OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
MILITAR DA GNR
ESPECIAL CENSURABILIDADE OU PERVERSIDADE
SEQUESTRO
Sumário

I - As qualificativas evidenciadas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 132º do Código Penal derivam da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrita com recurso a conceitos indeterminados, como sejam a especial censurabilidade ou perversidade do agente e, nessa medida, embora objetivamente se possa verificar algum ou alguns dos componentes ali enunciados, constituindo estes elementos da culpa, e não do tipo, os mesmos não funcionam automaticamente de forma a qualificar o facto.
II - Deste modo, ainda que a vítima seja uma militar da GNR, perante atuação de arguida em contexto de altercação familiar, em momento de tensão e confusão, estando esta algemada, não tendo sido usado qualquer instrumento, não se tendo apurado linearmente o modo como terá ocorrido um empurrão e não necessitando aquela de receber qualquer tratamento médico, parece não poder fazer operar a qualificativa inscrita na alínea l) do nº 2 do artigo 132º do CPenal, para a qual apela o artigo 145º, nºs 1, alínea a) e 2, do mesmo compêndio legal.
III - Na realidade, não exubera particular circunstancialismo, quer na ação externa - instrumento utilizado, tipo e número de lesões, dinâmica do evento -, quer na vertente relativa aos motivos e objetivos que presidiram à ação (factos psíquicos), que permita delucidar com robustez a existência de especial censurabilidade ou perversidade da aqui agente.
IV - O crime de sequestro visa salvaguardar a liberdade pessoal de movimentos, a possibilidade de mudança de lugar, a qual fica afetada quando e sempre que o agente imobiliza alguém, confinando-o irremediavelmente a um determinado espaço e não permitindo/possibilitando que dele saia ou se mude como lhe aprouver.
V - Desse modo, não parece configurar o dito quadro qualquer situação em que à vítima sobra sempre uma oportunidade de se movimentar, quando pelos seus próprios meios tem possibilidade de se mudar/ sair/deslocar do local onde se encontra, para outro e, bem assim, nos casos em que a vítima é privada da sua liberdade ambulatória durante um período de tempo que, do ponto de vista político-criminal, se revela insignificante.
VI - Sopesando, em quadro que as vítimas são militares da GNR, pessoas com especial e adequada preparação para gerir situações de tensão, estando a arguida algemada, logo manietada/limitada na possibilidade de afrontar irresistivelmente aqueles, em situação de espaço temporal diminuto e não havendo evidência da inexistência de outro tipo de escapatória para além de porta que fora fechada à chave, não se pode afirmar que as vítimas estavam fatal e definitivamente impedidos de se locomover.

Texto Integral




Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No processo nº 521/20.9GASSB Comarca de Setúbal – Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 2, foi deduzida acusação contra os arguidos,
(A), e,
(B), imputando-lhes,
ao primeiro, a prática em autoria material, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, ambos do CPenal e,
à segunda, a prática em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do CPenal e um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do mesmo diploma.
Na sequência do julgamento efetuado, foi proferida sentença em 9 de dezembro de 2022, decidindo:
a) Absolver o arguido (A) como autor material, da prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, ambos do Código Penal;
b) Condenar a arguida (B) pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal na pena de 90 de multa à taxa diária de 7,00 euros;
c) Condenar a arguida (B) pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros;
d) Condenar a arguida (B) na pena única de 190 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros o que perfaz o montante de 1.330,00 euros.

2. O Digno Mº Pº veio recorrer desta decisão, tendo sido proferido Acórdão em 9 de maio de 2023, por este Tribunal da Relação, por via do qual tendo-se considerado que os factos constantes da acusação e dados como assentes nos pontos 6, 7, 8, 11 e 12 seriam passíveis de integrar dois crimes de sequestro p. e p. pelos artigos 158º, nºs 1, 2, alínea f) e 132º, nº 2, alínea l) do CPenal, se determinou a devolução dos autos à 1ª Instância para que fosse dado cumprimento às exigências contidas no artigo 358º, nº 1 do CPPenal – comunicação à arguida da alteração e concessão de prazo para defesa -, o Mº Pº ponderasse a manutenção do uso da faculdade conferida pelo artigo 16º, nº 3 do CPPenal e, posteriormente fosse proferida decisão; não se tomar pronunciamento sobre os restantes pontos recursivos.

3. Sequentemente, veio o Tribunal de 1ª Instância, cumprindo o mecanismo inserto no artigo 358º, nº 1 do CPPenal, propalar nova sentença, onde decidiu:

- Absolver o arguido (A) como autor material, da prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, ambos do Código Penal;
- Condenar a arguida (B) pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do CPenal na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução por igual período de 1 (um) ano, ao abrigo do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal;
- Condenar a arguida (B) pela prática de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, em duas penas de 200 (duzentos) dias de multa, pelo cometimento de cada um dos crimes, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, e em cúmulo na pena única de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o montante de 2.100,00 (dois mil e cem) euros.
- Condenar a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UCs.
4. Inconformada com o decidido recorreu a arguida, para o que na sequência das suas motivações, concluiu: (transcrição)

I.A douta sentença recorrida condenou a ora recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e pela prática de dois crimes de sequestro;
2.Inconformada com a sentença proferida a quo, a recorrente veio interpor o devido recurso;
3.0s depoimentos dos Militares da GNR, ainda que estranhamente semelhantes em sede de Auto de Inquirição, em sede de Audiência de Julgamento divergem em aspectos cruciais para o apuramento da verdade material;
4. Os depoimentos prestados pelos Militares da GNR carecem de coerência entre si, sendo ainda de exaltar os lapsos de memória quanto a questões fulcrais para o apuramento da verdade material;
5. Não se encontra clara qual foi a informação receptada via rádio pelos Militares, se de denúncia de possível violência doméstica ou se de denúncia de ruída, sendo evidente que a extensão, gravidade e meios procedi mentais são francamente distintos consoante o conteúdo da denúncia;
6. Perante a audição de gritos e de um alegado pedido de ajuda, ainda que com uma porta entreaberta, os Militares da GNR decidiram de forma livre, consciente e deliberada ignorar essa mesma porta livremente acessível, preferindo desencachar e retirar uma janela;
7. Segundo o Militar (C), da janela viu o companheiro da recorrente a puxá-la pelos cabelos e por uma alça do vestido, arrastando o corpo pelo chão;
8. Já segundo o depoimento prestado pela Militar (D), o Militar (C) aquando da ida à janela verificou apenas que estava a haver uma discussão conjugal;
9. No que respeita ao momento da algemagem, em concordância com o depoimento do Militar (C), este envolveu um processo conturbado, tendo a recorrente que ter sido deitada e imobilizada no chão para o efeito;
10. A Militar (D), por meio dos seus depoimentos, deixa claro que não há certezas sobre o momento da algemagem da aqui recorrente, ora depondo de forma a corroborar a versão do Militar (C), ora esclarecendo que a recorrente só fora algemada aquando do momento de ser encaminhada para o posto da GNR;
l l . Atente-se que a recorrente vem imputada da prática de crimes por si perpetuados algemada, razão pela qual o momento da algemagem é crucial para o apuramento da efectiva verdade do caso controvertido;
12. Com efeito, não se consegue aferir de forma inequívoca que alguma vez a recorrente algemada no interior da sua habitação tenha empurrado a Militar (D), nem que com as mãos atrás elas costas tenha corrido até à porta principal e trancado a mesma.
13. Afigura-se inconcebível que depoimentos pautados por incongruências múltiplas possam servir para fundamentar uma condenação desrespeitando, por completo, a máxima jurídico-penal do in dublo pro reo;
14. Acresce que, mesmo que se pudessem dar por inequivocamente provados os acontecimentos supra alegados pelos Militares, o crime de ofensa à integridade física nunca poderia ser qualificado uma vez que o simples facto de ser alegadamente perpetrado contra uma agente da força de segurança não comporta uma verificação automática do carácter qualificado do ilícito;
15. Para que esta qualificação existisse, era necessário apurar uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da alegada ofendida ou à função que esta representa, o que não ficou provado na douta sentença recorrida;
16. Assim, não só se descarta a qualificação do crime de ofensa à integridade física de que a recorrente vem acusada, como não se encontra provada de forma indubitável a prática do mesmo;
17. Já no que respeita aos alegados crimes de sequestro, impera que se ressalve que para que este tipo legal se verifique é necessário que exista privação de toda a liberdade ambulatória do ofendido exaltando-se que, para que possa ter algum significado e relevância como elemento de crime, o sequestro não poderá ter uma duração tão diminuta que verdadeiramente não afecte a liberdade de locomoção;
18. Ora, mesmo que se atribua credibilidade aos depoimentos dos Militares, com base nestes, eles encontravam-se livres nos seus movimentos e munidos de armamento e meios para comunicar com o exterior, perante uma cidadã algemada;
19. Desta forma, mesmo que se tente credibilizar a narrativa dos depoentes, a verdade é que não é possível inferir que os mesmos estavam sequestrados, quanto mais na verdadeira acessão do conceito;
20. Ora, face às conclusões supra, perante a inobservância de certezas e provas coerentes e indubitáveis, deve a recorrente beneficiar necessária e causalmente da presunção de inocência constitucionalmente consagrada.
Razão pela qual,
Nestes termos e nos demais de Direito, deve:
a) A recorrente ser absolvida da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de dois crimes de sequestro, beneficiando do princípio do in dubio pro reo ou,
s) Se frustrada a absolvição da recorrente, proceder-se à alteração da qualificação jurídica do crime de ofensa à integridade física qualificada para ofensa à integridade física simples

5. O Digno Mº Pº, veio responder, extraindo-se da sua motivação, as seguintes conclusões: (transcrição)
Da impugnação da matéria de facto dada como provada/erro de julgamento:
1. A recorrente, nas suas conclusões de recurso, invoca uma incorreta apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, requerendo a “reapreciação das declarações” prestadas pelas testemunhas, bem como das declarações prestadas pela arguida.
2. Contudo, a mesma limita-se a fornecer a sua interpretação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, interpretação essa que estriba essencialmente na leitura dos autos de inquirição feitos em sede de inquérito.
3. Impõe o Artigo 412.º, n.º 3, do CPP que quando se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, por via do recurso amplo, o recorrente concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados e também as concretas provas que impõem decisão diversa ou as provas que devam ser renovadas.
4. O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.
5. A recorrente, para além de remeter a “fundamentação” da sua impugnação da matéria de facto para os Autos de Inquirição das testemunhas em sede de inquérito – os quais não podem ser tidos em consideração na sentença - não procedeu a qualquer especificação da concreta prova em que funda a sua impugnação, pois não transcreveu as concretas passagens, nem as indicou por referência ao consignado na acta.
6. Trata-se, a nosso ver, de uma omissão total, pelo que não poderá o recurso ser apreciado e, nessa medida, deve ser rejeitado nesta parte.
Da incorreta qualificação dos ilícitos;
7. O tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo Artigo 145.°, 143.° e 132.°, n.°2, al. l) do Código Penal, dispõe que, «Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.°».
8. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo legal dispõe que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias enumeradas nas diversas alíneas que compõem o n.º 2 do artigo 132°, entre aquelas, a alínea c), que se refere à pratica de facto contra pessoa particularmente indefesa em razão da idade ou deficiência.
9. A arguida agiu com o propósito concretizado de causar uma lesão física à vítima (D), agindo com dolo direto. Entendemos, pois, o tipo legal de crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo Artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal se encontra preenchido.
10. Contudo, no que à especial censurabilidade ou perversidade se exige, entendemos que tais circunstâncias não se encontram preenchidas. Veja-se que no momento da agressão a arguida encontrava-se algemada e nenhum facto foi dado como provado que demonstre estarem preenchidos tais requisitos – especial censurabilidade e perversidade.
11. Entendemos que a arguida deve ser absolvida do crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal e condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo Artigo 143.º, n.º 1, do Código
Penal.
12. Por sua vez, comete o crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 158º, n.º 1, do Código Penal quem “detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade”.
13. É certo que a conduta da arguida é censurável. Contudo entendemos que o tipo legal de crime de sequestro não se encontra preenchido.
14. Embora as vítimas tenham ficado fechadas em casa da arguida, não ficou demonstrado que estivessem impedidas de sair do local por outra forma. Veja-se que estamos a falar de dois militares da GNR face a duas pessoas, ambas algemadas e embriagadas, as quais, de acordo com as regras da experiência comum, seriam mais facilmente “subjugadas”, atento o treino próprio que os militares da GNR têm para fazer face a tais situações.
15. Dos factos dados como provados, resulta que os ofendidos ficaram fechados na casa durante alguns minutos. Ora, a privação da liberdade não teve duração suficiente para que se possa qualificar a actuação da arguida como integrante da prática do crime de sequestro, pelo que deve a mesma ser absolvida.
- Da violação do princípio in dúbio pro reo:
16. A violação do princípio in dubio pro reo, enquanto erro notório na apreciação da prova, deve resultar do texto da decisão recorrida, face às regras da experiência comum, não estando em causa uma dúvida meramente subjetiva, mas sim objetivamente percetível no contexto da decisão recorrida, de modo que seja racionalmente sindicável.
17. Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, apenas e só quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
18. Contudo, a simples existência de versões dispares e até contraditórias sobre factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo. Tal princípio só deve ser aplicado quando os elementos probatórios não foram suficientes para o julgador formar convicção num sentido ou noutro (cf. Acórdão da Relação do Porto de 24-03-2004 [in www.dgsi.pt]).
19. No caso vertente, não obstante o que supra se disse quanto à qualificação dos factos dados como provados, a decisão recorrida mostra-se convincente e motivada, tendo sido realizada a análise crítica dos diversos elementos de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento e o Tribunal a quo não manifestou a existência de qualquer dúvida razoável acerca dos factos provados e muito menos que perante alguma dúvida tenha escolhido a tese desfavorável ao arguido.
- Da nulidade da sentença:
20. Por Acórdão datado de 09.05.2023, proferido por este Tribunal da Relação, foi decidido conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:
“a) Considerar que os factos constantes da acusação e dados como assentes nos pontos 6, 7, 8, 11 e 12 são passíveis de integrar dois crimes de sequestro p. e p. pelos artigos 158º, nºs 1, 2, alínea f) e 132º, nº 2, alínea l) do CPenal;
b) Determinar a devolução dos autos à 1ª Instância para que se dê cumprimento às exigências contidas no artigo 358º, nº 1 do CPPenal – comunicação à arguida da alteração e concessão de prazo para defesa -, tendo-se como primordial premissa prévia que o Digno Mº Pº decida se pretende manter o uso da faculdade conferida pelo artigo 16º, nº 3 do CPPenal – proferindo-se após sequente decisão;
c) Não se tomar pronunciamento sobre os restantes pontos recursivos.”
21. Nessa sequência, no dia 20.09.2023, foi reaberta a audiência de discussão e julgamento, tendo sido comunicada às partes a alteração da qualificação jurídica dos factos. Aliás, no relatório da sentença sob dissídio, o tribunal a quo refere tal facto.
22. Aquando da realização da operação de subsunção dos factos ao direito e na ponderação da pena o tribunal a quo olvida tal alteração e conclui “A arguida cometeu, igualmente, dois crimes de sequestro p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, porquanto fechou a porta de sua casa, ficando na posse da respetiva chave, quando se encontravam no interior da mesma habitação os dois referidos guardas da guarda nacional republicada. (…) A prática do crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal é punível com pena de 10 a 360 dias ou de 1 mês a três anos de prisão.”
23. Nos termos do disposto no Artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
24. Por sua vez, tal como dispõe o Artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, a sentença é nula sempre que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Como nos ensina Albuquerque, Paulo Pinto, in Comentário ao CPP, “o tribunal de recurso só pode exercer o poder de suprir a nulidade nos casos em que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões de que não podia conhecer (…)” – pág. 958.
25. O Tribunal a quo, ainda que certamente por lapso, não curou de, nos passos lógico-dedutivos da elaboração da sentença, extrair a devida conclusão da alteração que fez e que lhe havia sido determinada pelo tribunal da relação. Como tal, salvo melhor opinião, entendemos que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, com as legais consequências,
V. Exªs, porém, e como sempre, farão Justiça.

6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, limitou-se a apor o seu visto[1], pelo que em observância ao que plasma o artigo 417º, nº 2 do mesmo diploma legal – primeira parte – nada se determinou.

II – Fundamentação

1. A decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pela arguida e os poderes de cognição deste tribunal, ressaltam como temas de discussão:
- impugnação da matéria de facto provada / erro de julgamento;
- errada qualificação / integração jurídica dos factos / vício da alínea b) do nº 2 do artigo 410º do CPPenal;
- aplicação do princípio in dubio pro reo;
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPPenal (invocação do Digno Mº Pº, em sede de resposta).

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

a-) Factos provados.
Com interesse para a decisão da causa está provado que:
1. No dia 07 de setembro de 2020, pelas 03.10 horas, a patrulha da GNR composta pelos militares (C) e (D), deslocaram-se à residência sita no Largo (…..), em Sesimbra, na sequência de chamada telefónica efetuada para o PT da GNR de Sesimbra, com a indicação de possível situação de violência doméstica;
2. Por suspeitarem que a integridade física e a vida da arguida (B) estariam em perigo, os militares da GNR entraram na residência, pela porta que se encontrava entreaberta, deparando-se com vários objetos partidos e sangue no chão;
3. Ali chegados, a arguida (B) dirigiu-se aos militares da GNR e disse “o que é que estão a fazer dentro da minha casa? Ninguém vos chamou aqui. Eu bato nele e ele bate em mim, mas nós gostamos, andamos à porrada, mas é normal, é consentido”;
4. Ambos os arguidos apresentavam vários hematomas, escoriações e sangue em várias partes do corpo, tendo ambos sido algemados por questões de segurança;
5. Após a algemagem, a arguida (B) solicitou permissão para deslocar-se à casa-de-banho, tendo sido acompanhada pela militar da GNR (D);
6. No percurso para a casa-de-banho, a arguida (B) empurrou a militar da GNR (D), logrando libertar-se e fechar a porta da residência à chave;
7. Após, dirigindo-se aos militares da GNR, a arguida (B) disse “agora daqui ninguém sai, agora ficamos aqui fechados”;
8. Permanecendo com a chave nas mãos e recusando-se a entregar a mesma aos militares da GNR que ficaram impossibilitados de sair, durante alguns minutos e até lograrem retirar as chaves à arguida (B), o que exigiu a utilização de força atenta a oposição da arguida;
9. Na sequência dos factos descritos em 6º, a ofendida (D), militar da GNR que se encontrava devidamente fardada e no exercício das suas funções, sentiu dores na região atingida não necessitando de receber tratamento médico;
10. Ao agir da forma descrita em 6º., a arguida pretendia, o que logrou alcançar, molestar o corpo da ofendida (D), militar da GNR, que se encontrava no exercício das suas funções, como a arguida bem sabia;
11. Ao agir da forma descrita em 6º, 7º e 8º, a arguida (B) pretendia, o que logrou alcançar, privar os militares da GNR de autonomia de movimentos e impedi-los de se ausentar voluntariamente do local;
12. Os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
13. A arguida é primária;
14. O arguido foi condenado Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Competência Genérica de Sesimbra, Juiz 2, em processo abreviado, sob o n.º 359/21.6gbssb, por sentença proferida em 2021/09/08, transitada em julgado em 2021/10/08, pela prática de 1 crimes(s) de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292º, nº 1, do c. penal, praticado no dia 2021/05/13, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00, que perfez o total de 300,00 euros e na pena acessória de cinco meses de proibição de conduzir veículos motorizados, extintas, respetivamente, 15.12.2021. e a 18.04.2022.;
15. Os arguidos vivem maritalmente;
16. São empresários da restauração, em dois snack bares;
17. Atualmente residem na Lagoa de Albufeira;
18. O arguido tem três filhos que moram com as respetivas mães, de 27, 17 e 4 anos de idade;
19. A arguida tem dois filhos, mas que não vivem com o casal de arguidos;
20. Os arguidos auferem cada um, pelo menos, 1.000,00 euros mensais;
21. Pagam de renda de casa 650,00 euros mensais.

*
b-) Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa não está provado que:
1. Ali chegados, os militares da GNR viram o arguido (A) no terraço da referida residência, semidespido, que, dirigindo-se aos militares da GNR, disse “filhos da puta, passem-se ao caralho, vão-se embora que ninguém os chamou aqui”;
2. Ao proferir tais expressões, o arguido (A) fê-lo na presença dos demais que ali se encontravam, com o propósito de ofender na sua honra, dignidade e consideração o militar da G.N.R., (C), que se encontrava no exercício das suas funções, como o arguido bem sabia.

2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição):

A convicção do Tribunal gizou-se na prova testemunhal advinda dos depoimentos dos militares da GNR, (C), e (D), que foram testemunhas presenciais e, como tal, credíveis; e por terem sido imparciais porquanto antes não conheciam os arguidos e atuaram simplesmente no exercício das suas funções profissionais.
As testemunhas confirmaram o teor dos factos relatados na acusação, não tendo havido contradição entre si no fundamental da factualidade descrita nessa peça processual.
As testemunhas afirmaram que foram vizinhos dos arguidos que chamaram a autoridade policial ao local devida ao excesso de barulho por gritos, advindo do andar onde os arguidos moravam, e por parecer que a mulher arguida estaria a sofrer agressões físicas desferidas pelo arguido.
Disseram, no essencial, que acorreram ao local por suposta violência doméstica e chegados ao prédio onde os arguidos moravam viram uma mulher, que mais tarde souberam que era a arguida, (B), estendia no chão do terraço com aspeto de inanimada e com sangue. Para socorrer a arguida que pensaram estar a ser vítima de violência doméstica ou agressões graves, pois estava como morta, entraram no apartamento cuja porta estava encostada. À porta da casa dos arguidos viram um saco cheio de garrafas vazias de bebidas alcoólicas e sangue. As testemunhas entraram no andar, tendo o arguido ficado surpreendido e deitado ao chão. A arguida levantou-se, encontrando-se com sangue no corpo e com escoriações (nomeadamente arranhada), o que surpreendeu as testemunhas, e disse dirigindo-se aos militares da GNR: “O que estão a fazer na minha casa. Ele bate em mim e eu bato nele. É consentido”. As testemunhas tentaram agarrar a arguida, para a imobilizar, por uma questão de segurança e em virtude de ter tentado agredir a militar da GNR, mas como a mesma continuou furiosa sobre os militares da guarda nacional republicana e a falar alto, e ainda dizendo, dirigindo-se ao arguido, seu companheiro: “És um banana do caralho. Fazes tudo o que eles dizem”, algemaram-na. Os arguidos estavam completamente embriagados, disseram as testemunhas, e na sala onde se encontravam haviam objetos partidos.
A dada altura a arguida pediu para ir à casa de banho, que se localizava no corredor do andar junto à porta de saída, tendo a testemunha (D) a conduzido ao WC. Quando já se encontrava no corredor e de costas para parte da porta de saída, desferiu um empurrão à guarda da GNR virou-se e, mesmo algemada e com as mãos atrás das suas costas, conseguiu, o que é possível de acordo com a experiência comum, fechar essa mesma porta, que ainda se encontrava encostada e com a chave, a qual a arguida logrou retirar da fechadura, assim, ficando as testemunhas fechadas na casa dos arguidos. A arguida tinha muito mais força do que a militar da GNR e efetivamente, constatou-se no julgamento, que a compleição física na arguida maior do que na guarda (D). Tanto que, com o empurrão que lhe foi desferido pela arguida, a militar da GNR sentiu dores como disse.
Os arguidos admitiram que beberam bebidas alcoólicas e que poderá ter havido excesso de barulho da sua parte, e a arguida confirmou que o que se passou entre ela e o arguido foi consentido.
Negaram os factos e não arrolaram testemunhas que tenham estado presentes nas circunstâncias de tempo e de lugar da ocorrência da factualidade que os incrimina.
Não existe prova por documentos, exceto o certificado de registo criminal dos arguidos.
Das declarações dos arguidos decorreram as suas condições pessoais e económicas.
No que respeita aos factos não provados o arguido negou ter injuriado os militares da GNR e as testemunhas presenciais não referiram esta factualidade.

2.3. Da matéria a decidir

Ante o recurso interposto e, bem assim da resposta trazida pelo Digno Mº Pº, suscitam-se diversas questões que importa abordar.
Num primeiro momento, e tendo em atenção o posicionamento do Digno Mº Pº e a necessidade de abordagem lógica e sequencial em termos recursivos, cabe analisar a alegada nulidade precavida na normação constante do artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPPenal[2] por, no seu dizer, ter operado omissão de pronúncia, pois o tribunal olvidou tomar posição relativamente ao cometimento pela arguida de dois crimes de sequestro, já que não curou de, nos passos lógico-dedutivos da elaboração da sentença, extrair a devida conclusão da alteração que fez e que lhe havia sido determinada pelo tribunal da relação.
Deste modo, ainda que resumidamente, importa ponderar esta linha seguida pelo Digno Mº Pº transposta na sua resposta, por vezes algo obscura e dispersa.
Mostrando-se claro que defende o Digno Mº Pº, no articulado apresentado, que os factos provados não integram os crimes de sequestro pelos quais a arguida foi condenada – entendemos que o tipo legal de crime de sequestro não se encontra preenchido (…) não ficou demonstrado que estivessem impedidas de sair do local por outra forma. Veja-se que estamos a falar de dois militares da GNR face a duas pessoas, ambas algemadas e embriagadas, as quais, de acordo com as regras da experiência comum, seriam mais facilmente “subjugadas”, atento o treino próprio que os militares da GNR têm para fazer face a tais situações – vem seguidamente fazer apelo ao disposto no artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para depois concluir pela verificação da dita mácula, evidenciando, ao que se pensa, alguma confusão conceptual.
Ora, tanto quanto se discorre, e considerando a normação em causa, retira-se que opera a falha em referência sempre que o tribunal não respeita os seus poderes / deveres de cognição e ponderação, omitindo pronunciar-se sobre aspetos que devia ou, apreciando aspetos de que não devia tomar conhecimento.
Em presença do invocado – embora não se apresente seguramente marcado o que se pretende apontar – crê-se que na tese do Digno Mº Pº, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia, ou seja, operou uma omissão pela “(…) falta de pronuncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer”[3].
A omissão de pronuncia significa, essencialmente, “(…) a ausência de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (…) a pronuncia cuja omissão determina a consequência prevista na alínea c) do nº1 do artigo 379º do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados”[4].
Do que relata o Digno Mº Pº, é claro / evidente / imediato que houve pronunciamento por parte do tribunal recorrido, e tanto assim é que vem do mesmo discordar, afirmando categoricamente que não se mostram como cometidos pela arguida os crimes de sequestro pelos quais a mesma foi condenada, afastando, desde logo, o tipo base expresso no nº 1 do artigo 158º do CPenal.
Pode ter havido uma tomada de posição, questionável e / ou pouco clara, como se verá adiante. Conquanto, ao que se cogita, tal não constitui omissão de pronúncia nos termos em que acima se apontaram.
Assim sendo, não se vislumbra qualquer suporte para esta alegação que, por isso, terá que sucumbir.

*
Primeiramente, a arguida vem insurgir-se quanto à factualidade provada, anunciando, do que se antevê do seu instrumento recursivo, uma intenção de questionar a matéria de facto dada como assente, por via da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPPenal.
Analisando todo o transcorrido processualmente, parece cristalino que este traço recursivo surge de manifesta e absoluta impossibilidade de aceitação pois está formado caso julgado formal relativamente a toda a factualidade que se pretende agora sindicar.
Toda a factualidade assente segue o que foi prolatado na primeira sentença de 9 de dezembro de 2022, a qual, ao tempo, não foi objeto de questionamento, nesta vertente, quer pela arguida, quer pelo Digno Mº Pº.
Efetivamente, aquando da prolação da primeira sentença, a arguida não reagiu ao ali decidido, nunca colocou em causa a materialidade descrita como provada, recorrendo da decisão então produzida, a qual se reproduz inteira e precisamente nos mesmos termos na sentença ora em sindicância, sendo que o que se colocou em causa, no primeiro momento, e pelo Digno Mº Pº, foi apenas a qualificação jurídica dos factos no que tange aos crimes de sequestro.
Dimana, assim uma pretensão que estava já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida nem objeto de qualquer intento reativo, no momento devido[5].
Caso assim se não entenda, o que definitivamente se não concede, pretendendo a arguida recorrente impugnar amplamente a matéria de facto, mostra-se prontamente evidente que em nenhum momento do seu articulado satisfaz aquela a tríplice exigência de tal caminho - indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida; indicação das provas que devem ser renovadas -, indo ao ponto de fazer apelo às declarações prestadas por diversos intervenientes no âmbito do inquérito, arredando o que se terá passado em sede de audiência de discussão e julgamento.
E, assim sendo, sem necessidade de outras considerações, falece este segmento recursivo.
*
Paragonando todo o processado e interligado com o enquadramento jurídico levado a cabo pelo tribunal a quo, mormente no segmento da abordagem dos crimes de sequestro apontados à arguida recorrente, poderá assolar o vício consignado no artigo 410º, nº 2, alínea b) do CPPenal.
Tendo em conta o que poderá ser o suporte deste matiz, será o mesmo tratado adiante.
*
Cotejando, e em correlação com o mote impugnativo factual, vem a arguida trazer à liça o princípio do in dubio pro reo, pretendendo a sua aplicação.
Tal como se viu, estando assente toda a factualidade vertida na decisão em sindicância e já desde o momento da prolação da 1ª sentença em 1ª Instância, não faz qualquer sentido aqui o invocar.
Desta feita, igualmente nesta dimensão, falece o recurso interposto.
*
Prosseguindo, e em termos de posicionamento encabeçado no articulado recursório, tendo como base todo o apetrecho factual assente e fixado, importa então apreciar a vertente da integração jurídica elaborada pelo tribunal recorrido, questionada pela arguida recorrente e, igualmente posta em crise pelo Digno Mº Pº.
Defendem, arguida recorrente e Digno Mº Pº, neste circunspecto, que os factos provados não permitem assacar àquela o cometimento de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do CPenal, mas sim de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do mesmo diploma, sendo que aquela matéria não é suficiente, também, para integrar os crimes de sequestro acometidos.
Cabe assim debruçar um olhar, em primeiro lugar, sobre o crime de ofensa à integridade física qualificada.
Reslumbra pacífico que, in casu a qualificação encontrada se reporta ao facto de a vítima ser militar da GNR e, nessa medida, configurar-se a circunstância inserta na alínea l) do nº 2 do artigo 132º do CPenal, para a qual apela o artigo 145º, nºs 1, alínea a) e 2, do mesmo compêndio legal.
Ao que se avista, as qualificativas evidenciadas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 132º do CPenal derivam da verificação de um tipo de culpa agravado[6], assente numa cláusula geral extensiva e descrita com recurso a conceitos indeterminados, como sejam a especial censurabilidade ou perversidade do agente.
E, nessa medida, embora objetivamente se possa verificar algum ou alguns dos componentes ali enunciados, constituindo estes elementos da culpa, e não do tipo, os mesmos não funcionam automaticamente de forma a qualificar o facto[7], sendo que o que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da ação, quer numa motivação especialmente desprezível.
Neste domínio, parece assim poder defender-se que haverá especial censurabilidade quando a paleta factual em causa exibe contornos de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, surgindo a especial censurabilidade, como respeitante às componentes da culpa relativas ao facto, fundando-se pois, naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude.
Por seu turno, haverá especial perversidade quando se esteja perante um agir / estar profunda e evidentemente rejeitável, no sentido de constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente repudiados pela sociedade[8].
Cotejando estes considerandos há que visitar a realidade aqui em apreço.
No dizer da arguida recorrente o crime de ofensa à integridade física nunca poderia ser qualificado uma vez que o simples facto de ser alegadamente perpetrado contra uma agente da força de segurança não comporta uma verificação automática do carácter qualificado do ilícito (…) era necessário apurar uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da alegada ofendida ou à função que esta representa, o que não ficou provado na douta sentença recorrida.
De outra banda, na esteira do pugnado pelo Digno Mº Pº no que à especial censurabilidade ou perversidade se exige (…) tais circunstâncias não se encontram preenchidas (…) no momento da agressão a arguida encontrava-se algemada e nenhum facto foi dado como provado que demonstre estarem preenchidos tais requisitos – especial censurabilidade e perversidade.
A decisão recorrida, como explicativo do funcionamento da qualificativa que entende verificada in casu, relata a arguida cometeu os crimes que lhe são imputados na acusação, ou seja, um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e n.º 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, nada mais referindo.
Sopesando a massa fáctica apontada à arguida, tende-se a seguir a asserção encetada por esta e secundada pelo Digno Mº Pº.
Tanto quanto se retira de todo o histórico, o que claramente desponta é que a vítima é efetivamente uma militar da GNR, sendo que a atuação da arguida recorrente se desenvolve em contexto de altercação familiar, em momento de tensão e confusão, estando esta algemada, não tendo sido usado qualquer instrumento e não se tendo apurado linearmente o modo como terá ocorrido o dito empurrão.
Acresce que a ofendida, de todo o demonstrado, tendo sentido dores na região atingida – diga-se que em nenhum momento se esclarece / clarifica qual a região afetada - por força do empurrão de que foi alvo, não necessitou de receber qualquer tratamento médico.
Perante estes dados, ao que se julga, não exubera particular circunstancialismo, quer na ação externa - instrumento utilizado, tipo e número de lesões, dinâmica do evento -, quer na vertente relativa aos motivos e objetivos que presidiram à ação (factos psíquicos) – que permita delucidar com robustez a existência de especial censurabilidade ou perversidade da aqui agente.
Tudo não passou de um estar reativo devido ao momento em causa precedido de episódio de altercação e eventuais agressões entre a arguida recorrente e (A).
Certamente por isso, o tribunal recorrido não esboçou o menor esforço no sentido de justificar / alicerçar o que considerou, para retirar, da atuação da arguida, a dimensão especial censurabilidade ou perversidade, expressa no corpo da norma do nº 1 do artigo 132º do CPenal, acobertando-se na singela menção da alínea l) do nº 2 do aludido preceito, limitando-se a um uso claramente automático deste mecanismo.
E, nesse desiderato, o que aqui estará então em causa será tão-só o crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º do CPenal.
Igualmente, e nesta particular temática, postula-se avaliação relativamente aos crimes de sequestro pelos quais a arguida recorrente foi condenada.
Uma nota primeira a pedir intervenção, ao que se pensa, o tracejado evidenciado na decisão recorrida que parece apontar para o vício prevenido na alínea b) do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, vício este de conhecimento oficioso, na vertente contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, e não já, tal como atrás se tratou, a aludida omissão de pronúncia referida pelo Digno Mº Pº.
Na verdade, a dado passo decisório afirma-se (…) (q)uanto à arguida cometeu os crimes que lhe são imputados na acusação (…) dois crimes de sequestro p. e p. pelos artigos 158º, nºs 1, 2, alínea f) e 132º, nº 2, alínea l) do C. Penal, porquanto, efetivamente, os factos constantes da acusação e dados como assentes nos pontos 6, 7, 8, 11 e 12 são passíveis de integrar dois crimes de sequestro previstos e punidos em tais disposições normativas, sendo que, ao decidir, o tribunal a quo vem condenar a arguida, (B), pela prática de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, em duas penas de 200 (duzentos) dias de multa, pelo cometimento de cada um dos crimes, à taxa diária de 7,00 (sete) euros.
A dita mácula assume três vertentes / possibilidades: contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos, podendo assim “(…) emergir de factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (…) como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão[9].
Pode constituir este vício, a afirmação como provados, de um facto objetivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto objetivo e outro contrário; a afirmação como provados, de um facto subjetivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto subjetivo e outro contrário; a contradição entre o facto objetivo provado e outro não provado; a contradição entre o facto subjetivo provado e outro não provado; a contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como alicerce dos factos provados e a contradição entre a fundamentação e a decisão[10].
O que aqui estaria em desenho seria uma contradição insanável entre a fundamentação apresentada e a decisão proferida pois, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão seria de concluir que condenação a proferir seria outra e não a emitida[11].
E, nessa base, albergando o que plasma o artigo 426º, nº 1 do CPPenal, entendendo-se que os dados constantes dos autos fornecem base suficiente para ultrapassar esta vicissitude, toma-se decisão neste tribunal ad quem, relativamente a este segmento.
O crime de sequestro, comunga / compartilha / rateia com outros seus próximos – vg. rapto, tomada de reféns – alguns dos seus elementos essenciais, em que o elemento nuclear por todos assumido é a liberdade de locomoção.
Todavia, esta liberdade de locomoção, nas aludidas figuras, não se apresenta em todas, com a mesma coloração, sendo que no crime de sequestro, o que é posto em causa é a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro[12], ou seja, o direito de não ser aprisionado / encarcerado ou por qualquer forma ser fisicamente confinado por determinado lapso temporal, que relevante e significativamente afete a liberdade individual de movimentação, a certo e determinado espaço[13].
Neste desiderato, o que aqui se protege é a liberdade pessoal de movimentos, a possibilidade de mudança de lugar, a qual fica afetada quando e sempre que o agente imobiliza alguém, confinando-o irremediavelmente a um determinado espaço e não permitindo / possibilitando que dele saia ou se mude como lhe aprouver[14].
E, assim sendo, não parece configurar o dito quadro qualquer situação em que à vítima sobra sempre uma oportunidade de se movimentar, quando pelos seus próprios meios tem possibilidade de se mudar / sair / deslocar do local onde se encontra, para outro[15].
Também, nem todos os retratos em que desponta uma privação insignificante por força de uma privação da liberdade que se apresenta como mínima, quer em termos temporais, quer por não ser suficientemente intensa[16], ou seja, casos em que a vítima é privada da sua liberdade ambulatória durante um período de tempo que, do ponto de vista político-criminal se revela insignificante, assumem relevância.
Considerando todo o recorte fáctico em presença, entende-se que é insuficiente para ilustrar o tipo em causa, tal como supra se escalpelizou.
Na verdade, e neste conspecto, visando imputar à arguida recorrente o cometimento de dois crimes de sequestro, enuncia-se a arguida (B) empurrou a militar da GNR (D), logrando libertar-se e fechar a porta da residência à chave (…) dirigindo-se aos militares da GNR, a arguida (B) disse “agora daqui ninguém sai, agora ficamos aqui fechados” (…) Permanecendo com a chave nas mãos e recusando-se a entregar a mesma aos militares da GNR que ficaram impossibilitados de sair, durante alguns minutos e até lograrem retirar as chaves à arguida (B), o que exigiu a utilização de força atenta a oposição da arguida.
Todo este descritivo, ao que se pensa, denota que os militares da GNR, não estavam fatal e definitivamente impedidos de se locomover pois, estando a arguida recorrente algemada, logo manietada / limitada na possibilidade de afrontar irresistivelmente aqueles, sendo os militares duas pessoas, com especial e adequada preparação para gerir situações do tipo, podiam, como o fizeram, com relativa facilidade, tirar a chave à arguida recorrente e assim abrir a aporta.
Acresce que, ao que tudo aponta, o tempo em que a chave esteve em poder da arguida recorrente, não assume dimensão / significado tal que exceda a ideia de quadro diminuto / tempo insignificante.
Por fim, sempre se diga, que não resultou minimamente esclarecido se para além da dita porta, inexistia outro tipo de escapatória que permitisse a saída dos militares.
Enfrentando este expendido, é-se tentado a concluir na esteira do defendido pela arguida recorrente, e reforçado pelo Digno Mº Pº, neste matiz recursório e, nessa senda, pela não verificação dos crimes de sequestro.
Face a tal, mostra-se despiciendo abordar o traço que se poderia suscitar quanto ao preenchimento do tipo de sequestro agravado p. e p. pelos artigos 158º, nºs 1, 2, alínea f) e 132º, nº 2, alínea l) do CPenal e consequências daí a retirar.
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Tendo-se concluído pelo cometimento pela arguida recorrente, apenas do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CPenal, há que intervir, neste momento, em termos de pena em concreto a aplicar.
O crime em causa é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Partindo de tal, no exercício a realizar para se determinar a medida concreta da pena a aplicar à arguida recorrente e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do CPenal, como primeira operação que urge levar a cabo é, se aplicável, a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva - se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como se viu, aqui desponta essa alternatividade existe.
As finalidades a considerar exuberam do que plasma o artigo 40º, nº 1 do citado complexo legal, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade sendo que, escolhido o tipo de penalidade adequado e apto ao alcance dos fins das penas, demanda-se a observância articulada do disposto nos 40º e 71º do CPenal.
Diga-se, também, que o limite máximo da pena a aplicar está demarcado pela culpa do agente pois, no sistema penal vigente impera o princípio basilar que assenta na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico–normativo de culpa concreta - artigo 13º do CPenal -, o que sempre terá como consequência que não há pena sem culpa, e se condicione os seus limites máximos à intensidade daquela[17].
Em termos de finalidades das penas, colhe ainda fazer notar que o vetor da proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva), significando, também essa proteção, a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente[18].
Ponderando todas estas notas e considerando o caso concreto, crê-se que a imposição de uma pena de multa mostra-se como suficiente e bastante para acautelar as ditas finalidades.
Com efeito, não se olvidando que as exigências decorrentes do vetor prevenção geral, neste domínio, se fazem sentir com particular acuidade, tendo em atenção a qualidade da ofendida e a necessidade que há de salvaguardar / proteger o exercício das funções dos agentes da autoridade, dimana, por outro lado, que a arguida não exibe antecedentes criminais, está familiar, profissional e socialmente inserida e que todo o sucedido operou em contexto de alguma tensão decorrente de uma contenda familiar.
Assim sendo, ao que se pensa, estão reunidos todos os pressupostos para a opção pela pena de multa.
E, nesse ensejo, para a aferição da medida concreta da pena haverá então que considerar primeiro a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao caso concreto – multa de 10 a 360 dias (artigo 47º, nº 1 do CPenal) -, determinando, nos limites mínimos e máximos daquela, a pena concretamente a aplicar, em consonância com o vetor axiológico-normativo que atrás se deixou exposto.
Neste percurso, há que atender a todos os elementos que, não fazendo parte integrante do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, atendendo-se, de entre outras, às vertidas no nº 2 do artigo 71º do CPenal.
Dentro da moldura penal abstrata, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente, e apelando ao dito normativo são, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Confrontando tais coordenadas com o refúgio factual em presença, ressalta a nota da ilicitude, dado a pessoa da ofendida ser uma agente da autoridade no exercício de funções e em situação de intervenção de auxilio / apoio da arguida recorrente, a intensidade do dolo, porque direto, na sua vertente máxima, a negativa tónica de todo o modo de atuar impulsivo da arguida recorrente revelando alguma ausência de noção sobre como se comportar, emergindo como traços de favor, a ausência de antecedentes criminais e o estar inserida familiar, social e profissionalmente.
Sopesando, crê-se que uma dimensão algo acima do mínimo possível, situado no primeiro quarto da moldura aplicável, reputa-se adequado e proporcional. Por isso entende-se de impor a pena de 90 (noventa) dias de multa.
Em termos de quantitativo diário, recorrendo aos indicadores plasmados no artigo 47º, nº 2 do CPenal e a toda a situação económica da arguida recorrente, e considerando-se que a multa terá que implicar, também, a efetiva noção de punição, será de fixar o montante diário de 8,00 euros.
Tudo ponderado aplica-se à arguida recorrente, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros, perfazendo a multa global de 720,00 euros.

III – Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal - 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida (B) e, em consequência decidem:

a) Absolver a arguida da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do CPenal;
b) Absolver a arguida da prática de dois crimes de sequestro p. e p. pelos artigos 158º, nºs 1, 2, alínea f) e 132º, nº 2, alínea l) do CPenal;
c) Condenar a arguida como autora material, sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CPenal, na pena de 90 (noventa) dias de prisão à taxa diária de 8,00 (oito) euros, o que perfaz a multa global de 720,00 (setecentos e vinte euros).

Sem Custas.
(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPPenal)

Évora, 19 de março de 2024
Carlos de Campos Lobo
Ana Bacelar Cruz
Renato Barroso

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[1] Cfr. fls. 266.
[2] Faça-se notar que, tanto quanto se pensa, é de duvidosa bondade esta linha seguida pelo Digno Mº Pº pois, fixando o recorrente o objeto do recurso a determinadas questões, é totalmente descabido / inapropriado / inconsequente qualquer tentativa de alargar a temática em discussão, na resposta àquele, não funcionando esta como uma possibilidade de por via indireta se apresentarem aspetos a suscitar ponderação / decisão que nada tenham a ver com o recurso interposto.
Todavia, como se está perante aspeto de conhecimento oficioso, entende-se que deverá ser o mesmo objeto de abordagem.
[3] GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, Almedina, p.1132.
No mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2009, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 960.
[4] Acórdão do STJ, de 21/01/2009, Processo nº 111/09 referido em GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem p. 1136.
[5] Neste sentido o Acórdão do STJA, de 08/03/2018, proferido no Processo nº 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I , Artigos 131º a 201º, 1999, Coimbra Editora, p. 26.
[7] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 17/04/2013, proferido no Processo nº 237/11.7JASTB.L1.S1, onde se pode ler (…) (é) entendimento sedimentado do STJ o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132.° do CP, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa. Subjacente à declaração de especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa, que o agente manifesta nas circunstâncias elencadas, o que motiva a agravação.
Ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/11/2017, proferido no Processo nº 5/16.0GACVL.C1 – (…) (s)e não oferece dúvida que o artigo 132.º do CP não limita taxativamente os factos que constituem as circunstâncias qualificadoras, também é certo que os padrões de uma acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrentes dos exemplos do n.º 2 daquele normativo, constituem elementos da culpa e, como tal, não operam automaticamente, do mesmo Tribunal, de 27/03/2019, proferido no Processo nº 95/17.8GCLMG.C1, onde se lê (…) (n)ão basta o preenchimento objectivo de uma qualquer ou de várias das alíneas do nº 2 do art. 132º, ou de qualquer outra circunstância substancialmente análoga às aí descritas, para que o tipo qualificado de homicídio esteja preenchido (…) (é)
sempre necessário que (…)também se proceda à autónoma comprovação da existência de uma especial censurabilidade ou especial perversidade do agente e do Tribunal da Relação de Évora, de 11/10/2022, proferido no Processo nº 153/21.4GBRMZ.E1, referindo (…) (a)s circunstâncias previstas no § 2.º deste artigo 132.° não operam automaticamente. Trata-se de exemplos-padrão tradutores de modos de agir, que os distanciam valorativamente do padrão previsto no artigo 131.º, reveladores de uma especial perversidade ou censurabilidade do agente, sustentadoras da agravação da conduta.
[8] Neste sentido, SERRA, Teresa, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 2003, 4ª Reimpressão, pp. 63-64.
[9] GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 1274-1275.
[10] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p.1074.
[11] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/09/2015, proferido no Processo nº 662/09.3TALRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido Acórdão do STJ de 13/10/1999, CJ (acórdãos do STJ), Ano VII, Tomo III, pg. 186.
[12] TAIPA DE CARVALHO, Américo, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I , Artigos 131º a 201º, 1999, Coimbra Editora, p. 404.
[13] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 03/11/2005, proferido no Processo nº 2420/05-5ª, referido em LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, p. 273.
[14] Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte Geral e especial – Com Notas e Comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 691.
[15] LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, p. 274.
No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 19/05/2005, proferido no Processo nº 890/05-5ª, referido em LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, p. 288, onde se pode ler Para haver crime de sequestro é preciso que ocorra privação da liberdade e não uma mera limitação de movimentos corporais, que não impeça de todo a vítima de se deslocar (…).
[16] Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M, ibidem, pp. 274-275 e ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 676 – Seja qual for o meio de privação da liberdade, a privação da liberdade de deslocação deve ser absoluta. Não basta que a liberdade de locomoção da vítima seja dificultada. Havendo alternativa razoável que permita à vítima a deslocação, não se verifica o crime.
Ainda, os Acórdãos do STJ, de 03/10/90, in CJ, Ano XV, T. 4, p. 21 – “(…) a privação da liberdade, do jus ambulandi, para que possa ter algum significado e relevância como elemento do crime, não deverá ter uma duração tão diminuta que, verdadeiramente, não afecte a liberdade de locomoção” e de 03/05/2005, proferido no Processo nº 47837, onde se pode ler A privação da liberdade, embora não sujeita a qualquer limite temporal para que o crime se verifique, não pode ser tão diminuta que verdadeiramente não afecte a ,liberdade de locomoção.
[17] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15/04/99, proferido no Processo nº 243/99, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido, PALMA, Maria Fernanda, Casos e Materiais de Direito Penal, 2.ª edição, 2022, Almedina, p. 32.