AMNISTIA
PERDÃO DE PENA
FURTO
CÚMULO JURÍDICO
Sumário

I - Atento o disposto no artigo 4º da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, e vistos os crimes pelos quais o arguido foi condenado (furto e furto qualificado), nenhum dos mesmos se mostra amnistiado.
II - Face ao estabelecido no artigo 3º, nºs 1 e 4, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, e uma vez que o arguido foi condenado na pena única de 12 anos de prisão, está excluída, por força da aplicação dessa concreta pena (prisão superior a 8 anos), a concessão do perdão previsto na citada lei.

Texto Integral




Nos termos dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.ºs 1 alínea a) e 2 do CPP, profere-se a seguinte

DECISÃO SUMÁRIA


I. RELATÓRIO
1. Processado prévio à decisão recorrida
O presente recurso reporta-se ao Processo Comum Coletivo n.º 508/12.5PBTMR da Comarca de Santarém Juízo Central Criminal de Santarém - Juiz 2, no qual figura como arguido (A), e em que o Tribunal a quo proferiu despacho nos termos do qual decidiu não aplicar o perdão e/ou a amnistia (Lei 38-A/2023, de 02.08).
É esse processado prévio ao despacho recorrido que em seguida se sumaria, para melhor enquadrar a questão suscitada.

1.1. Decisão Cumulatória

Em 5.11.2024 foi proferido Acórdão cumulatório com o seguinte teor (transcrição parcial):

“(…) FACTOS PROVADOS
1) No âmbito dos presentes autos, por acórdão proferido em 18 de Outubro de 2016 e transitado em julgado em 2 de Julho de 2018, foi (A) condenado pela prática, entre o início Outubro de 2012 e o final de Dezembro de 2012, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.°, n.° 1, 204.°, n.° 2, alinea e) com referência ao disposto no artigo 202.°, alíneas d) e e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos dos artigos 203.°, n.° 1, 204.°, n.°2, alínea e) com referência ao disposto no artigo 202.°, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos dos artigos 203.°, n.° 1, 204.°, n.°2, alínea e) com referência ao disposto no artigo 202.°, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos dos artigos 203.°, n.° 1, 204.°, n.°2, alínea e) com referência ao disposto no artigo 202., alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; de um crime de furto simples, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.°, n.° 1, 204.°, n.° 2, alínea e), e n.° 4, com referência ao disposto no artigo 202.°, alínea e) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
(…)
4) Por sentença, proferida em 6 de Novembro de 2012 no âmbito do processo comum singular n.° 226/11.1PBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, e transitada em julgado, (A) foi condenado pela prática, em 8 de Julho de 2011, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 22.°, 23.° e 204.° do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
5) Por acórdão, proferido em 4 de Dezembro de 2013 no âmbito do processo comum colectivo n.° 835/12.1GBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, e transitada em julgado, (A) foi condenado pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.° e 204.°, n.° 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico englobando igualmente as penas aplicadas ao mesmo no processo identificado em 4), na pena única, de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
(…)
8) Por acórdão, proferido em 26 de Março de 2014 no âmbito do processo comum colectivo n.° 324/12.4PBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, (A) foi condenado pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.° e 204.°, n.° 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 3 (três) anos de prisão, respectivamente, e de um crime de furto simples, p. p. pelo artigo 203.° do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico englobando igualmente as penas aplicadas ao mesmo nos processos identificados em 4) e 5), de 11 (onze) anos de prisão, na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
(...) No caso sub judice estão em causa, as penas de prisão aplicadas ao arguido nos presentes autos e no âmbito dos processos com os n.°s 226/11.1PBTMR, a 15/12.1GBTMR e 324/ 12.4PBTMR, supra identificados.
(...) DISPOSITIVO
Tudo ponderado, decide o Tribunal:
a) Operar o cúmulo jurídico por conhecimento superveniente das penas que (A) foi condenado nos presentes autos e no processo comum singular n.° 226/11.1PBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar. no processo comum colectivo n.° 835/ 12.1GBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar. e no processo comum colectivo n.° 324/12.4PBTMR, que correu seus termos no extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar e, em consequência, condenar o mesmo na pena única de 12 (doze) anos de prisão; (…)”.

1.2. Requerimento apresentado pelo arguido
Em 26.9.2023 o arguido apresentou requerimento com o seguinte teor (transcrição parcial)
“(A) vem, ao abrigo do disposto nos artigos 3º e seguintes da Lei nº 38-A/2023, requerer a sua aplicação, (…)
1º Conforme consta de Acórdão cumulatório proferido em 5 de Novembro de 2019, o recluso foi condenado na pena única de 12 anos de prisão efetiva, cujo cumprimento foi iniciado a 22 de Junho de 2016.
(…) 9º A ser-lhe aplicada a referida Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, o recluso reintegraria o agregado familiar constituído pela mãe, irmão, sobrinho e cunhada, cujas declarações de consentimento se encontram em anexo, passando a residir numa moradia térrea arrendada, com energia elétrica regularizada e perfeitas condições de habitabilidade, localizada na Rua (…)
14º (…) por se encontrarem reunidos os requisitos para este efeito.
15º (…) resta pugnar pela aplicação ao requerente da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.(…)”.

2. Decisão recorrida
Na sequência do requerimento apresentado pelo arguido foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):

“Por decisão cumulatória já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 12 anos de prisão.
Atento o disposto no artigo 4º da Lei 38-A/2023, de 02.08 e os crimes pelos quais o arguido foi condenado (furto e furto qualificado), nenhum dos mesmos se mostra amnistiado.
Quanto ao perdão.
Estabelece o artigo 3º, nºs 1 e 4 da Lei 38-A/2023, de 02.08 que 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos. (…) 4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
Em face do exposto, uma vez que o arguido foi condenado em pena única superior a 8 anos de prisão, por força da pena concreta, está o mesmo excluído da aplicação de qualquer medida de perdão, termos em que se indefere ao requerido. (…)”.

3. Recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1ª - Por douto acórdão proferido no dia 18.10.2016 nos presentes autos foi aplicada ao requerente (em cúmulo jurídico) a pena única de 6 anos de prisão, e portanto, inferior aos 8 anos, conforme requisito previsto pelo disposto no artigo 3º/1 desta Lei nº 38-A/20223 de 2 de Agosto,
2ª - Por outro lado, no seu nº 4 é perdoado um ano de prisão a todas as penas de prisão em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única (nº 4 do artigo 3º).
pelo que se encontram reunidos todos os requisitos para que lhe seja aplicada esta Lei.
3ª - Violou o despacho sub-judice o disposto no art. 3º/1/4 da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, e bem assim o disposto no Artigo2.º da Constituição da República Portuguesa -Estado de direito democrático, que dispõe que:
“A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (… ).“.
4ª - Pelo que se pugna pela aplicabilidade do artigo 3º/4 da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, perdoando 1 ano de prisão à pena de prisão em que o corrente foi condenado.
NESTES TERMOS (…) DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO, QUE DEVERÁ SER SUBSTUÍDO POR NOVO DESPACHO QUE APLIQUE O PERDÃO DE ANO À PENA DE PRISÃO QUE FOI CONDENADO CONFORME PREVÊ A LEI Nº 38-a/2023 DE 2 DE AGOSTO, COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. O despacho recorrido não merece reparo, porquanto é absolutamente incontestável que, atenta a pena única concretamente aplicada a (A), de doze anos de prisão, este não pode, efectivamente, beneficiar do perdão da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto.
2. Na verdade, na ausência de verdadeira e própria motivação, é minha convicção que a pretensão do recorrente só poderá dever-se a manifesto lapso seu no exame das normas aplicáveis ou do teor do dispositivo do acórdão cumulatório de 5 de Novembro de 2019.
3. Da mera leitura concertada do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto e do trecho do dispositivo do acórdão cumulatório emerge, sem necessidade de quaisquer considerações, que (A) não pode beneficiar do perdão da pena, já que a sua aplicação está limitada às penas (únicas) até oito anos e o recorrente foi condenado numa pena única de doze anos de prisão.
4. O despacho recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade.
Termos em que, rejeitando liminarmente o recurso, por manifesta improcedência, ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea a) do CPPenal”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser rejeitado o recurso por manifesta improcedência.

2.4. Tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, cumprindo apreciar e decidir sumariamente o recurso interposto pelo arguido.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Na situação em apreciação suscita-se uma questão prévia, convocada pelo MP, consistente em saber se o recurso deve ser rejeitado por manifestamente improcedente.
O arguido (A) interpôs recurso do despacho de recusa da aplicação do perdão, previsto no artigo 3.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, à pena única de doze anos de prisão resultante do cúmulo jurídico de penas operado neste processo, que englobou a aqui aplicada (P. 508/12.5PBTMR-C.E1) e as impostas nos autos n.º 226/11.1PBRMR, n.º 835/12.1GBTMR e n.º 324/12.4PBTMR.
Tal recusa fundou-se na exclusão da concessão de tal medida de clemência pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 do mencionado diploma, atenta a medida concreta da pena única, doze anos, ser superior a oito anos de prisão.
O recorrente entende dever-lhe ser perdoado um ano à pena única de seis anos de prisão, convocando precisamente o artigo 3.º da Lei .º 38-A/2023, de 02-08.
O citado artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 estabelece que:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.(…)
4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única”.
O recorrente incorreu, todavia, em lapso, pois tendo sido proferido Acórdão Cumulatório transitado em julgado, naturalmente não foi considerado o cúmulo realizado no Acórdão inicialmente proferido neste processo 508/12.5PBTMR (pena única de seis anos de prisão), mas sim na Decisão Cumulatória referenciada em I., ponto 1.1. deste Acórdão (pena única de doze anos de prisão).
Da mera leitura concertada da norma transcrita e do trecho do dispositivo do Acórdão Cumulatório emerge, sem necessidade de qualquer ponderação, não poder (A) beneficiar do perdão da pena, pois a sua aplicação está limitada às penas (únicas) até oito anos e o recorrente foi condenado numa pena única de doze anos de prisão.
Daí, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a) do CPP, ser de rejeitar o recurso por manifesta improcedência, porquanto da ponderação superficial realizada por este Tribunal ad quem é de concluir estar aquele votado ao insucesso.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Decide-se rejeitar o recurso por manifesta improcedência.
2. Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC, nos termos constantes do n.º 3 do artigo 420.º do CPP.

Évora, 11 de março de 2024
Beatriz Marques Borges