MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Sumário

I - A responsabilidade do Fundo de Garantia de Alimentos (FGA) pelo pagamento das prestações alimentares é residual, cabendo aos pais tal encargo.
II - Pressupõe a fixação prévia de prestações alimentares fixadas, a cargo dos pais e a inviabilidade da sua cobrança coerciva.
III - FGA só é responsável pelo pagamento das pensões que se vencerem no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal que as fixar.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – Relatório
B..... deduziu contra o marido C....., por apenso à acção de divórcio litigioso que lhe foi movida por este, incidente de incumprimento relativamente aos alimentos fixados a favor dos filhos menores, alegando que o requerido, desde há cerca de dois anos não vem contribuindo para o sustento dos filhos.
Notificado, o requerido respondeu alegando que pagou a pensão de alimentos acordada na acção de divórcio até Junho de 2002, altura em que deixou de a poder continuar a pagar por ter ficado sem trabalho.

Realizou-se uma conferência de pais, na qual o requerido, contrariando o anteriormente alegado, confessou não ter pago alimentos aos menores desde Outubro de 2000, alegando que não podia proceder ao pagamento das prestações em divida por se encontrar desempregado.

Solicitou-se a realização de inquérito ao IRS, cujo relatório consta de folhas 37 a 40.

Junto o referido relatório, o Ministério Público promoveu a fixação de uma pensão alimentícia no valor de 3 UC, a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

De seguida foi proferida a decisão constante de folhas 43-46 que atribuiu aos dois menores uma prestação de alimentos no valor de 3 UC`s mensais a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Discordando do assim decidido o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social instaurou o presente recurso de agravo, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1- Não existem “ in casu” quantias em divida, porque não se verifica ter sido estabelecido um montante a pagar pelo obrigado a alimentos;
2- Tal figura como requisito e pressuposto do pagamento pelo FGADM, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio e do n.º 1, do artigo 3º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro;
3- Não existindo, assim, incumprimento nem a impossibilidade das quantias em divida serem satisfeitas pelos termos previstos no artigo 189º do Dec. Lei n.º 134/98, de 27 de Outubro;
4- A omissão da fundamentação de facto e de direito da sentença determina a anulação da sentença e a sua reformulação.

Contra-alegou o Ministério Público defendendo a improcedência do recurso.

Em face das alegações do recorrente, as questões a decidir consistem em saber se ocorre a invocada nulidade da decisão recorrida por não especificar os fundamentos de facto e se os menores têm direito à prestação de alimentos pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Corridos os vistos legais cumpre decidir

II – Fundamentos
1. De facto
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A menor D....., nasceu em 23-05-1994, e é filha de C..... e de B......
2. O menor E....., nasceu em 09-01-1997, e é filho de C..... e de B......
3. O agregado familiar em que os menores se inserem é constituído pelos mesmos e pela sua mãe.
4. O agregado reside numa moradia inacabada.
5. A mãe dos menores aufere uma pensão de invalidez no montante de 197 euros.
6. O pai dos menores aufere o rendimento mínimo garantido, no valor de 100 euros.

Estão ainda assentes através da certidão junta a folhas 85-90 os seguintes factos:
7. O aqui requerido instaurou acção de divórcio litigioso contra a aqui requerente, tendo o processo sido convolado para divórcio por mútuo consentimento na tentativa de conciliação realizada no dia 20 de Junho de 2001.
8. Foi de imediato realizada a 1ª conferência, tendo os cônjuges acordado o seguinte quanto ao exercício do poder paternal dos dois filhos menores:
“I – Os filhos ficam à guarda e cuidados da mãe que sobre eles exercerá o exercício do poder paternal.
(…)
VII – O pai contribuirá a titulo de prestação de alimentos com a quantia de 20 mil escudos, a pagar até ao dia 15 de cada mês, mediante transferência bancária para a conta n.º 006030040, Banco....., agência de....., e comparticipará em metade das despesas escolares e médicas não comparticipadas mediante receita e recibo comprovativo”.
9. O cônjuge marido requereu, em 19 de Junho de 2002, a renovação da primitiva instância litigiosa.
10- Por despacho em 28-06-02, foi deferido o requerido, declarando-se renovada a primitiva instância litigiosa e determinando-se a notificação da ali Ré para contestar a acção.

2. De Direito
Entendemos que não se verifica a apontada nulidade da decisão recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto, a que se refere a alínea b) do n.º 1, do artigo 668º do CPC.
A decisão recorrida especificou os factos assentes. Poderá é questionar-se se os fundamentos de facto em que assenta são suficientes para conduzir à decisão recorrida. Mas, não o sendo, o que se verifica é uma situação de erro de julgamento e não a invocada nulidade da decisão.
Já quanto à questão de fundo entendemos que assiste razão ao agravante.
O art. 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, estabelece que: “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação (...) ”.
Por sua vez o art. 2º do mesmo diploma prescreve que:
“1. As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 Uc.
2. Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.
Com a referida Lei n.º 75/98, entretanto regulamentada pelo Dec. Lei n.º 164/99 de 13 de Maio, visou-se a introdução de um sistema de substituição do devedor de alimentos, para que os menores deles carenciados não ficassem irremediavelmente desprotegidos.
Assim, sempre que o devedor não possa satisfazer as prestações de alimentos, é o Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que assegura o pagamento das prestações de alimentos devidos a menores residentes em território nacional – v. art. 2º, nºs 1 e 2 do DL 164/99.
Porém, a responsabilidade do Fundo de Garantia pelo pagamento das prestações alimentares é residual. É aos pais que cabe, em primeira linha, a satisfação desse encargo. Só quando tal se mostre inviável, devido a insuficiência económica ou ausência do obrigado a alimentos, é que o Estado, através desse Fundo, assume o pagamento dessas prestações.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 4º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, o pagamento das prestações, por conta do Fundo, apenas se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal que as fixar. E essa decisão só ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do art. 3º da Lei 75/98. A impossibilidade do devedor cumprir as prestações de alimentos e a necessidade de, por via disso, o Estado a ele se substituir, só nesse momento é aferida.
A intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores reveste natureza subsidiária, visto que é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada. Além disso, depois de pagar, o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos (art.ºs 6º, n.º 3 da Lei 75/98 e 5º, n.º 1 do DL 164/99), sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor).
No caso dos autos o recorrente defende não haver lugar ao pagamento de alimentos através do Fundo de Garantia, alegando que não há quantias em divida, porque não se verifica ter sido estabelecido um montante a pagar pelo obrigado a alimentos, faltando um dos pressupostos do pagamento pelo FGADM, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio e do n.º 1, do artigo 3º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
Efectivamente o Fundo de Garantia só assegura as prestações alimentares devidas a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º da OTM.
Pressupõe, pois, a fixação de prestações alimentares a pagar pelo Fundo de Garantia a prévia fixação, por acordo homologado pelo Tribunal ou por decisão judicial, ainda que a titulo provisório, de alimentos a cargo do responsável pelos mesmos e a inviabilidade da sua cobrança coerciva.
Ora, no caso dos autos, como defende a agravante, à data (2-10-2003) em que foi proferida a decisão que fixou as prestações alimentares a pagar pelo Fundo de Garantia não se encontravam fixados judicialmente alimentos a pagar pelo pai dos menores. Senão vejamos:
O processo de divórcio de que os presentes autos constituem apenso foi convolado para mútuo consentimento, tendo de imediato sido realizada (em 20 de Junho de 2001), a 1ª conferência, na qual foi acordada a pensão de 20.000$00 mensais a pagar pelo pai a título de alimentos a favor dos dois filhos menores.
Homologado o referido acordo provisório, ficou o mesmo a vigorar enquanto o processo seguiu os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento.
Mas os acordos provisórios celebrados na 1ª conferência vigoraram apenas na pendência do processo de divórcio por mútuo consentimento (n.º 3, do artigo 1775º, do Código Civil).
E resulta dos autos que através de requerimento apresentado pelo cônjuge marido em 19 de Junho de 2002 foi requerida a renovação da primitiva instância litigiosa, o que foi deferido por despacho de 28-06-02.
Renovada a primitiva instância litigiosa ficou sem efeito o pedido de divórcio por mútuo consentimento e, consequentemente, os acordos provisórios celebrados na 1ª conferência, voltando os autos a seguir os termos do processo de divórcio litigioso, no estado em que se encontravam aquando da convolação.
Não resulta dos elementos constantes dos autos que, entretanto, na acção de divórcio ou em acção de regulação do poder paternal, tenham sido fixados, ainda que provisoriamente, alimentos a pagar pelo pai dos menores.
Assim, este esteve vinculado a pagar os alimentos acordados na 1ª conferência até Junho de 2002, ou seja até ficar sem efeito o divórcio por mútuo consentimento. Mas a partir daquela data não existe decisão provisória ou definitiva que vincule o progenitor ao pagamento de qualquer pensão de alimentos a favor dos menores.
Resulta dos autos que o requerido, durante o período em que vigorou o acordo provisório celebrado na 1ª conferência não pagou a acordada pensão de alimentos.
Porém, o Fundo de Garantia não se destina a pagar alimentos vencidos em divida.
Intervém, em substituição do devedor, apenas quanto aos alimentos vincendos, provado que seja o incumprimento por parte do devedor dos alimentos judicialmente fixados.
Não havendo actualmente pensão de alimentos fixada a cargo do progenitor, por acordo ou decisão judicial, falta um dos requisitos essenciais para a atribuição da prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia, dado que a lei exige que o responsável esteja judicialmente obrigado a prestar alimentos ao menor e não satisfaça as quantias em divida pelas formas previstas no artigo 189º da OTM.
Termos em que procedem as conclusões do agravante, impondo-se a revogação da decisão recorrida.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas.

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Porto,
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves