XLIX - Logo, parece-nos claro que a matéria de facto dada por provada é insuficiente, havendo assim, simultaneamente erro de julgamento, para que fosse procedente o pedido de pagamento da quantia de 2.360,70€.
L - É que o único “pagamento” que demonstra a Autora ter feito foi na realidade a retenção e utilização pela Ré da caução por si prestada com a celebração do contrato, no valor de 3.000,00€, valor esse que conforme também está espelhado nos autos foi utilizado exclusivamente para liquidar a fatura relativamente ao recondicionamento dos danos, tendo o valor remanescente de 421,71€ sido imputado e liquidado à avalista. E, por isso, mesmo o único suscetível de devolução/reembolso, no âmbito da apreciação do respetivo pedido.
LI - Parece-nos, por isso, claro que quanto ao pedido de pagamento das rendas pelo período de 90 dias que diz a Autora ter sido privada do gozo da viatura locada, sempre terá o mesmo de improceder (para além da manifesta falta de alegação quanto ao à causa de pedir referente aos primeiros 38 dias dos 90 peticionados) por manifesta insuficiência da matéria de facto dada por provada, já que não há factos que sustentem tal condenação, nomeadamente os que seriam necessários para a sua procedência: desde logo que tivesse dado por assente e provada, o que não acontece, que a Autora – e não terceiros – efetivamente pagou as rendas e/ou respetiva proporção no referido período de 90 dias em que esteve privada do uso do carro, condição essa essencial para que pudesse pedir a sua restituição/reembolso, já que não se reembolsa/restitui o que não foi por si pago. LII - Sem prejuízos e caso assim não se entenda, existem outros argumentos, de facto e de direito, que concorrem para que se considerasse improcedente não só este pedido, mas igualmente os demais.
LIII – É que as cláusulas 12.º e 5.º, n.º 4 e 5 do contrato não são, ao contrário do que vem decidido, nulas ou proibidas (ainda que esta questão nunca pudesse ter sido apreciada, nos termos previamente invocados), tendo sido devidamente informadas e comunicadas à Autora, conforme aliás reconheceu a mesma no contrato que assinou, conforme resulta da cláusula 20.ª, n.º1 (mediante a assinatura do presente contrato, o cliente declara ter sido devidamente informado de todas as cláusulas contratuais, tendo pleno conhecimento das mesmas, aceitando-as na integra e confirmando ter recebido um exemplar do presente contrato”) do referido documento. Cláusula esta cuja validade não foi posta em causa, o que só por si, por via do instituto do abuso de direito (venire contra factum propium), é suscetível, alternativamente, de neutralizar o direito de que se pretende agora injustificadamente valer a Autora.
LIV - Ora, e ao contrário do que entende o douto Tribunal o facto de não estar a proporcionar ao locatário o gozo da coisa, não equivale à conclusão alcançada de que “não está a cumprir a prestação principal do contrato de locação operacional”. É que a Ré estava precisamente a cumprir o contrato, já que no período em que não atribuiu nenhuma viatura de substituição, estava a prestar toda a assistência necessária à Autora e a arranjar a viatura, a suas expensas, o que só por si justificava a manutenção do pagamento da renda nesse período.
LV - É que como muito bem refere a sentença, não estamos perante uma simples locação, mas perante um contrato de locação operacional, um género contratual autónomo, com especificidades próprias, em que para além da entrega do veículo também são prestados múltiplos serviços, mormente manutenção ou reparação da coisa. E a renda paga, em bom rigor, não respeita por isso mesmo só o gozo da coisa locada, mas também inclui todos os custos associados à mesma e aos serviços prestados.
LVI - Não se podendo distinguir uma prestação da outra, como uma sendo principal e outra acessória. Por isso, e quanto muito, se poderia falar numa redução do valor da renda, seguindo as regras da equidade, e nunca numa desobrigação do pagamento da totalidade do valor da renda no período de privação do uso da coisa.
LVII - Resulta, por isso, demonstrado que a Ré cumpriu escrupulosamente as obrigações contratuais que sobre si impendiam, no âmbito do contrato de locação operacional, designadamente, prestou os serviços contratados (nos exatos termos do contrato-quadro), motivo pelo qual, inexistindo qualquer incumprimento ou cumprimento defeituoso de tais obrigações, não pode à Ré ser assacada qualquer responsabilidade, bem como, imputado o pagamento de quaisquer valores peticionados.
LVIII - Acresce, ainda que, e o que valerá para os demais pedidos em apreciação, conforme assente nos presentes autos, após a interpelação para pagamento dos montantes em dívida após a cessação do contrato de aluguer e, por conseguinte, da apresentação da letra de câmbio a pagamento, a coobrigada cambiária AA procedeu à liquidação integral dos montantes em dívida, não tendo esta ou a Autora vindo a invocar qualquer exceção de não cumprimento do contrato (conforme previsto no artigo 428.º do CC),
LIX - E tendo a mesma celebrado e outorgado o respetivo pacto de preenchimento de letra, competia-lhe invocar perante o sacador a exceção de não cumprimento do contrato, isto é, de não pagamento dos montantes em dívida. Tendo a coobrigada cambiária (e legal representante da Autora) procedido à liquidação integral do valor vencido e, que lhe foi peticionado pela Ré, não é admissível que a Autora venha, após a sua inércia(!), em sede de ação judicial, manifestar a sua discordância com os valores, e, ainda, peticionar à Ré a restituição (pagamento) dos mesmos, o que configura é suscetível de configurar abuso do direito, na modalidade de venire contra factum próprio, (cfr. artigo 334.º do CC),
LX - Deve, por isso, e atento o supra disposto, revogar-se a sentença e substituir-se a mesma por outra que considere o pedido ora em crise por não provado e improcedente. LXI - Também o pedido referente ao valor de 337,29€, deveria ter sido considerado por não provado e improcedente. É que enferma o raciocínio do douto Tribunal de manifesto erro, quando refere que esta quantia não deve ser paga por corresponder a período em que já tinha cessado o contrato, pois olvida-se, desde logo, o mesmo da matéria de facto por si fixada, bem como o teor do contrato e até do regime legal da locação constante do Código Civil.
LXII - Em primeiro lugar, e como supra já evidenciamos, com fundamentação que aqui damos por reproduzida para evitar desnecessárias repetições e/ou redundâncias, quem liquidou este montante foi a avalista e não a Autora, pelo que, a mesma não possui qualquer legitimidade para solicitar o reembolso duma quantia que não foi efetivamente por si paga.
LXIII - Mais, e para além disso, como resulta da matéria de facto fixada pelo douto Tribunal, “a A. não procedeu ao levantamento da viatura na oficina” (facto provado 29), que “ficou reparada na Oficina C... em 20 de Fevereiro de 2021” (facto 63), o que fez com que a Ré apenas tenha recuperado “a posse da viatura em 7 de abril de 2021” (facto 64).
LXIV - Ora, estipula o contrato firmado entre as partes, na sua cláusula décima oitava que “verificando-se a extinção do contrato individual, por qualquer uma das causas referidas nas Cláusulas anteriores, o veículo deverá ser restituído no local indicado no contrato individual ou no local que for expressamente comunicado pela D... ao Cliente”(n.º1) e que “o cliente obriga-se ainda a suportar todos os prejuízos que a D... sofrer em consequência da mora na restituição, bem como, pelo pagamento, desde a data do término do contrato individual até à data da restituição, de quantia igual ao valor de aluguer diário de uma viatura equivalente, de acordo com o preçário em vigor à data, assim como todas as quantias previstas ao longo deste contrato, nomeadamente na cláusula 19.º”
LXV - A cláusula em causa é válida e lícita, nunca tendo o seu teor sido posto em causa e/ou sequer discutido nos presentes autos, até porque reflete o mesmo o teor do artigo 1045.º do Código Civil, também aplicável à presente relação contratual, que estipula no seu n.º1 que “se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado”
LXVI - Parece-nos assim claro, por via do contrato e/ou da própria lei, que a Ré tinha direito ao valor correspondente às rendas devidas enquanto a viatura não fosse entregue, o que só veio a ocorrer no dia 7 de abril de 2021, pelo que, dúvidas não podem existir que sempre era devida o valor cobrado com referência ao período de 17 a 28 de Fevereiro de 2021, devendo, assim, a sentença ser revogada e substituída por outra que decida nos termos aqui defendidos.
LXVII - Por fim, também quanto ao reembolso do valor do recondicionamento dos danos teremos de defender solução parcialmente distinta da adotada pelo douto Tribunal. LXVIII - Em primeiro lugar, cabe referir que efetivamente concordamos que se tenha considerado que a Autora: não provou que, na altura, em que foi entregue para reparação a viatura não apresentava danos; que os riscos na carroçaria da viatura e os estragos existentes no seu interior na data em que foi feita a peritagem resultaram da utilização que lhe deu a Autora;
LXIX - Pelo contrário, discordamos na integra que tenha sido desresponsabilizada a Autora de liquidar o valor referente aos alegados danos, que não riscos, designadamente amolgadelas, existentes na carroçaria ou na parte exterior da viatura, e, portanto, que tenha o direito a ser-lhe restituído o valor correspondente e muito menos, mantendo-se a decisão, a necessidade de determinar tal valor em liquidação de sentença.
LXX - Desde logo, porque a guia de transporte não faz qualquer tipo de prova quanto à existência dos danos em causa e/ou data de ocorrência dos mesmos, tratando-se até de um formulário predefinido com parco espaço para referir o que quer que seja, de forma detalhada ou concreta, desconhecendo-se quem o elaborou e em que termos.
LXXI - Mais, o risco até à entrega do veículo corria necessariamente por conta da Autora. E as amolgadelas e demais danos no exterior, que não os riscos mencionados na guia de transporte, foram identificados no Auto de restituição, conforme foi aliás dado por provado – facto 66)
LXXII - Ora, integra a obrigação contratual do locatário a restituição da coisa locada no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização – cfr. n.º 1 do art.º 1043.º do C.C. -, conceito que se reconduz à diligência do bonus pater familiae, do homem de boa formação e de são procedimento, ou seja, in casu, do condutor normal.
LXXIII - De acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do art.º 342.º, n.ºs 1 e 2 do C.C., o locador tem o ónus da prova dos danos, facto constitutivo do seu direito, cabendo ao locatário o ónus de provar que os danos resultam da normal e prudente utilização, ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável, por serem factos impeditivos do direito do locador. Como é óbvio, e uma vez que os danos foram identificados na data da restituição, certo é que nunca poderiam ter sido provocados pelo Locador e/ou por culpa sua. Logo, a responsabilidade pelos mesmos tinha de ser necessariamente da Autora, independentemente da valoração ou não do conteúdo da referida guia de transporte.
LXXIV - A verdade é que os danos manifestamente existiam à data da restituição – isso nem sequer é controverso - e isto era suficiente para que a Ré exigisse o custo da sua reparação, que só poderia ser afastada se a Autora tivesse demonstrado que os danos em causa resultavam da normal e prudente utilização, ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável, o que não aconteceu e o ónus da prova era claramente seu.
LXXV - Aliás, apenas está dado por provado que os danos identificados aquando da restituição são os constantes do relatório pericial junto como doc. 19 e aceite por ambas as partes e que a Ré considerou tais danos não admissíveis, não tendo a Autora, em momento algum, feito a prova de que os mesmos não lhe podiam ser imputados à luz do que está disposto no contrato e no manual de recondicionamento.
LXXVI - Há aqui, novamente, uma insuficiência de factos para a decisão que depois venha a ser dada, sem fundamento, pelo douto Tribunal, que parte de assunções e pressupostos errados e sem qualquer sustentação na matéria que deu por provada e no regime legal, contratual e processual – até em termos de distribuição do ónus da prova - que é aplicável ao caso concreto
LXXVII-Ora, fazendo uma interpretação normativa do contrato, de acordo comas regras e princípios estabelecidos nos art.ºs 236.º e 238.º do C.C., tendo em consideração o teor mesmo e do manual de recondicionamento, e as regras da experiência comum, resulta evidente a obrigação de reparar as amolgadelas porque, como se alcança do comum do acontecer, resultam do choque da peça amolgada contra um obstáculo duro e um condutor profissional normal cuidadoso toma as precauções necessárias a evitar tais incidentes, bem como dos demais danos exteriores identificados no dito relatório pessoal. E não tendo feito a Autora a prova que lhe competia, necessariamente se tem de concluir que era responsável pelo valor da reparação que lhe foi cobrado, nada havendo a reembolsar.
LXXVIII - O que aqui vai defendido e impõe, igualmente, nesta parte a revogação da sentença e a sua substituição por outra que assim o decida.
LXXIX - Diga-se, no entanto e ainda sobre esta questão, que caso se mantivesse a decisão do douto Tribunal, o que aqui apenas se admite por mera hipótese académica, a verdade é que nunca seria necessário quantificar o valor a restituir em sede de liquidação, já que para o efeito bastaria analisar o doc. 19, ver quais os danos a excluir e respetivo preço (neste caso os danos 2,3, 12 e 13), o que daria um valor residual de 893,16€ a restituir e nada mais.
LXXX - Por fim, quanto à condenação da Ré a pagar o valor dos 1.012,66€, também a mesma é desprovida de qualquer sentido e/ou lógica, para além de nem sequer estar fundamentada, o que impõe a nulidade da sentença por falta de fundamentação, que vai aqui novamente invocada.
LXXXI – É que conforme resulta da conta corrente apresentada à Autora (melhor transcrita no artigo 50.º da contestação) e do teor do doc. 28-A junto com a petição inicial, à Autora foram exigidos os seguintes valores: a quantia de 4077,71€ a título de recondicionamento de danos, que depois foi reduzida a 3.421,71€ (com nota de crédito 656,00€), tendo este valor sido pago da seguinte forma: 3.000,00€ com o desconto/utilização da caução nesse valor e o remanescente (421,71€) pagos pela avalista conforme resulta do valor decomposto da quantia total por si liquidada; a quantia de 30305,54€ referente às rendas de junho de 2020 e janeiro a 7 de abril de 2021, descontando o crédito de km (no valor de 1012,66€), cujo diferencial foi pago pela avalista.
LXXXII - E destes últimos valores, além de serem todos devidos, a verdade é que pelo menos os referentes a junho de 2020 e a março e abril de 2021, não foram sequer alvo de qualquer pedido nos presentes autos, pelo que se não fossem parcialmente pagos pelo valor do crédito compensatório, sempre teria a Autora de ter liquidado o respetivo diferencial, o que também não aconteceu.
LXXXIII - Parece-nos, por isso, claro, que não tem a Autora direito à entrega do valor de uma nota de crédito que serviu para liquidar quantias efetivamente em dívida, a maioria delas as quais nem sequer foi alvo de reclamação e/ou reivindicação judicial(em especial nos presentes autos). Deve, por isso, a sentença ser igualmente revogada nesta parte e substituída por outra que decida pela improcedência do pedido em causa.
LXXXIV - Em suma, atendendo aos fundamentos de direito e aos factos apresentados e aqui reapreciados, nos termos de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença, ora em crise, e ser a mesma substituída por um acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos, o que aqui vai invocado, com as demais consequências legais.
Concluiu, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, por via dele, a sentença, ora em crise, seja revogada e substituída por um acórdão que julgue por não provada e improcedente a acção judicial in casu e que, em conformidade, absolva a ré de todos os pedidos, com as demais consequências legais.

7. A Apelada apresentou contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado

8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª Questão-Ineptidão da petição inicial;
2ª Questão- Ilegitimidade activa;
3ª Questão- Nulidades da sentença por omissão de pronúncia;
4ª Questão-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
5ª Questão- Responsabilidade contratual da Apelada/Ré;
6ª Questão- Aplicabilidade do regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) A R., anteriormente designada “D..., SA” dedica-se ao aluguer de viaturas automóveis;
2) Nesse âmbito, a A. celebrou com a R. em 13/02/2017 o contrato-quadro de aluguer de veículos e de prestação de serviços n.º 1666 e em 20/02/2017 o contrato de aluguer ..., juntos com a petição inicial como docs. n.ºs 1 e 2, cujo teor se dá como integralmente reproduzido;
3) Tendo por objecto a viatura Ford (...), com a matrícula ..-SN-.. e chassis ...;
4) No âmbito do contrato de aluguer ... e para garantia do seu cumprimento, a A. prestou à R. uma caução de € 3.000,00 (três mil euros), bem como entregou a letra com o n.º ..., cuja cópia se encontra junta com a petição inicial como doc. n.º 3-A, em que se constituíram garantes AA, EE e DD;
5) No dia 13/06/2020 a viatura alugada avariou-se na Bélgica, ficando imobilizada, sem possibilidade de utilização;
6) Tendo a A. informado a R., por email do mesmo dia, questionando-a para que oficina da Ford (Bélgica ou Portugal) poderia enviar a viatura para reparação, solicitando ainda autorização para alugar uma viatura de substituição para o período de reparação;
7) Por não ter havido resposta ao email referido em 6), a A. remeteu em 16/06/2020, novo email, solicitando o contacto da R.;
8) A R. só em 17/06/2020, indicou/autorizou a A. a enviar a viatura para a oficina, para realização de diagnóstico do problema, solicitando que o relatório daquele serviço lhe fosse remetido, nos termos que constam do email junto com a petição inicial como doc. n.º 4;
9) O que a A. fez;
10) A A. remeteu à R. em 17/06/2020 e em 18/06/2020 os emails juntos com a petição inicial como doc. n.º 4;
11) A A. alugou, então, uma viatura de substituição entre 13 de Junho de 2020 e 28 de Junho de 2020, conforme previsto no contrato celebrado com a R., no campo serviços incluídos / não incluídos – VS em Avarias, Incluído. Até 15 dias (Furgão 3 m3);
12) Tendo remetido à R. a respectiva factura do aluguer da viatura de substituição, por email enviado em 15/07/2020;
13) A reparação veio a ficar concluída em 06 de Agosto de 2020;
14) A R. apenas entregou/disponibilizou à A. a viatura objecto do contrato de aluguer celebrado entre elas, depois de reparada, no dia 06/08/2020;
15) Durante 38 dias, (entre 29/06/2020 um dia após a devolução da viatura de substituição e 05/08/2020) a R. não disponibilizou à A. qualquer veículo (nem o locado, nem qualquer outro em sua substituição);
16) Situação que a A. expôs/reclamou à R., por email remetido a 27/08/2020, com o seguinte teor:
 “Exmo. Sr.
Antecipo os nossos cumprimentos.
Como é do V/ conhecimento o veículo de marca FORD, matrícula ..-SN-.. que nos está alugado avariou em 13 de junho 2020, conforme informação enviada por email dia 13/06/2020 pelas 13H45. Desde 30 junho 2020 (que corresponde ao final do período de 15 dias em que D... assumiu o aluguer de um carro de substituição) e 06/08/2020, data em que o bem locado nos foi entregue pela oficina, que não temos qualquer veículo cedido pela D.... Ora não estando disponível o bem locado, nem qualquer outro em sua substituição e enquanto durou esta situação, não tínhamos que proceder ao pagamento da renda, já que não existiu qualquer contraprestação da V/ parte de dia 30/06/2020 a 06/08/2020, fazendo um total de 38 dias.
Pelo exposto solicitamos e pensamos ser justo que a D... deduza o valor de 996,74€ correspondente 26,23€ x 38 dias, no valor das rendas a pagar. Cópia do presente é enviado ao Departamento Administrativo e Financeiro a atenção da Srª FF. Declaramo-nos ao dispor para eventuais esclarecimentos adicionais
Atentamente, A Gerência;
AA ...”;
17) A R. somente respondeu em 11/09/2020, por email referindo:
“Estimada Sra. D.ª AA,
De acordo com a sua exposição indicada nos comentários abaixo, estivemos a analisar internamente o processo.
Desta forma, lamentamos que não tenhamos sido capazes de ter informado corretamente e ir de encontro às V/ expetativas. Na verdade, tratou-se de uma avaria complexa o que originou uma paralisação prolongada, por esse facto, entendemos que a D... cumpriu com o acordado em conformidade com o contrato celebrado com V.Exas., ou seja, 15 dias de viatura de substituição no caso de avaria. Na certeza de que numa próxima situação iremos fazer melhor, lamentamos, uma vez mais, todo o transtorno causado por esta questão e solicitamos que, caso continue a verificar qualquer não conformidade nos serviços que prestamos, nos exponha de imediato a situação via telefone ou mail”;
18) Situação com a qual a Autora não se conformou, pretendendo que os dias de que ficou privada de usufruir da viatura alugada e para os quais não foi autorizada uma viatura de substituição não tivesse de proceder ao pagamento do valor contratualizado, pois, a Ré não cumpriu com a sua contraprestação do contrato;
19) O mandatário da A. remeteu à R. a carta registada com aviso de recepção, datada de 13/11/2020, junta com a petição inicial como doc. n.º 7, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual comunicou que a A. considerava que a R. teria que lhe restituir a quantia de € 996,74 pelos 38 dias em que não usufruiu de qualquer serviço tendo por referência o valor de € 26,23 (valor com referência à factura de junho de 2020, no montante de € 786,99 / 30 (dias) = € 26,23 dia);
20) Em 11/12/2020, a viatura alugada pela R. à A., e em causa nestes autos, voltou a avariar, ficando novamente imobilizada e sem se poder utilizar;
21) A A. reiterou o procedimento anterior, comunicando naquele dia à R. por email a avaria, referindo que pediu assistência à companhia de seguros, solicitando informações sobre a oficina para a qual deveria encaminhar a viatura;
22) Tendo sido providenciado o transporte da viatura avariada para Portugal, para ser reparada em Viana do Castelo, na oficina C...;
23) Foi, então, disponibilizada pela R. uma viatura de substituição à A. até 26/12/2020;
24) Após a data referida em 23), a R. não atribuiu outra viatura à A.;
25) Situação que se manteve inalterada até 16/02/2021;
26) Somente em 17/02/2021, após o termo dos contratos, é que a R. remeteu à A. email referindo:
“Bom dia D AA,
Vimos por este meio informar de que a oficina aguarda chegada de um injector para terminar a reparação da viatura, porém não souberam indicar tempo certo de demora da peça.
Tentamos insistir com eles diariamente sobre informações.
Assim que obtivermos novas informações de reparação entramos em contacto. Melhores Cumprimentos,
GG Departamento de Operações”;
27) Remetendo novo email à A. em 22/02/2021 informando que a viatura está pronta para levantamento na oficina C...;
28) A que a A. respondeu no mesmo dia referindo:
“Bom dia Sr. GG,
Agradecemos a sua informação, mas não nos será permitido, tendo em conta o contrato ter terminado a 16/02/2021.
Após receção de email por parte da d. HH, para agendar a entrega da carrinha a 16/02/2021, informamos a 06/01/2021 que a mesma tinha sido entrega a seguradora E... a 11/12/2020. …” nos termos que constam do doc. n.º 11 junto com a petição inicial;
29) A A. não procedeu ao levantamento da viatura na oficina;
30) A A. contratou um serviço de Aluguer de Veículo e de prestação de serviços com o n.º ..., pelo período de 48 meses com início em 17/02/2017 e termo em 16/02/2021, da viatura com a matrícula ..-SN-..;
31) Veículo esse que durante a vigência do contrato, teve duas grandes avarias, que a imobilizaram e privaram o seu uso e fruição pela A.;
32) Em 05/01/2021 a R. remeteu email à A. sob o assunto “Aviso Termo Contrato (1 mês)” com o seguinte teor:
“Exmo(s) Senhor(es),
Vimos por este meio proceder ao envio das cartas de aviso de termos de contratos anexo. Caso já tenham procedido à devolução das mesmas, queiram por favor dar sem efeito esta comunicação.
Estamos ao dispor para qualquer esclarecimento.”;
33) Ao qual respondeu a A. em 06/01/2021 referindo:
“Boa tarde D. HH,
Informamos que a carrinha esta neste momento, entregue a seguradora E....
A carrinha desde do dia 11/12/2020 foi feita participação de avaria e transportada para Portugal, que penso ainda não ter chegado.
Com os melhores cumprimentos.”;
34) A R. remeteu o relatório de danos referido em 66) à A.;
35) E emitiu e remeteu à A. a factura ... de 23/04/2021, com o valor de € 4.077,71 e com a descrição – Recondicionamento Danos, junta com a petição inicial como doc. n.º 18;
36) A R. emitiu nota de crédito ..., de € 656,56, datada de 11/05/2021, com a descrição ... Recondicionamento Danos, correspondente aos danos identificados com os n.ºs 6, 7, 16, 21 e 23 do relatório referido em 65);
37) A R. remeteu também à A. facturas respeitantes aos períodos de 01/02/2021 a 28/02/2021, 01/03/2021 a 31/03/2021, 01/04/2021 a 16/04/2021 respectivamente no valor de € 337,29, € 786,99 e € 786,99;
38) A R. emitiu a nota de crédito N..., de € 573,39, datada de 08/04/2021, com a descrição ... Aluguer de 01/04/21 a 07/04/2021, Seguro de 01/04/2021 a 07/04/2021;
39) E ainda emitiu a NC com n.º ..., de € 1.012,66, datada de 23/04/2021, com a descrição Acerto Contrato AOV, que traduz o saldo a favor da A. respeitante a quilómetros que esta não percorreu;
40) A A., em 05/05/2021 remeteu email à R. com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Antecipamos os nossos cumprimentos.
Acusamos a receção do V/email de 14.04.2021, o qual mereceu a melhor atenção e estupefação.
Efetivamente, não aceitamos o relatório e os supostos danos do veículo que V. Exas., somente agora, tentam imputar a esta empresa.
Como é do vosso conhecimento durante a duração do contrato de aluguer, a viatura automóvel em causa teve duas graves avarias, sem qualquer responsabilidade desta empresa, e que levaram à sua imobilização durante 120 dias, situação que nos causou vários prejuízos e incómodos, e que tardaram em solucionar. Como também é do vosso conhecimento a viatura foi entregue em bom estado de conservação e está na vossa posse desde 11.12.2020, com todas as chaves e respetivos documentos, sendo certo que não temos qualquer contato com o veículo desde a referida data, que não apresentava os supostos danos que V. Exas. tentam, somente agora, passados cerca de 5 meses, imputar a esta empresa.
Não podemos deixar de constatar a vossa lamentável postura e pouco profissionalismo que demostraram durante a execução do contrato, e que continuam a demostrar, pretendendo abusiva e ilegitimamente tentar cobrar valores pecuniários a esta empresa que bem sabem que não serem devidos.
Por tudo o supra exposto, reiteramos que não aceitamos o relatório e suas conclusões, estando plenamente convictos que cumprimos com todas as nossas obrigações e que nada vos devemos seja que titulo for.
Sem outro assunto. Atentamente,
A Gerência; AA
... ...”
41) Não obtendo qualquer resposta da R., a A. enviou-lhe em 28/10/2021 nova carta registada com aviso de recepção, junta com a petição inicial como doc. n.º 27, na qual exigia que a R. lhe pagasse diversas quantias em dívida, algumas delas já acima explicitadas;
42) Tendo a R. respondido na pessoa do seu mandatário, em 23/11/2021, que nada lhe poderia ser exigido, nos termos que constam do doc. n.º 28 junto com a petição inicial;
43) Em 29/11/2021 a R. enviou carta à A., informando-a de que iria preencher a letra entregue na data da assinatura do contrato de aluguer em causa nos autos pelo montante de € 2.784,47 e exigir o seu pagamento;
44) A avalista AA, remeteu em 07/12/2021, carta à R. com o seguinte teor:
“Fui hoje informada pela empresa A..., Lda. que V. exas preencheram abusivamente uma letra em branco, subscrita por aquela empresa e por mim avalizada, com o montante de € 2.784,87, que efetivamente não é devido, pelas razões que constam das várias cartas que a empresa vos remeteu.
Bem pelo contrário são V. Exas. que devem à A..., o montante de € 3.933,01, por claro incumprimento das V/ obrigações contratuais. Somente para evitar prejuízos acrescidos, já que V. Exas podem utilizar mal a referida letra e interpor indevida execução que se inicia com penhora, remeto sob protesto e reserva o cheque de banco n.º ..., sacado ao Banco 1... no tal montante de € 2.784,87, sem prescindir, no entanto, de direta ou indiretamente, interpor acção judicial contra essa empresa, para ser ressarcida de todos os montantes pagos indevidamente.
Solicito que, após boa cobrança enviem a letra e o respetivo recibo de quitação a empresa A..., Lda. Rua ... n.º ... 3.º andar Sala ... ... Vila Nova de Gaia.”
45) A R. apresentou a letra de câmbio a pagamento pelo valor total de € 2.784,47;
46) A avalista procedeu ao pagamento da quantia exigida pela R., remetendo cheque para o efeito;
47) Caso tivesse que pagar à R., no âmbito do contrato de aluguer em curso, o período de 01/01 a 16/02/2021, a A. pagaria:
47.1- factura n.º ... entre 01/01/2021 e 31/01/2021 no montante de € 786,99 (ou seja € 786,99/31dias= €25,38 valor diário); assim entre 08/01/2021 e 31/01/2021 gastaria € 609,12 (€ 25,38 x 24 dias);
47.2- factura n.º ..., entre 01/02/2021 e 16/02/2021, gastaria o montante de € 449,71 (ou seja € 449,71/16= €28,10 valor diário);
48) Na conta corrente da A., a R. debitou as rendas dos meses de Junho de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2021;
49) A renda respeitante ao mês de Abril de 2021 foi objecto de crédito entre os dias 07 e 30 de Abril;
50) No que respeita ao acerto quilométrico, apurou-se que a viatura tinha percorrido 160 900KM, face aos 206 845KM contratados, pelo que o crédito de km a menos, sendo limitado a 80%, incidira sobre 41.369 km, perfazendo 823,24€ s/IVA (0,0199€ por cada km);
51) Os valores que a conta corrente da A. apresentava foram objecto de compensação pela R. no montante de € 3.000,00;
52) Em 01 de Março de 2021, a A. solicitou à R. a apresentação de proposta para aquisição da viatura;
53) Mas não se manifestou quanto à proposta que recepcionou da R., vindo apenas a fazê-lo, mais de um mês depois, em 16/04/2021, quando a viatura já se encontrava vendida;
54) Não foi dada oportunidade à A. de negociar previamente as cláusulas que compõem o contrato-quadro referido em 2);
55) A A., durante parte do período em que não lhe foi disponibilizada a viatura alugada, teve de alugar a expensas suas, outra viatura, o que lhe custou € 1.523,28:
55.1- factura n.º ... entre 08/01/2021 e 05/02/2021 teve um custo de € 1.090,32 (ou seja, € 1.090,32/28 dias pois não incluem o dia 05/02), o que dá um valor diário de € 38,94;
55.2- factura n.º ..., de 05/02/2021 a 05/03/2021 teve um custo de € 1.010,32 (ou seja, € 1.010,32/28 dias pois não incluem o dia 05/03, ou seja um valor diário de € 36,08); assim, para os dias 05/02/2021 a 16/02/2021 (n total de 12 dias), o custo a ter em conta é de € 432,96 (12 dias x 36,08 €);
56) A A. não aceitou a factura referida em 35), nem a peritagem realizada a 07/04/2021, não a assinando;
57)Após a avaria referida em 5) e a verificação do estado de funcionamento da viatura, procedeu-se ao transporte da viatura para Portugal, de forma a dar seguimento à reparação necessária,
58)Na oficina C..., em Viana de Castelo, para a qual foi transportada a viatura após a avaria de 11 de Dezembro de 2020, verificou-se ser necessário proceder à substituição da embraiagem da viatura;
59) Tendo-se verificado o estado de conservação em que a viatura se encontrava aquando do transporte, foi elaborada a respectiva guia de transporte;
60) Da referida guia de transporte, com data de transporte em 19/12/2021 e recepção (entrega) na oficina em 14/01/2021, consta que a viatura apresentava vários riscos;
61) A demora na prestação do serviço de reparação ficou a dever-se à inexistência dos componentes a substituir, bem como à demora no fornecimento e entrega destes por parte dos fornecedores;
62) O transporte da viatura da Bélgica para Portugal foi efectuado pela Seguradora E..., no âmbito do serviço de assistência em viagem;
63) A viatura ficou reparada na Oficina C... em 20 Fevereiro de 2021;
64) A R. recuperou a posse da viatura em 07 de Abril de 2021;
65) A R. informou a A. da data de realização da respectiva peritagem ao estado de conservação da viatura;
66) Na peritagem realizada, na presença da representante da A. – AA, ao estado de conservação da viatura em 07/04/2021 verificou-se que a mesma apresentava os danos constante do relatório junto com a petição inicial como doc. n.º 19;
67) A R. considerou tais danos não admissíveis tendo em conta o desgaste normal de um uso prudente da viatura, nos termos previstos no manual de recondicionamento, anexo e integrante do contrato-quadro juntos com a contestação como doc. n.º 6.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) A R. não deu a necessária autorização à sua seguradora para encaminhar a viatura para a oficina da Ford;
b) Quando, em 11/12/2020, a A. entregou a viatura para reparação aquela não tinha qualquer dano;
c) Relativamente ao período de 01/02/2021 a 16/02/2021 a factura ... junta com a petição inicial como doc. n.º 21 consubstancia uma duplicação, pois tal período já tinha sido facturado (na factura ... junta como doc. n.º 17);
d) A oficina para a qual, após a avaria referida em 5), a A. encaminhou a viatura, a expensas da R., não era capaz de proceder à verificação do estado da viatura e de reparar a mesma;
e) Já em oficina, verificou-se que seria necessário proceder à substituição do filtro de partículas do veículo;
f) Após a substituição do filtro de partículas, constatou-se a necessidade de proceder à realização de testes e substituição de injectores e da válvula EGR bem como reparar a “cabeça do motor”;
g) A reparação da avaria referida em 5) só ficou concluída em 06 de Agosto de 2020 em virtude da sua extrema complexidade, bem como a situação pandémica que o país atravessava à data dos factos;
h) Segundo a A., à data, não haveria oficina competente para prestar o serviço de reparação referido em 58), daí o encaminhamento da viatura para Portugal;
i) A A. tinha conhecimento do referido em 61) e g);
j) A R. prestou à A., quer telefonicamente quer através de e-mail, diversas informações quanto à reparação referida em 58) da viatura;
k) A A. não se manifestou quanto à sua vontade em proceder à restituição da viatura à R.;
l) A R. fez sucessivas interpelações telefónicas à A. para restituir a viatura;
m) Durante o período em que a viatura se encontrou em reparação, a mesma não foi objecto de qualquer utilização (para além da utilização necessária para a realização de eventuais testes);
n) Os danos na carroçaria da viatura não se ficaram a dever à sua permanência em oficina;
o) Os danos da viatura não resultam de um episódio pontual e isolado, mas sim da sua utilização reiterada;
p) A viatura não foi objecto de qualquer outra reparação e/ou intervenção para além da referida em 58);
q) O estado de conservação da viatura decorre exatamente da utilização que lhe foi dada pela própria A. ao longo da execução do contrato de aluguer,
r) A A. não foi informada ou devidamente esclarecida de que, caso a viatura que iria alugar se avariasse e a reparação fosse superior a 15 dias (1, 2, 3, 4 ou 6 meses, ou mesmo 1 ano), seria privada do uso da viatura mas teria que continuar a pagar o serviço.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão-Ineptidão da petição inicial.
Sob as Conclusões XLI a XLVI sustentou a Apelante que a Apelada não alegou os factos que constituem a causa de pedir relativa ao pedido de reembolso/devolução dos valores que terão sido alegadamente facturados no período de privação da utilização do veículo automóvel ocorridos no ano de 2020, porque a Apelada nunca alegou que a Apelante lhe tenha efectivamente facturado e cobrado a renda dos meses de Julho e Agosto de 2020 cujo reembolso é pedido nesta acção.
Concluiu a Apelante que a falta de causa de pedir é um vício insanável, que gera a ineptidão da petição inicial, de conhecimento oficioso, que deve ser agora declarado pelo Tribunal de Recurso e que conduz à sua absolvição do pedido que tem por referência esse período do ano de 2020.
A Apelante/Ré não invocou na contestação a ineptidão da petição inicial e, embora seja excepção de conhecimento oficioso ( art. 196º do CPC) o tribunal a quo não se pronunciou sobre qualquer ineptidão da petição inicial no despacho saneador proferido.
Tal como a Apelante invoca em sede deste recurso, a ineptidão da petição inicial, nos casos em que falte a causa de pedir, conduz à nulidade de todo o processo, nos termos do art. 186º nº 1 e 2 al.b) do CPC e, essa nulidade principal pode ser conhecida oficiosamente, a não ser que deva considerar-se sanada, nos termos do art. 196º do CPC.
Contudo, como já referimos, o tribunal a quo não conheceu oficiosamente dessa nulidade e, a Apelante/Ré não a arguiu, quando segundo o art. 198º nº 1 do CPC a nulidade a que se refere o art. 186º só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado.
Ora o conhecimento dessa eventual nulidade a que se refere o art. 186º do CPC- ineptidão da petição inicial- tem, em regra, como limite o despacho saneador, porquanto é apreciada no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado e, só se não houver despacho saneador, pode conhecer-se dela até à sentença final, conforme impõe o art. 200º nº 2 do CPC.
“Neste contexto, a prolação do despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades previstas nos arts. 186º e 193º, nº 1, significando isso que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades”[2], que foi manifestamente o que ocorreu nestes autos.
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre reiteram que, “proferido o despacho saneador sem que a questão seja levantada, a ineptidão da petição inicial considera-se, desde que tenha sido observado o princípio do contraditório, suprida ou ultrapassada, entendendo-se que o réu, que não a arguiu, e o juiz, que dela oficiosamente não conheceu, compreenderam o sentido da petição inicial ( ac. STJ de 26.3.15, Lopes do Rego, www.dgsi.pt., proc. 6500/07).”[3]
Assim sendo, não tendo a Apelante/Ré arguido na contestação a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial e, tendo sido proferido despacho saneador sem conhecimento oficioso daquela excepção, dela não mais se pode conhecer, considerando-se a mesma ultrapassada.
Por conseguinte, não se conhece deste segmento recursivo.
2ª Questão- Ilegitimidade activa.
A Apelante veio suscitar a ilegitimidade parcial activa, outra excepção dilatória não suscitada em sede de contestação, que como é de conhecimento oficioso, pode ser invocada a todo o tempo.
Defendeu nas Conclusões VIII a XI que como resulta do doc. 28-A junto na petição inicial e do art. 50º da contestação, bem como dos factos provados 45, 46 e 48, com excepção do valor da caução prestada de €3.000,00 todos os demais valores foram pagos por terceiro que não intervém na acção, não existindo nos autos qualquer prova/documento e/ou é sequer alegado que a Apelada/Autora reembolsou a garante e/ou que esta exerceu o seu direito de regresso, ou tal sequer consta da matéria de facto dada por provada, pelo que, não tem a Apelada legitimidade para pedir a devolução daquilo que não foi por si pago, como é o caso da importância de €2.360,70.
Afigura-se-nos que a Apelante confunde os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva.
O conceito de legitimidade processual está consagrado no art. 30º do CPC, segundo o qual “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”, sendo que “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação”, consagrando tal preceito legal o princípio geral de que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Conforme entendimento consolidado na jurisprudência, de que é exemplo o Ac RP de 04.10.2021, “ao apuramento da legitimidade processual - pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada”.[4]
A legitimidade processual distingue-se da legitimidade material ou substantiva, que se traduz num complexo de qualidades representativas dos pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando por isso ao mérito da causa, e que a verificar-se conduzirá à absolvição do pedido.[5]
Se está correcta a asserção de que a própria Apelada/Autora havia alegado na petição inicial que parte daqueles valores cujo reembolso está a reclamar da Apelante/Ré haviam sido pagos pela avalista e, isso mesmo ficou provado nos pontos 45 e 46 dos factos provados, já não está correcta a afirmação de que a Apelada/Autora não havia alegado deles ter reembolsado a garante.
Efectivamente, a Apelada/Autora alegara nos arts. 61º e 62º da petição inicial o seguinte:
“61.º-Confrontada com tal situação a Autora, não teve outra alternativa que não fosse entregar igual quantia à avalista, pois, o problema era consigo e com a Ré e aquela não tinha que suportar qualquer custo.”
62.º-Pelo exposto a Autora é credora da Ré, no montante de € 6.119,14, por ter pago valores a que não estava obrigada e que em si não encerram qualquer prestação de serviço, que se passam a identificar:
(…) - € 2.360,70 (90 dias x € 26,23 valor dia, (valor com referência à fatura de junho de 2020, no montante de € 786,99 / 30 (dias) = € 26,23 dia, documento junto sob Doc. 8).”
Aquela alegação bastava para se considerar a Apelante/Autora como parte legítima, uma vez que, de acordo com a alegação de que havia pago à avalista os valores por ela despendidos e cuja responsabilidade cabia à Autora suportar,  tinha legitimidade para formular o pedido de devolução daqueles mesmos valores, independentemente da prova que viesse a ser feita de tais factos e da procedência ou não dessa sua pretensão.
 Aferindo-se a legitimidade processual pela titularidade da relação material controvertida tal como foi configurada pela Apelada/Autora na petição inicial, a Apelada/Autora é inegavelmente parte legítima.
A questão de saber se a Apelada/Autora logrou ou não provar os factos que integravam a causa de pedir relativamente ao pedido de reembolso da importância paga pela avalista, diz respeito ao mérito da causa, estando-se já no plano da legitimidade substantiva e, como tal será apreciada em sede de eventual erro de julgamento e não enquanto excepção dilatória de ilegitimidade processual, porquanto esta última não se verifica no caso em apreço.
Improcede este argumento recursivo.
3ª Questão- Nulidades da sentença por omissão de pronúncia.
Sob as Conclusões II a XII a Apelante arguiu a nulidade da sentença recorrida, quer por ser obscura e ambígua a fundamentação e respectiva decisão, quer por omissão de pronúncia, quer mesmo por excesso de pronúncia, misturando, a nosso ver, os argumentos de direito por si invocados para a improcedência da acção, com a omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não pudesse tomar conhecimento, tendo culminado com a arguição de uma alegada nulidade processual cometida pelo tribunal a quo (que em nada se confunde com as nulidades da sentença, apesar de ter sido apresentada como nulidade por excesso de pronúncia) por aquele  ter tomado em consideração factos alegados pela Apelada/Autora num requerimento apresentado a 26.04.2022, Ref Citius 4203398, apesar de não o ter admitido expressamente, mas de que socorreu para declarar nulas determinadas cláusulas do contrato em apreço nos autos, ao abrigo do regime das Clausulas Contratuais Gerais.
O art. 615º do CPC consagra especificamente as causas de nulidade da sentença.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [6], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
Segundo o referido art. 615º nº 1 do CPC:
“É nula a sentença quando:
(…)
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…).”
Subentendemos do percurso argumentativo da Apelante, que esta se insurge contra o aproveitamento pelo tribunal a quo de factos trazidos aos autos pela Apelada num requerimento posterior aos articulados e cuja inadmissibilidade devia ter sido declarada pelo tribunal a quo, sem que o tenha sido.
Caso estivéssemos perante a nulidade (ou mera irregularidade) contemplada no art. 195º nº 1 do CPC (nulidade secundária), preceito legal invocado pela própria Apelante (Conclusão VII) , dela só poderia o tribunal de 1ª Instância conhecer sobre reclamação do interessado (art. 196º do CPC) reclamação de nulidade essa que a Apelante manifestamente não arguiu perante o tribunal de 1ª instância no referido prazo, não o podendo fazer em sede do presente recurso sob pena de total subversão das regras acima mencionadas.
Neste sentido, no Ac RP de 12/9/2022, pode ler-se “As nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 615.º, nº 1, 613.º, nº 3, 666.º e 679.º do CPCivil, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito (artigo 615.º, nº 1), e devem ser arguidas, de harmonia com os seus nºs 2 e 4, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Por sua vez, as nulidades de processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder embora não de modo expresso uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.”
Estes desvios de carácter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos artigos 186.º e ss. do CPCivil um de três tipos: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei, e, por último, realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Das nulidades de processo, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no nº 1 do artigo 195.º, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artigo 199.º.
(…) O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infracções às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos artigos 195.º a 199.º CPC.
Os recursos são meios para se obter uma reapreciação das questões já submetidas ao primeiro grau, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre e, de acordo com a velha máxima, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
(…) Portanto, o meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida.”[7]
Tal como defendem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.” A reclamação e o recurso não são meios concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade. “[8]
Por conseguinte, a omissão de pronúncia pelo tribunal a quo de um qualquer requerimento apresentado no decurso do iter processual em nada se confunde com a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto aquela consubstanciará, quando muito uma nulidade processual por omissão de um acto processual (art. 195º do CPC), não se integrando em qualquer das hipóteses enumeradas taxativamente no art. 615º do CPC.
Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, diz-nos também o art. 608º, n.º 2 do CPC, que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
A esse propósito a Apelante suscitou a omissão de pronúncia relativamente à questão da violação pela Apelada da cláusula 19ª do contrato (matéria referenciada nos arts. 70º a 75º da contestação), sobre as consequências a extrair da falta de invocação da excepção de não cumprimento do contrato pela avalista (matéria dos arts. 80º a 83º da contestação) e a questão do abuso de direito (referenciada nos arts. 86º a 88º da contestação).
Compulsada a fundamentação da sentença recorrida dela efectivamente não consta qualquer abordagem das questões acima mencionadas, que assumem relevância enquanto fundamentos destinados a impedir a procedência das pretensões formuladas contra a Apelante e, também não nos parece que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado pelo conhecimento de mérito sustentado na sentença recorrida.
Acarretando tal omissão a nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, a consequência não é senão a de suprirmos nesta instância de recurso a ausência de tal conhecimento, enquanto tribunal de substituição, estando vertida no elenco dos factos a matéria factual necessária para a sua apreciação.
Todavia, não o iremos fazer porquanto afigura-se-nos existir uma outra questão que conduzirá à anulação da sentença recorrida para ampliação da matéria de facto, como abordaremos de seguida, que determinará a reabertura do julgamento e a consequente prolação de nova sentença, o que inutilizará o conhecimento desta e doutras nulidades da sentença suscitadas pela Apelante.
Deste modo, passamos de seguida à apreciação da constatada insuficiência da matéria de facto elencada na sentença recorrida, que a nosso ver determinará a anulação da sentença sob apreciação.
Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Apelante sustentou nas Conclusões XIII a XXXIV a alteração de inúmeros pontos de facto, quer dados como provados, quer dados como não provados, requerendo ainda a ampliação de alguma matéria de facto.
Apesar de a Apelante ter requerido a alteração da matéria de facto com o objectivo de ver revogada a sentença recorrida, certo é que sob as Conclusões XLVII a LI tocou num aspecto que conduz, a nosso ver, à necessidade de ser ampliada a matéria de facto por se constatar a ausência de pronúncia sobre factos essenciais para a decisão da causa, que embora alegados, sobre eles não recaiu prova em julgamento, não constando do elenco dos factos provados ou dos não provados.
A Apelante alegou que a matéria de facto dada por provada é insuficiente para a condenar a reembolsar a Apelada/Autora da quantia de €2.360,70 porque não foi dado por provado que tenha sido a Apelada, e não terceiros, quem pagou as rendas referentes ao período de 90 dias em que a Apelada esteve privada do uso do veículo, condição essa essencial para que pudesse pedir a sua restituição/reembolso, já que não se reembolsa/restitui o que não foi por si pago.
Esta questão já diz respeito à ilegitimidade substantiva, apelidada erradamente pela Apelante de ilegitimidade processual, e que efectivamente a verificar-se conduzirá à absolvição parcial do pedido, porquanto caso se venha a concluir que não foi a Apelada/Autora quem suportou o pagamento cujo reembolso pretende obter da Apelante dele não poderá ser reembolsada por não ser titular desse direito.
Acontece que, como já adiantamos em sede de apreciação da ilegitimidade processual activa, não há dúvidas de que, contrariamente ao alegado pela Apelante, foi alegado pela Apelada no art. 61º da petição inicial ter reembolsado a avalista daquele valor, ficando com o direito de o exigir da Apelante.
Não obstante, apesar de alegado, resulta inegável que não consta da sentença recorrida, na decisão sobre a matéria de facto, necessariamente prévia à decisão de mérito, sendo tal matéria factual indispensável à decisão da causa pois só assim se poderá justificar a condenação da Apelante a reembolsar a Apelada daquele valor.
Tal como escreve A. Abrantes Geraldes, “outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultantes da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Verificado algum desses vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
(…) Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas de prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegure um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo.
Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes.”[9]
E parece-nos que é o caso da sentença recorrida, uma vez que, ponderando o enquadramento jurídico suscitado nos autos, constata-se que há factos alegados pela aqui Apelada na petição inicial que são indispensáveis para a reapreciação da decisão de condenação da Apelante naquele valor.
Com a matéria de facto dada como provada não há substracto factual suficiente para manter a decisão recorrida na parte em que condenou a Apelante naquele pedido, porém, tendo a Apelada alegado suficientemente a matéria de facto a esse respeito e não estando tal matéria de facto elencada na sentença nos factos provados ou não provados, resulta clara uma omissão objectiva de factos relevantes para a reapreciação da sentença recorrida que tem de ser sanada.
Não podemos afirmar que a Apelada tem direito a ser reembolsada daquela importância se apenas ficou provado que a mesma foi paga pela avalista, mas também não podemos negar-lhe tal direito se o tribunal a quo não apreciou, como devia, a alegação feita pela Apelada na petição inicial de ter pago à avalista tal valor.
Também não podemos concordar com a Apelada quando defende nas contra-alegações que tal facto foi aceite porque não foi impugnado pela Apelante/Ré, uma vez que esta embora não tenha impugnado especificadamente o art. 61º da PI, impugnou tal matéria de facto de forma genérica no art. 3º da contestação- por total desconhecimento e por não ter obrigação de conhecer.
Conforme previsto no art. 574º nº 3 do CPC, apenas se podem considerar admitidos por acordo os factos que não forem impugnados e, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, não se tratando de um facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento tal declaração equivale a impugnação, como é o caso da alegação feita no art. 61º da PI que apenas diz respeito à relação entre a Apelada e a avalista, não se tratando de um facto pessoal da Apelante/Ré nem do qual deva ter conhecimento.
Sendo tal matéria de facto indispensável a uma criteriosa decisão sobre um dos pedidos formulados contra a Apelante e estando controvertida, afigura-se-nos indispensável a ampliação dessa factualidade, possibilitando que sobre a mesma seja produzida prova, impondo-se a ampliação do julgamento relativamente aos factos essenciais alegados pela Apelada/Autora, nomeadamente nos artigos 38º, 61º e 62º da petição inicial, por forma a ser apurado se foi pago à Apelante pela avalista o valor de € 2.360,70, referente a 90 dias de aluguer em que a Apelada alegadamente esteve privada do uso do veículo e se por seu turno a Apelada reembolsou a avalista de tal importância.
Após, deverá ser proferida nova sentença, que inclua esses factos e outros que ao tribunal a quo se afigurem relevantes sobre tal matéria.
Nessa nova sentença deverá ainda pronunciar-se sobre os fundamentos de oposição alegados oportunamente pela Apelante e cuja omissão foi suscitada em sede deste recurso, designadamente aqueles que acima fizemos referência, por forma a não reiterar na apontada omissão de pronúncia.
 Em face do acima decidido, considera-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em anular a sentença recorrida, nos termos do art. 662º nº 2 al. c) e d) do CPC, para que seja ampliado o julgamento aos factos alegados pela Apelada/autora nos artigos 38º, 61º e 62º da petição inicial nos moldes acima assinalados, após o que deverá ser proferida nova sentença.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Notifique.

Porto, 20 de Fevereiro de 2024
Maria da Luz Seabra
Maria Eiró
Alexandra Pelayo

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, pág. 254
[3] CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª edição, pág. 411
[4] Proc nº 1910/20.4T8PNF.P1, www.dgsi.pt
[5] Ac. do STJ de 18.10.2008, Proc. nº 5297/12.0TBMTS.P1.S2,www.dgsi.pt
[6] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686.
[7] Proc. Nº 866/20.8T8VCD-A.P1, www.dgsi.pt
[8] CPC Anotado, Vol. I, p. 249
[9] Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 356-357