NULIDADES DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO
Sumário

I – A decisão jurisdicional, em regra, só pode ser modificada por via de recurso, quando admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade.
II – As nulidades mencionadas nas alíneas 615.º, n.º 1, als. b) a e), do CPCivil, só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a decisão se esta não admitir recurso ordinário; no caso de a decisão admitir recurso ordinário, as ditas nulidades apenas por via de recurso poderão ser suscitadas (cf. n.º 4 do cit. artigo).

Texto Integral

PROCESSO N.º 4047/13.9YYPRT-C.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto - Juiz 5

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos: Maria Eiró

Alberto Taveira

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

Nos autos principais de execução comum 4047/13.9YYPRT, em que é Exequente CONDOMÍNIO ... e Executada A..., S. A., em 12.09.2023 o Exequente apresentou requerimento nos seguintes termos:

[Encontra-se nomeado nos presentes autos o(a) Sr.(a) Agente de Execução AA cédula profissional n.º ....

Entende, porém, a Exequente que o processo não está a ter o devido impulso processual pelo(a) Sr.(a) Agente de Execução, atenta a demora na prática dos actos, bem como na falta de resposta aos requerimentos encetados pela Exequente Àquele e ainda, da não transferência dos valores até aqui penhorados.

Termos em que, requer a V. Exa. se digne promover, nos termos e para os efeitos determinados pela alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, a substituição do Sr.(a) Agente de Execução nomeado(a) pelo Sr. Agente de Execução BB, com a Cédula Profissional n.º ... e domicílio profissional sito na Rua ... ... Felgueiras.]

2.

Sobre aquele requerimento, em 17.10.2023, incidiu o seguinte despacho:

[Face à vontade manifestada pelo exequente, admite-se a substituição do Senhor AE AA pelo Senhor AE BB, indicado pelo exequente.

Notifique e demais DN.


***

Esclarece-se que, dada a pendência de embargos de executado relativamente ao 2º requerimento executivo, cumulado a 31.03.2020, não podem, quanto a esse pedido executivo, ser feitos pagamentos ao exequente se este não prestar caução - cfr. artigo 733º, n. 4 do Código de Processo Civil.

Podem contudo ser feitos pagamentos ao exequente relativamente ao primeiro requerimento executivo, cujos embargos de executado foram julgados improcedentes, por sentença transitada em julgado - cfr. Apenso A.

Notifique, incluindo os Senhores AE.]

3.

Na sequência da notificação daquele despacho, em 30.10.2023 a Executada apresentou requerimento nos seguintes termos:

[1. O douto despacho proferido em 17/10023 permitiu pagamentos pelo agente de execução relativamente ao primeiro requerimento executivo cujos embargos foram julgados improcedentes, como resulta do próprio despacho.

2. Parece-nos porém que enquanto não for proferido acórdão pela Relação do Porto sobre o segundo requerimento executivo, nada obsta que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a existência de abuso de direito, da falsidade das atas dadas à execução, da inexistência de título executivo, da prescrição ou do impedimento do direito à informação pelo condómino, do pagamento indevido de encargos de garagens ou lugares de garagem (que não tem, não usa e não frui), do pagamento indevido de outra despesas que discriminou no recurso, entre outras questões que alegou e concluiu no recurso, e que além de afetarem o segundo requerimento executivo sejam suscetíveis também de alterar os efeitos da primeira execução.

3. Questões que se consideram relevantes para a discussão da causa de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.

4. Como a Executada alegou nesse recurso, o administrador do condomínio negou à Executada o direito à informação de forma consecutiva desde o ano de 2003 até ao passado mês de Março de 2022.

5. Altura em que a Executada passou a estar em condições de facto de analisar e impugnar os documentos de prestação de contas das despesas de condomínio e os orçamentos anuais.

6. Antes desse momento, a Executada nunca foi esclarecida pelo administrador para poder votar nas assembleias de condóminos porque aquele nunca lhe facultou acesso para consultar os documentos contabilísticos e fiscais do condomínio.

7. O que impediu a Executada de exercer adequadamente o seu direito de impugnação das deliberações aprovadas nas assembleias.

8. Posteriormente, e já na posse dos documentos que lhe permitiram analisar os documentos de prestação de contas e os orçamentos em causa nos autos, o Executado pagou os valores do condomínio das frações V e X de que é proprietário no prédio, não apenas dos anos em causa na execução como também todos os encargos que de acordo com a lei (v. g., o disposto no artigo 1424º do CC quanto a encargos de conservação e fruição) deveria ter pago até 31/12/2023.

9. Pelo que, até prova em contrário e de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera que nada mais deve ao condomínio de acordo com a lei até à prolação de sentença que transitar em julgado nos autos.

10. Por qualquer outra quantia de encargos que a Executada seja condenado a pagar ao condomínio não deixará de exercer os direitos até que com Justiça venha ser resolvido o problema e ressarcido de todos os prejuízos e dos vexames que tem vindo a sofrer com esta situação.

Pelo que,

11. Por razões de prudência das decisões, encontrando-se em sede de recurso a apreciação do decidido quanto ao segundo requerimento executivo no qual a Executada colocou diversas questões de direito à apreciação da Relação do Porto, parece-nos prematuro que o Exequente haja de receber qualquer quantia em litígio, tanto do primeiro requerimento como do segundo requerimento executivo, salvo se vier prestar caução em ambos os casos.

Nestas circunstâncias, requer a V. Exa seja a presente reclamação recebida e julgada procedente, e em consequência se obstem a quaisquer pagamentos a efetuar pelo agente de execução ao Exequente enquanto não transitar em julgado decisão final nos presentes autos.]

4.

Sobre aquele requerimento, em 21.11.2023 incidiu o seguinte despacho:

[O poder jurisdicional do juiz relativamente à matéria abrangida pelo despacho de 17.10.2023 encontra-se esgotado nos termos do disposto do artigo 613º do Código de Processo Civil, pelo que nada mais temos a decidir a esse respeito.

Notifique.]

5.

Em 11.12.2023, a Executada, manifestando-se inconformada com aquele despacho de 21.11.2023, declarou interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, para o que apresentou alegações e conclusões, solicitando ainda a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

6.

Os autos chegam a este Tribunal da Relação no seguimento do despacho do Exmo. Juiz de Direito, que admitiu o recurso nos seguintes termos:

[Recurso de 11.12.2023: Por legal e tempestivo, admito o recurso, que é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr. arts. 852º, 853º, nº 1, 644º, nº 2, al. g) e h), 645º, nº 2e 647º, nº 1, todos do C.P.Civil).

Indefere-se a atribuição de efeito suspensivo ao recurso uma vez que a caução prevista no artigo 647º, n.º 4º do Código de Processo Civil não pode ser substituída nos termos requeridos – no mesmo sentido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.12.2023, disponível em www.dgsi.pt, que decidiu que “só pode ser prestada caução, por algum dos meios previstos no art.º 623º nº1 do CC – não sendo idóneo como caução o arresto de contas bancárias da ré efetuado nos autos apensos.”


*

Crie traslado com os atos processuais descritos pelo recorrente.

*

Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.]

7.

O recurso assenta nas seguintes CONCLUSÕES:

1.ª - Vem o presente recurso do douto despacho proferido em 21/11/2023, com o qual não se conforma o Recorrente, do seguinte teor:

“Requerimento da executada de 30.10.2023:

O poder jurisdicional do juiz relativamente à matéria abrangida pelo despacho de 17/10/2023 encontra-se esgotado nos termos do disposto no artigo 613º do Código de Processo Civil, pelo que nada mais temos a decidir.

Notifique.”

2.ª - O Exequente apresentou nos autos em 04/09/2023 os requerimentos com as referências 46404779 e 46481506 pelos quais solicitou que lhe fossem efetuados os pagamentos dos valores que já se encontravam penhorados à ordem dos autos.

3.ª - Por requerimento de 18/09/2023 o Executado opôs-se a tal pretensão e invocou o seguinte:

“1. Veio o Requerente por requerimento de 04-09-2023 requerer ao agente de execução nomeado nos autos, Dr. AA, a “transferência dos valores que já se encontravam penhorados à ordem dos presentes autos”.

2. E uma semana depois por requerimento de 12-09-2023 veio pedir a substituição do agente de execução e indicou o agente de execução BB, Cédula ....

3. Quanto ao pedido de entrega dos valores penhorados à ordem dos autos lembra-se que ainda não foi proferido acórdão pela Relação do Porto sobre o recurso deduzido pela Embargante no apenso B (embargos de executado).

4. Pelo que, não subsiste decisão com trânsito em julgado que permita com segurança a entrega dos valores penhorados ao Exequente.

5. Prudente será que o agente de execução, sob a alçada disciplinar da Câmara dos Solicitadores e Agentes de Execução, não proceda à entrega dos valores penhorados à ordem dos autos enquanto não transitar em julgado decisão sobre o apenso B.

6. Por isso, contrariamente à vontade do Exequente, não deve ser ordenada nesta altura a entrega dos valores penhorados à ordem dos autos.”

4.ª - Por douto despacho proferido em 17/10/2023, o tribunal indeferiu os pagamentos relacionados com o Apenso B, mas deferiu os pagamentos quanto ao Apenso A, do seguinte teor na parte que interessa ao recurso:

“Esclarece-se que, dada a pendência dos embargos de executado relativamente ao 2º requerimento executivo, cumulado a 31.03.2020, não podem, quanto a esse pedido executivo, ser feitos pagamentos ao exequente s este não prestar caução – cfr. artigo 733º nº 3 do Código de Processo Civil.

Podem contudo ser efetuados pagamentos ao exequente relativamente ao primeiro requerimento executivo, cujos embargos de executado foram julgados improcedentes, por sentença transitada em julgado – cfr. Apenso A.

Notifique, incluindo os Senhores AE.”

5.ª - Em 30/10/2023 o Executado reclamou deste douto despacho com o seguinte teor:

“1. O douto despacho proferido em 17/10023 permitiu pagamentos pelo agente execução relativamente ao primeiro requerimento executivo cujos embargos foram julgados improcedentes, como resulta do próprio despacho.

2. Parece-nos porém que enquanto não for proferido acórdão pela Relação do Porto sobre o segundo requerimento executivo, nada obsta que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a existência de abuso de direito, da falsidade das atas dadas à execução, da inexistência de título executivo, da prescrição ou do impedimento do direito à informação pelo condómino, do pagamento indevido de encargos de garagens ou lugares de garagem (que não tem, não usa e não frui), do pagamento indevido de outra despesas que discriminou no recurso, entre outras questões que alegou e concluiu no recurso, e que além de afetarem o segundo requerimento executivo sejam suscetíveis também de alterar os efeitos da primeira execução.

3. Questões que se consideram relevantes para a discussão da causa de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.

4. Como a Executada alegou nesse recurso, o administrador do condomínio negou à Executada o direito à informação de forma consecutiva desde o ano de 2003 até ao passado mês de Março de 2022.

5. Altura em que a Executada passou a estar em condições de facto de analisar e impugnar os documentos de prestação de contas das despesas de condomínio e os orçamentos anuais.

6. Antes desse momento, a Executada nunca foi esclarecida pelo administrador para poder votar nas assembleias de condóminos porque aquele nunca lhe facultou acesso para consultar os documentos contabilísticos e fiscais do condomínio.

7. O que impediu a Executada de exercer adequadamente o seu direito de impugnação das deliberações aprovadas nas assembleias.

8. Posteriormente, e já na posse dos documentos que lhe permitiram analisar os documentos de prestação de contas e os orçamentos em causa nos autos, o Executado pagou os valores do condomínio das frações V e X de que é proprietário no prédio, não apenas dos anos em causa na execução como também todos os encargos que de acordo com a lei (v. g., o disposto no artigo 1424º do CC quanto a encargos de conservação e fruição) deveria ter pago até 31/12/2023.

9. Pelo que, até prova em contrário e de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera que nada mais deve ao condomínio de acordo com a lei até à prolação de sentença que transitar em julgado nos autos.

10. Por qualquer outra quantia de encargos que a Executada seja condenado a pagar ao condomínio não deixará de exercer os direitos até que com Justiça venha ser resolvido o problema e ressarcido de todos os prejuízos e dos vexames que tem vindo a sofrer com esta situação.

Pelo que,

11. Por razões de prudência das decisões, encontrando-se em sede de recurso a apreciação do decidido quanto ao segundo requerimento executivo no qual a Executada colocou diversas questões de direito à apreciação da Relação do Porto, parece-nos prematuro que o Exequente haja de receber qualquer quantia em litígio, tanto do primeiro requerimento como do segundo requerimento executivo, salvo se vier prestar caução em ambos os casos.

Nestas circunstâncias, requer a V. Exa seja a presente reclamação recebida e julgada procedente, e em consequência se obstem a quaisquer pagamentos a efetuar pelo agente de execução ao Exequente enquanto não transitar em julgado decisão final nos presentes autos.”

6ª - Posteriormente, o tribunal proferiu em 21/11/2023 o douto despacho em mérito, acima transcrito, do qual vem o presente recurso.

7.ª - Por douto acórdão proferido em 13/10/2020 transitado em julgado foram julgados improcedentes os embargos deduzidos pelo Executado quanto ao Apenso A.

8.ª - Porém, o douto tribunal recorrido não poderia ter deferido o pagamento ou a transferência dos valores relacionados com o Apenso A.

9.ª - Enquanto não for proferido acórdão pela Relação do Porto sobre o segundo requerimento executivo cumulado, que se encontra em apreciação de recurso sobre a sentença que julgou os embargos improcedentes, nada obsta que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a existência de abuso de direito, da falsidade das atas dadas à execução, da inexistência de título executivo, da prescrição ou do impedimento do direito à informação pelo condómino, do pagamento indevido de encargos de garagens ou lugares de garagem (que não tem, não usa e não frui), do pagamento indevido de outra despesas (obras nos lugares de garagem, que o Executado não possui) que discriminou no recurso sobre os embargos de executado que tramitam no Apenso B, entre outras questões que alegou e concluiu nesse recurso.

10.ª - E que além de afetarem o segundo requerimento executivo cumulado sejam suscetíveis também de alterar os efeitos do primeiro requerimento executivo.

11.ª - O exequente nunca poderia ver satisfeito o seu crédito e respetivos juros de mora em qualquer momento dos autos mas apenas na fase adjetiva do pagamento, o que impõe que a presente ação executiva alcançasse a mesma através do percurso do caminho processual intermédio legalmente imposto, ou seja, que passasse as fases das citações e concurso de credores (artigos 786.º e seguintes do CPC), com a eventual dedução de oposição à execução e prestação de caução por parte da executada (artigos 728.º e seguintes do CPC) ou à penhora (artigos 784.º e seguintes do CPC) e hipotética apresentação de reclamações de créditos itulados por terceiros e reforçados com garantias reais de natureza legal ou voluntária.

12.ª - A ser assim, o exequente só poderia ser pago da dívida exequenda após terem-se esgotado as mencionadas fases de citação e concurso de credores, o que significa que, até esse momento, o saldo bancário penhorado, não pode ser movimentado, designadamente, com vista a satisfazer os insistentes pedidos do exequente de liquidação da dívida exequenda.

13.ª - Conforme ressalta do artigo 704.º nº 3 do CPC, o pagamento da quantia exequenda ao exequente, embora dificultado, é sempre possível mediante prestação de caução, nada indicando nos autos que o exequente, a ter sido dado o cumprimento desejado ao regime processual aplicável (citação e concurso de credores) e perante uma situação adjetiva semelhante à presente, quando confrontado concretamente com tal obrigação de prestação de caução, não optou por essa modalidade condicionada de pagamento.

14.ª - Por outro lado, o tribunal recorrido considera que esgotou o seu poder jurisdicional relativamente à matéria abrangida pelo douto despacho proferido em 17/10/2023 ao abrigo do disposto no artigo 613º nº 1 do CPC.

15.ª - No douto despacho proferido sobre a reclamação, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre as questões aduzidas na reclamação apresentada pelo Recorrente.

16.ª - A intangibilidade da decisão proferida é limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões

sobre que incidiu a decisão.

17.ª - Parece-nos, porém, que o tribunal recorrido teria apenas de analisar as questões suscitadas na reclamação que, por respeitarem aos elementos da causa, definidas em função das pretensões e causas de pedir aduzidas (o que está em causa é se os pagamentos ao exequente devem ou não ser feitos nesta altura do processo), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

18.ª - No entanto, em sede de recurso pode o recorrente arguir nulidades; nesse sentido, não poderia o julgador proferir o despacho que proferiu, sob pena de cometer a nulidade a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, mormente, quando o julgador deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, por omissão de pronúncia.

19.ª - Dispõe o art. 613º, nº 1 do CPC que, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo esta norma aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no nº 3 do art. 613º, e sendo aplicável ao processo executivo, de acordo com o princípio geral de aplicação subsidiária das disposições reguladoras do processo de declaração constante do art. 551º, nº 1.

20.ª - O princípio do esgotamento do poder jurisdicional justifica-se pela necessidade de evitar a insegurança e incerteza que adviriam da possibilidade de a decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, funcionando como um obstáculo ou travão à possibilidade de serem proferidas decisões discricionárias e arbitrárias.

21.ª - Da extinção do poder jurisdicional decorre a consequência irrecusável de que o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, Relator Henrique Antunes, in www.dgsi.pt).

22.ª - No caso concreto dos autos, parece-nos que o tribunal recorrido não apreciou, segundo as várias soluções plausíveis de direito, as razões ou fundamentos pelos quais o Recorrente manifestou oposição aos pagamentos ao exequente nesta fase do processo de execução.

23.ª - Dentro das questões pelos quais o Recorrente manifestou oposição aos fundamentos estão as invocadas no recurso do Apenso B, que é do conhecimento oficioso do tribunal recorrido, e constam do processo de execução,

24.ª - Nos presentes autos verificam-se dois requerimentos executivos, o primeiro apresentado inicialmente, e o segundo apresentado posteriormente em cumulação, e ambos neles foram submetidos à apreciação do tribunal.

25.ª - Nesta data, na Relação do Porto (3ªa secção) pende um recurso de apelação sobre a decisão proferida na primeira instância que julgou improcedentes os embargos, onde foram invocadas as questões de direito acima mencionadas, do qual se aguarda a prolação de douto acórdão.

26.ª - Apesar de se tratarem de situações distintas parece-nos que existem questões que, no caso de provimento do recurso, podem influir no doutamente decidido quanto ao Apenso A, nomeadamente, o abuso de direito, a falsidade das atas dadas à execução, a inexistência de título executivo, a prescrição, o impedimento do direito à informação pelo condómino, o pagamento indevido de encargos de garagens ou lugares de garagem (que não tem, não usa e não frui), o pagamento indevido de outra despesas (obras nos lugares de garagem, que o Executado não possui), entre outras questões.

27.ª - Todas estas questões foram abordadas e invocadas no recurso do Apenso B para que possam ser apreciadas pelo tribunal de recurso, tamanhas são as ilegalidades cometidas pelo administrador de condomínio e as injustiças que decorrem das decisões proferidas até aqui, que não estão a ver o que é de ver.

28.ª - Tratando-se de erro judiciário, em caso de procedência do recurso do Apenso B, os efeitos de tais erros podem ser extensivos e suscetíveis de correção quanto ao decidido no Apenso A, uma vez que estamos perante a mesma execução.

29.ª - Tanto nas decisões dos embargos instaurados no Apenso A como no Apenso B o tribunal de primeira instância enveredou pela solução de caso julgado, porém, no recurso do Apenso B o Recorrente justificou que, relativamente ao processo nº 17055/16.9T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto, Juiz 7, conforme a douta sentença nele proferida em 30/04/2018, e o acórdão que manteve o decidido, que a Embargada juntou à contestação dos embargos, aquele tribunal decidiu julgar procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, e em consequência absolveu os Réus da instância, o mesmo sucedendo com os outros processos invocados na douta sentença.

30.ª - No recurso do Apenso B o Recorrente justificou que, relativamente ao processo nº 17055/16.9T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto, Juiz 7, conforme a douta sentença nele proferida em 30/04/2018, e o acórdão que manteve o decidido, que a Embargada juntou à contestação dos embargos, aquele tribunal decidiu julgar procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, e em consequência absolveu os Réus da instância, o mesmo sucedendo nos outros processos invocados.

31.ª - Isto é, em todos os processos invocados nas doutas sentenças que julgaram improcedentes ambos os embargos, e que fundamentaram a decisão de caso julgado, os tribunais não apreciaram os méritos das causas, e os Réus foram absolvidos da instância, mas não foram absolvidos dos pedidos. E nestas circunstâncias não ocorre o julgado, por falta dos seus necessários pressupostos.

32.ª - Segundo o disposto no artigo 576º nº 2 do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal; nessa medida, o decidido no processo 17055/16.9T8PRT assim como nos outros processos invocados nas doutas sentenças recorridas, não constitui caso julgado para efeitos dos embargos deduzidos pelo Recorrente, pela simples razão de o tribunal não ter conhecido do mérito da causa.

33.ª - Outra questão que pode influenciar os presentes autos é o abuso de direito de conhecimento oficioso, consubstanciado no facto de a assembleia de condóminos ter sido realizada em segunda convocatória, em objetiva violação do disposto nos artigos 1432º, nº 4 e 334º do CC, verificando-se do próprio texto da ata sem número de 23/04/216 “A Assembleia reuniu-se em segunda convocatória, em virtude de à hora prevista para a primeira não haver quórum suficiente para deliberar sobre os assuntos constantes da mesma.”

34.ª - Situação que infringe o disposto no nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil, determinando o vício da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas - nesse sentido está o Acórdão proferido em 21/09/2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 6768/19.3T8LSB.L1.S1, disponível e consultável em www.dgsi.pt.

35.ª - Com esse fundamento, o Juízo Central Cível do Porto, Juiz 3, no processo nº 10397/22.6T8PRT por sentença proferida recentemente no dia 08/11/2023 determinou a anulação de todas as deliberações da assembleia de condóminos realizada no dia 07/04/2022, nomeadamente as contas do exercício dos anos de 2019, 2020 e 2021 e os orçamentos para os anos de 2020, 2021 e 2022, que se junta por ser superveniente até ao encerramento da discussão e ao abrigo do disposto no artigo 425º (doc. 1).

36.ª - A questão do abuso do direito, que é de conhecimento oficioso, consubstancia uma forma gravosa de má-fé e não está sujeita ao princípio da preclusão consagrado, quanto aos meios de defesa do réu, no art. 573º do CPC, visto caber nas exceções previstas no seu nº 2 – neste sentido o acórdão proferido em 12/07/2018 pelo STJ no processo nº 2069/14.1T8PRT.P1.S1, disponível e consultável em www.dgsi.pt.

37.ª - Quanto ao despacho recorrido, o tribunal de primeira instância cometeu erro, consubstanciado na nulidade cominada pela alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC porque deixou de pronunciar-se e conhecer sobre questões que deveria ter apreciado da reclamação apresentada pelo Executado.

38.ª - O Recorrente continua a lutar para que os tribunais proporcionem um processo justo e equitativo às partes, sem o prejuízo processual e económico de qualquer das partes, sob pena de violação do disposto no artigo 6º nº 1 do Anexo nº 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e do disposto no artigos 1º e 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

39.ª - Outra questão invocada no recurso do Apenso B foi a falta das formalidades ad probationem e ad substantiam das atas dadas à execução por não se encontrarem assinadas por todos os condóminos presentes, como delas se verifica, tratando-se de meros papeis que violam o disposto no artigo 1º, nº 1 e nº 2, e no artigo 6º nº 1 do DL nº 268/1994, de 25/10, e o disposto no artigo 220º e 294º do CC, e que deveriam ter sido rejeitadas para os efeitos judiciais.

40.ª - A ata constitui um requisito de eficácia e de validade dos atos da assembleia de condóminos, e corporiza relações jurídicas e/ou negócios entre os condóminos que são praticados oralmente; as atas que o Exequente juntou, são nulas por violarem o disposto nos artigos 220º e 294º do CC e o nº 1 do artigo 1º e o nº 1 do artigo 6º ambos do DL 268/1994, de 25 de Outubro, não reunindo os requisitos processuais para serem admitidas como títulos executivos.

41.ª - O Recorrente foi impedido desde o ano de 2003 consecutivamente até ao ano de 2020 do direito de informação, tendo sido impedido pelo Recorrido de consultar os documentos contabilísticos do condomínio e não pôde votar nas assembleias de condóminos devidamente informado durante cerca de 17 anos.

42.ª - O Recorrente foi impedido desde o ano de 2003 consecutivamente até ao ano de 2020 do direito de informação, tendo sido impedido pelo Recorrido de consultar os documentos contabilísticos do condomínio e não pôde votar nas assembleias de condóminos devidamente informado durante cerca de 17 anos.

43.ª - As matérias dos embargos instaurados nos Apensos A e B foram desconsideradas integralmente pelo tribunal recorrido sob o fundamento do caso julgado que, como se demonstrou no recurso do Apenso B, não se verifica tal exceção porque nunca nenhum tribunal apreciou ou se pronunciou sobre mérito da causa.

44.ª - O tribunal recorrido tinha conhecimento oficioso de todas estas situações na medida em que foram suscitadas também no recurso do Apenso B, que aguarda a prolação de douto despacho.

45.ª - Em caso de procedência de tal recurso, o que nele for decidido é suscetível de influenciar o já decidido quanto ao Apenso A, se se considerar a existência de erros judiciários (que não podem ser perpetuados e devem ser corrigidos), e foi nesse sentido e conclusão que o Recorrente se opôs ao pagamento ao exequente das quantias penhoradas nos autos nesta fase do processo de execução.

46.ª - Por conseguinte, o douto despacho recorrido cometeu a nulidade cominada pela alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, porquanto não se pronunciou sobre as questões aduzidas na reclamação que apresentou e que levou à prolação do douto despacho recorrido.


*

Terminou, pedindo a revogação da decisão recorrida, com a consequente revogação também do despacho de 17.10.2023, obstando-se a quaisquer pagamentos ao Exequente enquanto não transitar em julgado a decisão final a proferir no Apenso B.

II.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante (desnecessariamente prolixas, repetitivas e, em grande parte, desfasadas do cerne da questão essencial apreciada e decidida pela decisão objeto do recurso, importa que se diga), e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil)[1], o que nos cabe decidir nesta instância de recurso cinge-se em saber se a decisão recorrida, deveria apreciar e decidir o que a Apelante apelidou de “reclamação”, em vez de se abster de o fazer com base na norma do art. 613.º, nºs 1 e 3.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

A factualidade relevante para a decisão encontra expressão nos atos processuais de que demos sumariamente conta no relatório supra.

2.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

Ao invés do que fariam supor as quarenta e seis conclusões recursivas, a solução a dar ao problema jurídico que constitui objeto do recurso           apresenta-se-nos de meridiana simplicidade.

Começamos por lembrar o que é suposto ser conhecido por todos os profissionais do direito.

Do disposto no art. 613.º decorre que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, sem prejuízo de o juiz poder retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”, regime que também é aplicável aos despachos, tenham cunho material ou formal, ainda que, neste caso, possam sofrer as restrições que resultam do art. 620.º, n.º 2.

“Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”[2].

Daí que a decisão assumida pelo juiz, em regra, só possa ser modificada por via de recurso (cf. art. 627.º, n.º 1), quando admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade.

Com efeito, “[o]s recursos constituem o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria superior. Dos recursos distinguem-se outros instrumentos dirigidos ao próprio tribunal que proferiu a decisão, como acontece com a reclamação contra o despacho que identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova (art. 596.º, n.º 2) ou com a arguição de nulidades ou reforma da sentença, quando esta não admita recurso (art. 615.º, n.º 4). Distinguem-se ainda, em termos de tramitação, da reclamação contra o despacho de não admissão (art. 643.º) ou de retenção indevida de recurso (art. 641.º, n.º 6) que, embora dirigida também ao tribunal imediatamente superior, obedece a uma diversa tramitação que, em tempos, assumiu a designação de “recurso de queixa”[3].

2.2.

Volvendo ao caso dos autos, temos então que a Executada/Apelante, ante o despacho proferido em 17.10.2023, transcrito supra em I-2), em vez de interpor recurso, em face da discordância com o sentido do mesmo, optou por apresentar nos autos o que qualificou de “reclamação”, com o teor transcrito supra em I-3), pugnando a final pela modificação da dita decisão, em termos de se passar a negar o que fora autorizado pelo tribunal: “pagamentos ao exequente relativamente ao primeiro requerimento executivo, cujos embargos de executado foram julgados improcedentes, por sentença transitada em julgado - cfr. Apenso A”.

Ora, a dita “reclamação”, nos termos em que se mostra sustentada, de modo algum pode configurar meio processual adequado de impugnação da decisão tomada a 17.10.2023, o mesmo é dizer meio adequado a obter a modificação da dita decisão.

Veja-se que a “Reclamante” nem tão pouco argui expressa e especificadamente qualquer nulidade formal da decisão, com base em qualquer das situações previstas no art. 615.º, n.º 1, als. b) a e), sendo certo que tais nulidades, a existirem, apenas poderiam ser arguidas com o recurso da decisão, e nunca perante a 1.ª instância, porquanto a decisão é passível de recurso ordinário (cf. n.º 4 do cit. art. 615.º).

E é simplesmente por isso que a decisão objeto do recurso, correspondente ao despacho de 21.11.2023, incidente sobre a dita “reclamação”, de nenhuma censura é merecedora, porquanto não restam quaisquer dúvidas de que então o poder jurisdicional do juiz relativamente à matéria abrangida pelo despacho de 17.10.2023 já se encontrava exaurido, nos termos do disposto do artigo 613.º.

Resumindo para concluir: não tendo a Executada/Apelante recorrido em tempo da decisão de 17.10.2023, a modificação da mesma jamais poderia operar por via da dita “reclamação”.

É, pois, manifesta a improcedência do recurso.

2.3.

Tendo dado integralmente causa às custas do recurso, a Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar por inteiro (cf. arts. 527.º, nº 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais).

IV.

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, consequente, decidimos:
a) Manter a decisão recorrida; e
b) Condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso.


***
Porto, 20 de fevereiro de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
Alberto Taveira
_________________
[1] São deste Código todas as normas doravante citadas sem menção diversa.
[2] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2020, p. 760.
[3] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, p. 21.