ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
CENTRO HOSPITALAR
ACORDO COLETIVO DE TRABALHO
NÃO RETROATIVIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE RETRIBUTIVA
TRATAMENTO DIFERENCIADO
CRITÉRIOS OBJETIVOS
Sumário

I – O Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos - SINTAP e outros, publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018, entrou em vigor a partir de 1 de julho de 2018, não se aplicando retroativamente qualquer norma que nele conste sobre avaliação, posição e progressão na carreira.
II – A trabalhadora não pode assim invocar a aplicação de um ponto por cada ano não avaliado, no período anterior à data de entrada em vigor daquele IRCT.
III – O princípio da igualdade retributiva não significa, contudo, uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem obsta ou proíbe um tratamento diferenciado.
IV – Apenas haverá violação do princípio da igualdade em termos retributivos, se a diferenciação não resultar de critérios objetivos.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o A..., E.P.E pedindo a sua condenação:

-na colocação da autora na 2.ª posição do nível remuneratório 7 da tabela remuneratória única, a que corresponde a retribuição mensal de €789,54 da carreira de assistente técnico, desde 1 de julho de 2018, com as legais atualizações anuais;

- a pagar à autora €7.752,62 a título de diferenças salariais a pagar à autora €7.752,62 a título de diferenças salariais vencidas e as vincendas até efetivo enquadramento remuneratório, acrescidas de juros de mora computados à taxa legal.

Alegou, no essencial, que em 2007 celebrou com o réu um contrato de trabalho por tempo indeterminado para exercício de funções de assistente administrativa e que em 1 de julho de 2018, na sequência da entrada em vigor do Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo e outros e o SINTAP-Sindicato dos Trabalhadores da Administração e de Entidades com Fins Público, alterou-se o seu posicionamento remuneratório e deveria ter sido reconstituída a sua carreira, o que o réu se recusa a fazer, desconsiderando todo o tempo de serviço que prestou até essa data.

O réu contestou alegando, em síntese, que o acordo coletivo em apreço não estabelece que o período anterior à sua entrada em vigor deve ser avaliado e levado em conta para efeitos da alteração do posicionamento remuneratório da autora.

Realizou-se audiência de julgamento.

Posteriormente, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Julgo a ação improcedente e absolvo o A..., E.P.E. dos pedidos formulados por AA.

Custas a cargo da autora (art.º 527.º NCPC).

Registe e notifique.”

Inconformado com esta decisão, a autora AA interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

(…).

O recorrido apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

(…).

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve o recurso ser julgado improcedente e a sentença ser confirmada nos seus precisos termos.”

A recorrente respondeu a este parecer, concluindo pela procedência do recurso.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é a seguinte:
1. Se deve ser considerado o tempo de serviço e a avaliação de desempenho da autora anterior à entrada em vigor do Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo e outros e o SINTAPA, para efeitos da sua reclassificação e de alteração do seu posicionamento remuneratório.

 FUNDAMENTOS DE FACTO

O Tribunal de 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma:

“Factos provados:

Com relevância para a decisão da causa apuraram-se os seguintes factos:

1.º A autora foi admitida ao serviço do réu, em 2 de abril de 2007, através de contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano, para sob a sua subordinação, direção orientação e fiscalização desempenhar funções inerentes à categoria profissional de assistente administrativo, mediante a retribuição base ilíquida de €743,12, nos termos que constam do documento junto de fls. 11 a 12 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos.

2.º No termo do prazo previsto para a duração do contrato de trabalho referido em 1.º, o mesmo renovou-se por igual período em 1 de abril de 2008 até 31 de março de 2009;

3.º Através de aditamento, o contrato de trabalho referido em 1.º converteu-se em contrato de trabalho sem termo a partir de 1 de abril de 2009, nos termos que constam do documento junto de fls. 12 verso a 13 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos e do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas

4.ª - Remuneração

1. O primeiro outorgante pagará mensalmente ao segundo outorgante, a retribuição (ilíquida) de €683,13 (…);

2. À retribuição referida no número anterior acresce um subsídio de refeição diário, por cada dia completo de serviço, a atribuir nos termos e valores definidos para a Função Pública, sem prejuízo de eventuais alterações decorrentes da entrada em vigor de contratação coletiva;

3. À retribuição referida no número 1 acrescem ainda os subsídios de férias e de Natal calculados nos termos do Código do Trabalho;

4. A retribuição referida no número 1 será atualizada nos termos e valores definidos para a Função Pública, sem prejuízo de eventuais alterações decorrentes da entrada em vigor de contratação coletiva ou da política da empresa.

6.ª Horário de Trabalho

1. A segunda outorgante compromete-se a prestar 35 horais semanais de trabalho ao primeiro outorgante;

(…);

4.º Desde 1 de abril de 2009 até 31 de dezembro de 2019 a autora auferiu ao serviço do réu a retribuição base de €683,13;

5.º Na sequência das atualizações salariais gerais para a função pública, em janeiro do ano 2020 e janeiro do ano 2021, a retribuição base da autora passou de €683,13 para €693,13 e para €703,13, respetivamente;

6.º A autora é sindicalizada no Sindicato dos Profissionais Administrativos da Saúde (SPAS), anteriormente designado por Associação Sindical dos Profissionais da Administração da Saúde (ASPAS);

7.º Em 1 de julho de 2018 entrou em vigor o Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo e outros e o SINTAP-Sindicato dos Trabalhadores da Administração e de Entidades com Fins Público;

8.º O réu é um dos subscritores do acordo coletivo referido em 7.º;

9.º O acordo coletivo referido em 7.º é aplicável à autora;

10.º Na data da entrada em vigor do acordo coletivo referido em 7.º (1 de julho de 2018) a autora cumpria 35 horas semanais e auferia a mesma remuneração que auferia um assistente técnico com contrato de trabalho em funções públicas (€683,13);

11.º Após a entrada em vigor do acordo coletivo referido em 7.º (1 de julho de 2018) a autora transitou para a carreira de assistente técnico;

12.º e foi posicionada na 1.ª posição remuneratória da carreira/categoria de assistente técnico, nível remuneratório 5, a que corresponde a retribuição base de €683,13;

13.º Para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório da autora, o réu não contabilizou o seu tempo de serviço anterior a 1 de julho de 2018;

14.º Nas negociações entre sindicatos e empregadores que antecederam a assinatura do acordo coletivo referido em 7.º, foi discutida a inclusão de uma cláusula de contagem do tempo de serviço anterior à sua entrada em vigor para efeitos de reclassificação e alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores por ele abrangidos;

15.º A cláusula referida em 14.º não ficou a constar da versão final do acordo coletivo referido em 7.º;

                                                                           *

Factos não provados:

Provaram-se todos os factos com interesse para a decisão o mérito da causa.

                                                                           ***

À restante factualidade alegada pelas partes não se responde por se tratar de matéria conclusiva ou de direito e ser irrelevante para a apreciação do mérito da causa.”

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Da reclassificação profissional da autora e do seu posicionamento salarial.

Na sentença recorrida considerou-se: “…do acordo coletivo não decorrem para o réu as obrigações de avaliar o período anterior à sua entrada em vigor e de o contabilizar para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório da autora.

Ou seja, até à entrada em vigor do acordo coletivo nenhuma obrigação existia que obrigasse o réu a considerar o tempo de serviço e as avaliações de desempenho da autora.

Esta obrigação só nasceu com o acordo coletivo e mais propriamente com a sindicalização da autora, atento o princípio da filiação consagrado no art.º 496.º, n.º 1 do CT.

E a não ser assim, não deixaria de se estar a aplicar retroativamente um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou seja, a aplicar um regime convencional a um período temporal anterior à data da sua entrada em vigor, sem que o acordo coletivo tenha previsto esta aplicação retroativa.

Refira-se, por último, que este entendimento propugnado pelo tribunal no sentido da aplicação do regime do acordo coletivo apenas para o futuro, não implica um tratamento desigual entre trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho e os vinculados através de um vínculo de natureza público.”

Mais adiante, escreveu-se “Tudo para concluir que, com regime do ACT, se pretendeu colocar todos os trabalhadores abrangidos (com CIT) em igualdade de circunstâncias com os trabalhadores com vínculo público apenas para o futuro, não se mostrando ofendido o princípio da igualdade ao não se levar em conta o tempo de serviço e as avaliações de desempenho, anteriores à data de entrada em vigor do ACT, considerando as diferenças entre os regimes dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções e os vinculados através de CIT.

De resto, também não se vislumbra qualquer incumprimento por parte do réu relativamente ao enquadramento profissional e ao reposicionamento remuneratório da autora decorrente do acordo coletivo em análise”.

Sustenta a recorrente que a remissão para o artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, operada pela cláusula 33.ª do acordo coletivo de trabalho, demonstra inequivocamente que este quis efetivamente equiparar os regimes aplicáveis aos trabalhadores contratados ao abrigo de CIT e trabalhadores contratados ao abrigo de CTFP.  Esta norma impõe necessariamente que sejam contabilizadas, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório da Recorrente, de forma ficcionada, as avaliações de desempenho desde o seu início de funções. Mas como o Recorrido não estava obrigado a proceder a tal avaliação até ao ano de 2018, a lei prevê a atribuição de um ponto por cada ano não avaliado, e atingidos que sejam os dez pontos, impõe-se a alteração do posicionamento remuneratório nos termos do artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Vejamos:

É matéria pacífica que nos Hospitais EPE existia uma dualidade de vinculação ou contratação, com trabalhadores em funções públicas e trabalhadores com contratos individuais de trabalho, dualidade esta que remonta ao ano de 1989, ano em que foram publicados o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho e o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro.

Só com a entrada em vigor dos acordos publicados em junho de 2018, entre os quais se insere o aqui sob análise é que passaram a estar previstas categorias profissionais e carreiras para os assistentes técnicos em CIT passando, desde então, a existir níveis remuneratórios, regras a definir a sua progressão dentro dos vários níveis remuneratórios e regras a definir a mudança de categoria.

A autora foi admitida ao serviço do réu, em 2 de abril de 2007, através de contrato de trabalho para o desempenho de funções correspondentes à categoria de assistente administrativo.

Em 1 de julho de 2018 entrou em vigor o Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo e outros e o SINTAP, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22/06/2018, IRCT este aplicável à relação laboral entre autora e réu.

O AC aplica-se, por um lado, às entidades prestadoras de cuidados de saúde que revistam a natureza de entidade pública empresarial, integradas no Serviço Nacional de Saúde e que o subscrevem e, por outro lado, aos trabalhadores que desenvolvam funções correspondentes às estabelecidas para as carreiras de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional, a elas vinculados por contrato de trabalho, representados pelas associações sindicais outorgantes.

Após a entrada em vigor deste acordo coletivo, a autora transitou para a carreira de assistente técnico e foi posicionada na 1ª posição remuneratória da carreira/categoria de assistente técnico, nível remuneratório 5, a que corresponde a retribuição base de €683,13.

Pretende agora a autora que na reclassificação e reposicionamento salarial por força da referida contratação coletiva seja levado em conta, de forma ficcionada, as avaliações de desempenho desde o inicio de funções (conc. 16 a 18).

Analisemos agora as cláusulas deste AE relevantes para a apreciação do presente litigio.

A cláusula 10ª do ACT, sob a epígrafe “Avaliação de desempenho” dispõe:

“A avaliação do desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações”.

A cláusula 11.ª, sob a epígrafe “Período normal de trabalho”, estabelece:

«1- O período normal de trabalho é o previsto na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aplicável a trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais.

2- Os horários específicos e flexíveis devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.»

Por sua vez, o n.º 2 da cláusula 32.ª prescreve que, com prejuízo do n.º 1 da cláusula, a aplicação da cláusula 11.ª, circunscreve-se aos trabalhadores cujo valor hora da respetiva remuneração não exceda, na sequência da alteração do período normal de trabalho previsto no ACT, o dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.

Seguem-se, nos números seguintes, as regras de determinação prática do estatuído no n.º 2 da cláusula 32.º.

São elas:

«3- Para efeitos do disposto no número anterior, deve reconstituir-se a situação do correspondente trabalhador à data em que foi contratado pela entidade pública empresarial para o exercício do conteúdo funcional que o mesmo assegure à data da entrada em vigor do presente AC e apurar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse celebrado um contrato de trabalho em funções públicas com um salário base igual ao da primeira posição remuneratória, e calcular a proporção face ao salário com que este trabalhador foi contratado.

4- Nos casos em que os trabalhadores aufiram remuneração superior à que corresponderia a idênticos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, podem os mesmos, ainda assim, mediante declaração escrita, optar pelo de período normal de trabalho previsto na cláusula 11.ª, sendo a remuneração a auferir ajustada, aplicando a proporção calculada nos termos previstos no número 3 da presente cláusula ao salário base correspondente à sua posição atual na carreira, produzindo efeitos no dia 1 do mês seguinte ao da apresentação daquela declaração.

5- Todas as situações não abrangidas pelos números 2 a 4 da presente cláusula dependem de acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, a materializar em adenda ao correspondente contrato de trabalho.»

Sobre a epígrafe “Reposicionamento remuneratório” consagra a cláusula 33.ª:

«1- Para efeitos de reposicionamento remuneratório, aos trabalhadores abrangidos pela cláusula anterior, aplica-se o regime previsto no artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, mantido em vigor pela alínea c) do número 1 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que, pelo exercício de funções correspondentes à categoria para que foi contratado, a retribuição auferida pelo trabalhador integre uma parte certa e outra variável, não se incluindo nesta última as componentes associadas ao exercício de funções de carácter transitório e específico, designadamente, relativas à isenção de horário e coordenação, deve atender-se ao somatório das duas componentes, para efeitos de integração na respetiva posição remuneratória da correspondente categoria.

3- No que respeita aos trabalhadores que, nos termos previsto na cláusula anterior, optem por manter o regime de trabalho a que correspondam mais de 35 horas semanais, a integração na correspondente tabela remuneratória pressupõe, só para este efeito, que igualmente se ficcione qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso os mesmo tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foram contratados pela entidade pública empresarial para o exercício do conteúdo funcional que os mesmos asseguravam à data da entrada em vigor do presente AC, presumindo, cumulativamente, que os mesmos se encontram sujeitos a um horário semanal correspondente a 35 horas de trabalho normal.

4- O disposto no número anterior é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, aos trabalhadores que, embora sujeitos a um horário igual ou inferior a 35 horas de trabalho normal semanal, aufiram remuneração superior à que corresponde a idênticos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.

5- Os trabalhadores a que se alude nos números anteriores, apenas poderão alterar a sua posição remuneratória quando, verificando-se os demais requisitos, nomeadamente, tenham acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, o valor hora correspondente à respetiva remuneração passe a ser inferior ou igual ao que corresponde a idênticos trabalhadores, sujeitos a um horário de trabalho de 35 horas semanais.

6- Para os efeitos previsto no número anterior, e com as necessárias adaptações, aplica-se o regime previsto no número 3 da cláusula anterior.

7-O disposto, quer na presente cláusula, quer na anterior, é igualmente aplicável, incluindo em matéria de período normal de trabalho, aos trabalhadores contratados entre a publicação do presente AC e o dia 1 de julho de 2018.

8- Para efeitos do disposto na presente cláusula, as partes declaram o carácter globalmente mais favorável do presente acordo relativamente aos contratos de trabalho anteriormente celebrados.».

Preceitua a cláusula 10ª com a epígrafe “Avaliação de desempenho” que “A avaliação do desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações”.

Na ficcionada progressão salarial, não poderemos considerar quaisquer progressões salariais resultantes da avaliação de desempenho realizadas à apelante.

É que, de acordo com a cláusula 10.ª do ACT, a apelante apenas passou a estar abrangida pela progressão resultante da avaliação de desempenho para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório a partir da entrada em vigor do ACT.

Dispõe o artigo 104º sob a epígrafe “Reposicionamento remuneratório”:

“1 - Na transição para as novas carreira e categoria, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm direito, ou a que teriam por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º, nela incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos.

2- Em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm direito, ou a que teriam por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º

3- No caso previsto no número anterior, os trabalhadores, até ulterior alteração do posicionamento remuneratório, da categoria ou da carreira, mantêm o direito à remuneração base que vêm, ou viriam, auferindo, a qual é objeto de alteração em idêntica proporção à que resulte da aplicação do n.º 4 do artigo 68.º.

4- Considera-se termo inicial do reposicionamento remuneratório referido nos números anteriores a data da entrada em vigor do RCTFP, independentemente do tempo de serviço que os trabalhadores tenham prestado no escalão e índice em que se encontravam colocados ou em posição a que corresponda a remuneração base que vêm, ou viriam, auferindo.”

Preceitua o artigo 113.º, Lei n.º 12-A/2008, de 27/2, sob a epígrafe “Relevância das avaliações na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho”:

“1- Para efeitos do disposto nos nºs 1 e 6 do artigo 47.º e no n.º 1 do artigo 75.º, as avaliações dos desempenhos ocorridos nos anos de 2004 a 2007, ambos inclusive, relevam nos termos dos números seguintes, desde que cumulativamente:

a) Se refiram às funções exercidas durante a colocação no escalão e índice atuais ou na posição a que corresponda a remuneração base que os trabalhadores venham auferindo;

b) Tenham tido lugar nos termos das Leis nºs 10/2004, de 22 de Março, e 15/2006, de 26 de abril.

7 - O número de pontos a atribuir aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, é o de um por cada ano não avaliado.”

Por fim, rege o artigo 156º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com a epígrafe “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório”:

“1 – Os trabalhadores com vínculo de emprego público podem ver alterado o seu posicionamento remuneratório na categoria para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que se encontram, nos termos do presente artigo. 2 – São elegíveis para beneficiar de alteração do posicionamento remuneratório os trabalhadores do órgão ou serviço, onde quer que se encontrem em exercício de funções, que, na falta de lei especial em contrário, tenham obtido, nas últimas avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram:

a) Uma menção máxima;

b) Duas menções consecutivas imediatamente inferiores às máximas; ou

c) Três menções consecutivas imediatamente inferiores às referidas na alínea anterior, desde que consubstanciem desempenho positivo.

3 – Os trabalhadores a que se refere o número anterior são ordenados, dentro de cada universo, por ordem decrescente da classificação quantitativa obtida na última avaliação do seu desempenho.

4 – Em face da ordenação referida no número anterior e até ao limite do montante máximo dos encargos fixado por cada universo, nos termos dos nos 2 e 3 do artigo 158o, é alterado o posicionamento remuneratório do trabalhador, salvo o disposto no número seguinte.

5 – Não há lugar a alteração do posicionamento remuneratório quando, não obstante reunidos os requisitos previstos no nº 2, o montante máximo dos encargos fixado para o universo em causa se tenha previsivelmente esgotado, no quadro da execução orçamental em curso, com a alteração relativa a trabalhador ordenado superiormente. 6 – Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do no 2, são também consideradas as menções obtidas que sejam superiores às nelas referidas.

7 – Há lugar a alteração obrigatória para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, quando a haja, independentemente dos universos definidos nos termos do artigo 158o, quando aquele, na falta de lei especial em contrário, tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra, contados nos seguintes termos:

a) Seis pontos por cada menção máxima;

b) Quatro pontos por cada menção imediatamente inferior à máxima;

c) Dois pontos por cada menção imediatamente inferior à referida na alínea anterior, desde que consubstancie desempenho positivo;

d) Dois pontos negativos por cada menção correspondente ao mais baixo nível de avaliação.

               8 – Para efeito do disposto no número anterior, quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que os pontos legalmente exigidos para a alteração da posição remuneratória, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório (redação introduzida pelo Decreto-Lei no 84-F/2022, de 16 de dezembro).

9 – Na falta de lei especial em contrário, a alteração do posicionamento remuneratório reporta-se a 1 de janeiro do ano em que tiver lugar (redação introduzida pelo Decreto-Lei no 84-F/2022, de 16 de dezembro).”

Sobre esta matéria escreveu-se, com interesse, no Acórdão da Relação de Guimarães de 16/03/2023[1]:

“A avaliação de desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações.” (sublinhado nosso).

Ora, fica sujeita precisamente porque até então não o estava, isto é, não havia norma legal (lato sensu) que o impusesse.

E porque assim é, só pode regular as avaliações que se realizaram/venham a realizar desde a respectiva data de entrada em vigor – 01.07.2018 – para futuro.

Donde, a razão da ré ao pretender que para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, os pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho se contarão apenas a partir da data da entrada em vigor do ACT.

Aliás, se assim não fosse, abrir-se-ia seguramente o flanco a novas situações de injustiça relativa pois aqueles trabalhadores a quem a entidade empregadora (a aqui ré ou outra entidade subscritora do mesmo ACT) não tivesse efectuado as mencionadas avaliações ficariam prejudicados relativamente aqueles a quem a entidade empregadora, embora não obrigada, tivesse realizado avaliações de desempenho de acordo com o regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público e por isso obtido os pontos necessários à alteração do posicionamento remuneratório.

Por outro lado, as cláusulas 32.ª e 33.ª do mesmo ACT visam regular a aplicação do regime consagrado no ACT, nomeadamente quanto à aplicação do período normal de trabalho de 35 horas semanais (por força da remissão prevista na cláusula 11.ª/1) e quanto ao reposicionamento remuneratório, aos contratos individuais do trabalho que se já se tinham iniciado anteriormente ao começo da vigência desse ACT.

Sucede que o n.º 5 da cláusula 33.ª do ACT – cláusula cuja epígrafe é “Reposicionamento remuneratório” – estabelece: “Os trabalhadores a que se alude nos números anteriores [no caso, as autoras/recorrentes, aí abrangidas], apenas poderão alterar a sua posição remuneratória quando, verificando-se os demais requisitos, nomeadamente, tenham acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, o valor hora correspondente à respetiva remuneração passe a ser inferior ou igual ao que corresponde a idênticos trabalhadores, sujeitos a um horário de trabalho de 35 horas semanais.” (sublinhado também nosso).

Assim, não sendo contabilizáveis para o efeito aqueles pontos obtidos pelas autoras em avaliações realizadas antes da entrada em vigor do ACT, não estavam as recorrentes em condições de, à data de 01.07.2018, transitarem obrigatoriamente para o nível remuneratório seguinte”.

Com relevância nesta matéria, destacam-se os seguintes acórdãos:

-do TRE, de 12/01/2023, proc. 3594/21.3T8FAR.E1, relatora Paula do Paço, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário parcial:

“O Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos - SINTAP e outros, publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018, entrou em vigor a partir de 1 de julho de 2018, não se aplicando retroativamente qualquer norma que nele conste sobre avaliação, posição e progressão na carreira.”

-do TRG, de 16/03/2023, Proc. 247/22.9T8BCL.G1, relator Francisco Sousa Pereira (já citado), www.dgsi.pt, com o seguinte sumário parcial:

II - Para efeitos de reposicionamento remuneratório por força do acordo coletivo de trabalho (ACT) publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 23, de 22 de junho de 2018, celebrado entre o Centro Hospitalar ..., EPE e outros e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS de trabalhadores que, aquando do início da vigência desse ACT, já eram trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho a entidade empregadora outorgante daquele ACT, os pontos de avaliação do desempenho acumulados, a que se alude no n.º 5 da cláusula 33.ª do ACT, terão de ser os obtidos pelo trabalhador em avaliações realizadas já na vigência do AC.”

-do TRE, de 14-09-2023, proc. 2989/21.7T8STR.E1, relatora Paula do Paço, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário parcial:

“II- No exercício de reconstituição da carreira do trabalhador vinculado por contrato individual de trabalho como se tivesse sido contratado com contrato de trabalho em funções públicas, a que alude a cláusula 32.º do referido ACT, não devem considerar-se as progressões remuneratórias dependentes da avaliação de desempenho previstas na Lei n.º 12-A/2008, de 27/02.”

-do TRE, de 28/06/2023, proc. 442/22.0T8TMR.E1, relator Mário Branco Coelho, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário parcial:

6. No que respeita à progressão na carreira, aquele ACT não tem efeito retroactivo, pelo que a trabalhadora não pode invocar a aplicação de um ponto por cada ano não avaliado, no período anterior à data de entrada em vigor daquele IRCT.

-do TRE, de 28/09-2023, proc. 3258/21.8T8STR.E1, relatora Emília Ramos Costa, www.dgsi.pt. com o seguinte sumário parcial:

“IV – Se o posicionamento remuneratório ficcionado nos termos do n.º 3 da cláusula 32.ª passasse a integrar o quadro remuneratório efetivo da Autora, tal significaria que a esta se teriam aplicado normas respeitantes apenas aos trabalhadores da função pública em momento anterior ao da entrada em vigor do presente ACT, atribuindo ao ACT um efeito retroativo que o mesmo não possui, nos termos conjugados das cláusulas 2.ª, n.º 1, e 35.ª, do referido ACT, bem como em face do disposto no art.º 519.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

V – Apenas é possível proceder ao reposicionamento remuneratório da Autora quando, após a entrada em vigor deste ACT, a Autora cumprir os requisitos legalmente previstos para o seu reposicionamento remuneratório.”

-do TRC, de 29-04-2022, proc. 2040/20.4T8VIS.C1, relator Felizardo Paiva, www.dgsi.pt. com o seguinte sumário parcial:

 “I – Na reclassificação e reposicionamento salarial dos assistentes técnicos em contrato individual de trabalho dos Hospitais EPE inexiste qualquer lacuna que importe preencher.

II – A reclassificação e reposicionamento salarial destes assistentes é feita de acordo com os arts. 23.º e 33.º do IRCT aplicável (ACTs celebrados entre o Réu e outros e o STFPS, e o SINTAP, BTE n.º 23 de 22-06-2018) e art.º 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27-02.”

Refere Maria do Rosário Palma Ramalho[2] “Como qualquer outro instrumento normativo, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho apenas dispõem para o futuro. Neste sentido e em consonância com o regime geral dos actos normativos (art.º 12º nº 1 do CC), o art.º 478º nº 1 c) do CT estabelece que estes instrumentos não podem conferir eficácia retroactiva às suas cláusulas. A excepção a esta regra geral são as cláusulas de «natureza pecuniária», que podem ter efeito retroactivo”.

Acompanha-se a sentença recorrida quando refere “No caso vertente, verifica-se que no acordo coletivo não foi feita qualquer ressalva, relativamente à relevância do tempo de serviço decorrido antes da sua entrada em vigor, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores por ele abrangidos.

Porém, esta omissão não resultou de um qualquer ato arbitrário ou unilateral do réu, sem adequado suporte normativo.

Ao invés, resultou de um processo negocial entabulado entre os representantes da autora e do réu, que culminou com a outorga do acordo coletivo atualmente em vigor, o qual reestruturou a carreira profissional da autora e que, como tal, deve ser analisado na sua globalidade e não apenas no que concerne a este único ponto.

No mais, regista-se que o acordo coletivo:

-não ressalvou quaisquer direitos adquiridos relativamente ao tempo decorrido antes da sua entrada em vigor para efeitos de avaliação de desempenho (cláusula 10.ª) e de alteração de posicionamento remuneratório (cláusula 33.ª);

- e contém uma cláusula que declara o seu caráter globalmente mais favorável especificamente no que se reporta ao reposicionamento remuneratório: para efeitos do disposto na presente cláusula, as partes declaram o caráter globalmente mais favorável do presente acordo relativamente aos contratos de trabalho anteriormente celebrados (cláusula 33.ª, n.º 8) - o que de acordo com entendimento clássico que se perfilha, corresponderá, de facto, à realidade.

                   (…).

                   “Consequentemente, do acordo coletivo não decorrem para o réu as obrigações de avaliar o período anterior à sua entrada em vigor e de o contabilizar para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório da autora.

                   Ou seja, até à entrada em vigor do acordo coletivo nenhuma obrigação existia que obrigasse o réu a considerar o tempo de serviço e as avaliações de desempenho da autora.

                  Esta obrigação só nasceu com o acordo coletivo e mais propriamente com a sindicalização da autora, atento o princípio da filiação consagrado no art.º 496.º, n.º 1 do CT.

                  E a não ser assim, não deixaria de se estar a aplicar retroativamente um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou seja, a aplicar um regime convencional a um período temporal anterior à data da sua entrada em vigor, sem que o acordo coletivo tenha previsto esta aplicação retroativa.”[3]

Alega também a recorrente que a remissão para o artigo 104º da Lei nº 12-A/2008, operada pela cláusula 33ª do acordo coletivo de trabalho, demonstra inequivocamente que este quis efetivamente equiparar os regimes aplicáveis aos trabalhadores contratados ao abrigo de CIT e trabalhadores contratados ao abrigo de CFTP (conc. 15).

Apreciando.

“Em primeiro lugar, a remissão Clª 33ª do ACT é feita para um específico preceito da Lei n.º 12-A/2008 (art.º 104º) e não para a Lei no seu todo.

Se as partes contratantes do ACT quisessem que fosse aplicado todo o regime da citada Lei certamente tê-lo-iam feito consignar.

Ao contrário do alegado pelos recorrentes, a remissão precisa para um determinado preceito faz concluir que as partes não pretenderam que fosse aplicável todo regime da Lei pois que, caso contrário, tê-lo-iam dito.”[4]

Alega ainda a recorrente que “Ao recusar a reconstituição da carreira da Recorrente nos termos das cláusulas 32.ª, 33.ª e 34.ª do ACT, a mesma é ilegal e discriminatória” (conc. 7).

Dispõe o artigo 270º do C.T., sob a epígrafe “Critérios de determinação da retribuição” “Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual”.

Em anotação a este preceito, diz Diogo Vaz Marecos[5] “Um dos princípios fundamentais do direito do trabalho, com consagração constitucional na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa é o de que a trabalho igual, salário igual, repetindo-se o mesmo neste artigo 270.º. Este princípio concretiza, no que diz respeito à retribuição do trabalho, o princípio da igualdade, consagrado na Lei Fundamental, cfr. artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e traduz-se em termos simples, no entendimento que o trabalho igual em natureza, qualidade e quantidade, deve ser remunerado com o mesmo salário. O princípio da igualdade retributiva não significa, contudo, uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem obsta ou proíbe um tratamento diferenciado. O que se exige é que a diferenciação seja materialmente fundada, sob o ponto de vista da segurança jurídica e não se baseia em qualquer motivo inadmissível em termos legais. Assim, a diferenciação de tratamento é aceitável quando se baseia numa distinção objectiva de situações, não se fundamente em qualquer dos motivos indicados no nº 2, do artigo 13º da Constituição (distinção em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual), tenha um fim legítimo e se revele necessária, adequada e proporcionada à satisfação do objectivo que se pretende atingir. Desta forma, apenas haverá violação do princípio da igualdade em termos retributivos, se a diferenciação não resultar de critérios objectivos, isto é, se o trabalho prestado pelo trabalhador, independentemente da categoria profissional que lhe é atribuída, não for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também qualidade e quantidade.

Estabelece o artigo 23º, do C.T., sob a epígrafe “Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação”:

“1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:

a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.

2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.”.

Já o artigo 24º do C.T., sob a epígrafe “Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho “estatui que:

“1- O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

2– O direito referido no número anterior respeita, designadamente:

a) A critérios de seleção e a condições de contratação, em qualquer sector de atividade e a todos os níveis hierárquicos;

b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;

c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;

d) A filiação ou participação em estruturas de representação coletiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.

3– O disposto nos números anteriores também se aplica no caso de tomada de decisões baseadas em algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial e não prejudica a aplicação:

a) De disposições legais relativas ao exercício de uma atividade profissional por estrangeiro ou apátrida;

b) De disposições relativas à especial proteção de património genético, gravidez, parentalidade, adoção e outras situações respeitantes à conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

                  4 – O empregador deve afixar na empresa, em local apropriado, a informação relativa aos direitos e deveres do trabalhador em matéria de igualdade e não discriminação.

5 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no nº 1 e constitui contraordenação leve a violação do disposto no nº 4.”

Por sua vez, o artigo 25º do C.T., sob a epígrafe “Proibição de discriminação” estabelece:

“1– O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no nº 1 do artigo anterior.

2– Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.

3– São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.

                   4– As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.

5– Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

6– O disposto no número anterior é aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de gozo de direitos na parentalidade e de outros direitos previstos no âmbito da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal e dos direitos previstos para o trabalhador cuidador.

7– São ainda consideradas práticas discriminatórias nos termos do número anterior, nomeadamente, discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira.

8– É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a ato discriminatório.

9– Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos nºs 1 ou 8.”

É oportuno citar o escrito no acórdão do TC nº 313/89, de 09/03/1989[6], que foi o seguinte: “O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias.

Tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual — eis o que exige o princípio da igualdade consa­grado no artigo 13. ° da Constituição”.

Neste sentido o Ac. do TRC, de 29-04-2022[7], com o seguinte sumário parcial:

“III – O princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de modo que só haverá violação desse princípio se ocorrer tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.

IV – O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem motivo objetivo), ou com base em categorias discriminatórias (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material.”

Em suma: não ocorre violação do princípio da igualdade, designadamente em matéria salarial, porque, não obstante a tendência para a harmonização de ambos os regimes, estamos perante situações diversas e com origem diversa.

Concorda-se assim com a sentença recorrida quando refere “este entendimento propugnado pelo tribunal no sentido da aplicação do regime do acordo coletivo apenas para o futuro, não implica um tratamento desigual entre trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho e os vinculados através de um vínculo de natureza público”.

Importa assim concluir, que não houve qualquer incumprimento por parte do réu relativamente ao enquadramento profissional e ao reposicionamento remuneratório da autora decorrente do acordo coletivo em análise.

Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente, com a consequente, confirmação da sentença recorrida.

                   DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da recorrente, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

                                                        Coimbra, 23 de fevereiro de 2024

Mário Rodrigues da Silva (relator)

Paula Roberto

Felizardo Paiva

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC)

(…).

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


([1]) Proc. 247/22.9T8BCL.G1, relator Francisco Sousa Pereira, www.dgsi.pt.

([2]) Tratado de Direito do Trabalho - Parte III - Situações Laborais Colectivas, 2023, p. 366.
([3]) Cf. ainda, Ac. do TRC, de 29-04-2022, proc. 2955/20.0T8CBR.C1, relator Felizardo Paiva (não publicado na base de dados da DGSI).
([4]) Ac. do TRC, de 29-04-2022, proc. 2955/20.0T8CBR.C1, relator Felizardo Paiva (não publicado na base de dados da DGSI.
([5]) Código do Trabalho Comentado”, 3ª Edição, Almedina, 2023, p. 806.
([6]) Acórdão nº 313/89, relator Messias Bento, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19890313.html.
([7]) Proc. 2040/20.4T8VIS.C1, relator Felizardo Paiva, www.dgsi.pt.