PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
IMPUGNAÇÃO DE MATÉRIA DE FACTO IRRELEVANTE
Sumário

I - Não é intempestivo o recurso em que a recorrente beneficiou do alargamento do prazo concedido em função da reapreciação da prova gravada, se, embora não constando das conclusões, no corpo da alegação são identificados os factos a alterar, a solução alternativa e os meios de prova em que baseia a sua pretensão, incluindo transcrição de depoimentos e minutos da gravação correspondentes.
II - A sentença só deve ser julgada nula por falta de fundamentação em situações limite, que a tornem ininteligível.
III - Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela.
IV - Só é de reapreciar a matéria de facto se essa análise for suscetível de desembocar em resultado útil para a ação, podendo a reapreciação ser meramente parcial.

Texto Integral

Proc. n.º 3143/22.6T8PRT.P1




Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
“A..., Lda.” intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum. Pede a condenação de “B... Unipessoal, Lda.” a pagar-lhe €10.000,00, acrescidos de juros legais desde a citação até pagamento.
Subsidiariamente, pediu a condenação na restituição do valor de €10.000,00, acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa.
Invoca ter celebrado com a R. contrato promessa de compra e venda de participação social, em que se comprometeu a adquirir e a R. a vender participação social, no valor de €25.000,00, da sociedade a constituir, sob a firma C..., que viria a explorar o restaurante com igual denominação.
Por acordo entre A. e R., foi decidido que não havia condições para concretizar o negócio prometido, revogando-se o contrato promessa e restituindo-se tudo quanto havia sido prestado.
Solicitou à R. a devolução da quantia entregue, o que não ocorreu.
A R. contestou, impugnando que tenha sido celebrado contrato promessa de compra e venda de participação social e considerando que a quantia entregue o foi a título de contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante (know-how), incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, não sendo reembolsável.
Deduziu reconvenção. Pede que se declare que tem um direito de crédito de €10.000,00 sobre a A. decorrente da conceção e transmissão do conceito e ideia do projeto C..., sendo, em consequência, a A. condenada no respetivo pagamento. Bem assim, pede que se declare que existe um crédito a seu favor de €9.000,00, correspondente à contrapartida pelos trabalhos prestados nos meses de fevereiro, março e abril de 2021. Para a eventualidade de proceder total ou parcialmente o pedido da A., pediu que opere a compensação dos créditos.
A A. apresentou réplica, impugnando a matéria alegada em sede de reconvenção.
A reconvenção foi admitida, teve lugar audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que absolveu a R. do pedido, julgando prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

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Inconformada, a A. interpôs o presente recurso, formulando as conclusões que se seguem:
(I) O objeto do presente recurso versa sobre a decisão proferida pelo Tribunal a quo que absolveu a Recorrida do pagamento da quantia de 10.000,00€, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento, a título de resolução do contrato promessa celebrado e, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa.
(II) A sentença proferida é nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do Cód. de Proc. Civil, porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito da decisão.
(III) Da impugnação da matéria de facto provada e não provada resulta a celebração de um contrato promessa entre as partes, para constituição de uma sociedade comercial, na qual ambas deteriam participações sociais, situação que nunca veio a concretizar-se, dando lugar à resolução do referido contrato-promessa e, consequentemente, à obrigação de restituição do sinal prestado, assumida pela Recorrida e que nunca veio a efetivar.
(IV) Resulta ainda da impugnação da matéria de facto que à Recorrente nada foi transmitido pela Recorrida, no que tange ao direito de propriedade sobre o conceito C..., o qual, aliás, continua na posse de AA (não da Recorrida).
(V) A impugnação da matéria de facto determina que o Tribunal ad quem tome revogue a decisão do Tribunal a quo, condenando a Recorrida à restituição à Recorrente de tudo quanto lhe foi prestado a título de sinal, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso Vs. Exas. não deem provimento à Apelação no sentido de considerar verificada a existência de um contrato promessa celebrado entre as partes e a sua resolução, sempre e em todo o caso,
(VI) Encontra-se demonstrado nos autos que a Recorrente se viu empobrecida à custa do enriquecimento da Recorrida, sem qualquer causa justificativa, o que consubstancia a verificação de uma situação de enriquecimento sem causa da Recorrida, nos temos do art.º 473.º, do Cód. Civil, havendo lugar à restituição do montante do enriquecimento.
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A R. contra-alegou, finalizando nos seguintes moldes:
I. DA INTERPOSIÇÃO EXTEMPORÂNEA DO RECURSO
A. No caso sub judice, calcorreadas todas as Conclusões apresentadas, verifica-se que a Recorrente não procede a qualquer impugnação da matéria de facto, e muito menos a uma reapreciação da matéria gravada.
B. A Recorrente não assinala quais os meios de prova gravados que, no seu entendimento, deveriam ter conduzido a decisão distinta da recorrida.
C. Não tendo o Recurso apresentado por objeto a reapreciação da prova gravada, o prazo para a sua apresentação era apenas de 30 (trinta) dias.
D. Tendo a Recorrente sido notificada da Sentença proferida, via Citius, no dia 11 de julho de 2023, uma vez que apresentou o Recurso no dia 11 de outubro de 2023, fê-lo fora do prazo previsto.
E. Muito recentemente, sufragando deste entendimento - de rejeição do Recurso - destaque para o Tribunal da Relação do Porto, precisamente no douto Acórdão de 14 de dezembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 1477/20.4T8MAI.P111: I - Constatando-se que a recorrente não refere qualquer ponto dos tempos da gravação para impugnar a decisão sobre a matéria de facto com base no testemunho que invoca, nem tão pouco adianta qualquer declaração que tenha sido feito pela mesma, apenas afirmando conclusivamente que do seu depoimento resultou «explícito que “o pagamento do trabalho suplementar era feito através dos valores processados em ajudas de custo”», limitando-se a dizer que o mesmo está “gravado através do sistema de gravação "H@bilus Media Studio", entre as 14:52 horas e as 15:37 horas, prestado na audiência de julgamento do dia 13 de Dezembro de 2021”, replicando simplesmente o que consta da ata, significa isto que para esse efeito não usou, ou pelo menos não precisava de todo de o fazer, de proceder à audição da gravação. II - Neste quadro, não se mostra justificado que a recorrente beneficie do acréscimo do prazo de recurso. A entender-se o contrário, estar-se-ia a aceitar, quer aqui quer em qualquer caso com os mesmos contornos, que a parte beneficiasse deste acréscimo criando a mera aparência da impugnação da decisão sobre a matéria de prova gravada, mas sem de facto confrontar o Tribunal de recurso com partes concretas dos testemunhos (ou declarações de parte) gravados, ou seja, sem que tivesse tido necessidade ou feito uso efetivo das gravações, razão que justifica a extensão do prazo.
Se assim não se entender,
II. DA ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA:
F. Como é sobejamente sabido, constitui jurisprudência unânime dos nossos Tribunais Superiores que apenas a ausência absoluta de fundamentação configura a nulidade por falta de fundamentação, constante do artigo 615.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil,
G. Perante tamanha evidência de que, in casu, não se verifica, de todo, uma ausência absoluta de fundamentação, deve improceder a suposta Nulidade invocada pela Recorrente.
III. DO NÃO CUMPRIMENTO DO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 640.º N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:
H. A Recorrente não cumpre com o ónus de especificação dos concretos pontos de factos impugnados, não identificando, nas Conclusões apresentadas, os concretos factos, previstos no elenco dos factos provados na Sentença, que entende que deveriam ser considerados como não provados, assim como os concretos factos, previstos no elenco dos factos não provados, que entende que deveriam ser considerados como provados.
I. Por esse motivo, incumprindo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, deve o Recurso apresentado pela Recorrente ser rejeitado no que concerne à alegada impugnação da matéria de facto.
Se assim não se entender,
J. Calcorreados os parcos seis pontos que integram as Conclusões apresentadas pela Recorrente, verifica-se que esta não especifica, ou, tão pouco, faz qualquer referência, aos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida.
K. Em face do não cumprimento do não cumprimento do previsto no artigo 640.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, deve o Recurso apresentado ser rejeitado no que concerne à alegada impugnação da matéria de facto.
Concomitantemente,
IV. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
L. Alega a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao dar como provados os factos L), R), X) e S) do elenco dos factos provados, e como não provados alguns dos factos não provados, acrescentando ainda que os factos N) e V) dos factos provados deveriam ser corrigidos/alterados.
M. Para além do mero inconformismo da Recorrente, não se vislumbra motivação, nem meios de prova suficientes, para que se possa considerar ter havido erro de julgamento que possa abalar a decisão judicial de que se recorre.
N. Na verdade, a Mm. ª Julgadora formou a sua convicção detendo contacto direto com as pessoas e coisas que servem de meios de prova, ouvindo a prova pessoal perante si produzida, pelo que, existindo esta imediação, oralidade e concentração, coube à Mm. ª Julgadora tirar as suas conclusões, em conformidade com as sensações recém-colhidas e de acordo com as regras da experiência comum.
O. O facto provado L) resulta claramente demonstrado pelo documento n.º 2 junto aos autos com a Contestação, o qual diz respeito a um e-mail remetido a AA, na data de 13 de fevereiro de 2021, contendo um anexo com a estrutura organizacional da Recorrente e referindo o seguinte: “Conforme combinado com o BB, segue em anexo a apresentação da nossa estrutura, com a sua integração – destacada a azul e a bold – para melhor perceção da orgânica interna”.
P. O envio do referido e-mail ocorreu dois dias após as Partes terem reunido presencialmente (cfr. facto provado J), tendo a Recorrente em vista convencer a Recorrida a lograrem a concretização de um negócio, depois de lhes ter sido por esta última transmitido, através de AA, que estava já a conceber um outro projeto, ao qual pretendia dar prioridade (cfr. factos provados F), G), I).
Q. O referido e-mail foi remetido por CC com o conhecimento de BB (sócio e gerente da Recorrente) e DD (sócio da Recorrente), de quem era subordinada (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha CC, a partir do tempo 00:19:47 até ao tempo 00:20:22).
R. A mesma testemunha, de forma clara, na parte final do seu depoimento, esclarece que o envio do e-mail teve, efetivamente, o propósito de provar que queriam evoluir e crescer com a Recorrida (através de AA). (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha CC, a partir do tempo 00:41:47 até ao tempo 00:41:59).
S. Também a testemunha AA, com conhecimento direto dos factos, esclareceu ao douto Tribunal a quo que o referido organigrama lhe havia sido remetido para demonstrar que a Recorrida já fazia parte da organização da Recorrente, ficando responsável pela zona Norte (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:13:02 até ao tempo 00:14:26).
T. Mais, como resulta evidente dos vários documentos juntos aos autos – em especial, do documento n.º 7 junto com a Contestação –, a Recorrida, através de AA, ocupou, efetivamente, na estrutura interna da Recorrente, tal posição, encarregando-se, durante os meses de fevereiro, março e abril de 2021 (cfr. facto provado S) de toda a organização e coordenação necessárias à abertura e funcionamento dos estabelecimentos C... e D....
U. Como corolário do antedito, deve o facto provado L) ser mantido nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
V. Apesar do alegado pela Recorrente, jamais poder-se-ia chegar a conclusão distinta daquela a que chegou o douto Tribunal a quo, dando como provado o disposto na alínea N) do elenco de factos dados como provados.
W. Na sequência das conversações mantidas entre as Partes, a propósito da aquisição da D..., a Recorrente foi informada de que a Recorrida, através de AA, estava já a conceber um outro projeto – restaurante C... -, ao qual pretendia dar prioridade (cfr. factos provados D), E), F). Nesse contexto, surgiu a possibilidade de a Recorrente e Recorrida explorarem, em conjunto, os dois negócios – D... e C... (cfr. facto provado H).
X. A Recorrente, a fim de convencer a Recorrida a lograrem, conjuntamente, a concretização do negócio, procurou reunir presencialmente com esta, o que aconteceu em fevereiro de 2021 (conforme factos provados I) e J).
Y. Na sequência dessa conversa, no dia 23 de fevereiro de 2021, reportando-se exclusivamente ao projeto C..., a Recorrida transmitiu, por escrito, à Recorrente a seguinte proposta (cfr. facto provado M): 1. Como contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante (know-how), incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, a Recorrente pagaria à Recorrida o valor de 10.000 Euros - valor esse que, expressamente, determinou a última ser não reembolsável; 2. Posteriormente, as Partes procederiam à constituição de uma sociedade comercial através da qual explorariam o restaurante, sendo que a Recorrente realizaria uma entrada de 10.000 euros, adquirindo a correspondente participação de 40% do capital social.
Z. No seguimento da proposta da Recorrida, a Recorrente, referindo-se já ao projeto C... e D..., referiu-se a três temas distintos (conforme resulta do teor do documento nº 3 junto com a Contestação): i) Constituição de uma sociedade comercial para o projeto C...; ii) Constituição de uma sociedade comercial para a D...; iii) Pagamento de um valor mensal de 3.000 Euros pelo trabalho a desenvolver pela Recorrida (através de AA).
AA. Da análise literal do e-mail enviado pela Recorrente, a 23 de fevereiro de 2021 (cfr. documento n.º 3 junto com a Contestação), pode retirar-se que: 1. a Recorrente nada disse quanto ao pagamento dos 10.000 Euros devidos pela transmissão da ideia e conceito do restaurante (know how); 2. a Recorrente alterou a proposta apresentada pela Recorrida quanto à constituição da sociedade comercial que deteria a C..., propondo um investimento de 25.000 Euros – em vez de 10.000 Euros -, a título de entrada, para aquisição de participação social de 40%; 3. a Recorrente apresentou uma proposta de investimento para a D...; 4. A Recorrente propôs o pagamento de um valor mensal de 3.000 Euros, pelo trabalho de coordenação de ambos os restaurantes, C... e D..., que seria desenvolvido pela Recorrida, através de AA.
BB. Jamais se poderia concluir no sentido de que o pagamento de 10.000 Euros pela transmissão da ideia e conceito do restaurante C... havia ficado arredado das condições propostas. Até porque, como resulta do teor do documento n.º 3 junto com a Contestação, a Recorrida, no seu e-mail de 23 de fevereiro de 2021, deixou bem claro que, para que pudesse existir eventual interesse no negócio, seria essencial que a Recorrente pagasse toda a ideia e conceito já desenvolvidos.
CC. Isto mesmo foi abundantemente explicado ao Tribunal a quo pela testemunha AA, com conhecimento direto dos factos (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:16:55 até ao tempo 00:17:15; a partir do tempo 00:56:16 até ao tempo 00:57:46), assim como foi explicado pelo Legal Representante da Recorrida (Ficheiro de Áudio do depoimento do Legal Representante da Recorrida, a partir do tempo 00:07:33 até ao tempo 00:07:48).
DD. Não pode ignorar-se que o valor de 10.000 Euros foi efetivamente pago à Recorrida, no dia 08 de março de 2021 (cfr. facto provado A), i) depois das conversações entre as Partes ii) e depois de a Recorrida ter já iniciado o processo de transmissão de todo o conceito do projeto C... (o que, efetivamente, se concretizou).
EE. Contrariamente ao que sucedeu com as negociações relativas à constituição de sociedades comerciais, que nunca chegaram a avançar, não tendo, por consequência sido celebrado qualquer negócio jurídico a esse propósito (conforme confessado pelo Legal Representante da Recorrente, factos provados P) e Q).
FF. Claro está, face a todo o exposto, que, tendo existido transmissão do conceito, os 10.000 Euros transferidos à Recorrida serviram exatamente para pagar essa transmissão do conceito. Não tendo, em todo o caso, sido feita qualquer prova nos autos no sentido de que o pagamento tivesse qualquer outra justificação.
GG. A própria Recorrente reconhece, na parte final do ponto a.2) das suas alegações, que o investimento a ser feito pela própria, a título de entrada, para aquisição de participação social, seria de 25.000 Euros, em vez de 10.000 Euros.
HH. Assim sendo, dúvidas não existem – nem podem existir – de que o facto provado N) deve ser mantido nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
II. Para impugnar os factos dados como provados R) e X), a Recorrente socorre-se apenas de um longo trecho do depoimento do Legal Representante da Recorrida – sem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda -, o qual, além do mais, nenhuma relevância assume para a pretensão formulada pela Recorrente.
JJ. Conforme Ata da Audiência de 07 de dezembro de 2022, o Legal Representante da Recorrente: i) Confirmou o teor do e-mail enviado pela Recorrida a 12 de fevereiro de 2021; ii) Admitiu que a Recorrida partilhou com a Recorrente o menu que havia elaborado para o restaurante, do qual constavam os vários pratos típicos que seriam disponibilizados, assim como a correspondente listagem de preços; iii) Admitiu que a Recorrida havia enviado à Recorrente o menu e logotipo do restaurante.
KK. Do documento n.º 4 junto com a Contestação, correspondente ao e-mail de 12 de fevereiro de 2021, resulta que a Recorrida começou por partilhar com a Recorrente o branding e menu que havia elaborado para o restaurante.
LL. Do documento n.º 5 junto com a Contestação resulta, por sua vez, que, nos vários contactos que se seguiram entre as Partes, a Recorrida transmitiu à Recorrente o conceito concebido para o projeto C..., o que incluiu, nomeadamente: i) o logotipo, ii) o menu completo, iii) a imagem, iv) o food cost, v) a organização, decoração e modo de funcionamento do estabelecimento.
MM. O documento n.º 6 junto com a Contestação demonstra, ainda, que a Recorrente foi manifestando a sua opinião sobre o conceito que lhe estava a ser transmitido pela Recorrida.
NN. Ora, reportando-se a C... a um projeto de restauração, não se vislumbra, à luz das mais elementares regras da experiência comum, que outros elementos, além dos invocados, poderiam integrar o conceito a que, continuamente, fez a Recorrida alusão nos autos.
OO. Mais, a testemunha AA explicou com clareza ao Tribunal a quo de que forma adquiriu todo o conhecimento sobre restauração, em que contexto surgiu o projeto C... e em que termos foi transmitido à Recorrente todo o conceito do projeto (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:25:04 até ao tempo 00:28:10)
PP. A Recorrente insiste na ideia de que a Recorrida nada lhe transmitiu porquanto não foi transferido qualquer direito de propriedade sobre as ideias da autoria de AA, quando, na verdade, nos presentes autos, não foi discutida a transmissão da propriedade de qualquer conceito ou ideia.
QQ. O que a Recorrida trouxe aos autos – e foi, corretamente, dado como provado - é que transmitiu à Recorrente todo o conceito e ideia de um negócio que estava a ser desenvolvido, permitindo-lhe, por essa via, adquirir conhecimento do mesmo.
RR. O pagamento dos 10.000 Euros, nos termos acordados entre as Partes, corresponde à vantagem de que beneficiou a Recorrente ao adquirir esse conhecimento, o qual poderia, evidentemente, vir a utilizar no futuro, independentemente daquele que viesse a ser o desfecho das negociações com a Recorrida. Tudo o que foi explicado ao Tribunal a quo pela testemunha AA (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:54:20 até ao tempo 00:55:16).
SS. Em face do exposto, deverão os factos provados R) e X) ser mantidos nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
TT. A propósito do facto provado S), no seu depoimento de parte, o Legal Representante da Recorrente aceitou que foram executados, em 2021, trabalhos com vista à abertura e funcionamento do estabelecimento C... (cfr. Ata da Audiência de 7 de dezembro de 2022).
UU. Admitiu também o Legal Representante da Recorrente que a Recorrida, através da sua trabalhadora AA, reuniu por zoom com trabalhadores da Recorrente com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes.
VV. O douto Tribunal a quo julgou como provados os factos Z), A)’ e C)’, acervo factual que, não tendo merecido qualquer impugnação por parte da Recorrente, se consolidou.
WW. Ilustrando tais factos aquilo que, de forma mais genérica, resulta do disposto na alínea S) do elenco de factos dados como provados, claro está que nenhum reparo pode merecer a decisão do Tribunal a quo.
XX. Do documento n.º 7 junto com a Contestação resulta também que, entre fevereiro e abril de 2021, a Recorrida prestou trabalhos de coordenação e organização com vista à abertura e funcionamento dos estabelecimentos C... e D..., o que abrangeu, nomeadamente: elaboração do lay out da cozinha da D...; partilha de ideias e discussão com a Recorrente (contactos telefónicos, mensagens, reuniões por zoom, e-mails); listagem de equipamentos, compras e organização dos espaços; marketing e redes sociais; elaboração de ementa temática para a Páscoa.
YY. Tudo o que foi, ainda, confirmado pela testemunha AA, que, por várias vezes, explicou ao Tribunal em que termos foram acordados tais serviços, e que tarefas efetivamente desempenhou, através da Recorrida, no período em causa. (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:17:19 até ao tempo 00:18:36; a partir do tempo 00:20:13 até ao tempo 00:20:45; a partir do tempo 00:29:01 até ao tempo 00:32:31; a partir do tempo 00:44:10 até ao tempo 00:44:48).
ZZ. Como corolário do antedito, deverá o facto provado S) ser mantido nos exatos termos ficados pelo Tribunal a quo.
AAA. Contrariamente ao alegado, todo o trabalho descrito no facto V) foi efetivamente desenvolvido pela Recorrida, através de AA, não estando em causa “meras propostas”.
BBB. É o que resulta da prova abundantemente produzida nos autos, remetendo-se, por economia processual, para tudo quanto foi já referido nos pontos precedentes, deverá o facto provado V) ser mantido nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
CCC. Alega a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao não dar como provados os factos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da Sentença, invocando, desde logo, que do documento n.º 3 junto com a Contestação resulta a celebração de um contrato promessa para aquisição de participação social em empresa a constituir pela Recorrida.
DDD. O teor literal do referido documento não permite inferir qualquer conclusão nesse sentido.
EEE. Atendendo à prova produzida – nomeadamente, ao depoimento da testemunha AA (Ficheiro de Áudio do depoimento da Testemunha AA, a partir do tempo 00:28:10 até ao tempo 00:28:52) e ao depoimento do Legal Representante da Recorrida (Ficheiro de Áudio do depoimento do Legal Representante da Recorrida, a partir do tempo 00:01:51 até ao tempo 00:02:55) - , resulta claro que o que existiu foram meros atos de negociações prévios à eventual constituição futura de sociedades comerciais, através das quais seriam explorados os estabelecimentos C... e D....
FFF. Não foi celebrado entre as Partes qualquer negócio jurídico. Não existiu qualquer encontro de declarações de vontade das Partes do qual resultasse a promessa de compra e venda de qualquer participação social, nem se obrigou a Recorrida à constituição de uma qualquer sociedade.
GGG. Sem deixar de sublinhar que o interesse inicial da Recorrente estava dirigido à D..., e não ao projeto C..., pelo que nenhum sentido faria que ali se prometesse já a celebração de qualquer negócio tendente à constituição de sociedade comercial que explorasse esta última.
HHH. Mais, ficou já cabalmente demonstrado nos autos que a transferência do valor de 10.000 Euros se deveu ao pagamento da transmissão do conceito C..., nenhum elemento existindo, pelo contrário, do qual pudesse inferir-se ser tal valor devido a título de sinal para aquisição de uma qualquer participação social.
III. Por fim, na apreciação que fez do depoimento do Sr. DD, não ignorou certamente o douto Tribunal a quo que, conforme avançado pela própria testemunha, esta não teve qualquer intervenção nas negociações aludidas, apenas tendo ficado inteirada do assunto pelo que lhe transmitiu o seu sócio. (Ficheiro de Áudio do depoimento da Testemunha DD, a partir do tempo 00:00:06 até ao tempo 00:01:00; a partir do tempo 00:01:48 até ao tempo 00:02:21; a partir do tempo 00:03:38 até ao tempo 00:03:53; a partir do tempo 00:26:21 até ao tempo 00:27:15).
JJJ. Em face do exposto, devem os factos não provados 1.º, 2.º, 3.º e 4.º ser mantidos nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
KKK. A propósito dos factos não provados 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da Sentença, a Recorrente não logrou demonstrar a existência de qualquer negócio prometido, nem que a desistência do alegado negócio resultou de acordo entre a Recorrente e a Recorrida, “tendo sido decidido que não havia condições para o efetivar e concretizar”. Porque, efetivamente, não foi isso que aconteceu.
LLL. Se nenhum negócio chegou a ser celebrado, tal sucedeu por vontade e iniciativa exclusivas da Recorrente. Aliás, como transparentemente esclareceu a testemunha AA, nenhum interesse teria a Recorrida em que as negociações não avançassem. (Ficheiro de Áudio do depoimento da testemunha AA, a partir do tempo 00:20:13 até ao tempo 00:24:02).
MMM. A Recorrida jamais poderia ter assumido qualquer obrigação de devolver à Recorrente os 10.000 Euros que lhe haviam sido transferidos. Até porque, tendo sido esses 10.000 Euros pagos para a transmissão do conceito, foi a própria Recorrida quem estabeleceu que tal pagamento não seria reembolsável – conforme resulta do documento n.º 3 junto com a Contestação (e-mail enviado a 23 de fevereiro de 2021).
NNN. A Recorrente procura socorrer-se de um documento (documento n.º 3 junto com a Petição Inicial) que jamais poderá fazer prova do pretendido, tratando-se de uma comunicação de e-mail isolada, remetida pela própria a AA, sem qualquer antecedente ou resposta, e cujo contexto não foi explicado ao Tribunal.
OOO. Nestes termos, devem os factos não provados 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º ser mantidos nos exatos termos fixados pelo Tribunal a quo.
V. DO DIREITO
PPP. A Recorrente intentou a presente Ação Declarativa peticionando a condenação da Recorrida no pagamento de 10.000,00 Euros, em decorrência, alegadamente, da revogação de contrato promessa de compra e venda; subsidiariamente, pediu a condenação na restituição do valor de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa.
QQQ. Ora, da factualidade dada como provada não decorre que as partes tenham celebrado um contrato-promessa.
RRR. Assim sendo, em consequência, naturaliter, também não resultou provado o acordo de revogação do contrato-promessa, pelo que o pedido principal só poderia ser julgado improcedente.
SSS. Bem andou o Tribunal a quo.
TTT. Peticionou, ainda, a Autora, a título subsidiário, a restituição do mesmo montante a título de enriquecimento sem causa.
UUU. O Código Civil, após a enunciação do princípio geral (enriquecimento sem causa), que decorre do n.º 1 do artigo 473.º, acrescenta, no n.º 2 do mesmo preceito, que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que se não verificou”.
VVV. No caso sub judice, entendeu o Tribunal a quo que se verifica que a Recorrente entregou à Recorrida determinando montante, no âmbito de negociações tendo em vista um projetado negócio.
WWW. Contudo, entendeu que não provou a Recorrente qual foi a causa dessa transferência de dinheiro, designadamente se o foi a título de sinal, se decorreu da transferência do conceito quanto ao negócio C..., ou outro motivo.
XXX. Pelo exposto, não tendo a Recorrida demonstrado o invocado enriquecimento sem causa, resulta a improcedência do pedido subsidiário.
YYY. Aliás, atente-se no seguinte: se foi dado como provado que a Recorrida transmitiu o conceito à Recorrente, evidentemente que não o teria transmitido a título gratuito.
ZZZ. O montante de 10.000 Euros corresponde, efetivamente, ao pagamento do que resulta da matéria de facto dado como provada nas alíneas M), N), O), R), T), U), V), X) da Sentença.
VI. CONCLUSÕES DO RECURSO SUBORDINADO
• DO PEDIDO RECONVENCIONAL
AAAA. Vem o presente Recurso subordinado interposto da Sentença proferida na parte em que decide: “Uma vez que a reconvenção, foi pedida subsidiariamente, fica prejudicado o seu conhecimento.”
BBBB. A Ré (ora Recorrente) apenas recorre subordinadamente, usando da faculdade que lhe concede o artigo 633.º do Código de Processo Civil, porquanto se conformou, até ser notificada da interposição do recurso da contraparte, com a decisão ora recorrida, a qual, no cômputo geral, não merece qualquer censura.
CCCC. Na sua Contestação, a Ré formulou os seguintes pedidos: 1. Ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido, declarando-se a existência de um direito de crédito da Ré de 10.000 Euros, decorrente da conceção e transmissão do conceito e ideia do projeto C..., sendo, em consequência, a Autora condenada no respetivo pagamento; 2. Ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido, declarando-se a existência de um direito de crédito da Ré no valor de 9.000 Euros, como contrapartida pelos trabalhos prestados nos meses de fevereiro, março e abril de 2021, sendo, em consequência, a Autora condenada no respetivo pagamento;
DDDD. Os pedidos formulados pela Ré não foram feitos a título subsidiário.
EEEE. O que se pediu, a título subsidiário, foi: “Sem prescindir, caso proceda, total ou parcialmente, o pedido da Autora, 1. Operar, nos termos dos artigos 847.º e ss. do Código Civil, a compensação dos créditos detidos por Autora e Ré na parte correspondente”.
FFFF. In casu, resulta do acervo factual dado como provado inúmeros trabalhos executados, bem como a transmissão de vários fatores, estando cabalmente demonstrada a justificação para a procedência dos pedidos reconvencionais. Recorde-se, hic et nunc, que foi dada como provada a matéria constante das alíneas M), N), O), R), S), T), U), V), X), Z), A)’ e C)’ da Sentença.
GGGG. Assim sendo, sempre os pedidos reconvencionais deveriam ter sido julgados procedentes, pelo que mal andou o Tribunal a quo.
HHHH. Revogando, nessa parte, a sentença proferida, julgando os pedidos reconvencionais procedentes, fará o Tribunal justiça, o que aqui expressamente se requer.
• DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IIII. Em decorrência do antedito, e de tudo quanto já se expôs em sede de contra-alegações, deveria o Tribunal a quo ter feito também constar do elenco dos factos provados os seguintes factos dados como não provados (constantes da sentença): 27.º, 28.º, 29.º.
JJJJ. Da prova documental junta – designadamente, documentos n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com a Contestação – resulta claro que as Partes, efetivamente, acordaram que, pela transmissão do conceito concebido para o negócio C..., a Autora pagaria à Ré a quantia de 10.000 Euros.
KKKK. Assim como resulta especificamente do documento n.º 7 junto com a Contestação que a Ré, através de AA, executou múltiplas tarefas, entre as quais se incluiu a compra de equipamentos, organização das redes sociais, contratação da Uber e contratação de fotógrafo.
LLLL. Tudo o que foi ainda claramente explicado ao Tribunal pelo Legal Representante da Ré e pela testemunha AA – remetendo-se, a este propósito, para o antedito em sede de contra-alegações, nomeadamente para os respetivos pontos 152, 162, 177 e 210.
MMMM. Face ao retro exposto, os pedidos reconvencionais deduzidos encontram respaldo e guarida no acervo fatual dado como provado, assentando exatamente naquilo que é a matéria de facto provada.
NNNN. E se não fosse suficiente, da impugnação da matéria de facto não provada resulta que i) a Autora procedeu ao pagamento da quantia de 10.000 Euros como como contrapartida pela elaboração e transmissão, pela Ré, do conceito e ideia do Projeto C..., ii) e que os serviços que a Ré prestou à Autora, nos meses de fevereiro, março e abril, incluem a compra de equipamentos, organização das redes sociais, contratação da Uber e contratação de fotógrafo.
OOOO. Assim, requer-se a V. Exas. sejam os pedidos reconvencionais (deduzidos a título principal e/ou a título subsidiário) julgados procedentes.
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A A. contra-alegou por referência ao recurso subordinado, rematando nos moldes que se seguem.
E CONCLUSÕES
I. O PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE A SEGUIR À EXPRESSÃO “CONCOMITANTEMENTE”, FOI UM PEDIDO SUBSIDIÁRIO, PELO QUE O TRIBUNAL A QUO NÃO ESTAVA OBRIGADO À SUA APRECIAÇÃO.
II. O FACTO N DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS, DEVERÁ SER ALTERADO, NA MEDIDA EM QUE NÃO FOI FEITA QUALQUER PROVA DO PONTO 2 DO REFERIDO PONTO, ALIÁS A PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL CONTRARIA TAL FACTO. EM CONSEQUÊNCIA, O PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE DE PAGAMENTO DE 10.000,00 PELA TRANSMISSÃO DO KNOW-HOW DO PROJETO C... TERÁ DE IMPROCEDER.
III. O TRIBUNAL A QUO CONSIDERA PROVADOS OS FACTOS R E X, ASSENTES NA IDEIA DE TRANSMISSÃO PELA RECORRENTE À RECORRIDA DE CONCEITO, IDEIA E KNOW-HOW DO RESTAURANTE C..., O QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NA PROVA PRODUZIDA, NOMEADAMENTE NO DEPOIMENTO DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA RECORRENTE, DEVENDO TAIS FACTOS SER CONSIDERADOS IMPROCEDENTES, ASSIM COMO O PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE.
IV. O TRIBUNAL A QUO CONSIDEROU PROVADO O FACTO S), COM FUNDAMENTO NA CONFISSÃO EFETUADA PELO LEGAL REPRESENTANTE DA RECORRIDA, SUCEDE, PORÉM, QUE OS FACTOS PROVADOS SÃO APENAS OS FACTOS 64.º E 103.º, E O FACTO S) RESULTA DOS FACTOS 101.º E 102.º, PELO CARECE TAL FACTO DE PROVA, DEVENDO SER CONSIDERADO NÃO PROVADO.
V. O TRIBUNAL A QUO CONSIDEROU PROVADO O FACTO V, O QUE FUNDAMENTOU NA CONFISSÃO EFETUADA PELO LEGAL REPRESENTANTE DA RECORRIDA, SEM QUE TAL CORRESPONDA À REALIDADE, PORQUANTO DEVERIA TER SIDO ADITADO QUE TAL SUCEDEU EM CONTEXTO DE NEGOCIAÇÕES ENTRE RECORRENTE E RECORRIDA.
VI. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO EFETUADA SUPRA RESULTA MANIFESTO A EXISTÊNCIA D FUNDAMENTO AO PEDIDO DEDUZIDO PELA RECORRENTE.
VII. O TRIBUNAL A QUO CONSIDEROU PROVADO O FACTO M, CONTUDO, NENHUM ELEMENTO DE PROVA PERMITE CONCLUIR PELA TRANSMISSÃO DE KNOW-HOW, CONCEITO QUE, ALIÁS, NUNCA FOI REFERIDO ENTRE AS PARTES, NAS VÁRIAS PROPOSTAS E CONTRAPROPOSTAS APRESENTADAS, PELO QUE TAL CONCEITO DEVERÁ SER RETIRADO DO FACTO M, COM A CONSEQUENTE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE A ESSE TÍTULO.
VIII. OS FACTOS O, T E U ENCONTRAM-SE EM CONTRADIÇÃO ENTRE SI, PORQUANTO NADA PERMITE CONCLUIR PELA TRANSMISSÃO DE QUALQUER PROPRIEDADE ENTRE RECORRENTE E RECORRIDA E O MENCIONADO CONCEITO E IDEIAS FORAM APRESENTADOS À RECORRIDA EM 12.02.2021, ISTO É, EM MOMENTO ANTERIOR ÀS PROPOSTAS APRESENTADAS E CONTRAPROPOSTAS, PELO QUE É CONTRÁRIO ÀS REGRAS DA LÓGICA E DA EXPERIÊNCIA COMUM CONSIDERAR QUE ALGO QUE JÁ TINHA SIDO APRESENTADO PELA RECORRENTE À RECORRIDA, ERA AGORA OBJETO DE NEGOCIAÇÃO E PAGAMENTO DE 10.000,00€, PELO QUE TAMBÉM NESTA MEDIDA, CONSIDERANDO NÃO PROVADO O FACTO O DEVERIA SER EXCLUÍDO DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS, E ALTERADA A FORMULAÇÃO DO FACTO T.
IX. O PONTO Z) DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS NÃO PERMITE RETIRAR A CONCLUSÃO QUE DELE A RECORRENTE PRETENDE EXTRAIR, PORQUANTO A PRÓPRIA RECORRENTE SE REFERE A AA ENQUANTO SUA TRABALHADORA E NÃO TRABALHADORA DA RECORRIDA.
X. OS FACTOS 30, 31, 32 E 33 DEVERÃO SER CONSIDERADOS PROVADOS, PORQUANTO RESULTAM DA MATÉRIA DA PROVA PRODUZIDA, ASSIM COMO DA PRÓPRIA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO.
XI. A RECORRENTE FUNDA OS SEUS PEDIDOS NA TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, A QUAL NÃO FOI CAPAZ DE DEMONSTRAR, PORQUANTO A MESMA NÃO OCORREU E É A RECORRENTE, CONFORME CONFESSA, QUEM SE ENCONTRA A TIRAR O PROVEITO DO MENCIONADO PROJETO C..., PELO QUE O PEDIDO DE PAGAMENTO PELA TRANSMISSÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL HAVERÁ DE IMPROCER.
XII. A RECORRENTE NÃO DEMONSTRA A CELEBRAÇÃO E QUALQUER CONTRATO DE TRABALHO ENTRE AA E A RECORRIDA OU QUALQUER CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ENTRE RECORRENTE E RECORRIDA, SEQUER APRESENTA QUALQUER FATURA OU PROVA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, PELO QUE TAMBÉM NESTA SENDA, HAVERÁ DE IMPROCEDER O PEDIDO FORMULADO.
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II - As questões que importa resolver são as que ora se enunciam.
a - Da intempestividade do recurso
b - Se a sentença é nula por omissão de pronúncia
c - Da reapreciação da matéria de facto
d - Da apreciação da matéria jurídica da causa
e - Do recurso subordinado: o pedido reconvencional formulado.
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III - Fundamentação de facto

A matéria dada como provada em primeira instância foi a que se segue.
A)- A autora procedeu à transferência do montante de 10.000,00€ (dez mil euros) para a conta bancária da ré (artigo 3.º e doc. 1 da petição inicial).
B)- Foram encetadas negociações entre a autora e a ré, com vista à criação de um projeto comum (artigo 24.º da contestação).
C)- Projeto esse que abrangeria, entre outros negócios, a constituição de uma sociedade comercial através da qual seria explorado o restaurante C... (artigo 25.º da contestação).
D)- Em agosto de 2020, a autora, representada pelo seu gerente, BB, contactou AA - à data, trabalhadora da ré, e cônjuge do seu único sócio e gerente, EE - apresentando-se como um grande grupo de restauração em Lisboa com interesse em investir no Porto (artigo 31.º da contestação).
D)- A autora manifestou interesse em adquirir o estabelecimento de restauração D..., do qual é proprietário o pai de AA, tendo, nesse contexto, proposto a contratação desta última para assegurar a respetiva coordenação (artigo 32.º da contestação - facto confessado - v. ata da audiência).
E)- Condição que demonstrou a demandante ser essencial para a conclusão do aludido negócio (artigo 33.º da contestação - facto confessado – v. ata da audiência).
F)- Perante tal abordagem, AA informou a autora de que estaria já a conceber um outro projeto, também de restauração, ao qual pretendia dar prioridade – concretamente, o restaurante C....
G)- O que sucedeu já com a intervenção da ré – à data, entidade empregadora de AA (artigo 36.º da contestação).
H)- Vislumbraram, nesse seguimento, autora e ré, a possibilidade de, em conjunto, explorarem os dois negócios – D... e C... (artigo 37.º da contestação, facto confessado – v. ata da audiência).
I)- Procurou a autora reunir presencialmente com a ré, a fim de a convencer a, conjuntamente, lograram a concretização do negócio (artigo 44.º da contestação).
J)- As partes, representadas pelos respetivos gerentes, reuniram em fevereiro de 2021, ocasião em que esteve também presente AA (artigo 45.º da contestação, facto confessado – v. ata da audiência).
L)- Procurando tornar inequívoco o interesse no projeto conjunto, a autora chegou, inclusivamente, a remeter à ré uma cópia da sua estrutura interna (organigrama), demonstrando que a ré (através de AA) fazia já parte da mesma (artigo 48.º da contestação).
M)- Depois de algum período de reflexão, e sem prejuízo das dificuldades sentidas na conceção de um plano que fosse justo para ambas as Partes, conforme e-mail remetido à Autora, no dia 23 de fevereiro de 2021, a ré, referindo-se exclusivamente ao projeto C..., formalizou, por escrito, a seguinte proposta:
1. Como contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante (know-how), incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, a autora pagaria à ré o valor de 10.000 Euros - valor esse que, expressamente, determinou a demandada ser não reembolsável;
2. Posteriormente, as partes procederiam à constituição de uma sociedade comercial através da qual explorariam o restaurante, sendo que a autora realizaria uma entrada de 10.000 euros, adquirindo a correspondente participação de 40% do capital social (artigo 49.º da contestação).
N)- Nessa sequência, a autora aditou e alterou a proposta da ré nos seguintes termos:
1. Realizaria um investimento de 25.000 Euros (a título de entrada), e não de 10.000 Euros, para aquisição de participação social de 40% na sociedade comercial (a constituir) que deteria o restaurante C...;
2. Além dos 10.000 Euros devidos pela transmissão do know how do negócio C..., pagaria um valor mensal de 3.000 Euros pelo trabalho de coordenação de ambos os restaurantes, C... e D..., trabalho que seria desenvolvido por AA, ao que acresceriam outras ajudas (como telefone, gasolina, computador, despesas de representação e meio de transporte) (artigo 50.º da contestação facto confessado, teor do email – v. ata da audiência).
O)- Sem prejuízo de ter a ré iniciado trabalhos com vista à elaboração do conceito do restaurante C... (artigo 51.º da contestação).
P)- Nenhuma das negociações tendentes à constituição de sociedades comerciais - através das quais seriam explorados cada um dos estabelecimentos de restauração - chegou a avançar (artigo 53.º da contestação facto confessado – v. ata da audiência).
Q)- Não tendo, por consequência, sido celebrado qualquer negócio nesse sentido (artigo 54.º da contestação facto confessado – v. ata da audiência).
R)- A ré procedeu à elaboração de todo o conceito e ideia do restaurante C..., informação que transmitiu, na íntegra, à autora (artigo 63.º da contestação).
S)- Assim como executou, durante três meses (fevereiro, março e abril de 2021) trabalhos de coordenação e organização com vista à abertura e funcionamento do estabelecimento C... e arranjo de local alternativo para a D... (artigo 64.º da contestação, 101.º e 102.º - v. ata da audiência).
T)- Na sequência da reunião presencial realizada entre as partes, em inícios de fevereiro de 2021, começou a ré por transmitir à autora o que havia sido concebido para o projeto C..., nos termos constantes do email de 12 de fevereiro de 2021 (artigo 77.º da contestação, facto confessado, o teor do email – v. ata da audiência).
U)- Nessa mesma data, a ré partilhou com a autora o menu que havia elaborado para o restaurante, do qual constavam os vários pratos típicos que seriam disponibilizados, assim como a correspondente listagem de preços (artigo 78.º da contestação facto confessado – v. ata da audiência).
V)- Seguiram-se vários contactos entre as partes, através dos quais a ré foi transmitindo o conceito concebido para o negócio C..., o que incluía, além da logotipo e menu e imagem, food cost, toda a organização, decoração e modo de funcionamento do estabelecimento (artigo 79.º da contestação, parcialmente confessado – v. ata da audiência).
X)- A autora não só adquiriu know how do negócio, como foi manifestando a sua opinião sobre o mesmo perante a ré (artigo 80.º da contestação).
Z)- De facto, durante tal interregno referido em S), a ré, através da sua trabalhadora AA, reuniu por ZOOM com trabalhadores da autora com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes (artigo 103.º da contestação, parcialmente confessado e ata da audiência).
A)’- executou múltiplas tarefas, como:
- Apresentação de propostas de lay out da cozinha e restaurante da D...;
- Reuniões por zoom com trabalhadores da Autora, com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes (artigo 103.º da contestação).
C)’- Em várias dessas reuniões – presenciais e com recurso aos meios à distância – foi sendo apresentada a colaboração de FF no projeto (artigo 18.º da réplica).
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2.2.- Factos não provados
1.º- No dia 8 de março de 2021, a autora, representada pelo seu gerente BB, e a ré, representada pelo seu gerente EE, celebraram um contrato promessa de compra e venda de participação social (artigo 1.º da petição inicial).
2.º- Nos termos do referido contrato, a autora comprometia-se a adquirir participação social, no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) correspondente a 40% do capital social da sociedade a constituir, sob a firma C..., a qual viria a explorar o restaurante com igual denominação - “C...” (artigo 2.º da petição inicial) (teor do email, doc. 3 – v. ata da audiência).
3.º- A título de sinal e princípio de pagamento (artigo 3.º e doc. 1 da petição inicial).
4.º- O montante transferido de 10.000,00 (dez mil euros), resulta de acordo celebrado entre as partes, no âmbito do contrato promessa compra e venda, conforme e-mail trocado entre autora e ré em 23 de fevereiro de 2021 (artigo 4.º e doc. 2 da petição inicial).
5.º- Acontece que, por acordo entre autora e ré foi decidido que não havia condições para efetivar e concretizar o referido negócio prometido, revogando-se o contrato promessa e restituindo-se tudo quanto havia sido prestado (artigo 5.º da petição inicial).
6.º- Em decorrência, a ré não procedeu à constituição de qualquer sociedade comercial, conforme estava obrigada pela celebração do contrato promessa de compra e venda (artigo 6.º da petição inicial).
7.º- Sendo solicitado pela autora à ré que procedesse à devolução do sinal prestando, no montante de 10.000,00€ (dez mil euros) (artigo 7.º da petição inicial).
8.º- A ré, contudo, solicitou à autora que a devolução do sinal prestado fosse efetuada de forma faseada (artigo 8.º e doc. 3 da petição inicial).
9.º- A autora concordou com a devolução de forma faseada (artigo 9.º da petição inicial).
10.º- Motivo pelo qual dificilmente conseguiria assegurar o exercício das funções, por aquela, propostas (artigo 34.º da contestação).
11.º- Após alguma insistência da autora, à qual se aliou o desejo de AA em ver concretizado o trespasse do estabelecimento do seu pai, acabaram por ser discutidas algumas possibilidades de negócio (artigo 35.º da contestação).
12.º- Mostrado, a autora passou largos períodos de tempo sem estabelecer qualquer contacto com a ré, criando nesta última a convicção de que perdera o interesse na concretização de qualquer projeto conjunto (artigo 39.º da contestação).
13.º- Perante o silêncio da autora, e porque nenhum vínculo havia sido estabelecido entre as partes, a ré decidiu avançar, sozinha, com o projeto C... (artigo 40.º da contestação).
14.º- Projeto esse que, conforme nunca se coibiu de demonstrar, pretendia lançar no mercado o quanto antes (artigo 41.º da contestação).
15.º- Decorridos mais de cinco meses desde o último contacto entre as partes, em janeiro de 2021, a autora regressou ao contacto da ré, momento em que lhe implorou que não desistisse da ideia de, conjuntamente, explorarem os estabelecimentos de restauração C... e D... (artigo 42.º da contestação).
16.º- A ré informou, nesse momento, a autora que havia já dado início à estruturação do restaurante C..., plano no qual tencionava manter todo o seu foco (artigo 43.º da contestação).
17.º- Atraída pelo modus operandi adotado na concretização de tal iniciativa, (artigo 44.º da contestação).
18.º- - Nesse contexto, a autora apresentou as seguintes propostas: (1) Por um lado, a ré conceberia todo o projeto (conceito e ideia) para ambos os restaurantes – D... e C... -, sendo tal prestação de serviços devidamente remunerada; (2) Por outro lado, a ré, através de AA, ficaria responsável pela organização e coordenação (de abertura e funcionamento) de ambos os restaurantes (D... e C...), mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de 3.000 Euros; (3) Por fim, cada uma das partes teria uma participação social nas sociedades comerciais a constituir com vista à exploração dos restaurantes – D... e C... (artigo 46.º da contestação).
19.º- A ré ficou de analisar a proposta apresentada pela autora, informando-a, subsequentemente, sobre as condições com base nas quais estaria disposta a negociar (artigo 47.º da contestação).
20.º- E assim sucedeu por vontade e iniciativa da autora (artigo 55.º da contestação).
21.º- A qual, (só) após todo o trabalho já desenvolvido pela ré, concluiu não estarem reunidas as condições necessárias para que as partes avançassem conjuntamente com a exploração dos estabelecimentos (artigo 56.º da contestação).
22.º- A divergência de vontades terá surgido na medida em que, alegadamente, a autora não se conformava com a prioridade que a ré pretendia conferir ao projeto C..., procurando aquela, ao invés, concentrar-se em maior medida no projeto D... (artigo 58.º da contestação).
23.º- Daqui resultou que, por vontade da autora, expressamente comunicada à ré, se revelassem frustradas todas as negociações estabelecidas com vista à constituição da sociedade comercial através da qual tencionavam as partes explorar o restaurante C... (artigo 59.º da contestação).
24.º- Acabando, de igual modo, a autora por recuar na sua pretensão de adquirir o estabelecimento comercial D... (artigo 60.º da contestação).
25.º- Em suma: por iniciativa da autora, e só da autora, as partes não avançaram com a concretização dos negócios tendentes à constituição de sociedades comerciais através das quais explorariam conjuntamente os restaurantes C... e D... (artigo 61.º da contestação).
26.º- Foi a autora quem, por sua livre iniciativa, comunicou à ré que não mais pretendia avançar com o negócio (artigo 71.º da contestação).
27.º- Pela prestação de tal serviço a autora procedeu ao pagamento da quantia de 10.000 Euros (artigo 81.º da contestação).
28.º- Quantia essa que, à luz do estipulado pelas partes, seria devida à ré como contrapartida pela elaboração e transmissão do conceito e ideia do projeto C... (artigo 82.º da contestação).
29.º- Compra de equipamentos; Organização das redes sociais; Contratação da Uber;
- Contratação de fotógrafo (artigo 103.º da contestação).
30.º- Foi a autora quem transmitiu à ré a ideias necessárias a prosseguir com o projeto C..., conforme resulta do teor das publicações constantes da página de Facebook “C... Restaurante” (artigo 21.º da réplica).
31.º- fruto de uma estrutura sólida, com um volume de negócio considerável, com vasto conhecimento técnico e influência no mundo da restauração (artigo 29.º da réplica).
32.º- Para o efeito, a ré solicitou a criação de um software de gestão para o projeto C..., bem como a gestão de redes sociais e ainda a negociação de um contrato financeiramente mais favorável com a Uber Eats, entidade essencial ao prosseguimento da atividade da C... (artigo 32.º da réplica).
33.º- Vendo-se ainda confrontada com a falta de pagamento pontual pela R./R., no que respeita à gestão das redes sociais, o que determinou o anulamento do recibo emitido em seu nome e passado em nome da A./R.., cfr. doc. n.º 5 e 6 (artigo 33.º da réplica).
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IV - Subsunção jurídica

a - Da intempestividade do recurso
A R. alega que o recurso interposto pela A. o foi intempestivamente porquanto esta beneficiou do alargamento do prazo de interposição em função da invocação de que pretendia ver a matéria de facto reapreciada. Todavia, tal não se verificou.
O art.º 638.º/7 do C.P.C. estabelece que se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
O art.º 640.º do C.P.C. estabelece um ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto. Assim, do seu n.º 1 consta que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 2 do mesmo art.º 640.º acrescenta:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Visando o recurso a impugnação da matéria de facto, cabe ao tribunal ad quem proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, para o que deverá reapreciar a prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso e outros que entenda relevantes.
Para tanto, o legislador impõe ao recorrente o cumprimento de regras de conteúdo e forma, de molde a evitar uma completa ou parcial repetição do julgamento. Está excluída a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto. Admite a revisão de questões de facto concretas, relativamente às quais o recorrente concretize fundadas divergências.
Embora se não exija a transcrição dos excertos da gravação que se considerem importantes, é imperioso que o apelante indique com precisão as passagens da gravação que tem como significativas e relevantes para que o tribunal de recurso aprecie a sua pretensão.
Ana Luísa Geraldes (“Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto” http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf) discorre sobre esta temática: “(…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.
E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afetados por perjúrio.
Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”
É certo que a A. omite nas conclusões das alegações a referência aos factos que pretende ver reapreciados, aos meios probatórios que conduzem a tal desiderato e à decisão que deve ser proferida. Sem embargo, tal conteúdo consta do corpo das alegações.
Veja-se o sumário do ac. do S.T.J. de 17-11-2021 (proc. 8344/17.6T8STB.E1.S1, Tibério Nunes): I - Numa impugnação da decisão da matéria de facto deve constar das conclusões a indicação dos concretos pontos de facto tidos por incorretamente julgados. Não se impõe que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa. II - Tendo o tribunal da Relação identificado o ponto da matéria de facto impugnado, bem como a “resposta” (não provado) que o recorrente pretendia que lhe fosse dada e estando reunidos os demais requisitos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, não havia motivo para rejeitar (como não se rejeitou, dela se conhecendo) a impugnação.
Pese embora seja claro que a recorrente não identificou os elementos supra apontados nas conclusões, não corresponde à realidade que não haja posto em crise a matéria de facto. Identificou os factos a alterar, a solução alternativa e os meios de prova em que baseia a sua pretensão, incluindo transcrição de depoimentos e minutos da gravação correspondentes, ainda que, e apenas, no corpo das alegações.
A apelante fez, pois, presumivelmente, uso do alargamento do prazo que a lei concede para reapreciação da prova gravada.
Não se adere, pois, à tese da recorrida no sentido da intempestividade do recurso interposto.
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b - Da nulidade da sentença
A A. sustenta que a sentença proferida é nula nos termos do art.º 615.º/1/b do Cód. de C.P.C. porquanto não especificaria os fundamentos de facto e de direito da decisão.
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Preceitua o art.º 615.º/1/d do C.P.C. que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Os vícios apontados pela A. não se referem, nem a oposição entre os fundamentos e a decisão, nem a omissão de pronúncia. A A. insurge-se, isso sim, por um lado, contra a matéria apurada - existiria erro de julgamento de facto correspondente a uma distorção da realidade factual - e, por outro lado, contra o sentido da decisão proferida em 1.ª instância - estaria neste caso em causa erro de direito, correspondente à aplicação inadequada da realidade normativa.
Lê-se no ac. do S.T.J, de 3-3-2021 (proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Leonor Cruz Rodrigues): há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma»).
As imputações efetuadas à sentença não consubstanciam a arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia, antes visando a recorrente pôr em crise o conteúdo do juízo efetuado.
Assim, indeferem-se as arguidas nulidades.
*

c - Da reapreciação da matéria de facto
Posto que a A./recorrente identificou os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios que imporiam decisão diversa e a decisão que deve ser proferida (art.º 640.º/1/a, b, c do C.P.C.), proceder-se-á à análise da matéria de facto posta em crise.
A al. N) dos factos assentes tem o seguinte teor:
Nessa sequência, a autora aditou e alterou a proposta da ré nos seguintes termos: 1. Realizaria um investimento de 25.000 Euros (a título de entrada), e não de 10.000 Euros, para aquisição de participação social de 40% na sociedade comercial (a constituir) que deteria restaurante C...; 2. Além dos 10.000 Euros devidos pela transmissão do know how do negócio C..., pagaria um valor mensal de 3.000 Euros pelo trabalho de coordenação de ambos os restaurantes, C... e D..., trabalho que seria desenvolvido por AA, ao que acresceriam outras ajudas (como telefone, gasolina, computador, despesas de representação e meio de transporte) (artigo 50.º da contestação facto confessado, teor do e-mail – v. ata da audiência).
Entende a apelante que o ponto 2 do referido facto não encontra respaldo no documento. Mais aduz que o Tribunal a quo estava vinculado, através da prova documental, amplamente explicada em sede de depoimento de parte, a considerar como provado o teor das propostas e contrapropostas apresentadas e não quaisquer deduções com influência direta na causa.
Finaliza: do elenco dos factos provados, haveria de constar apenas:
Nessa sequência, a autora aditou e alterou a proposta da ré nos seguintes termos: 1. Realizaria um investimento de 25.000 Euros (a título de entrada), e não de 10.000 Euros, para aquisição de participação social de 40% na sociedade comercial (a constituir) que deteria o restaurante C...; 2. Pagaria um valor mensal de 3.000 Euros pelo trabalho de coordenação de ambos os restaurantes, C... e D..., trabalho que seria desenvolvido por AA, ao que acresceriam outras ajudas (como telefone, gasolina, computador, despesas de representação e meio de transporte).
Está em causa a supressão da referência a € 10 000, 00 no ponto 2 da alínea N).
É, porém, assinalada no doc. n.º 3 junto com a contestação (e-mail de 23 de fevereiro de 2021), com origem em AA, assinado por AA e EE, a exigência de um valor de entrada no projeto de € 10000, 00 não reembolsável, uma forma de ser paga toda a ideia e conceito. Emerge deste documento que, para que pudesse existir eventual interesse no negócio, seria essencial que a A. suportasse um custo pela ideia e conceito pré-existentes. Em contrário do propugnado pela R., o facto assinalado tem precisamente em consideração o teor do doc. n.º 3. A testemunha AA, aliás, depôs nesse exato sentido. Reputa-se, pois, de fundada a formação da convicção do tribunal de 1.ª instância.
A apelante considera que o facto provado sob a letra “L” não o deveria ter sido.
Tem este o seguinte teor:
L - Procurando tornar inequívoco o interesse no projeto conjunto, a autora chegou, inclusivamente, a remeter à ré uma cópia da sua estrutura interna (organigrama), demonstrando que a ré (através de AA) fazia já parte da mesma.
O doc. 2 junto com a contestação respeita a e-mail remetido a AA em 13-2-2021, que anexa a estrutura organizativa da A.. Do depoimento de CC, emergiu que o e-mail foi enviado por esta com o conhecimento de BB e de DD, ambos sócios da A.. Segundo a aludida testemunha, o envio do e-mail evidenciava a perspetiva de evolução com a R., socorrendo-se de AA.
AA esclareceu que o organigrama lhe havia sido remetido para demonstrar que a R. integrava a organização da A..
Soçobra, pois, a pretensão de eliminação da apelante.
A A./recorrente requer que a matéria das alíneas R), S) e X) dos factos assentes seja dada como não provada.
As alíneas em causa rezam o seguinte:
R) A ré procedeu à elaboração de todo o conceito e ideia do restaurante C..., informação que transmitiu, na íntegra, à autora (artigo 63.º da contestação).
S) Assim como executou, durante três meses (fevereiro, março e abril de 2021) trabalhos de coordenação e organização com vista à abertura e funcionamento do estabelecimento C... e arranjo de local alternativo para a D... (artigo 64.º da contestação, 101.º e 102.º - v. ata da audiência).
X) A autora não só adquiriu know how do negócio, como foi manifestando a sua opinião sobre o mesmo perante a ré (artigo 80.º da contestação).
Em sede de depoimento de parte, o legal representante da A. reconheceu que em 2021 foram executados trabalhos com vista à abertura e funcionamento do estabelecimento C..., confirmou o teor do e-mail enviado pela R. em 12-2-2021, reconheceu que a R. partilhou o menu, os preços e o logotipo. Admitiu que a R. partilhou com a A. o menu que havia elaborado para o restaurante, do qual constavam os vários pratos típicos que seriam disponibilizados, assim como a correspondente listagem de preços. Do documento n.º 5 junto com a contestação resulta a transmissão do conceito do projeto C..., aí se incluindo o logotipo, o menu completo, a imagem, o food cost, a organização, a decoração e modo de funcionamento. Do documento n.º 6 junto com a contestação ressalta que a A. foi exteriorizando a sua opinião sobre o conceito de que lhe foi sendo dada conta. AA explicitou como foi transmitido à A. o conceito do projeto.
Não se entrevê, por isso, fundamento para eliminar os pontos R, X e S.
A A. aduz que o tribunal andou mal ao não dar como provados os factos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º.
Esses factos não provados são os seguintes:
1.º- No dia 8 de março de 2021, a autora, representada pelo seu gerente BB, e a ré, representada pelo seu gerente EE, celebraram um contrato promessa de compra e venda de participação social (artigo 1.º da petição inicial).
2.º- Nos termos do referido contrato, a autora comprometia-se a adquirir participação social, no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) correspondente a 40% do capital social da sociedade a constituir, sob a firma C..., a qual viria a explorar o restaurante com igual denominação - “C...” (artigo 2.º da petição inicial) (teor do email, doc. 3 - v. ata da audiência).
3.º- A título de sinal e princípio de pagamento (artigo 3.º e doc. 1 da petição inicial).
4.º- O montante transferido de 10.000,00 (dez mil euros), resulta de acordo celebrado entre as partes, no âmbito do contrato promessa compra e venda, conforme e-mail trocado entre autora e ré em 23 de fevereiro de 2021 (artigo 4.º e doc. 2 da petição inicial).
Compulsado o documento 3 aludido, é manifesto que o mesmo não consubstancia um contrato promessa de compra e venda de participação social. Por outra parte o depoimento da testemunha DD invocado não é, nem minimamente explícito, nem convincente. Já dos depoimentos de AA e do legal representante da R. resulta terem existido negociações tendentes à constituição futura de sociedades comerciais com vista à exploração dos restaurantes C... e D.... Relativamente à motivação para a transferência da quantia de € 10 000, 00 já nos pronunciámos.
Indefere-se, por conseguinte, também este pedido de alteração.
Em sede de contra-alegações do recurso subordinado, a A. pretende que se altere o ponto V dos factos assentes.
Tem este o seguinte teor:
V) Seguiram-se vários contactos entre as partes, através dos quais a ré foi transmitindo o conceito concebido para o negócio C..., o que incluía, além da logotipo e menu e imagem, food cost, toda a organização, decoração e modo de funcionamento do estabelecimento (artigo 79.º da contestação, parcialmente confessado - v. ata da audiência).
A apelante alega que apenas se encontra confessado o envio do logotipo e menu e que deveria ser aditado que o mesmo foi feito no contexto das negociações entre recorrente e recorrida.
Requer que o ponto V) passe a ter o teor seguinte:
Seguiram-se vários contactos entre as partes, através dos quais a ré foi transmitindo o conceito concebido para o negócio C..., o que incluía, além da logotipo e menu e imagem, food cost, toda a organização, decoração e modo de funcionamento do estabelecimento, no contexto das negociações entre ambas.
A A. não identifica qualquer meio de prova que permita suportar a sua pretensão, que, ademais, é de teor meramente explicativo, se não mesmo conclusivo. Acresce que esses contactos se verificaram no âmbito do acordado entre as partes, conforme emerge da demais prova produzida.
Indefere-se, por isso, o requerido.
Também em sede de contra-alegações ao recurso subordinado interposto pela R., a A. requer que seja alterada a redação da alínea M) dos factos assentes.
Tem esta o seguinte teor:
M - Depois de algum período de reflexão, e sem prejuízo das dificuldades sentidas na conceção de um plano que fosse justo para ambas as Partes, conforme e-mail remetido à Autora, no dia 23 de fevereiro de 2021, a ré, referindo-se exclusivamente ao projeto C..., formalizou, por escrito, a seguinte proposta:
1. Como contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante (know-how), incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, a autora pagaria à ré o valor de 10.000 Euros – valor esse que, expressamente, determinou a demandada ser não reembolsável;
2. Posteriormente, as partes procederiam à constituição de uma sociedade comercial através da qual explorariam o restaurante, sendo que a autora realizaria uma entrada de 10.000 euros, adquirindo a correspondente participação de 40% do capital social (artigo 49.º da contestação).
Propõe que seja adotada a seguinte redação:
M) Depois de algum período de reflexão, e sem prejuízo das dificuldades sentidas na conceção de um plano que fosse justo para ambas as Partes, conforme e-mail remetido à Autora, no dia 23 de fevereiro de 2021, AA, referindo-se exclusivamente ao projeto C..., formalizou, por escrito, a seguinte proposta:
1. Como contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante, incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, a autora pagaria à ré o valor de 10.000 Euros – valor esse que, expressamente, determinou a demandada ser não reembolsável;
2. Posteriormente, as partes procederiam à constituição de uma sociedade comercial através da qual explorariam o restaurante, sendo que a autora realizaria uma entrada de 10.000 euros, adquirindo a correspondente participação de 40% do capital social (artigo 49.º da contestação).
Em suma, a A., ora contra-alegante, propõe a eliminação da expressão know how da formulação do facto provado M).
Alega que embora não conteste que a proposta em causa foi formulada por AA, não se aceita o sentido que a R. pretende retirar desta. O “know how” referir-se-ia aos conhecimentos culinários de AA, adquiridos de seus pais e avós, através da D..., possuindo a A. o “know how” necessário para gerir redes sociais e tratar do marketing e relações comerciais essenciais à gestão de um restaurante.
Está em causa a interpretação de um facto que a A. e não o seu teor, pelo que se trata de matéria que não tem cabimento nesta sede.
Como contraponto, requer a A. contra-apelante que seja dada como assente a matéria dos pontos 30, 31, 32 e 33 dados como não provados.
A matéria em causa é a seguinte:
30.º- Foi a autora quem transmitiu à ré a ideias necessárias a prosseguir com o projeto C..., conforme resulta do teor das publicações constantes da página de Facebook “C... Restaurante” (artigo 21.º da réplica).
31.º- fruto de uma estrutura sólida, com um volume de negócio considerável, com vasto conhecimento técnico e influência no mundo da restauração (artigo 29.º da réplica).
32.º- Para o efeito, a ré solicitou a criação de um software de gestão para o projeto C..., bem como a gestão de redes sociais e ainda a negociação de um contrato financeiramente mais favorável com a Uber Eats, entidade essencial ao prosseguimento da atividade da C... (artigo 32.º da réplica).
33.º- Vendo-se ainda confrontada com a falta de pagamento pontual pela R./R., no que respeita à gestão das redes sociais, o que determinou o anulamento do recibo emitido em seu nome e passado em nome da A./R.., cfr. doc. n.º 5 e 6 (artigo 33.º da réplica).
A matéria dos pontos 30.º e 31.º é de índole eminentemente conclusiva. Relativamente à matéria dos pontos 32.º e 33.º, a contra-apelada não indica com qualquer tipo de precisão os meios de prova que poderiam conduzir à procedência da sua pretensão. Acresce que não se entrevê o relevo das considerações genericamente tecidas nos aludidos pontos para a economia da narrativa da A..
Indefere-se, por isso, o requerido.
Em sede de contra-alegações, a A. impugna ainda a matéria dos factos elencados sob as alíneas O), T), U) e Z).
Reproduz-se, neste momento, tal factualidade:
O) Sem prejuízo de ter a ré iniciado trabalhos com vista à elaboração do conceito do restaurante C... (artigo 51.º da contestação)
T) Na sequência da reunião presencial realizada entre as partes, em inícios de fevereiro de 2021, começou a ré por transmitir à autora o que havia sido concebido para o projeto C..., nos termos constantes do email de 12 de fevereiro de 2021 (artigo 77.º da contestação, facto confessado, o teor do e-mail - v. ata da audiência)
U) Nessa mesma data, a ré partilhou com a autora o menu que havia elaborado para o restaurante, do qual constavam os vários pratos típicos que seriam disponibilizados, assim como a correspondente listagem de preços (artigo 78.º da contestação facto confessado – v. ata da audiência).
Aduz a A. que os factos O), T) e U), para além de não corresponderem à verdade da factualidade provada, encontram-se em clara contradição.
Expende: em momento algum foi possível dar como provado que AA, transmitiu o que quer que fosse à Recorrida, pelo contrário ficou claro, através da prova produzida que o que efetivamente existiu foi uma troca de impressões entre AA e a Recorrida, onde foram debatidas e discutidas ideias para o projeto C....
O facto O) deveria ser excluído do elenco de factos provados e o facto T) deveria ter a seguinte redação:
T) Na sequência da reunião presencial realizada entre as partes, em inícios de fevereiro de 2021, começou AA por partilhar com A. as ideias e conceitos, de imagem e marketing, que havia idealizado para o projeto C..., nos termos constantes do email de 12 de fevereiro de 2021.
Para além de meras considerações de índole interpretativa e conclusiva, a A. não esclarece os fundamentos para que se julgue diversamente do adquirido. É manifesto que houve lugar a negociações e que a A. reconhece a transmissão de informações e conhecimentos pela R., como deflui dos seus articulados, do recurso por si autonomamente interposto e das próprias contra-alegações.
Também no que tange ao facto Z) (Z)- De facto, durante tal interregno referido em S), a ré, através da sua trabalhadora AA, reuniu por ZOOM com trabalhadores da autora com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes (artigo 103.º da contestação, parcialmente confessado e ata da audiência)), a A. não contesta a existência das reuniões via ZOOM, entre AA e trabalhadores seus, rejeitando, isso sim, o entendimento que, segundo aduz, a R. visa retirar do facto. Está, uma vez mais, em causa a interpretação e não o facto em si mesmo considerado.
Em face do exposto, é de indeferir a impugnação da matéria de facto levada a cabo pela A. nas suas contra-alegações ao recurso subordinado.
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d - Da reapreciação jurídica da causa
Com a impugnação da matéria de facto provada e não provada pretendeu a A./apelante ver refletida na matéria assente a celebração do contrato promessa que invocou ter celebrado com a apelada, para constituição de sociedade comercial em que ambas deteriam participações sociais, o que não se teria vindo a concretizar. Essa circunstância daria lugar à resolução do contrato-promessa, com a obrigação de restituição do sinal prestado, assumida pela recorrida e que nunca chegou a ter lugar.
Da impugnação da matéria de facto nos moldes requeridos pela A./apelante emergiria que à recorrente nada foi transmitido pela recorrida no tocante ao conceito C....
A impugnação da matéria de facto determinaria, assim, que este tribunal revogasse a sentença recorrida e que condenasse a apelada a restituir-lhe tudo quanto foi prestado a título de sinal.
Efetivamente, a A. intentou a presente ação declarativa pedindo a condenação da R. a pagar-lhe €10.000,00, acrescidos de juros, em decorrência da revogação de contrato promessa de compra e venda de participação social e, subsidiariamente, a condenação da R. na restituição de €10.000,00, acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa.
Inalterada que ficou a matéria de facto, não decorreu que as partes tenham celebrado um contrato-promessa, pelo que, por inerência, tampouco poderia ter ficado provada a sua revogação.
No que se refere à restituição da quantia entregue a título de enriquecimento sem causa, ficou provado o modo e fundamento pelo qual a quantia de €10.000,00 ingressou na esfera jurídica da R. (confiram-se os pontos M1, N2 e S dos factos assentes).
Na aceção da própria recorrente, só seria de considerar a existência de erro de julgamento da matéria de direito na medida da alteração da matéria de facto visada. Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela (art.º 608.º/2, ex vi parte final do n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C.P.C.).
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e - Do recurso subordinado: o pedido reconvencional formulado
A A./apelada sustenta que o pedido reconvencional foi subsidiariamente deduzido, esgrimindo com a expressão concomitantemente veiculada pela R. reconvinte na sua contestação. Não seria, por isso, de apreciar o recurso subordinado.
A propósito da dedução do pedido reconvencional, a R. empregou a expressão concomitantemente.
Concomitante tem o sentido de simultâneo, de coexistência. Diz-se do que evolui ao mesmo tempo ou em paralelo (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Tomo II, Círculo de Leitores, p. 1021).
A objeção da A./reconvinda e apelada carece de razão.
A R. contestou, considerando que a quantia de €10.000,00 entregue o foi a título de contrapartida pela elaboração e transmissão da ideia e conceito do restaurante (know-how), incluindo a imagem, menu, food cost, funcionamento, lista de compras, entre outros, não sendo reembolsável.
Deduziu reconvenção. O primeiro pedido reconvencional consiste em que se declare que tem um direito de crédito de €10.000,00 sobre a A. decorrente da conceção e transmissão do conceito e ideia do projeto C..., sendo, em consequência, a A. condenada no respetivo pagamento.
O pedido assim formulado é contraditório com o que a própria R. alega no sentido de lhe ter sido entregue a quantia de €10.000,00 enquanto contrapartida pela elaboração e transmissão do conceito e ideia do projeto C... (confiram-se, nomeadamente, os arts. 68.º e 81.º, 83.º, 87.º da contestação).
Veja-se que, após o reconhecimento do recebimento de €10.000,00 a título de contrapartida pela transmissão do conceito C..., no art.º 99.º da contestação, a R. aduziu o seguinte: ainda que não colhesse a factualidade supra exposta e se concebesse que o montante de 10.000 Euros pagos pela Autora à Ré não corresponde à contrapartida devida pelo serviço por esta última prestado (conceção e transmissão do know-how do estabelecimento C...), não poderá, em momento algum, olvidar-se que, concretizado este último negócio jurídico, e realizada a correspondente prestação pela Autora, é a Ré titular de um direito de crédito, no valor de 10.000 Euros,
E no art.º 100.º: razão pela qual deve o mesmo ser reconhecido, sendo, em consequência, a Autora condenada no respetivo pagamento, o que, desde já, se requer.
A R. entende ter direito a €10.000,00 pela transmissão à A. do conceito C..., reconhecendo ter-lhe aquela quantia sido entregue pela A. a título de contrapartida da transmissão do conceito C.... Simultaneamente, pede que o tribunal condene a A. a pagar-lhe esses €10.000,00 a título de contrapartida da transmissão do conceito C....
Ainda que a R. declare explicitamente que este pedido reconvencional foi formulado concomitantemente ao pedido de declaração de improcedência da ação, não é de supor que a A. aceite ter sido paga pela transmissão do conceito e pretenda sê-lo novamente.
No limite, o pedido reconvencional assim formulado é inepto, por ser contraditório com a causa de pedir (art.º 186.º/2/b do C.P.C.): a R. reconvinte alega ter prestado serviço pelo qual foi paga e conclui que deve ser paga pelo mesmo.
Em todo o caso, inexiste fundamento para que a R. reconvinte ora apelante perceba novamente a remuneração dos serviços prestados em duplicado. Em conclusão, alegando a própria R. reconvinte e credora que a obrigação se mostra extinta pelo cumprimento (art.º 762.º/1 do C.C.), dúvidas não restam de que o pedido reconvencional de condenação da A. no pagamento de €10.000,00 deve improceder.
Relativamente à segunda componente do pedido reconvencional, consiste este na declaração de que existe um crédito a favor da R. de €9.000,00, correspondente à contrapartida pelos trabalhos prestados nos meses de fevereiro, março e abril de 2021, sendo, em consequência, a A. condenada no respetivo pagamento.
Alegadamente a fim de consubstanciar este pedido, a reconvinte pede a reapreciação da matéria de facto.
Considera que o tribunal de 1.ª instância deveria ter feito constar do elenco dos factos provados os factos dados como não provados sob os n.ºs 27.º, 28.º, 29.º.
Têm estes o seguinte teor:
27.º- Pela prestação de tal serviço a autora procedeu ao pagamento da quantia de 10.000 Euros (artigo 81.º da contestação).
28.º- Quantia essa que, à luz do estipulado pelas partes, seria devida à ré como contrapartida pela elaboração e transmissão do conceito e ideia do projeto C... (artigo 82.º da contestação).
29.º- Compra de equipamentos; Organização das redes sociais; Contratação da Uber; Contratação de fotógrafo (artigo 103.º da contestação).
A reconvinte defende que da prova documental junta - documentos n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com a contestação - resulta claro que as partes acordaram que pela transmissão do conceito concebido para o negócio C..., a A. pagaria à R. a quantia de €10.000,00.
Tal matéria, porém, embora relevante no contexto da ação, mormente no que toca ao pedido principal, em nada aproveita à tese da reconvinte e recorrente por referência ao pedido reconvencional ora em apreço.
Lê-se no ac. Relação de Guimarães de 22-10-2020 (proc. 5397/18.3T8BRG.G1, Maria João Matos): por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for(em) insuscetível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil.
E no ac. STJ de 9-2-2021 (proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, Maria João Vaz Tomé): segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.
Não se conhece, por isso, do pedido de reapreciação da matéria de facto quanto aos pontos 27 e 28 dos factos não provados.
No que concerne ao ponto 29 dos factos não provados não contém este, em si mesmo, qualquer afirmação.
Uma vez que se reporta ao art.º 103.º da contestação, na tentativa de encontrar um sentido para o requerido, reproduz-se o mesmo:
De facto, durante tal interregno, a Ré, através da sua trabalhadora AA, executou múltiplas tarefas, como:
 Apresentação de propostas de lay out da cozinha e restaurante da D...;
 Reuniões por zoom com trabalhadores da Autora, com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes;
 Compra de equipamentos;
 Organização das redes sociais;
 Contratação da Uber;
 Contratação de fotógrafo.
Ao que se alcança, a reconvinte incluiu a apresentação de propostas de lay out da cozinha e restaurante da D... e as reuniões por zoom com trabalhadores da Autora, com vista a partilhar as ideias concebidas para cada um dos restaurantes nos serviços pelos quais seriam devidos €10.000,00, tendo os demais quedado por remunerar.
A reconvinte sustenta que do documento n.º 7 junto com a contestação e do depoimento de AA, bem como do depoimento do seu legal representante, emerge que os serviços que prestou à A., nos meses de fevereiro, março e abril, incluem a compra de equipamentos, organização das redes sociais, contratação da Uber e contratação de fotógrafo. Remete, a este propósito, para os pontos 152, 162, 177 e 210 das contra-alegações.
A matéria relevante para a questão não consta dos pontos assinalados, mas, parece-nos, do art.º 176.º.
Respiga-se do depoimento de AA:
quanto às redes sociais:
(…) Portanto, as redes sociais começaram a ser desenvolvidas pela B... Unipessoal, Lda. até que certa altura a CC disse que poderia começar a tratar dessas, dessa parte, sendo certo que as reuniões que nós tínhamos eram duas vezes por semana e eu estabelecia os meus objetivos para as redes sociais e a CC trataria disso (…)
Relativamente à Uber e fotógrafo:
(…) Portanto, para a Uber era preciso fotografias e outra, e a CC marcou com o fotógrafo da Uber e eu tratei, portanto, de fazer toda a logística da montagem dos pratos, para, para pronto, para eles fotografarem, e depois como as fotografias que o fotógrafo da Uber ficaram um bocado fraquinhas, achou, achamos por bem contratar um fotógrafo, que era o GG, para fazer umas fotografias mais profissionais para as redes sociais, e eles aproveitaram para as redes sociais e para a Uber, que essa, portanto, a despesa do fotógrafo foi pago por, por a B... Unipessoal, Lda., e a CC falou com o fotógrafo, teve a explicar o que é que pretendia e eu também falei, fui eu que tratei dele para vir cá (…).
Entrevê-se a existência de esforços conjuntos, de um trabalho conjugado da A. e da R., mas não que a compra de equipamentos, organização das redes sociais, contratação da Uber e contratação de fotógrafo tenha consistido numa atuação exclusiva da R.. Nestes termos, inexiste fundamento para alterar a matéria de facto assinalada.
Em todo o caso, consta já da alínea S) dos factos assentes, no tocante à atuação da R., que esta executou, durante três meses (fevereiro, março e abril de 2021) trabalhos de coordenação e organização com vista à abertura e funcionamento do estabelecimento C... e arranjo de local alternativo para a D... (artigo 64.º da contestação, 101.º e 102.º - v. ata da audiência).
A pretensão da reconvinte é, por conseguinte, destituída de relevância.
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No que concerne ao pedido de condenação da A. reconvinda no pagamento de €9.000,00, pese embora o teor da alínea S) dos factos assentes que se vem de assinalar, afigura-se-nos ser de improceder.
Por um lado, o pagamento de um valor mensal de €3.000,00 pelo trabalho de AA de coordenação de ambos os restaurantes, C... e D..., trabalho que seria desenvolvido por AA, foi sugerido pela A. e não pela R. e apelante. Não há notícia de que a R. tenha aceite tal proposta e não é sequer credível que este pagamento tivesse lugar a todo o tempo, sem que a exploração dos restaurantes se iniciasse, ou, pelo menos, sem que se definisse o momento do início do pagamento da remuneração, como se viu, não acordada.
Por outro lado, o e-mail da A. em que esta se propõe pagar tal verba data de 23-2-2021, às 18.55 horas, não existindo notícia de aceitação. Ora os pagamentos pedidos reportam-se aos meses de fevereiro, março e abril de 2021, ou seja, pelo menos no que concerne ao mês de fevereiro o acordo não poderia estar consensualizado.
Determinante para a improcedência do peticionado é, porém, o próprio teor do e-mail em que a R. reconvinte alicerça a sua pretensão, conforme doc. 3 junto com a contestação.
Aí se lê, no trecho com relevo para a desenlace da ação:
Ordenado, € 3 000, 00 mensais, conforme combinado com AA, outras ajudas tb consideradas, tel, gasolina, computador, despesas de representação e meio de transporte.
É apodítico que qualquer acordo neste âmbito se reportava a um contrato diretamente celebrado com AA. A expressão ordenado é típica de uma prestação em contexto laboral. As ajudas de custas não podem deixar de ser entendidas como só tendo sentido em idêntico cenário. Trata-se de matéria que, como não pode deixar de ser, não tem cabimento no enquadramento destes autos.
A segunda parte do pedido reconvencional deve, por isso, improceder.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar totalmente improcedentes, quer o recurso principal, quer o recurso subordinado, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso principal pela A. e do recurso subordinado pela R., por ambas as partes terem decaído nas respetivas pretensões (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 19-2-2024
Teresa Fonseca
Ana Paula Amorim
Jorge Ribeiro