ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
II - Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

Texto Integral

Processo nº. 2222/20.9T8VLG.P1
3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – Miguel Baldaia Morais
Adjunta – Ana Paula Amorim

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível de Valongo

Apelante/ Condomínio ... Sito na Rua ...




Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

“A..., LDA.” instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “Condomínio ... SITO NA Rua ...”, peticionando pela procedência da ação, a condenação do Réu a “pagar à Autora a quantia de € 11.733,74, (acrescida de juros vincendos até efetivo e integral pagamento).”

Alegou para tanto ter no exercício da sua atividade de isolação térmica e impermeabilização prestado serviços ao aqui R. – nomeadamente fornecimento e aplicação de sistema de impermeabilização na cobertura do edifício a que corresponde o condomínio Réu.

Do valor acordado de € 35.816,30 (IVA incluído), tendo o R. pago €12.500,00

Pelo que se mantém em dívida o total de € 11.733,74 – sendo €10.780,63 de capital; € 703,11 de juros de mora vencidos até à data da instauração da ação e € 250,00 de despesas com a cobrança extrajudicial da dívida.

Regularmente citado, contestou o Réu, em suma tendo invocado a defeituosa execução dos trabalhos. Motivo por que não aceitou a obra e informou a A. que não procederia ao pagamento do valor em dívida, exigindo a reparação do mal executado.

Deduziu ainda o R. pedido reconvencional, peticionado a condenação da A. a executar a reparação dos trabalhos por ela realizados, resolvendo as infiltrações existentes e aplicando o material de forma correta que impeça as infiltrações das frações autónomas, tal como contratado.

         Concluindo pela improcedência da ação e pela procedência da reconvenção.

         Respondeu a A. em suma alegando ter executado os trabalhos contratados na perfeição.

         Não tendo o R. a si imputado qualquer incumprimento contratual ou deficiente execução da obra, até ao momento em que a A. ameaçou recorrer às vias judiciais para cobrança do seu crédito.

         Termos em que concluiu pela improcedência da reconvenção e no mais pela procedência da ação.

         Foi dispensada a realização de audiência prévia.

         Admitido o pedido reconvencional.

         Proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e elencados os temas da prova.


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Realizadas duas perícias, foi agendada e realizada audiência de discussão e julgamento.

Após tendo sido proferida sentença, a final se decidindo:

“1. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar o Réu Condomínio ... SITO NA Rua ... a pagar à Autora A..., LDA. a quantia global de 10.780,63 € (dez mil setecentos e oitenta euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data de vencimento das respetivas faturas, à taxa de juro comercial em vigor para cada período, absolvendo-o do demais peticionado;

2. Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a Autora A..., LDA. do pedido reconvencional contra si deduzido pelo Réu Condomínio ... SITO NA Rua ...;”


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         Do assim decidido, apelou o R. oferecendo alegações e a final formulando as seguintes

Conclusões

1 – O recurso é interposto da sentença proferida pelo tribunal “a quo”, que condenou o Recorrente a pagar à Autora A..., LDA. a quantia global de 10.780,63 € (dez mil setecentos e oitenta euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data de vencimento das respetivas faturas, à taxa de juro comercial em vigor para cada período, absolvendo-o do demais peticionado e “Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a Autora A..., LDA. do pedido reconvencional”

2 - Os recorridos entendem que a sentença, com o devido e merecido respeito pela Senhora Juiz “a quo”, deve ser alterada quanto à matéria de facto dada como assente e o Réu reconvindo condenado no pedido reconvencional.

3 - Devem passar para os factos provados os números 2, 3, 7, 8, dos factos dados como não provados:

2. No âmbito do contrato celebrado entre as partes descrito nos factos provados, a Autora garantiu ao Réu condomínio a solução de todas as infiltrações que se registavam ao nível da cobertura.

4 - Na sentença escreveu-se a tal propósito:

Das declarações de parte da legal representante do Réu condomínio não resultou qualquer confissão de factos. Das suas declarações resultou apenas a reiteração da posição do Réu expressa nos autos através da contestação/reconvenção.

Referiu que optaram pela contratação da obra à Autora, em detrimento da colocação de novas telas asfálticas, por lhes ter sido comunicado pelo legal representante da Autora que esta solução era 100% eficaz na resolução do problema de entrada de água pela cobertura.

5 - A testemunha AA, condómino desde há cerca de vinte anos no condomínio Réu, prestou um depoimento espontâneo e desinteressado e, por isso credível. (...) Em reunião de condóminos em que esteve presente o legal representante da Autora e o fornecedor do material, estes apresentaram uma proposta de aplicação de poliureia na cobertura, destacando as suas vantagens e transmitindo a ideia de que as infiltrações por via da cobertura ficariam resolvidas

6 - A testemunha BB, ouvido a 14/11/2022 – 3m10 a 4m10, confirmou que o que foi contratado e prometido pela A. foi a garantia de isolamento da cobertura e o fim das infiltrações;

7 - O legal representante da A - CC, ouvido no dia 14/11/2022, 5m45 a 7m15: a poliureia é um melhor sistema de que as telas asfálticas, normalmente usadas na impermeabilização de coberturas; eles tinham infiltrações, a poliureia era para resolver isso; o condomínio quis saber a viabilidade e as vantagens e foi-lhes explicado;

8 - A testemunha AA, ouvido em 12/10/2022, 6m50 a 7m20: eles garantiram que deixaríamos de ter infiltrações; “era tudo maravilhas”; não era tentar resolver as infiltrações, era resolver o problema de uma vez.

9 - Aliás, as regras a experiência comum vão nesse sentido: se não fosse prometido aos condóminos uma solução “à prova de bala”, sendo a poliureia uma quase desconhecida no mundo da construção civil, porque iriam os avançar numa aventura de 35.816,00 €?

10 – Facto não provado no 3 deve passar a provado: Após a conclusão dos trabalhos, o legal representante da Autora aceitou proceder nos moldes descritos em N dos factos provados por ter verificado que a cobertura intervencionada não tinha ficado totalmente impermeabilizada.

11 - Conforme decorre do (segundo) relatório pericial que foi valorizado pelo tribunal “a quo” e que adiante se analisará, a colocação da poliureia tem correção a efetuar -página 15.

12 - Mais, o já mencionado legal representante da A. reconheceu a necessidade

de fazer reparações, mas que não foram efetuadas porque o Réu não tinha pago – 20m50 a 21m28 e 18m30 a 20m30: Existia uma bolsa de água e teria que se abrir a poliureia para secar e depois voltar a selar.

13 - No relatório junto como doc. 1 com réplica também se refere a existência (sem justificação) de água na cobertura na poliureia - pág. 4 fine:

14 - Ainda, DD, ouvido em 12/10/2022, 6m15 a 8m00: o condomínio alegou que as infiltrações continuavam e fomos lá; detetaram-se pormenores que estavam errados; havia sítios que era necessário reparar.

15 – O facto não provado com o no 7, deve passar a provado: Logo após a sua conclusão, o Réu não aceitou a obra e informou a Autora que nada mais seria pago enquanto a Autora não procedesse à reparação dos trabalhos, dando-se por reproduzida a alegação infra quando à aliena j) dos factos provados

16 – O facto 8 não provado deve ir para o rol dos assentes: Por força da má execução dos trabalhos contratados pelo Réu à Autora, ainda hoje a água continua a entrar nas frações dos pisos superiores, conforme acontecia antes da realização a obra.

Aqui dá-se por reproduzida a alegação supra quanto aos no 3 dos factos não provados.

17 - Mais, a alínea J) dos factos assentes deve ser alterada, nomeadamente para ser dado como provado que desde que conclusão da instalação da poliureia o Réu sempre reclamou pela sua errada aplicação:

18 - Atente-se que só esta interpretação dos factos é compaginável com a atuação da A. em todos o processo, nomeadamente com a elaboração do relatório junto como doc. 1 com a réplica, datado de 09/06/2020. Se o Réu não tivesse reclamado dos trabalhos qual era o sentido de tal documento? Veja-se que o que trata o mesmo é de reclamações do condomínio e a sua análise pela Ré!

19 - No mesmo sentido as declarações de parte da legal representes do Réu – EE, na audiência de julgamento do dia 12/10/2022, 3m50 a 6m25:

A A... quis entregar a obra e nós nunca aceitamos, pois, o material estava “cheio de água”, continuando a entrar água nas frações; era necessário eles repararem para pagarmos o valor em falta;

20 - Ainda, DD, ouvido em 12/10/2022, 6m15 a 8m00: o condomínio alegou que as infiltrações continuavam e fomos lá; detetaram-se pormenores que estavam errados; havia sítios que era necessário reparar.

21 - Sobre esta testemunha ficou escrito na sentença: Referiu ainda que, após a conclusão dos trabalhos, foi verificada a existência de água em alguns pontos que carecem, por isso, de intervenção

22 - As declarações de parte do legal representante da A. – CC – ouvido em 14/11/2022 2m30 a 3m10: existiam inconformidades nos trabalhos e nós fomos lá.

23 - Adiante, a Senhora Juiz “a quo” preferiu o relatório do segundo perito em detrimento do primeiro, apenas porque o primeiro o Sr. Engenheiro FF, Engenheiro Civil, com prática em obra de mais de 30 anos, o que leu sobre a poliureia foi em documentos técnicos que consultou on-line, enquanto que o segundo perito é professor da Universidade do Minho e trabalha no tema, embora nunca tenha estado presente numa obra de construção civil.

24 - No fundo foi um detrimento da prática de um engenheiro de construção civil, preterido pelo saber teórico de um professor.

25 - Pois bem, o recorrente não pode concordar com essa visão do tribunal “ a quo”, não só pelas regras da experiência comum que levam a dar mais relevância à prática sobre a teoria, mas pela própria estrutura e conteúdo dos dois relatórios periciais.

26 - O que refere o Eng.º FF é a evidência para o signatário de que a membrana (poliureia) não poderia ser colocada sobre a cobertura no estado em que ela estava: telas soltas, enrugadas, deterioradas, arenosas... Explicou que é como pintar um automóvel sem arranjar a ferrugem (por debaixo)! Uma boa pintura só pode ser efetuada sobre uma base arranjada, sem rugas ou buracos...

27 - O raciocino do Sr. Engenheiro é de tal forma evidente... vê-se no relatório do segundo perito as tais telas enrugadas:

28 - O relatório do professor é equívoco e efetuado a maior parte dele com base no que os representantes da A... disseram e nas fotos que forneceram, o Sr. Professor intelectualmente honesto em reconhecer isso:

Exemplos:

Pág. 3:


Pág. 7



Pág. 16:


Pág 17:








28 - Então o perito usa as fotos da Ré e as explicações da Ré e dá tudo como válido?! A A... diz que fez... a A... informou... é este o relatório que fundamenta a sentença!

29 - O mesmo relatório lido na integra refere fundamentos para o proceder da exceção do não cumprimento alegada e a para a reconvenção ser julgada procedente, pois identifica erros na colocação da poliureia e adianta as reparações necessárias:


30 - A ré reconhece que há reparações a fazer:


31 - No relatório junto como doc. 1 com réplica também se refere a existência (sem justificação) de água na cobertura na poliureia - pág. 4 fine:


32 - Nestes termos, o recurso deve também proceder concluindo-se como periciou o Sr. Eng.º FF: substituição da poliureia pelas telas asfálticas, não procedendo, deve a Ré ser condenada nas reparações preconizadas pelo Sr. Professor, com todos os efeitos legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso proceder, sendo revogada a sentença em crise que deverá ser substituída por Acórdão que dê razão ao Réu quanto à exceção do não cumprimento e condena a A. no pedido reconvencional, assim se fazendo JUSTIÇA!”


*

         Apresentou a A. contra-alegações, tendo a final concluído pela improcedência do recurso, aduzindo as seguintes

Conclusões:

1ª – As alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente assentam única e exclusivamente na suposta incorreção de julgamento do tribunal recorrido quanto aos factos não provados nºs 2, 3, 7 e 8 (que supostamente deveriam ser elevados à categoria dos factos dados como provados) e bem assim numa suposta deficiente formulação do facto provado da alínea J) que, referindo-se às faturas em causa nos presentes autos, deveria passar de “que as recebeu, delas não reclamou e não as devolveu” para a seguinte formulação: “que as recebeu e não as devolveu, embora tenha reclamado da continuação das infiltrações e da errada aplicação da poliureia”;

2ª – Quer os referidos factos não provados, quer o acrescento proposto pelo Recorrente no que ao facto da alínea J) diz respeito, foram alegados pelo Réu, pelo que ao mesmo caberia o ónus de apresentar prova que os comprovasse, algo que, manifestamente não fez;

3ª – O Condomínio Réu, em sede de contestação, justifica a inquestionável situação de incumprimento da sua obrigação de pagamento para com a Autora com um suposto cumprimento defeituoso da obrigação que a Autora assumiu perante o condomínio Réu, sendo que, como muito bem resulta da superiormente elaborada fundamentação ao nível da douta sentença recorrida, não só não conseguiu o condomínio Réu cumprir com o ónus de prova que sobre si impendia quanto a esta matéria, como se apurou, de forma perfeitamente clara para quem teve contacto com a prova produzida, que a obrigação de impermeabilização do terraço do condomínio Réu assumida pela Autora foi perfeitamente desenvolvida, não havendo qualquer incumprimento/cumprimento defeituoso que lhe pudesse ser apontado;

4ª – Em matéria de prova, o Recorrente sustenta a por si defendida tese do cumprimento defeituoso da obrigação da Recorrida unicamente com base no 1º Relatório Pericial apresentado, sendo que o perito em causa “declarou (em sede de esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento) que nunca teve qualquer experiência com a aplicação do produto aplicado pela Autora na cobertura do prédio do Réu (nunca aplicou nem nunca assistiu à sua aplicação), pelo que o seu relatório foi elaborado a partir da sua experiência profissional enquanto engenheiro civil e a partir da leitura de documentos técnicos fidedignos atinentes ao produto em causa (poliureia)”;

5ª – “A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa - o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador”, os quais nem com muito boa vontade se pode considerar que o Sr. Eng.º que elaborou o 1º Relatório Pericial possuía no que ao sistema de impermeabilização em causa nos presentes autos diz respeito;

6ª – A impreparação do 1º Sr. Perito designado pelo Tribunal recorrido, no que a esta matéria diz respeito, decorria desde logo e de forma direta do Relatório pelo mesmo apresentado, algo evidente nas respostas pelo mesmo dada aos quesitos 1º e 2º, respostas essas que, desde logo, se mostravam incompatíveis entre si, pois ou bem que “o revestimento de “Poliureia” é perfeitamente impermeável” ao ponto de que “o material aplicado nem sequer permite que a água depositada nas telas se evapore” ou bem que “o facto de se ter mantido as telas e sobre estas ter sido aplicada a “Poliureia” não garantiu a estanquicidade da totalidade da área de cobertura” levando à sua permeabilidade;

7ª – Também na resposta dada ao 2º tema de prova pelo Sr. 1º Perito designado pelo Tribunal recorrido se pode perceber a falta de conhecimentos do mesmo quanto à matéria objeto do relatório pericial, resposta essa na qual defende a remoção integral do sistema de impermeabilização utilizado e aplicado pela Autora – sistema de impermeabilização através de poliureia projetada (um sistema mais nobre, mais eficaz e mais caro que o das telas asfálticas sobrepostas), devendo o mesmo ser substituído pelo sistema de telas asfálticas sobrepostas (um sistema menos nobre, menos eficaz e mais barato que o da poliureia projetada), estimando, de forma absolutamente injustificável, um valor cerca de 30% superior ao do orçamento da Autora para realizar tais trabalhos;

8ª – O Relatório Pericial apresentado pelo 1º Sr. Perito designado (no qual o Réu sustenta todas as suas alegações no sentido de dar como provada a matéria de facto em causa no presente recurso) revelou-se, assim, manifestamente contraditório e demonstrou impreparação e desconhecimento do Sr. Perito relativamente ao sistema de impermeabilização colocado pela Autora, pelo que foi determinada a realização de uma 2ª Perícia a quem, manifestamente, “à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos e científicos ou artísticos” possui “conhecimentos que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador”;

9ª – O Tribunal recorrido não preteriu “a prática de um engenheiro de construção civil (…) pelo saber teórico de um professor”, mas o que ele fez, e muito bem, foi valorizar como Perito quem demonstrou possuir conhecimentos técnicos e científicos, ou seja conhecimentos que, não fazendo parte da cultura geral e experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador, em detrimento de alguém que, demonstrou no relatório por si apresentado não possuir tais conhecimentos e que, verdade seja dita, em sede de esclarecimentos confirmou espontaneamente não os possuir;

10ª – A verdade é que o 2º (verdadeiro) Relatório Pericial apresentado não deixa qualquer tipo de dúvidas quando refere, como muito bem é sublinhado ao nível da douta sentença proferida, que “não foram observados nem defeitos nem anomalias visíveis nas obras de impermeabilização executados no prédio da ré, no que respeita à aplicação das pelicula de poliureia e isolantes/protetores”;

11ª – Em momento algum do relatório em causa são identificados erros na colocação da poliureia e, assim sendo, no trabalho desenvolvido pela Autora, tendo, assim, sido absolutamente taxativo no sentido de que a água que detetou alojada entre o cimento e as telas asfálticas entrou depois do trabalho da Autora estar concluído e não pela cobertura pela mesma impermeabilizada, mas sim por um qualquer dos vários pontos de entrada que identificou no relatório pericial por si apresentado (figuras 15 a 20 do mesmo), pontos possíveis de entrada esses que se situavam, todos eles, em zonas não intervencionadas pela Autora;

12ª – Como muito bem é referido na douta sentença recorrida a este propósito “a Autora apenas se obrigou à impermeabilização da cobertura do prédio e não de outros elementos desse prédio, como sejam fachadas, rufos de chaminés, janelas ou outros. Assim sendo, é apenas em relação à cobertura do prédio que importa verificar se a obra acordada se mostra devidamente executada. Ora, da prova produzida em julgamento resultou, conforme já analisado em sede de resposta à matéria de facto, que os trabalhos contratados se mostram devidamente executados e que a água existente na cobertura entrou posteriormente à execução desses trabalhos, não se mostrando possível afirmar que tal entrada de água se deu por força de uma deficiente execução dos trabalhos contratados e executados pela Autora”;

13ª – Se é verdade que o Sr. Perito aponta as formas de resolução dos problemas de acumulação de águas entre o cimento e as telas da cobertura do edifício em causa (dando assim resposta a um dos quesitos formulados), de forma alguma e bem pelo contrário refere que tais acumulações de água se devem a uma imperfeita execução dos trabalhos desenvolvidos pela Autora, sempre tendo defendido que os trabalhos desenvolvidos pela Autora não são responsáveis por tais entradas de águas, mas que as mesmas ocorreram em zonas não intervencionadas pela Autora e que, por capilaridade, se deslocaram e retiveram nas zonas onde tais acumulações de água são percetíveis;

14ª – De forma alguma o facto nº. 2 pode ser elevado à categoria dos factos dados como provados, uma vez que o que a Autora garantiu (e cumpriu) foi que, ao nível da cobertura do edifício (no espaço pela mesma intervencionado), a mesma ficaria estanque e nenhuma infiltração de água ocorreria, não tendo garantido a Autora ao Réu condomínio a solução de todas as infiltrações que se registavam ao nível da cobertura, até porque grande parte de possíveis focos de infiltrações (janelas, rufos, chaminés, etc..) ali existentes não foram pela Autora intervencionados;

15ª – Igualmente não podem ser dados como provados os factos nºs. 3 e 8 desde logo porque a cobertura intervencionada ficou totalmente impermeabilizada e, em segundo lugar, porque se tais factos fossem dados como provados os mesmos entrariam em manifesta contradição, designadamente, com o facto provado da alínea M);

16ª – Quanto ao facto não provado nº. 7 e quanto à alteração da alínea J) dos factos provados defendida pelo Recorrente, não há uma evidência de reclamação do Réu ao longo de todo o processo relativamente às faturas em causa e nem o mesmo refere qualquer evidência de reclamação das faturas nas alegações de recurso apresentadas, o mesmo se podendo dizer relativamente a qualquer eventual reclamação quanto à errada aplicação da poliureia ou continuação das infiltrações;

17ª – O Relatório apresentado como documento nº. 1 da Réplica que a Autora deu entrada tem o contexto factual e as conclusões apresentado em 9º a 18º da Réplica apresentada, sendo que o que a Autora foi observar em 04.06.2020 e conforme consta do relatório elaborado e junto com a Réplica, foram problemas que nada tinham que ver com a intervenção pela mesma realizada e com quaisquer infiltrações que ainda se verificassem decorrentes de tal intervenção, pelo que a existência do referido Relatório nada prova relativamente aos factos em discussão nos presentes autos;

18ª – A Autora juntou pelo menos 3 documentos comprovativos de uma sucessiva interpelação do Réu para pagamento dos valores em dívida e objeto dos presentes autos (emails de 15.11.2019, de 02.12.2019 e de 06.02.2020 – documentos 14 e 15 juntos com a PI), sendo que o Réu não procedeu à junção, como seria normal acontecer caso o por si alegado correspondesse à verdade, de nenhum documento de resposta a tais emails no sentido de que “nada mais seria pago enquanto a Autora não procedesse à reparação dos trabalhos”;

19ª – O email que o Recorrente dá como reproduzido na última página das suas conclusões e datado de 7.12.2019 nenhum valor tem para a apreciação desta questão, desde logo porque a junção de tal email foi indeferida pelo tribunal por despacho reproduzido na ata da audiência de julgamento que decorreu no dia 14.11.2022, pelo que o mesmo não configura qualquer elemento de prova admissível;

20ª – Não foi produzida qualquer prova pelo Recorrente, como lhe competia em face do ónus que sobre si impendia, que permitisse considerar como provado o facto não provado nº. 7 ou que permitisse considerar como provado o facto provado da alínea J), na nova formulação que foi dada pelo Recorrente nas suas alegações de recurso;

21ª – A verdade é que os referidos factos se encontram estribados na prova pericial, documental e testemunhal apresentada, tendo o Tribunal recorrido, na douta sentença proferida, explicitado claramente quais os elementos probatórios que atendeu para elevar tais factos à categoria de factos provados e não provados;

22ª – A modificação da matéria de facto pelo Tribunal superior apenas tem aplicação nos casos em que decorre da própria sentença alguma contradição entre os factos dados como provados e os não provados, ou ainda quando a parte decisória está em contradição flagrante com a referida matéria de facto … Mas jamais nos casos, como o presente, em que o Recorrente apenas não se conforma com a interpretação que o Juiz fez dos elementos de prova carreados para o processo;

23ª – O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, nem a subjugar a “convicção pessoal” do julgador, sendo certo que a decisão quanto à matéria de facto só deve ser modificada se e quando for evidente que os meios de prova produzidos não podem conduzir à solução encontrada;

24ª – O Recorrente, com a sua argumentação, apenas pretende extrair dos elementos analisados uma diferente convicção, fazendo o seu próprio julgamento, pretendendo impor o seu próprio raciocínio, o que não pode ser admitido;

25ª – A douta decisão recorrida, para além de estar em perfeita consonância com a prova testemunhal e documental produzidas, é a única que está de acordo com a demais prova produzida, bem como é a única consonante com as regras da experiência e com o normal acontecer;

26ª – Não é lícito ao tribunal de recurso subverter o princípio da livre apreciação da prova devendo, tão só, circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal a quo, sendo que a livre apreciação da prova ,se é uma atividade lógica e racional que se desenvolve no foro íntimo do julgador, é incontrolável pelas partes e pelas instâncias de recurso, sendo a convicção censurável quando na sua formação haja violação de normas legais sobre as provas, o que no caso vertente não sucedeu;

27ª – A matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal recorrido foi-o de acordo com as regras processuais vigentes, não havendo qualquer crítica a apontar, pelo que deverão improceder as conclusões avançadas pelo Recorrente a esse respeito;

28ª – Aliás, cotejando a factualidade dada como provada e não provada com a desenvolvida fundamentação do juízo sobre ela feito, consignadas no texto da decisão recorrida, não se deteta qualquer erro de julgamento ou violação das regras processuais quanto à valoração da prova, de acordo como o princípio da livre apreciação da prova;

29ª – A prova produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo Tribunal a quo segundo os cânones legais, empresta a todo o processo decisório de formação da convicção do julgador, foros de justeza, correção e comportabilidade juridicamente atendíveis;

30ª – A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade quer formal quer substancial.

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao presente recurso, e confirmando, na íntegra, a decisão recorrida, Vªs. Exªs. farão, como sempre, a habitual J U S T I Ç A!”


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    O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

         Foram colhidos os vistos legais.


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II - FACTUALIDADE PROVADA.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

“A) Factos provados

A. A Autora dedica-se, entre outras, às atividades de isolação térmica e impermeabilização.

B. No âmbito dessa atividade que desenvolve e de que vive, a Autora, a pedido do condomínio Réu, procedeu ao fornecimento e aplicação de sistema de impermeabilização na cobertura do edifício a que corresponde o condomínio Réu.

C. Esses trabalhos foram iniciados pela Autora no dia 29 de agosto de 2019 e foram concluídos no dia 18 de setembro de 2019.

D. Para a realização de tais trabalhos de impermeabilização do terraço solicitados pelo Réu, acordaram Autora e Réu que este último pagaria um total de 31.000,00 € + IVA, ou seja, 35.816,30 €.

E. No que às condições de pagamento diz respeito, acordaram as partes o pagamento pelo Réu de 35% de tal valor com a confirmação dos trabalhos, o pagamento de outros 35% com o início dos trabalhos e o pagamento de 30% com a conclusão dos trabalhos, mediante 3 faturas a emitir pela Autora e a remeter para o Réu.

F. A Autora emitiu a fatura relativa à primeira tranche, devida com a adjudicação dos trabalhos, a qual foi integralmente paga pelo condomínio Réu no dia 29.07.2019.

G. A Autora emitiu a fatura AG/48 relativa à segunda tranche, devida com o início dos trabalhos, com data de emissão e de vencimento de 30.08.2019, no valor de 12.530,46 €, relativamente à qual o Réu condomínio procedeu ao pagamento da quantia de 12.500,00 €, através de cinco prestações de 2.500,00 € cada uma, mantendo-se em dívida a quantia de 30,46 €.

H. A Autora emitiu ainda a fatura AG/54, relativa à terceira e última tranche, devida com a conclusão dos trabalhos, com data de emissão e de vencimento de 26.09.2019, no valor de 10.750,17 €, relativamente à qual o Réu condomínio não procedeu a qualquer pagamento, mantendo-se por isso em dívida a totalidade do valor titulado por essa fatura.

I. As referidas faturas foram remetidas ao condomínio Réu.

J. Que as recebeu, delas não reclamou e não as devolveu.


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K. A Autora fez-se representar e acompanhar de um representante da empresa que fornece o produto que veio a ser aplicado pela Autora na cobertura do prédio do Réu na assembleia de condomínio realizada em data não concretamente apurada, na qual foi debatida a questão se saber se as telas existentes na cobertura iriam ser retiradas, uma vez que elas retinham um volume significativo de água que se alojava entre as telas e a placa, tendo a Autora transmitido que não era necessário retirar as telas, acrescentando que onde fosse verificada a existência de água seria efetuado um corte na tela para extrair e evaporar a água, após o que seria aplicado o produto de garantida estanquicidade.

L. Após a conclusão dos trabalhos, foi realizada uma reunião entre representantes da Autora e do Réu condomínio na cobertura do edifício, tendo-se aí verificado a existência de água abaixo do produto aplicado pela Autora.

M. Água que não era possível retirar e/ou evaporar atenta a estanquicidade do produto aplicado pela Autora.

N. Na sequência, foi agendada nova visita ao local, também com a presença de um representante da empresa fornecedora do produto aplicado pela Autora na cobertura do prédio do Réu.

O. Na nova reunião, o legal representante da Autora mostrou disponibilidade para tentar resolver a situação, sugerindo cortes no revestimento da cobertura para deixar sair a água e, voltando a aplicar o produto, tapar novamente a integralidade da área da cobertura.

P. O produto aplicado pela Autora na cobertura do edifício não tem exatamente a mesma espessura em toda a cobertura.”

Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos:

         “B) Factos não provados

1. A Autora suportou despesas com a cobrança extrajudicial do presente processo no valor de 250,00 €.

2. No âmbito do contrato celebrado entre as partes descrito nos factos provados, a Autora garantiu ao Réu condomínio a solução de todas as infiltrações que se registavam ao nível da cobertura.

3. Após a conclusão dos trabalhos, o legal representante da Autora aceitou proceder nos moldes descritos em N dos factos provados por ter verificado que a cobertura intervencionada não tinha ficado totalmente impermeabilizada.

4. A água que se acondicionava por baixo do produto aplicado pela Autora na cobertura do edifício entrou junto às soleiras.

5. O produto aplicado pela Autora na cobertura do edifício foi aplicado com remendos, concretamente, remendos de outra cor nos cantos.

6. A aplicação pela Autora da poliureia na cobertura do edifício não respeitou em toda a sua área a espessura orçamentada e acordada entre as partes (2 mm de espessura, equivalente a 2,2 kg m2).

7. Logo após a sua conclusão, o Réu não aceitou a obra e informou a Autora que nada mais seria pago enquanto a Autora não procedesse à reparação dos trabalhos.

8. Por força da má execução dos trabalhos contratados pelo Réu à Autora, ainda hoje a água continua a entrar nas frações dos pisos superiores, conforme acontecia antes da realização a obra.”

III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem as seguintes as questões a apreciar:

    1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto [vide conclusões 3) a 31)];

      4) erro na aplicação do direito.


*

1) Em primeiro lugar cumpre apreciar do imputado erro de julgamento na decisão de facto.

Erro de julgamento que o recorrente imputou:

- aos factos não provados 2, 3, 7 e 8, pugnando pela sua introdução nos factos provados.

- ao facto provado constante da al. j), sobre o qual pugnou seja introduzida uma nova redação, aditando concretamente:

“Que as recebeu e não as devolveu, embora tenha reclamado da continuação as infiltrações e da errada aplicação da poliureia.”

Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:

I- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

II- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.

Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do  dispositivo (…)”.

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs  4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.],  cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC)  se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.

Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

iii- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1 ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].

iv- Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRG de 08/11/2018 nº de processo 212/16.5T8PTL.G1; Ac. TRP de 10/02/2020, nº de processo 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt].


*

Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões do recorrente, verifica-se ter o mesmo cabalmente identificado os pontos da decisão de facto sobre os quais entende existir erro de julgamento, incluindo o aditamento pugnado para a al. j) dos factos provados, bem como a redação pretendida.

Igualmente identificou os meios probatórios que no seu ver impõem decisão diversa, tendo identificado as passagens da gravação das declarações e depoimentos que entendeu relevantes.

Observou, portanto, o recorrente os ónus de impugnação e especificação que sobre si recaíam

Pelo que se procede à análise da reapreciação da decisão de facto pugnada pelo recorrente.


*

         Consigna-se ter-se procedido à audição da prova gravada, tendo-se verificado ser o depoimento do Sr. Perito GG, ouvido por webex, em grande parte impercetível.

         Compreendendo-se parte do mesmo, mais pelo seguimento da sua inquirição e interpelações/afirmações que no decurso deste mesmo depoimento lhe vão sendo feitas pelos respetivos interlocutores, do que diretamente pelo seu discurso.

         A prova será reapreciada, com esta limitação, a considerar na medida em que a análise do depoimento em causa se venha a revelar necessário.

De referir que a arguição da nulidade da gravação deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela.

Disponibilização que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias a contar do ato em causa, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.

Não envolvendo esta disponibilização a realização de qualquer notificação às partes, antes sobre as mesmas recaindo um dever de diligência pela rápida obtenção das gravações a contar do ato, com vista a aquilatar de eventuais vícios das gravações e sendo o caso, arguir a pertinente nulidade[1].

A verificada irregularidade, na medida em que tal depoimento se revele essencial para a reapreciação da matéria impugnada, implicará a improcedência da pretensão formulada pelo recorrente porquanto o tribunal de recurso para aferir do erro de julgamento formulado pelo tribunal a quo, tem de ter acesso aos mesmos elementos probatórios que serviram de base à formação da convicção daquele.

Tendo presente esta limitação proceder-se-á à pugnada reapreciação da decisão de facto.


*

No ponto 2 dos factos não provados, está na verdade em causa a amplitude dos trabalhos que a A. se comprometeu a executar.

Neste ponto factual foi julgado não provado que a A. recorrida se comprometeu/garantiu ao condomínio a solução de todas as infiltrações que se registavam a nível da cobertura.

Pugnando o recorrente pela introdução deste ponto factual nos factos provados.

No ponto 3 dos factos não provados está em causa o reconhecimento por parte do legal representante da A. de que a cobertura intervencionada não teria ficado totalmente impermeabilizada.  Pugnando o recorrente pela sua introdução nos factos provados.

No ponto 7 dos factos não provados, está em causa a comunicação à A. por parte do R. condomínio, logo após a conclusão da obra, de não aceitação da mesma até que a A. procedesse à reparação dos trabalhos. O que de igual forma defende deverá ser julgado provado.

E finalmente no ponto 8 dos factos não provados está em causa o nexo causal entre “a má execução dos trabalhos contratados pelo R. à A.” e continuação de entrada de água nas frações dos pisos superiores conforme acontecia antes da realização da obra. Igualmente a ser julgado provado, na perspetiva do recorrente.

Ainda o aditamento pretendido à al. J) dos factos provados respeita à reclamação por parte do R. condomínio junto da aqui A. da errada aplicação da poliureia desde a conclusão da instalação desta.

Como se percebe o aditamento pretendido à al. J) e o constante do ponto 7 dos factos não provados, respeitam à mesma matéria e nessa medida serão apreciados em conjunto.

Em conjunto serão igualmente apreciados os pontos 2 e 8 dos factos não provados, porquanto para estes convocou o recorrente a mesma prova.

O tribunal a quo, na fundamentação analisou a prova produzida nos seguintes termos (para além dos considerandos sobre os relatórios periciais que por ora não relevam):

“Das declarações de parte da legal representante do Réu condomínio não resultou qualquer confissão de factos. Das suas declarações resultou apenas a reiteração da posição do Réu expressa nos autos através da contestação/reconvenção. Referiu que optaram pela contratação da obra à Autora, em detrimento da colocação de novas telas asfálticas, por lhes ter sido comunicado pelo legal representante da Autora que esta solução era 100% eficaz na resolução do problema de entrada de água pela cobertura. Daqui não resulta, naturalmente, que a Autora garantisse essa solução relativamente a entradas de água ocorridas em zonas não abrangidas pela obra que lhe cumpria executar. Admitiu a declarante que os rufos e chaminés existentes na cobertura não foram intervencionados e que não estavam incluídos no contrato celebrado com a Autora.

Também das declarações de parte do legal representante da Autora não resultou qualquer confissão de factos, reiterando apenas o alegado nos respetivos articulados.

A testemunha AA, condómino desde há cerca de vinte anos no condomínio Réu, prestou um depoimento espontâneo e desinteressado e, por isso credível. Referiu que a tela da cobertura do prédio se apresentava muito desfeita, com partes enrugadas, levantadas e estragadas. Em reunião de condóminos em que esteve presente o legal representante da Autora e o fornecedor do material, estes apresentaram uma proposta de aplicação de poliureia na cobertura, destacando as suas vantagens e transmitindo a ideia de que as infiltrações por via da cobertura ficariam resolvidas. A testemunha não acompanhou, porém, a execução da obra pela Autora. Após a conclusão desses trabalhos, verificou-se a existência de água na cobertura, abaixo do produto aplicado e verificou a existência de humidades em sua casa, num quarto e noutras zonas, o que se repete ciclicamente. Também outros proprietários dos últimos andares que queixam de infiltrações.

Referiu ainda que as chaminés aparentam precisar de manutenção, principalmente as das lareiras, que o prédio tem cerca de 20 anos e apresenta fissuras em algumas fachadas, havendo um ou outro condómino que se queixa de infiltrações na varanda. O prédio é composto por três blocos e apenas dois deles são abrangidos pela intervenção da Autora.

Referiu também que há zonas da cobertura em que parece haver uma menor espessura do produto aplicado, sem especificar a espessura ou se cumpre ou não os termos do contrato.

A testemunha HH, administrativa que trabalha na Autora desde há cerca de 20 anos, prestou um depoimento assertivo e coerente, merecendo credibilidade, declarando que, no exercício das suas funções, procedeu ao envio, por e-mail e por correio, das faturas emitidas no âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes, faturas que nunca foram devolvidas, não tendo também rececionado qualquer reclamação por parte do Réu relativamente às mesmas.

A testemunha DD, diretor comercial da sociedade que fornece o material aplicado pela Autora na cobertura do prédio do Réu, declarou que acompanhou a execução da obra, bem como, previamente, as negociações em sede de reunião de condóminos. Declarou não ter qualquer interesse dos presentes autos, na medida em que já recebeu da Autora o preço devido pelo fornecimento do produto aplicado no prédio do Réu. Referiu que tem, porém, interesse na boa execução da obra no que à aplicação do produto concerne uma vez que a Autora é uma empresa aplicadora de poliureia certificada pela empresa na qual a testemunha trabalha. Por força dessa certificação, é habitual acompanhar a execução da obra, tal como sucedeu na situação dos presentes autos. Explicou o desenvolvimento dos trabalhos, concretamente, a abertura das telas degradadas, a retirada de areia e a libertação da humidade das telas, de molde a preparar as telas para a aplicação do produto. Referiu ainda que, após a conclusão dos trabalhos, foi verificada a existência de água em alguns pontos que carecem, por isso, de intervenção.

Considera, porém, que tal não se deveu a qualquer defeito na execução da obra, mas a situações da responsabilidade do dono da obra ou dos condóminos, designadamente uma soleira partida.

A testemunha BB, condómino do Réu condomínio prestou igualmente um depoimento assertivo e coerente, merecedor de credibilidade. Referiu que tinha sido colocada tela asfáltica na cobertura há cerca de um ou dois anos, mas que tal não tinha resolvido os problemas de infiltrações sentidos no prédio. Resolveram, portanto, procurar outras soluções, tendo sido a testemunha quem convidou a Autora a fazer uma apresentação do seu trabalho e elaboração de orçamento, depois de ter tomado conhecimento da mesma através de redes sociais. Havia tela solta, telas enrugadas, alguma até a desfazer-se (a ficar em areia). Não se recorda de a Autora ter falado na necessidade de intervenção nas chaminés. Acompanhou em alguns momentos a execução dos trabalhos, tendo assistido à vaporização do produto (poliureia) por cima das telas). Após a conclusão dos trabalhos foi percetível a existência de um colchão de água abaixo do produto aplicado, em certas zonas, tendo a Autora acordado em intervencionar essa área, mas pensa que tal nunca chegou a ocorrer.

A testemunha II, funcionário da Autora até há cerca de 2 ou 3 anos, procedeu à aplicação do produto na obra em causa, revestindo com poliureia a tela asfáltica da cobertura. Esclareceu que trabalhava já há cerca de cinco anos com a aplicação de poliureia, tendo tido formação prévia específica. Explicou os trabalhos executados, concretamente, limpeza exaustiva e preparação da superfície; aplicação do primário; projeção da poliureia. Em um ou dois pontos da tela asfáltica, que já apresentava sinais de deterioração, foi necessário abrir janelas para tirar água que estava acumulada. A projeção da poliureia – duas mãos aplicadas à mesma passagem – criou uma membrana única sobre a cobertura. Após a conclusão dos trabalhos foram novamente à cobertura para reparar um levantamento num remate. Foi ainda constatada a existência de bolsas de água, alegando, por força da sua formação e experiência profissional, considerar impossível a entrada de água ocorrer na zona intervencionada pela Autora, uma vez que a poliureia tornou essa zona estanque. Foi aventada a hipótese de a entrada de água se ter verificado através das chaminés e rufos, que teriam de ser substituídos após a conclusão do trabalho da Autora, sendo que também as fachadas do prédio apresentavam deterioração. Referiu ainda que a poliureia deve ser mantida limpa, para evitar deteriorações, o que não parecia suceder na cobertura do prédio do Réu, como constatou quando lá se deslocou para elaborar um relatório para apurar se a Autora teria de fazer algum tipo de intervenção após a conclusão dos trabalhos e as queixas apresentadas.

Nenhuma das testemunhas revelou, portanto, conhecimento direto e mais fundamentado (tecnicamente) acerca da origem, da(s) causa(s) da entrada de água na cobertura do prédio do Réu e nas frações afetadas por infiltrações.

Assim, considerando toda a prova produzida, da qual destacamos o relatório pericial valorizado pelo Tribunal, não podemos deixar de dar como não provados os factos atinentes à alegada deficiência da execução pela Autora da obra contratada.

Relativamente aos demais factos dados como não provados, nenhuma testemunha foi capaz de, através de um depoimento suficientemente sólido, assertivo e coerente, fruto de conhecimento direto e circunstanciado, convencer o Tribunal acerca dos mesmos. Assim, e face à falta de outra prova cabal (designadamente documental), o Tribunal fixou tal matéria em prejuízo da parte sobre a qual recaía o ónus da sua prova (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).”

Nenhuma censura merecem as considerações tecidas pelo tribunal a quo.

No que aos trabalhos contratados concerne, importa desde logo considerar os trabalhos que a A. se comprometeu a executar e que descreveu na sua proposta datada de 09/07/2018, junta com a p.i..

Desta proposta extrai-se estar em causa a impermeabilização da área do pavimento da cobertura com poliureia – área com 703 m2.

Ainda a impermeabilização de muretes em todo o perímetro, vão de escadas, chaminés e respiros com a área de 348 m2.

Constando nas exclusões – (para além de deteriorações causadas por 3ºs) todos os trabalhos não relacionados com a atividade da A. e que não constem da proposta.

Dos depoimentos convocados é certo que a legal representante do R. afirmou ter sido a A. contratada para solucionar o problema das infiltrações provenientes da cobertura para as frações, tendo a A. garantido 100% de eficácia com a aplicação do produto poliureia por toda a cobertura, sem necessidade de remover a tela asfáltica que já lá estava antes. Fazendo nessa tela cortes, onde houvesse infiltrações para secar, posteriormente aplicando a poliureia.

Afirmou ainda que quando a A. pretendeu entregar a obra, foram à cobertura e verificando a existência de água debaixo da membrana aplicada, o legal representante da A. comprometeu-se a reparar o que não fez

A este propósito o recorrente condomínio reproduziu na conclusão 30 um email datado de 7/12/2019 o qual não pode ser considerado, já que corresponde a documento que pretendeu juntar por requerimento de 19/10/2022. Junção não admitida por decisão de 14/11/22 em ata de audiência de julgamento.

O trânsito de tal decisão inviabiliza claramente a consideração de documento que formalmente não está junto aos autos.

E se a intenção, ainda que não declarada, era fazer por via do recurso a sua junção neste momento processual, é igualmente inadmissível tal pretensão.

Não só porquanto tal violaria o decidido com trânsito em julgado, como tão pouco preenche os requisitos dos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC.

Consequentemente não pode ser considerado e não o é, o documento reproduzido na conclusão 30 do recurso.

Prosseguindo, a mesma legal representante do R. condomínio reconheceu nas suas declarações que na altura em que se deslocou à cobertura com o legal representante da A. e com o Sr. BB para verificar a obra, tinha já chovido anteriormente.

A chuva ocorrida em momento posterior à conclusão das obras, mas antes da visita, é relevante na medida em que permite afastar a demonstração linear de que a água que então encontraram era água que ali tinha ficado aquando da aplicação do produto.

Afirmou ainda que a A., aquando da adjudicação dos trabalhos, não falou em rufos nem chaminés, nem na necessidade de substituir chaminés.

Tendo negado ter recebido o relatório que foi junto pela A. com a sua réplica, datado de 09/06/2020, assinado: pelo legal representante da A. – CC; pela testemunha DD, identificado como técnico comercial que vendeu o produto aplicado pela A. e que nessa qualidade acompanhou a obra e esteve presente na reunião de condóminos em que o produto foi apresentado, para a adjudicação dos trabalhos; ainda pela testemunha II, ex funcionário da A. e que aplicou o produto.

Neste relatório escrito na 1ª pessoa – entenda-se pelo seu legal representante – é afirmada a identificação de 3 pontos com presença de água armazenada entre as camadas da tela antiga asfáltica e a impermeabilização feita pela A., sem possibilidade de determinar a origem da sua entrada, já que a poliureia está completamente selada.

Neste mesmo relatório é dada nota de ter sido feita uma visita à cobertura em 25/09 com a presença de BB (condómino), DD e a legal representante do condomínio R. EE, altura em que esta última informou que todos os capeamentos e rufos das chaminés eram para substituir a curto prazo, por se apresentarem deteriorados. Trabalhos até à data deste relatório não realizados.

Mencionando-se ainda a existência de fissuras das empenas exteriores e nas zonas interiores dos vãos das escadas de acesso à cobertura, bem como nas varandas. Após descrevendo as visitas efetuadas a frações com reclamações de problemas por parte dos respetivos condóminos que nos termos ali descritos foram identificados como não relacionados com os trabalhos executados.

O depoimento do legal representante da A., confirmou em suma o constante deste relatório.

Reafirmou ter mencionado que após a execução do trabalho da A. era necessário executar trabalhos de capeamentos de chaminés e rufos, sob pena de poder passar água por baixo.

Tendo a legal representante do R. a tal se comprometido.

Reconheceu ter aceite abrir “janelas” onde detetaram a água por debaixo da tela, quando executassem as partes que ficaram de arranjar – rufos e chaminés - e quando parasse de chover, para secar e depois de novo impermeabilizar.

“De boa fé” e para ver se lhe pagavam, apesar de não ser da sua responsabilidade. Pois o trabalho foi, nos termos que depôs, bem realizado.

O mesmo é dizer, sem reconhecer qualquer má execução dos trabalhos, com tal disponibilidade.

Afirmou ter recebido queixas apenas no final do ano, relacionando com o problema relatado pelo condómino BB reportado no mail de 15/01/20 junto com a p.i. como doc. 15.

Tendo esclarecido que o contacto inicial foi precisamente através deste condómino, Sr. BB, com vista a arranjar solução de impermeabilização na cobertura para a qual apresentaram proposta.

Este condómino, BB, ouvido como testemunha afirmou ter sido contratada (anteriormente ao trabalho contratado à A.) a colocação de telas que não ficaram bem, pois continuou a entrar água nas frações.

Motivo por que contactou a A. para apresentar orçamento, com vista a eliminar as infiltrações. Tendo a A. ido à cobertura antes de apresentar orçamento.

Afirmou não ter sido contratado chaminés, nem tal ter sido falado.

Tendo verificado, após a execução da obra, numa visita à cobertura que existia um “colchão de água” por baixo do produto aplicado.

Face ao que mais afirmou foi então falado que a A. iria arranjar  - cortar, dar secagem e voltar a colocar remendo.

Tanto quanto saiba, nada tendo sido feito.

O condómino AA, confirmou a proposta apresentada pela A. para eliminar as infiltrações provenientes da cobertura e que afetavam as frações, nomeadamente a sua própria fração – do que já reclamava há muito tempo.

Mencionou que as telas que existiam na cobertura estavam em muito mau estado (contrariando o que foi mencionado pelo legal representante da A neste ponto), mas que a A. informou não ser necessário retirar estas para aplicar o seu produto, sem prejuízo de fazerem uns cortes em função do que vissem.

Negou que a A. tivesse falado em outros problemas que fosse necessário resolver, tanto quanto se lembra. Tendo a A. (e o representante do produto que também esteve presente numa reunião do condomínio) garantido que iriam acabar com o problema.

Referiu que no ano seguinte, no seu andar, teve ainda mais problemas de infiltrações. Tendo verificado numa deslocação à cobertura “um colchão de água”.

Reconheceu precisarem os rufos e chaminés de arranjos. Principalmente as chaminés das lareiras.

Confirmou que a intervenção era só para a cobertura.

Questionado sobre as infiltrações de que se queixam provêm da cobertura ou das fachadas, declarou não saber.

A testemunha DD, fornecedor dos materiais aplicados, confirmou ter estado presente, juntamente com o legal representante da A., na reunião de condomínio em que o produto foi apresentado.

Havia queixas de infiltrações que não resolviam e explicaram o seu produto e aplicação sem necessidade de remover o que já estava aplicado – no caso telas asfálticas - na medida em que o produto aplicado passaria a ser um “sistema único e continuo”. Admitindo que tivessem de abrir espaços para respirar nas telas antigas ou até reparar algumas.

Afirmou ter acompanhado a execução da obra, tendo o sistema sido perfeitamente aplicado.

Sem prejuízo de ter referido “um ou outro pormenor” que exigiu reparação.

Reafirmou (no sentido do depoimento do legal representante da A.) que aquando da adjudicação dos trabalhos, bem como quando apresentaram o produto na reunião do condomínio, alertaram que tudo o que eram cúpulas e chapas enferrujadas deviam ser substituídas – ao que a legal representante do R., deu o seu assentimento.

Reiterou as conclusões do relatório que subscreveu junto com a réplica e acima já aludido. Bem como a necessidade de serem feitos os trabalhos nas chaminés e rufos.

Negou quaisquer deficiências no trabalho executado. Sem prejuízo de ter referido que foi feita uma reparação pela A., onde foi detetado problema (não especificou quando).

Garantiu ser o produto totalmente estanque à água.

Finalmente a testemunha II, que procedeu à aplicação do material, afirmou que após a limpeza e preparação das superfícies foi aplicado o produto.

Reconheceu que após a aplicação foi detetada uma deficiência que corrigiram (sem se perceber quando foi concretamente efetuada tal reparação).

Afirmou que o colchão de água detetado, surgiu após a aplicação do material. E após as reparações que a A. efetuou.

Corroborou a versão de que o condomínio R. foi avisado de que deviam substituir rufos, por causa dos remates, e tratar das chaminés. O que não era trabalho contratado à A..

Bem como as conclusões do relatório que também subscreveu e acima aludido.


*

Dos depoimentos acima mencionados resulta a apresentação de versões divergentes, acompanhando as próprias posições das partes assumidas nos respetivos articulados.

Sem prejuízo de tais divergências, é uma evidência que o trabalho contratado foi o de impermeabilização da cobertura e que com a mesma o condomínio R. pretendia ver eliminados os problemas de infiltração que da mesma advinham.

Igualmente é seguro que a A. garantiu que o produto por si aplicado eliminaria as infiltrações com origem na cobertura, atenta a sua estanquicidade absoluta à água, tal como referido pela testemunha DD que comercializa o produto.

Certo é também que tal garantia respeita aos trabalhos em concreto executados pela autora. A aplicação da poliureia – com o resultado de uma membrana impermeável. Não resultando que todos os problemas provenientes da cobertura e que com a aplicação do produto não estivessem relacionados fossem solucionados pela A., na medida em que de acordo com a proposta apresentada a mesma se cingiu à execução dos trabalhos relacionados com a aplicação do dito produto na cobertura e nas áreas ali descritas – aplicado sob a forma de spray e que resulta numa membrana impermeável com espessura de mais ou menos 2 mm.

É nesse sentido que consta já provado na al. M) dos factos provados que do produto era garantida estanquicidade.

O ponto 2 dos factos não provados, na medida em que pretende ter um âmbito mais abrangente de solução de todos os problemas de infiltrações que se registavam com origem na cobertura, independentemente da sua causa, não ficou demonstrado. De tal não foi feita prova cabal. À A. – de acordo com a prova produzida - foi contratado um serviço concreto e específico de aplicação de um determinado material. Não uma solução global para eliminação de todos os problemas provenientes da cobertura, que nesse caso lógico seria que previamente tivessem sido identificados e enunciados para solução por parte da A..

Em suma, não merece censura o ponto 2 dos factos não provados cuja redação se mantém.

Com este ponto 2 está relacionado o ponto 8 dos factos não provados.

Dos depoimentos e declarações acima mencionados, mesmo quando analisados de forma conjugada com o teor dos relatórios periciais, não resulta evidenciado erro de julgamento.

Sendo certo que as considerações tecidas pelo tribunal a quo quanto à valoração de ambos os relatórios não se evidenciam como merecedoras de censura.

Não sendo de olvidar que se mostra comprometida a valoração dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos, atendendo à deficiência de gravação que acima já deixámos assinalada.

A má execução aliás, alegada pelo R. e referida no início deste ponto 8, vem traduzida nos pontos 4 a 6 dos factos não provados, os quais não vêm impugnados.

Só por aqui se evidencia a improcedência da alteração do ponto 8 dos factos não provados que, na verdade tem uma redação conclusiva ao reportar-se à “má execução”. Seja como for, não demonstrada pelos motivos expostos a execução dos trabalhos por parte da A. com vícios, nunca se poderia concluir haver nexo causal entre os trabalhos executados pela autora e permanência de infiltrações nas frações dos pisos superiores.

Pelo que igualmente se conclui pela improcedência da alteração do ponto 8 dos factos não provados.

Quanto ao ponto 3 dos factos não provados [o qual padece de uma gralha, pois o procedimento a que alude está descrito na al. O) e não N), o que aqui se considera] tão pouco do mesmo foi feita prova cabal.

O legal representante da A. explicou / justificou o contexto em que acedeu a fazer os trabalhos mencionados em O) dos factos provados, sem reconhecer qualquer responsabilidade pela situação verificada. Tendo apenas o intuito de resolver a situação e para ver se lhe pagavam o valor em dívida.

Da parte do R. nenhuma prova cabal foi apresentada que evidencie posição diversa, sendo que no relatório de junho de 2020 o que é afirmado é precisamente que não se sabe a causa da presença de água entre camadas.

Estando em causa o que terá sido a posição assumida pela A., conclui-se assim não evidenciar o juízo formulado pelo tribunal a quo erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Mantendo-se o ponto 3 nos factos não provados.

Resta por último apreciar a impugnação deduzida ao ponto 7 dos factos não provados e com ele conexionado, o aditamento pretendido pelo recorrente à al. J) dos factos provados.

Do ponto 7 dos factos não provados, nenhuma prova cabal foi feita. O que está em causa é uma comunicada não aceitação da obra logo após a sua conclusão e a invocação do não pagamento até à reparação dos trabalhos.

Note-se a inexistência de uma qualquer comunicação escrita nesse sentido.

Não se questiona que o R. terá solicitado a eliminação das bolsas de água encontradas. Tal é o que resulta já dos factos provados L) a O).

O que o recorrente pretende ver provado é coisa diversa e mais específica, o momento em que reclama / dá nota do que entende serem vícios da execução dos trabalhos da A. e a declaração de não pagamento até a sua solução.

E de tal não há prova suficiente, não bastando para tanto as declarações da legal representante do condomínio.

O mesmo se dizendo quanto ao aditamento pretendido para a al. J) dos factos não provados. O qual se reconduz ao mesmo campo da reclamação.

Como referido supra, embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC)  se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.

Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

O tribunal a quo em obediência a estas regras apreciou e julgou a matéria de facto, a qual nos termos por nós analisados não evidencia erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Em suma julga-se totalmente improcedente a impugnação apresentada à decisão da matéria de facto que na integra se mantém.


*

        Do direito.

         Não vem questionado no recurso o enquadramento jurídico efetuado pelo tribunal a quo quanto ao regime contratual aplicável à relação estabelecida entre A. e R. – contrato de empreitada.

         Tão pouco quanto aos ónus de prova que sobre as partes recaem no que à invocação da execução defeituosa da obrigação contratual concerne: nomeadamente sobre o R. que invoca a deficiente execução recaindo o ónus probatório do cumprimento defeituoso da obrigação contratada, enquanto facto constitutivo do seu direito. Uma vez demonstrado este, presumindo-se a culpa da A. na qualidade de empreiteira, cabendo-lhe então demonstrar que não procede de culpa sua os vícios apontados e apurados[2].

         Foi a prova da defeituosa execução da obrigação da A. que o R. condomínio não logrou demonstrar.     

         E que por via da pugnada alteração da decisão de facto visava lograr.

          Tal como o tribunal a quo apontou:

“O Réu não logrou, porém, demonstrar a ocorrência da alegada deficiente execução da obra. Sendo certo que a obrigação assumida pelo empreiteiro no âmbito do contrato de empreitado é uma obrigação de resultado, e não de meios, de acordo com os termos do contrato celebrado entre as partes, a Autora apenas se obrigou à impermeabilização da cobertura do prédio e não de outros elementos desse prédio, como sejam fachadas, rufos de chaminés, janelas ou outros. Assim sendo, é apenas em relação à cobertura do prédio que importa verificar se a obra acordada se mostra devidamente executada”.

Em relação a esta obra de impermeabilização não logrou o R. provar que a A. executou deficientemente a sua prestação.

         Motivo por que tem de se manter o decidido, julgando improcedente a reconvenção e procedente o pedido da autora.


***


IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.



Porto, 2024-02-19.
Fátima Andrade
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim
_________________
[1] Assim tendo vindo a ser decidido pela jurisprudência – vide entre outros Acs. TRP de 05/06/2023, nº de processo 634/17.4T8FLG-C.P1 e Ac. 04/04/2022, nº de processo 2806/19.8T8PRD.P1, ambos relatados pela ora relatora; Ac. TRP 13/07/2022, nº de processo 2205/21.1T8PRT-A.P1; Ac. STJ 12/10/2022, nº de processo 171/21.2T8PNF.P1.S1, todos in www.dgsi.pt
[2] Cfr. Ac. TRP de 13/09/2012, nº de processo 122/11.2TJPRT.P1; Ac. TRE de 11/06/2015, nº de processo 408/05.5TBALR.E1 in www.dgsi.pt