PROPRIEDADE HORIZONTAL
ABUSO DE DIREITO
SUPPRESSIO
Sumário

I - A propriedade horizontal é uma propriedade especial, em que coexistem, num mesmo edifício, propriedades privadas e individualizadas sobre cada uma das frações autónomas e uma compropriedade de certas partes do mesmo edifício, imperativamente definidas como partes comuns.
II - Estando provado que foram colocados dois painéis publicitários nas partes comuns de um prédio construído em propriedade horizontal em data não apurada das décadas de 70/80 e que o Autor condomínio apenas reagiu, pedindo a remoção dos mesmos, no ano de 2020, devem considerar-se verificados os requisitos da supressio: um prolongado não exercício do direito e, por força deste, uma justificada situação de confiança criada no condómino de não exercício do mesmo.
III - A passagem de cerca de 40 anos é um período de tempo tão longo que, pela sua delonga, é, sem necessidade de mais factos complementares, suscetível de criar a convicção de que o direito não mais seria exercido.

Texto Integral

Processo n.º 1303/22.9T8PRT.P1

Comarca: [Juízo Local Cível do Porto (J2); Comarca do Porto]

Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista

Juíza Desembargadora Adjunta: Márcia Portela

Juiz Desembargador Adjunto: Rodrigues Pires

Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

O CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., Porto, representado pela sua administração “A..., Lda.”, sociedade com sede no ..., Rua ..., n.º ..., fração ..., Vila Nova de Gaia, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Dto., ..., Loulé, pedindo a condenação do Réu a:

A. Proceder à retirada dos placards publicitários colocados na fachada do Edifício ..., ....

B. Proceder à eliminação dos defeitos denunciados causados pela colocação de tais placards na fachada do edifício assegurando a impermeabilização do edifício.

C. Proceder à eliminação dos defeitos denunciados causados pela colocação do totem na zona de logradouro do edifício assegurando a impermeabilização das garagens da subcave.

D. Alternativamente, deverá o Réu pagar-lhe uma indemnização para efetuar a reparação/eliminação dos defeitos descritos nos pontos anteriores, em montante que vier a ser apurado, mas nunca inferior a € 11.000,00 (onze mil euros).

E. Pagar uma indemnização pelos danos acusados de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

Alega, em síntese, ser o condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto.

Declara que a Assembleia de Condóminos dotou a sociedade sua administradora de poderes para constituir mandatário para a matéria dos presentes autos, conforme Ata da Assembleia de Condóminos junta.

Afirma, por outro lado, que o Réu é condómino, por ser titular da fração autónoma B no referido edifício.

Alega que o Réu, procedeu, sem autorização da assembleia de condóminos, à colocação de dois painéis publicitários relativos ao estabelecimento comercial “B...”, tendo colocado um na fachada do edifício e um outro na zona comum de logradouro/passeio.

Diz que tais intervenções foram efetuadas à revelia dos demais condóminos e violam a estética do edifício.

Defende que a colocação de qualquer reclame publicitário, totem, reclame luminoso ou qualquer outro meio de publicidade teria que ser devida e expressamente autorizados pela assembleia de condóminos e tal deliberação constar do teor da respetiva Ata.

Alega igualmente que a colocação do totem publicitário no local onde se encontra causou infiltrações nas garagens do edifício, que o condomínio teve de suportar.

Afirma que, na falta desta reparação, terá ele que proceder à reparação dos danos causados, o que implica a montagem de andaimes para a reparação da fachada e os materiais de revestimento necessários, bem como a reparação do piso e colocação da tela que foi perfurada com a colocação e fixação do Totem ao solo, sendo o valor estimado para esta intervenção de 11.000€ (onze mil euros), a que acresce a indemnização pelos danos causados aos condóminos e ao condomínio, a fixar de acordo com a livre convicção do tribunal, num valor nunca inferior a 2500€ (dois mil e quinhentos euros).

Alega finalmente ter notificado o Réu para proceder à remoção dos respetivos equipamentos publicitários, através de notificação enviada através da sua mandatária, cujo teor o Réu ignorou.

Advoga que a atuação do Réu constitui um claro abuso de direito, nos termos do art.º 334º do Código Civil[1], e consiste no exercício ilegítimo de um direito porquanto o titular excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito enquanto condómino ao impor aos restantes condóminos tais painéis.

O Réu veio contestar, excecionando que adquiriu a fração autónoma designada pela letra “B” em causa nestes autos em finais de 1997, sendo que era arrendatário da mesma desde 1995, usando o espaço para stand de automóveis.

Diz que tal fração autónoma havia sido ocupada anteriormente no mesmo ramo de atividade pela “C...” na década de 1970 e pela “D...”, a partir da década de 1980.

Alega que, na década de 1970, a “C...” colocou no local dois reclamos publicitários, sendo um na fachada do edifício e outro (totem) no espaço situado entre a loja e o passeio da rua, o que sucedeu com o conhecimento e consentimento de todos os condóminos do prédio em apreço.

Declara que as respetivas estruturas se encontram no mesmo local desde essa altura, apenas sendo alterada a publicidade aposta nos mesmo, feita às entidades que foram ocupando a loja, para o que basta desaparafusar a publicidade anterior e aparafusar a seguinte, não sendo realizada, para o efeito, qualquer operação na fachada do edifício onde se encontra um dos reclamos ou no murete existente no espaço situado em frente à loja onde se encontra o outro.

Defende que, há mais de 40 anos, que tais reclamos publicitários existem no local, com o conhecimento e consentimento dos condóminos e sem a oposição de quem quer que seja, sem prejudicar quem quer que seja nem a estética do edifício.

Mais defende que, independentemente do consentimento dado à colocação de tais reclamos pelos então proprietários das diversas frações autónomas, os condóminos do prédio em apreço, ao longo de mais de 20, 30 e 40 anos, permitiram que os mesmos se mantivessem onde estão, criandoa si e a quem o antecedeu na propriedade da indicada fração autónoma a convicção de que nada fariam no sentido de alterar essa situação.

Concretiza que os condóminos do prédio em questão reiteraram a sua autorização para a manutenção do reclamo publicitário existente na fachada do edifício através de deliberação tomada na assembleia de condóminos que decorreu no dia 29 de maio de 2019.

Advoga que, caso o Autor tivesse o direito de exigir a retirada dos referidos reclamos, sempre o exercício do mesmo, face às circunstâncias mencionadas supra, seria ilegítimo, por exceder os limites impostos pela boa fé e pelos fins económico e social desse direito.

Impugna a factualidade atinente a danos alegadamente causados com a sua atuação.

Remata pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, por não provada, com as legais consequências.

Proferiu-se despacho saneador e dispensou-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos Temas da Prova.

Realizou-se julgamento de acordo com o legal formalismo e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória: “Por todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência condeno o Réu, AA, a proceder à retirada dos placards publicitários colocados na fachada do edifício ..., ....

Absolvo o Réu do demais peticionado pelo Autor.

Custas por Autor e Réu na proporção de metade para cada.”

Inconformado com o julgado, o Réu apresentou o presente recurso, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES:

1. No caso dos autos não está em causa a realização de nenhuma obra que constitua uma inovação, já que essa suposta inovação, constituída pela estrutura metálica colocada na fachada do edifício que serve de suporte às placas publicitárias, existe há cerca de 40 anos no local (facto 16 dado como provado).

2. Daí que não seja aplicável ao caso dos autos, como se considerou na, aliás, douta sentença recorrida, o vertido no art. 1425º nº 1 CC nem seja necessária para o que está em causa nos presentes autos qualquer deliberação da assembleia geral aprovada por condóminos que representem dois terços do prédio.

3. O Recorrente apenas quer usar essa “inovação” efetuada há mais de 40 anos, isto é, usar as estruturas que, como foi dado como provado (ponto 12), se encontram “no mesmo local desde essa altura, tendo sido (apenas) alterada a publicidade aposta nos mesmo feita às entidades que foram ocupando a loja”.

4. Isto posto, nos termos do art. 1406º nº 1 CC, aplicável ex vi art. 1422º nº 1 CC, “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.

5. Ao colocar a publicidade ao estabelecimento instalado na sua fração autónoma na parte da fachada adstrita à mesma, o Recorrente limita-se a fazer um uso lícito de uma zona comum, uso esse com o qual não priva nenhum dos demais condóminos do uso que igualmente têm direito a fazer da mesma zona comum, tanto assim que “existem reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem” (facto 17 dado como provado).

6. Daí que, mesmo sem qualquer deliberação da assembleia de condóminos, o Recorrente tivesse direito a usar, como vem usando, a zona comum em apreço para a colocação dos placards publicitários em questão.

7. Mas, acresce, essa deliberação existe, pois na assembleia de condóminos realizada em 29.5.2019 - única em que se debateu o tema – foi deliberada por maioria dos votos “a permanência da pala publicitária “E...” na fachada principal do edifício ..., ...” (facto 19 dado como provado), sendo que E... e B... (nome que consta dos painéis publicitários existentes no local – facto 4 dado como provado) são a mesma entidade (facto 10 dado como provado).

8. Tal deliberação, a que respeita a ata junta com a contestação, apenas carecia da maioria dos votos – art. 1432º nº 4 e 1429º-A CC.

9. Sem prescindir, atendendo a que, “em data que em concreto não foi possível apurar das décadas de 70/80 foram colocados no local dois reclamos publicitários, sendo um na fachada do edifício e outro (totem) no espaço situado entre a loja e o passeio da rua” (facto 11 dado como provado), “as estruturas encontram-se no mesmo local desde essa altura, tendo sido alterada a publicidade aposta nos mesmo feita às entidades que foram ocupando a loja” (facto 12 dado como provado), “há cerca de 40 anos existem reclamos publicitários no local” (facto 16 dado como provado) e a que “existem reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem” (facto 17 dado como provado), afigura-se que, caso o Recorrido tivesse o direito a ver removidas as placas publicitárias em apreço, sem que seja dado como provado qualquer circunstância que justificasse a alteração da situação existente, sempre o exercício desse direito seria, nos termos do art. 334º CC, ilegítimo por exceder os limites impostos pela boa fé e pelos fins económico e social desse direito.

10. Entendendo diferentemente, a, aliás, douta sentença recorrida fez errada aplicação do vertido no art. 1425º nº 1 CC e violou o disposto nos arts. 1422º nº 1, 1406º nº 1, 1429º-A, 1432º nº 4 e 334º CC pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são sequencialmente as seguintes:

· Possibilidade de utilização pelo Réu de zonas comuns do prédio através de placards publicitários pré-existentes e

· Em caso de improcedência deste fundamento de recurso, apreciação da invocada atuação em situação de abuso de direito por parte do Autor.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida:

Factos Provados:

1) O Autor é o condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ..., da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana, com a propriedade horizontal registada sob a AP. ... de 1970/06/25.

2) Na assembleia de condóminos realizada em 08/06/2017 - Ata n.º ... – foi deliberado: “Quinto ponto da ordem de trabalhos: Foi colocado à revelia de aprovação dos condóminos um placar luminoso publicitário no Páteo comum exterior ao edifício. Como o mesmo não foi aprovado foi levado à consideração dos condóminos se autorizavam mante-lo, ou se exigiam que o mesmo fosse retirado pelo proprietário da fração B, caso não o efetuasse deverá a administração acionar os meios legais para o efeito. Levada a votação foi a remoção do placar aprovada e imposição legal caso necessária, pela maioria dos presentes, tendo apenas se abstido os proprietários das frações B, C e D.”

3) O Réu é condómino por ser titular da fração autónoma B no referido edifício, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ......, da freguesia ....

4) Mostram-se colocados dois painéis publicitários relativos ao estabelecimento comercial “B...” – instalado na fração B - um na fachada do edifício e um outro na zona comum de logradouro.

5) Na assembleia de condóminos realizada no dia 09/02/2017 – Ata n.º ... – foi deliberado que “5. Intenção do locatário da Fração B, em colocar um totem com publicidade: O locatário da Fração B, empresa E... — SA, representada pelo Sr. BB, solicitou aprovação para a colocação de um totem com publicidade, no local onde anteriormente existia, em anexo o projeto apresentado. A decisão será tomada na próxima assembleia.”

6) O Autor condomínio notificou o Réu para proceder à remoção dos respetivos equipamentos publicitários, através de notificação enviada através da sua Mandatária, datada de 04/12/2020 e da qual consta: “Incumbe-me a administração do CONDOMÍNIO ..., Porto, NIPC ..., representado pela A... Lda. devidamente mandatados pela assembleia de condóminos, de efetuar notificação a V.s Exas para a remoção voluntária do placar luminoso instalado no pátio comum exterior do edifício. O referido placar foi colocado sem autorização ou deliberação da assembleia de condóminos e da administração, sendo tal intervenção efetuada à revelia e violadora da estética do edifício, constituindo violação grave das normas da propriedade horizontal e do regulamento de condomínio em vigor, estando V.s. Exas sujeitos às penalizações aí previstas, podendo ainda ser responsabilizados civil e criminalmente, com obrigação de indemnização ao condomínio pelos danos causados. Como certamente bem saberão a instalação do referido equipamento teria que, obrigatoriamente, ter sido solicitada em AG de condóminos e não tendo sido, conforme deliberação dos condóminos na ata ..., são atribuídas competências à administração para, em representação destes, exigir a reposição da legalidade na medida em que ao proprietário de um imóvel é reconhecido o direito a que todos respeitem a integridade do seu prédio, pelo que quem o prejudicar fica responsável pela reposição dessa integridade e pela indemnização dos danos causados nos termos previstos no CC. (…)”.

7) As estruturas metálicas publicitárias estão colocadas em zonas comuns do prédio Autor.

8) O Réu adquiriu a fração autónoma designada pela letra “B” (que é uma loja) em finais de 1997, sendo que era arrendatário da mesma desde 1995, usando o espaço para stand de automóveis.

9) Tal fração autónoma havia sido ocupada anteriormente no mesmo ramo de atividade pela C... na década de 1970 e pela D... a partir da década de 1980.

10) Na década de 2000 a mesma foi ocupada por F... Lda. e pela G..., de 2010 pela H..., em 2014 pela I... e desde 2016 pela E.../B....

11) Em data que em concreto não foi possível apurar das décadas de 70/80 foram colocados no local dois reclamos publicitários, sendo um na fachada do edifício e outro (totem) no espaço situado entre a loja e o passeio da rua.

12) As estruturas encontram-se no mesmo local desde essa altura, tendo sido alterada a publicidade aposta nos mesmo feita às entidades que foram ocupando a loja.

13) O espaço em frente à loja – fração B - onde se encontra o totem serve de cobertura à garagem.

14) É através desse espaço que se realiza o acesso da rua à fração B.

15) Num período que em concreto não possível apurar, foi colocado no local uma grade - com aloquete e floreiras, impedindo que terceiros obstruíssem o acesso à loja e a vista da sua montra.

16)  Há cerca de 40 anos existem reclamos publicitários no local.

17) Existem reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem.

18) Na assembleia de condóminos que decorreu no dia 29/05/2019 – ata n.º ... – Consta “Ponto n.º 3: Tomada de decisão por parte dos condóminos quanto à permanência da PALA publicitária “E...” com planta de 8,35 x 1,52 m2 e altura de 1,00 m) na fachada principal do edifício para efeitos de legalização junto da Câmara Municipal ...; Estiveram presentes ou fizeram-se representar os Condóminos proprietários das frações: B, C, H, K, N, P, Q, e R que representam trezentos e oitenta por mil do capital investido, cuja lista de presenças é parte integrante desta ata em (anexo no l).

19) Na assembleia referida em 18. foi deliberado: “3º Ponto da ordem de trabalhos: Neste ponto o representante da “E...”, Sr. Eng. CC, tomou a palavra em representação do proprietário da fração B com o intuito de legalizar a pala publicitária existente na fachada principal do edifício, explicando que a empresa “E...” foi notificada pela Câmara ... a fim de regularizar a situação. Antes de passar à votação, os presentes aproveitaram para dar conta de algumas faltas de civismo inerentes à atividade da empresa “E...”, como o arremesso de beatas para o chão, estacionamento abusivo por parte de clientes da referida empresa entre outros. O Eng. CC prontificou-se de imediato a dar conta da ocorrência ao proprietário da fração para as devidas medidas corretivas. Posto isto, foi levada a votação a permanência da pala publicitária “E...” na fachada principal do edifício ..., ..., sendo a mesma aprovada por maioria de votos, votando contra as frações K e H (100 votos), votando a favor as restantes frações.

Factos não provados:

a) O Réu causou danos na fachada do prédio.

b) A colocação do totem publicitário causou infiltrações nas garagens do edifício, que o condomínio teve de suportar e indemnizar o respetivo proprietário do parque estacionamento existente na subcave onde foi colocado o painel publicitário.

c) A reparação dos danos causados implica a montagem de andaimes para a reparação da fachada e os materiais de revestimento necessários, bem como a reparação do piso e colocação da tela que foi perfurada com a colocação e fixação do Totem ao solo, sendo o valor estimado para esta intervenção de 11.000€ (onze mil euros).

d) O referido em 11) ocorreu com o consentimento de todos os condóminos do prédio.

e) Para alteração da publicidade referida em 12) não foi realizada qualquer operação na fachada do edifício onde se encontra um dos reclamos ou no murete existente no espaço situado em frente à loja onde se encontra o outro.

f) O espaço em frente à loja – fração B – sempre foi de uso exclusivo da mesma.

g) Só o Réu tinha a chave do aloquete referido em 15).

h) O referido em 16) ocorre com consentimento dos condóminos e sem a oposição de quem quer que seja.


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IV – UTILIZAÇÃO PELO RÉU DE ZONAS COMUNS DO PRÉDIO ATRAVÉS DE PLACARDS PUBLICITÁRIOS PRÉ-EXISTENTES

A sentença recorrida entendeu que não resulta da factualidade provada nos autos que as obras efetuadas – afixação de publicidade – nas partes comuns tenham sido objeto de aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

Concretiza que a deliberação de 29 de maio de 2019 – ata n.º ... – não observa o quórum legal necessário.

Fez consignar que a mera permanência da publicidade afixada nas partes comuns, não atribui ao condómino o direito de a manter, não resultando nos autos os pressupostos para o invocado abuso de direito.

Decidiu pela procedência do primeiro pedido formulado pelo Autor, condenando o Réu a proceder à retirada dos placards publicitários colocados na fachada do edifício ..., ....

O Recorrente não se conforma com esta decisão, contrapondo que não está em causa a realização de nenhuma obra que constitua uma inovação, já que essa suposta inovação, constituída pela estrutura metálica colocada na fachada do edifício que serve de suporte às placas publicitárias, existe há cerca de 40 anos no local (facto 16 dado como provado). Daí que não seja aplicável ao caso dos autos o vertido no art.º 1425º nº 1 C Civil nem seja necessária para o que está em causa nos presentes autos qualquer deliberação da assembleia geral aprovada por condóminos que representem dois terços do prédio.

Defende que, ao colocar a publicidade ao estabelecimento instalado na sua fração autónoma na parte da fachada adstrita à mesma, se limita a fazer um uso lícito de uma zona comum.

Cumpre decidir.

A natureza jurídica da propriedade horizontal é muito controversa, mas não tem utilidade para a apreciação do presente recurso a análise das diversas teorias contrapostas a este respeito.

Em síntese, decorre das disposições legais especiais do Código Civil que estamos perante uma propriedade especial, em que coexistem, num mesmo edifício, propriedades privadas e individualizadas sobre cada uma das frações autónomas e uma compropriedade de certas partes do mesmo edifício, imperativamente definidas como partes comuns.

Estipula expressamente o art.º 1420.º do C Civil que cada condómino e proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

No entanto, e tal como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/17, tendo como Relator Tomé Gomes[3]: “Dada a relação funcional entre as partes comuns do prédio e as frações autónomas, bem como as específicas relações de vizinhança entre os condóminos, os direitos que recaem sobre umas e outras, embora reguladas, subsidiária e respetivamente, pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à administração, uso, fruição e disposição das partes comuns, bem como relativamente a limitações de uso e fruição das frações autónomas por parte dos respetivos condóminos.”

No caso dos autos, o Recorrente aceita pacificamente que os dois painéis publicitários estão colocados em zonas comuns, respetivamente a fachada do edifício e a zona comum de logradouro (cf. Art.º 1421.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do C Civil).

Veja-se, a título exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/10, tendo como Relator Paulo Sá[4] onde, num caso paralelo ao destes autos, se decidiu que “A colocação de anúncios luminosos na fachada do edifício constitui inovação nas partes comuns, entendida a fachada como parte da sua estrutura para efeitos da al. a), do n.º 1, do art.º 1412.º do CC.”

Está provado que estes painéis publicitários foram colocados em data não apurada das décadas de 70/80. Bem como que as estruturas se encontram no mesmo local desde essa altura, tendo sido alterada a publicidade aposta nos mesmo feita às entidades que foram ocupando a loja.

Ora, já resultava da redação inicial do C Civil que “As obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.” (cf. Art.º 1425.º).

Assim sendo, tratando-se de uma inovação, o condómino anterior que colocou os indicados painéis publicitários deveria ter suscitado junto da Assembleia de Condóminos a aprovação para tal colocação antes de iniciar a sua implantação (cf. Art.º 1430.º do C Civil).

Não tendo sido pedida tal aprovação prévia, o mero decurso do tempo não eliminou a ilegalidade de tais construções.

Tal como se refere na sentença recorrida, a mera permanência da publicidade afixada nas partes comuns, não atribui ao condómino o direito de a manter.

Tal situação ilegal somente poderia considerar-se sanada ou ineficaz por virtude da constituição de um qualquer direito real, o que não foi invocado nem existem factos provados nesse sentido, ou por virtude da invocação da prescrição, a qual não é de conhecimento oficioso (cf. Art.º 303.º do C Civil)[5].

Não assiste, portanto, razão ao Recorrente ao defender que, ao colocar a publicidade ao estabelecimento instalado na sua fração autónoma na parte da fachada adstrita à mesma, se limita a fazer um uso lícito de uma zona comum.

Por inerência, mantendo-se a situação de inovações sem autorização nas partes comuns, a disposição legal aplicável é, como se refere na sentença recorrida, a do art.º 1425.º, a qual – como já se referiu – exige uma aprovação da maioria dos condóminos, representativos de dois terços do valor total do prédio.

Concorda-se, pois, com a sentença recorrida ao afirmar que a deliberação de 29 de maio de 2019 – ata n.º ... – não observou o quórum legal necessário sendo, nessa medida, nula, por aplicação do disposto nos art.º 294.º e 1425.º, ambos do C Civil.

Bem como que, perante a existência de obras ilícitas não aprovadas, a sanção natural será, em princípio, a respetiva demolição (cf. Art.º 829.º do C Civil).

A conclusão é, pois, a da improcedência deste fundamento de recurso.


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V – ATUAÇÃO EM SITUAÇÃO DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO AUTOR

A sentença recorrida entende não resultarem nos autos os pressupostos para o invocado abuso de direito.

O Recorrente vem sustentar, de forma supletiva, que na assembleia de condóminos realizada em 29/05/2019 - única em que se debateu o tema – foi deliberada por maioria dos votos “a permanência da pala publicitária “E...” na fachada principal do edifício ..., ...” (facto 19 dado como provado), sendo que E... e B... (nome que consta dos painéis publicitários existentes no local – facto 4 dado como provado) são a mesma entidade (facto 10 dado como provado).

Na sequência do defendido no antecedente fundamento de recurso, entende que tal deliberação apenas carecia da maioria dos votos – art.º 1432º nº 4 e 1429º-A do C Civil.

Defende que, de qualquer modo, atendendo a que os ditos reclamos publicitários foram colocados no local nas décadas de 70/80, que há cerca de 40 anos existem reclamos publicitários no local, que existem reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem, sempre o exercício do direito seria, nos termos do art.º 334º C Civil, ilegítimo, por exceder os limites impostos pela boa fé e pelos fins económico e social desse direito.

Entendemos que assiste razão ao Recorrente quanto a este fundamento de recurso.

Reiteramos o que acima já ficou dito quanto à não validade da deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 29/05/19.

Contudo, afigura-se-nos que o instituto do abuso de direito deverá aplicar-se ao caso vertente pelas razões que passamos a expor.

Prescreve o art.º 334.º do Código Civil[6] que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

Quanto à noção de abuso de direito, deixa-se aqui, por incisiva e clara, a definição de Jorge Coutinho de Abreu[7]: "Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem."

Ou, usando uma expressão concisa de Cunha de Sá[8], diremos que o abuso de direito se traduz no dever de não abusar do direito próprio.

Especificamente quanto às subfiguras do venire contra factum proprium e da suppressio, e apelando aos ensinamentos de Menezes Cordeiro[9], a primeira identifica-se com o exercício de uma posição jurídica em contradição com um comportamento assumido anteriormente pelo exercente e a segunda com a situação do direito que, não tendo sido, em determinadas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não poderá mais sê-lo, por, de outra forma, se contrariar a boa fé.

O elemento de distinção entre estas duas sub-figuras próximas é precisamente a ausência de factum (conduta anterior) na supressio, sendo suficiente o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais seria exercido.

A construção pela doutrina desta figura jurídica teve por enfoque central proteger a legítima confiança dos terceiros e apenas reflexamente sancionar a inércia do titular do direito.

Citando, uma vez mais Menezes Cordeiro[10]: “A realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na rutura das expectativas de continuidade da autoapresentação praticada pela pessoa que, tendo criado, no espaço jurídico, uma imagem de não exercício, rompe, de súbito, o estado gerado.”

Em nosso entendimento, nos presentes autos estão cabalmente verificados os requisitos da supressio, a saber: um prolongado não exercício do direito e, por força deste, uma justificada situação de confiança criada no terceiro do não exercício do mesmo.

Assim, está provado que os painéis publicitários em análise foram colocados nas partes comuns do prédio em data não apurada das décadas de 70/80. Bem como que as estruturas se encontram no mesmo local desde essa altura, tendo sido alterada a publicidade aposta nos mesmo feita às entidades que foram ocupando a loja.

Mais está provado que o Autor condomínio apenas notificou o Réu para proceder à remoção dos respetivos equipamentos publicitários através de notificação datada de 04/12/2020.

Está ainda provado que existem outros reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem.

Analisando este conjunto de factos, diremos que a passagem de cerca de 40 anos é um período de tempo tão longo que, pela sua delonga, é, sem necessidade de mais factos complementares, suscetível de criar a convicção de que o direito não mais seria exercido.

Tenha-se em conta que o Código Civil (cf. Art.º 309.º) fixou como prazo ordinário de prescrição o de 20 anos, por entender dever tratar-se do prazo a partir do qual o devedor adquire a faculdade de recusar o cumprimento da prestação respetiva.

Deve, portanto, entender-se que o Autor condomínio, ao aguardar até 2020 para, pela primeira vez, pedir a retirada dos ditos painéis publicitários, violou a confiança que, com a passagem dos 40 anos anteriores, criou no Réu de que aceitava a existência dos mesmos nos locais das partes comuns onde foram implantados.

Acresce que a circunstância apurada de existiram outros reclamos na fachada do edifício, por cima da outra loja existente no prédio e por cima da entrada da garagem, confere acrescida consistência à tese de que o Réu adquiriu validamente convicção de que o condomínio não iria agir contra si no sentido de pedir a retirada dos “seus” reclamos publicitários.

A nossa conclusão é no sentido da aplicação ao caso vertente da subfigura do abuso do direito da supressio, por a atuação do Autor condomínio exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, para os fins previstos no art.º 334.º do C Civil.

Decidiu-se neste sentido, em casos paralelos ao destes autos, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2018, tendo como Relator Henrique Araújo[11] e onde se decidiu: “O abuso do direito – art.º 334.º do CC -, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quanto foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age como manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio.

Bem como no Acórdão desta Relação do Porto de 14/09/2023, tendo como Relator João Venade[12] onde se decidiu: “A construção de uma estrutura metálica em toda a estrutura de dois terraços que serve para o exercício da atividade de fisioterapia e reabilitação constitui uma inovação. (…) Atua em abuso de direito, na modalidade de supressio, o condomínio que não reage contra aquela construção durante 28 anos.”[13]

A nossa conclusão final é, assim, a de que o decurso do tempo de cerca de 40 anos foi suscetível, em termos de normalidade, por si só, de criar no Réu a confiança de que não seria mais exercido o direito subjectivo na titularidade do condomínio Autor.

Consequentemente, a conclusão final é a da procedência deste fundamento de recurso.

Esta procedência tem por consequência a neutralização do exercício do direito, impedindo o seu exercício, tal como decorre da estatuição do art.º 334.º do C Civil, determinando a revogação da sentença proferida.


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VI - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o presente recurso do Recorrente/Réu e, em consequência revoga-se a sentença recorrida e julga-se a presente ação totalmente improcedente, por falta de prova e por verificação de uma situação de abuso do direito, na sub-modalidade da supressio, com a consequência de paralisar o exercício do direito invocado pelo Autor Condomínio.


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Custas da ação e do presente recurso a cargo do Autor Condomínio e Recorrido - art.º 527.º do CP Civil.

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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 20 de fevereiro de 2024
Lina Baptista
Márcia Portela
Rodrigues Pires
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[1] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] Proferido no Processo n.º 2064/10.0TVLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[4] Proferido no Processo n.º 635/09.6YFLSB e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[5] A menos que tal decurso do tempo releve para efeitos da aplicação do instituto do abuso de direito, o que se analisará mais à frente.
[6] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[7] In Do abuso de Direito, Almedina, 1999, pág. 43.
[8] In Abuso do Direito, 1997, p. 640.
[9] In Da Boa Fé n Direito Civil, 1984, Almedina, pág. 742 e ss.
[10] In ob. cit., pág. 813.
[11] Proferido no Processo n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 e disponível em www.dgsi. na data do presente Acórdão.
[12] Proferido no Processo n.º 916/21.2T8MAI.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[13] Veja-se, ainda no mesmo sentido, o Acórdão desta Relação do Porto de 17/04/23, tendo como Relatora Teresa Fonseca, proferido no Processo n.º 133/18.7T8OBR.P1 e em sentido contrário os Acórdãos igualmente desta Relação do Porto de 01/06/23, tendo como Relatora Isabel Ferreira, proferido no Processo n.º 2653/20.4T8PRD.P1 e de 07/06/21, tendo como Relator Manuel Domingos Fernandes, proferido no Processo n.º 3106/20.6T8PRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.