CAUSA PREJUDICIAL
COINCIDÊNCIA DE PARTES
COINCIDÊNCIA DE PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
ACORDOS PARASSOCIAIS COM NÃO-SÓCIOS
OPÇÃO DE COMPRA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Sumário

1–Uma causa é prejudicial em relação a outra, nos termos do art. 272º nº1 do CPC, quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.

2–Há casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode ser discutida na causa subordinada porque os objetos das duas ações são totalmente distintos – trata-se da dependência necessária ou prejudicialidade simples; há outros em que a questão pode ser discutida na causa subordinada, mas somente a título incidental, abrangendo o objeto da segunda ação a questão dependente ou prejudicial – trata-se de dependência facultativa ou prejudicialidade complexa.

3–O fundamento da suspensão da instância atinge sobretudo, nos casos de dependência necessária ou simples, objetivos de economia processual e no caso da dependência facultativa ou prejudicialidade complexa, objetivos de coerência de julgamentos.
4–A coincidência de partes, pedido e causa de pedir são requisitos da litispendência e não de prejudicialidade. No entanto, atendendo à necessidade de que o caso julgado da decisão da ação prejudicial seja vinculativo na ação dependente, tal implica que, pelo menos uma das partes, tem de ser comum à ação prejudicial e à ação dependente.

5–Embora o nº1 do art. 17º do CSC mencione como acordos parassociais os acordos celebrados entre todos ou alguns sócios, nessa qualidade, a disciplina do preceito também é suscetível de aplicação a contratos desta natureza celebrados com não sócios.

6–Os acordos parassociais são negócios jurídicos bilaterais ou multilaterais, verdadeiros contratos, sujeitos à respetiva disciplina e às regras de interpretação previstas nos arts. 236º a 238º do Código Civil, embora por vezes tenha que se recorrer ao pacto de sociedade para apurar o seu sentido.

7–Uma cláusula penal prevendo uma opção de compra e a correspondente obrigação de venda, esta para os contraentes que incumpram as cláusulas daquele acordo parassocial, celebrado entre todos os sócios de uma determinada sociedade, nessa qualidade, quando o acordo parassocial e o pacto social contêm normas que demonstram a vontade das partes de manter as participações sociais na titularidade dos atuais sócios ou de quem estes consentirem, apenas pode ser interpretada como apenas podendo ser invocada por acionistas.

8–O direito de execução específica desta cláusula do acordo parassocial apenas pode ser exercido por quem tenha – e mantenha – a qualidade de acionista da sociedade, sendo causa prejudicial a ação pendente da qual possa vir a resultar a perda dessa qualidade.

9–A causa de não aplicação do regime da suspensão da instância prevista no nº2 do art. 272º do CPC, por princípio, apenas se dá nos casos de dependência facultativa ou prejudicialidade complexa.

Texto Integral

Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório


RP, intentou, em 09/02/2022, a presente ação declarativa sob a forma comum contra NG, Lda, pedindo seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré de venda das ações de categoria B de que é titular na sociedade MSI, S.A. pelo preço correspondente ao respetivo valor nominal, ou seja, € 5.050,00 (cinco mil e cinquenta euros).

Alegou, em síntese, ser acionista da MSI, titular de 31310 ações, representativas de 62,62% do seu capital social, todas da categoria A. A R. é titular de 5050 ações, representativas de 10,1% do mesmo capital social, todas da categoria B. Os acionistas da MSI celebraram entre si um acordo parassocial, ao qual A. e R. aderiram ao adquirir as suas participações sociais, tendo a R. incumprido definitivamente uma das suas cláusulas, o que implica, nos termos do mesmo acordo, que a R. está obrigada a vender as suas ações pelo valor nominal, para o que foi interpelada, não tendo procedido à venda.

Citada a R., contestou, em 28/03/2022, pedindo a suspensão da instância nos termos previstos no artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil por pendência de causa prejudicial que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, com o número de processo 3851/21.9T8CSC.

Caso assim não se entenda, pediu a sua absolvição por falta de verificação dos pressupostos contratuais previstos na cláusula Terceira no n.º 5 do acordo parassocial; por resolução do PMA ter sido ilegal e em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil; ou, a sua absolvição por ter cumprido as obrigações contratuais previstas no acordo parassocial e ainda a sua absolvição por ser a ação julgada improcedente por não provada. Pediu também a condenação da A. como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542.º do CPC.

Alegou em síntese, fundamentando a peticionada suspensão da instância, que no dia 02/12/2021 a acionista da MSI, NS, SA intentou contra a ora A. uma ação de execução específica, pela qual aquela exerce a opção de compra das ações da aqui A. correspondentes a 62,62% do capital social da sociedade MSI, nos termos da Cláusula 8.ª do acordo parassocial invocado pela A. na presente ação, invocando incumprimento, por parte da aqui A., do referido acordo parassocial, anterior ao incumprimento invocado nesta ação. Procedendo aquela ação a aqui A. deixará de ser acionista da MSI, perdendo a legitimidade substantiva e processual para exercer a opção de compra de ações que aqui pretende exercer. Trata-se, assim, de causa prejudicial, pelo que a instância deverá ser suspensa nos termos do nº1 do art. 272º do CPC.

A A. veio exercer o contraditório, nomeadamente quanto à requerida suspensão da instância, pedindo seja a mesma indeferida e alegando, em síntese, que a ação invocada como prejudicial foi intentada única e exclusivamente para que fosse obtida a suspensão da presente ação. A R. e a A. naquela ação fazem parte do mesmo grupo, e gizaram uma estratégia para obterem a suspensão da presente ação, tendo tido conhecimento de que a A. pretendia vender as suas ações em 29/09/2021 e enviaram à A. uma carta imputando-lhe incumprimento do acordo parassocial e intentando a ação ora invocada como prejudicial.

Sem prejuízo, as ações não são incompatíveis entre si dado que as partes não são as mesmas nas duas ações, sendo também distinto o objeto de ambas as ações, em que se visa a aquisição de diferentes participações sociais. O caso julgado que se venha ali a formar não produz efeitos em relação à presente relação material controvertida por não haver identidade de sujeitos, de objeto e de factos.

Mais alega que a presente ação está mais adiantada que a ação invocada como prejudicial, pelo que também por esse motivo deve a requerida suspensão ser indeferida nos termos do nº2 do art. 272º do CPC.

Em 25/07/2023 foi proferido o seguinte despacho:
Veio a A. RP peticionar a prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré NG, Lda. de venda das ações de categoria B de que é titular na sociedade MSI, S.A., pelo preço correspondente ao respetivo valor nominal, ou seja, € 5.050,00 (cinco mil e cinquenta euros).
Funda o seu pedido num acordo parassocial celebrado entre os acionistas da MSI, S.A., o qual obriga todos os acionistas, incluindo a Ré, a praticarem os atos necessários à amortização das ações da categoria B em caso de cessação do contrato de gestão imobiliária existente, aliado à decisão da A. de transmitir as suas ações.
Contudo, entende a A. que a R. não cumpriu a obrigação que decorre de tal acordo, designadamente, já que inviabilizou em Assembleia Geral a alteração dos estatutos da MSI, S.A. e a amortização das ações.
Após interpelação da A. para pôr termo à situação de incumprimento, a R. manteve a posição já revelada, razão pela qual a A. entende existir incumprimento definitivo do acordo parassocial.
Este incumprimento definitivo, por sua vez, constitui a R. na obrigação de vender as suas ações pelo respetivo valor nominal, o que esta recusa fazer, apesar da A. ter exercido o direito potestativo de aquisição.
Razão pela qual a A. pretende que o tribunal se substitua à R. na venda à A. das ações de que a R. é titular.
Veio a R. requerer a suspensão da presente instância por se encontrar a correr termos contra a A. uma ação pela qual a NS, S.A., também acionista da MSI, S.A., pretende exercer a opção de compra das ações da A.. Tal ação deu entrada no dia 02.12.2021 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, tendo-lhe sido atribuído o número de processo 3851/21.9T8CSC.
O direito potestativo de aquisição de ações pressupõe, necessariamente, a prévia qualidade de acionista por parte do adquirente. Assim, o peticionado nos presentes autos encontra-se sujeito à condição de a A. ser acionista da MSI, S.A..
Considerando o peticionado no processo n.º 3851/21.9T8CSC, pode a A. deixar de vir a ser acionista por decisão judicial que venha a ser proferida naqueles autos, razão pela qual a pendência tal ação constitui causa prejudicial destes autos.
Entende a A. que tal ação foi proposta apenas para obter a suspensão desta. Contudo, a ação prejudicial deu entrada em tribunal mais de dois meses antes da presente, o que afasta a existência de fundadas razões para crer que foi intentada unicamente para se obter a suspensão desta, que era inexistente à data.
Por outro lado, não cabe aqui apreciar a validade dos fundamentos invocados para o peticionado no processo n.º 3851/21.9T8CSC, já que tal competência cabe em exclusivo ao Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3. Nessa medida, a possibilidade de sucesso daquela ação não constitui fundamento para apreciação da prejudicialidade destes autos.
Por último, de referir que a ausência de similitude das partes ou dos pedidos entre as duas ações não afasta a prejudicialidade de uma em relação à outra. Na realidade, esta prejudicialidade é aferida tendo por base os efeitos que a decisão de uma produz na apreciação da outra e que, neste caso, impedem o exercício do direito que a A. destes autos pretende ver declarado.
Face ao exposto, julga-se verificada a pendência de uma causa prejudicial, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, com número de processo 3851/21.9T8CSC, razão pela qual se determina a suspensão da presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.

Inconformada apelou a A., pedindo a revogação do despacho recorrido e seja determinado o prosseguimento do processo, por inexistência de causa prejudicial, ou, caso assim não se entenda, por haver fundadas razões para crer que a ação invocada como prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da presente lide, nos termos da 1.ª parte do n.º 2 do artigo 272.º do CPC, apresentando as seguintes conclusões[1]:
A.–Vem o presente recurso interposto do despacho com a ref.ª citius 425814152, proferido em 25/07/2023, e que julgou verificada a pendência de uma causa prejudicial, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, com número de processo 3851/21.9T8CSC, razão pela qual se determina a suspensão da presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
B.–A presente acção, entrada em juízo em 09/02/2022, opõe a RP à NG e tem em vista a compra das acções de categoria B de que a NG é titular na sociedade MSI.
C.–Por sua vez, na acção n.º 3851/21.9T8CSC que corre termos junto do Juiz 3 do Juízo Central Cível de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste[2] e deu entrada em juízo no dia 02/12/2021, a sociedade NS, também accionista da MSI, pretende exercer a opção de compra das acções de que a RP é titular na MSI.
D.–A questão que se coloca é, pois, a de saber se é juridicamente admissível que coexistam em simultâneo duas acções de execução específica de opções de compra de acções de uma mesma sociedade – a MSI – ou se, pelo contrário, uma acção constitui, inevitavelmente, causa prejudicial da outra e determina a suspensão da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 272.º, n.º 1, do CPC.
E.–É entendimento unânime da Jurisprudência, o referido nomeadamente no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/02/2023[3] que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando nesta acção prejudicial se aprecia uma determinada questão, cujo resultado pode afectar a decisão da acção principal, definindo ou limitando o seu objecto sendo que tem sido entendido que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos por forma a evitar a existência de decisões incompatíveis relativamente a matérias conexas;
F.–O mesmo é dizer, por isso, que, para aplicar o artigo 272.º do CPC ao presente processo, suspendendo o mesmo, há que analisar:
4)-se a procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC afecta a presente acção;
5)-se a eventual procedência de ambas as acções é incompatível entre si; e
6)-caso se responda afirmativamente a ambas as questões, se a acção n.º 3851/21.9T8CSC foi, ou não, intentada apenas com o propósito de suspender a presente acção.
d)- Da inexistência de causa prejudicial - da não incompatibilidade das acções
G.–O cenário de procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC não é de modo algum equacionado como plausível por parte da RP mas, por exclusivo dever de patrocínio e para a correcta análise do presente recurso, tem de ser admitido como possível, e, por isso, nada do que a seguir se dirá pode ser interpretado como qualquer tipo de reconhecimento ou de aceitação, ainda que tácita, da procedência de tal acção, e dos seus fundamentos, os quais se rejeitam em absoluto.
H.–As acções em causa não são incompatíveis entre si porque:
(iii)- não existe identidade de partes nas acções em causa;
(iv)-não existe identidade de causas de pedir pois os incumprimentos em causa nas acções não são os mesmos;
(v)- os incumprimentos em discussão em ambas as acções são todos anteriores à data de exercício de ambas as opções de compra em discussão nas acções;
(vi)- não existe identidade de objecto, pois as participações sociais em causa em cada uma das acções são distintas;
(vii)- o resultado, o efeito útil das acções não é incompatível entre si, pois a procedência da presente acção determinará a aquisição, por parte da RP, das acções que a NG detém na MSI e a eventual procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC determinará a aquisição, por parte da NS, das 31.310 acções de que a RP é titular na MSI[4], à data do exercício da opção de compra, não englobando, por isso, as acções em discussão na presente acção; e
(viii)- o caso julgado que se vier a formar no âmbito do processo n.º 3851/21.9T8CSC não produz efeitos relativamente à relação material controvertida na presente acção.
I.–Só pelo referido se pode concluir que as acções não são incompatíveis entre si, nem a decisão da presente acção está dependente do julgamento da acção n.º 3851/21.9T8CSC, pelo que, o tribunal a quo errou ao qualificar a acção n.º 3851/21.9T8CSC como causa prejudicial da presente e, consequentemente, violou o disposto no artigo 272.º. n.º 1, do CPC, o qual é inaplicável à presente situação.
J.–Parece que o tribunal a quo entende que se a RP deixar de ser accionista fica impedida de ver reconhecido o direito de compra das acções da NG através da default call option que exerceu em 2021, quando era accionista de pleno direito.
K.–Ora, a ausência da qualidade de accionista não é impeditiva da manutenção da RP como parte do Acordo Parassocial, em especial, se tal manutenção tiver em vista o reconhecimento judicial da licitude do exercício de um direito exercido antes da perda de tal qualidade de accionista, como é o caso da presente acção.
L.–Acresce que a comunicação de resolução do Acordo Parassocial por parte da NS não produz efeitos relativamente às relações e obrigações assumidas entre a RP e os demais accionistas parte no referido Acordo, nomeadamente a NG pois, sendo o Acordo Parassocial um negócio jurídico multilateral que prevê direitos e obrigações de todas as partes e perante todas as partes a comunicação de resolução operada por uma das partes relativamente à outra não destrói os direitos e obrigações de outras partes.
M.–É que não se pode esquecer que, na acção n.º 3851/21.9T8CSC estará em causa uma comunicação de resolução e posterior opção de compra de acções por parte da NS.
N.–As responsabilidades das partes no Acordo Parassocial são obrigações conjuntas e não solidárias pelo que a declaração que a NS remeteu à RP não produz efeitos no que se refere aos direitos de que a RP é titular no âmbito do Acordo Parassocial relativamente aos demais outorgantes do Acordo, nomeadamente, a NG, principalmente se tais direitos se tiverem constituído antes do envio da carta, como é o caso.
O.–Entender de outro modo é impedir que a RP exerça um direito contratualmente previsto, o qual foi exercido, em tempo, quando a RP era accionista da MSI.
P.–Acresce ainda que os factos têm de ser analisados com base na situação que existia à data do exercício do direito de opção de compra e, em tal data, a RP era acionista da MSI, circunstância e constatação que não é alterada pela eventual procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC.
Q.–Aliás, a resolução do Acordo Parassocial efectuada pela NS, ainda que venha a ser julgada lícita (o que, mais uma vez, apenas se admite por cautela de patrocínio, sem conceder), não terá efeitos retroactivos, tal como decorre do artigo 434.º, n.º 1, do CC.
R.–Entender de outro modo é atribuir um efeito retroactivo à compra e venda das acções – que apenas operará com o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção n.º 3851/21.9T8CSC e se esta for procedente – o que não tem nem suporte contratual nem suporte legal.
S.–Pelo que a eventual perda da qualidade de accionista em virtude da procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC não pode ter relevância e impacto na decisão da presente acção no âmbito da qual se discute
(i)- se houve ou não incumprimento por parte da NG; e
(ii)- se a RP exerceu a opção de compra nos termos contratualmente previstos.
T.–O mesmo é dizer, por isso, que, também por este motivo, a acção n.º 3851/21.9T8CSC não constitui qualquer causa prejudicial relativamente à presente acção e, consequentemente, mal andou o tribunal a quo ao decidir suspender a instância, o que consubstancia erro na aplicação do artigo 272.º, n.º 1, do CPC.
caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder,
e)- do conluio entre a NS e a NG para obterem a suspensão da presente acção
U.–É evidente que essa acção que alegadamente serve de causa prejudicial à presente foi intentada, única e exclusivamente, para que a NG obtivesse a suspensão desta, já antecipando, conforme resulta evidente do que abaixo se dirá, a propositura da presente acção judicial, pelo que, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, do CPC, não deve o tribunal ad quem mantar a decisão de ordenar a suspensão ora em análise, não se podendo concluir o contrário só pela data de propositura das acções, como fez o tribunal a quo.
Senão vejamos:
(iii)- A NG e a NS fazem parte do mesmo grupo de sociedades V. A NS detém uma participação social indirecta de 80% do capital social da NG, através da sociedade NSI. e da qual são administradores exactamente os mesmos administradores da NS pelo que estas três sociedades[5], mais não são do que sociedades ao serviço exclusivo dos interesses da Família NS!
W.–Na sequência da resolução do contrato de gestão junto como Doc. 5 da PI, levada a cabo pela MSI, a NG e a NS têm vindo a praticar todos actos possíveis com vista a paralisar e prejudicar a MSI e, indirectamente, a Apelante também.
X.–Entre esses actos conta-se a instauração sucessiva de acções judiciais contra a MSI e seus administradores (excepção feita ao administrador nomeado pelas referidas sociedades), senão veja-se:
i.- Em 27.03.2021 a NS (juntamente com o seu administrador PS, à data também administrador da MSI) requereu contra a MSI uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, visando a suspensão da deliberação do Conselho de Administração da MSI de resolução do dito contrato de gestão – cfr. Doc. 1 junto aos autos em 03/05/2022[6] com o requerimento da RP de 21/04/2022[7].
A referida providência foi indeferida tendo os requerentes da mesma desistido do recurso que entretanto tinham interposto – cfr. Docs. 2 e 3 juntos aos autos em 03/05/2022[8] com o requerimento da RP de 21/04/2022[9].que ora se juntam.
ii.- Em 29.06.2021 a NG, Ré na presente acção, intentou contra a MSI uma acção declarativa de condenação peticionando o pagamento de uma indemnização de € 1.271.796,27 (?), alegando, em suma (e de forma contraditória com o que pretendia na providência identificada no ponto precedente, então ainda pendente), que a aludida resolução do contrato de gestão, apesar de ter produzido efeitos, era infundada – cfr. doc. 4 junto aos autos em 03/05/2022[10] com o requerimento da RP de 21/04/2022[11].
Esta acção encontra-se pendente, na fase instrutória.
iii.- Em 28.07.2021, a NS intentou contra dois dos administradores da MSI, JV e HH, uma acção declarativa de condenação peticionando o pagamento de uma indemnização no valor global de € 766.188,63 (?) alegando, em suma, a violação por parte daqueles dos seus deveres de administradores – cfr. doc. 5 junto aos autos em 03/05/2022[12] com o requerimento da RP de 21/04/2022[13]..
Esta acção aguarda o agendamento da audiência prévia / despacho saneador.
iv.- Em 02.09.2021, a NG requereu contra a MSI, por apenso à acção identificada em ii. supra, um procedimento cautelar comum, sem audiência prévia da MSI, requerendo a conservação dos direitos especiais inerentes às acções de categoria B que detém no capital social desta, designadamente as matérias reservadas previstas nos artigos 8º, n.º 2, e 19º, n.º 2 do contrato de sociedade e na cláusula 3ª, n.º 2, do acordo parassocial (estas últimas que haviam caducado por força da resolução do contrato de gestão) – cfr. doc. 6 junto aos autos em 03/05/2022[14] com o requerimento da RP de 21/04/2022[15]..
O Tribunal entendeu inexistirem motivos para não ouvir a MSI previamente a proferir decisão sobre a providência requerida e ordenou a citação desta para deduzir Oposição – cfr. doc. 7 junto aos autos em 03/05/2022[16] com o requerimento da RP de 21/04/2022[17].
Porém, a citação da MSI, remetida para a morada da sede desta – que à data correspondia também à morada da sede da NG e da NS -, pese embora ter sido recebida, só chegou ao conhecimento dos administradores daquela (de forma assaz conveniente, diga-se) já após a mesma ser decretada – cfr. doc. 8 junto aos autos em 03/05/2022[18] com o requerimento da RP de 21/04/2022[19].
No entanto, na sequência de um requerimento de nulidade da citação apresentado pela MSI, a citação veio a ser declarada nula, pelo que a mesma teve oportunidade de deduzir Oposição – cfr. doc. 9 a 11 junto aos autos em 03/05/2022[20] com o requerimento da RP de 21/04/2022[21].
Na sequência do julgamento da referida providência, o tribunal julgou improcedente o procedimento cautelar proposto pela NG, decisão esta que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cfr. Doc. 15 e Doc. 16[22] que ora se juntam para melhor esclarecimento da verdade material.
Esta breve resenha permite perceber que a NG e a NS, inconformadas com a resolução do contrato de gestão de que aquela primeira era parte (válida e eficazmente realizada nos termos legais e contratuais), entenderam por bem adoptar uma verdadeira estratégia de “terrorismo” judicial, com o único e exclusivo objectivo intimidar e pressionar a MSI para recuar e/ou revogar a decisão de resolução do mencionado contrato que legitimamente tomou, estratégia que inclui o ataque à Apelante através da acção n.º 3851/21.9T8CSC.
Y.–Assim, e não contentes, as referidas sociedades NG e NS, sabendo que era intenção da RP intentar a presente acção, gizaram um novo esquema com o único objectivo de impedir que a mesma prossiga os seus termos, invocando uma causa prejudicial que sabem inexistir.
(iv)-Do conluio entre NG e NS para obterem a suspensão da presente acção
Z.–A NG e a NS tomaram conhecimento, por carta enviada no dia 29 de Setembro de 2021, que a RP havia decidido vender as acções de que é titular na MSI (cfr. Documento n.º 8 junto com a PI).
AA.–Antes disso, através de comunicação enviada pelo Presidente de Mesa da Assembleia Geral da MSI de 09 de Setembro de 2021, as referidas sociedades tomaram também conhecimento da convocatória para a Assembleia Geral da MSI, cuja ordem de trabalhos, incluía, entre outros, a alteração dos estatutos da MSI aditando um novo artigo relativo à amortização de acções e deliberar sobre a amortização das acções de categoria B, detidas pela NG.
BB.–A NG e a NS, enquanto accionistas da MSI, tinham plena consciência do disposto na Cláusula Terceira, número 5, do Acordo Parassocial (transcrita no artigo 59º da PI), e perante os factos e documentos a que acaba de se aludir, sabiam que era intenção da RP accionar a dita cláusula, e sabiam, também, que a NG pretendia incumprir com o previsto na referida disposição contratual.
CC.–Nesse contexto, a NS, sempre em articulação com a NG (entidades que se confundem a vários níveis), enviou uma carta à RP, um dia antes da data agendada para a Assembleia Geral, através da qual procurou imputar à RP, diga-se, grotescamente, uma situação de incumprimento do Acordo Parassocial por parte da RP, assente em alegações e imputações puramente conclusivas, genéricas e ficcionadas, e considerações absolutamente desajustadas da realidade, cfr. Doc. 12 junto aos autos em 03/05/2022[23] com o requerimento da RP de 21/04/2022[24].
DD.–Precisamente para poderem invocar – como invocam – tal alegada situação de incumprimento do Acordo Parassocial como base da acção de execução específica da default call option prevista no acordo parassocial que agora alegam constituir causa prejudicial da presente.
EE.–A RP respondeu à dita carta através de carta datada de 20 de Outubro de 2021, cfr. Doc. 13 junto aos autos em 03/05/2022[25] com o requerimento da RP de 21/04/2022[26], salientando, nomeadamente, que a NS confundia o que são obrigações previstas no Acordo Parassocial (…) com actos de gestão e de administração da Sociedade, pelos quais é exclusivamente responsável o seu Conselho de Administração, relembrado que a decisão de resolução do PMA fora tomada pelo conselho de administração da MSI que não se confunde com a RP e, naturalmente, rejeitando por completo o alegado incumprimento.
FF.–De facto, a total falta de fundamento da carta e da acção que a mesma sustenta, e que ora se considera como causa prejudicial da presente – e, simultaneamente, a flagrante intenção de que o que a NS, o que pretendia com o envio da referida carta era, apenas e só, intentar a dita acção para, com base na mesma, a NG sustentar depois, no âmbito dos presentes autos, a alegação de causa prejudicial e, por essa via, alcançar a suspensão desta mesma acção – decorre clara, inequívoca e imediatamente do facto de na mencionada carta, a NS assacar à RP, como constituindo um incumprimento do acordo parassocial, a decisão de resolução, quando essa decisão foi tomada pela MSI, pelo seu conselho de administração, como não podia deixar de ser, não pela RP.
GG.–Bem sabiam a NS e a NG que esta última iria votar desfavoravelmente à amortização das acções de Classe B e que, tendo direito de veto, esse voto representaria um incumprimento da NG do disposto na Cláusula Terceira, número 5, do Acordo Parassocial e, por isso, estrategicamente, enviaram a referida carta. e, com base nas mesmas alegações infundadas e conclusivas, a NS intentou uma acção contra a RP (como se pode ver pela simples leitura da PI da acção n.º 3851/21.9T8CSC), assim permitindo que a NG a utilize como fundamento para a suspensão dos presentes autos, estratégia que mereceu, erradamente, a concordância do tribunal a quo!
HH.–Outra demonstração cabal de que todo este caminho foi orquestrado e executado desde o início, em conluio, pela NS e pela NG, com o único objectivo de suspender a presente acção, é o facto de ter sido a NG a referir a existência de uma acção proposta pela NS contra a RP, confessando pleno conhecimento do seu objecto, antes de a RP ter sido citada para contestar, pois a citação da RP apenas ocorreu em 05 de Abril de 2022, cfr. Doc. 14 junto aos autos em 03/05/2022[27], facto que determina que, nos termos do disposto no artigo 259.º, n.º 2, do CPC, até tal data, a proposição não produz efeitos em relação à RP.
II.–Resulta, assim, evidente do supra exposto que a acção proposta pela NS contra a RP foi intentada única e exclusivamente para se obter a suspensão dos presentes autos, pelo que, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, do CPC, não deve o tribunal ordenar a suspensão.
JJ.–Tanto assim é que a carta que a NG junta aos autos como Doc. 02 da contestação foi remetida já após a NG ter sido notificada pela RP do incumprimento do acordo parassocial, carta esta enviada em 21 de Outubro de 2021 e que constitui o Doc. 13 da PI.
KK.–Sendo de salientar que a NG, devidamente notificada de todos os documentos a que ora se faz referência – excepto os ora juntos – nada disse, assim os reconhecendo como verdadeiros.
LL.–Mais uma vez daqui decorre que a acção agora invocada visou única e exclusivamente tentar impedir que a RP lançasse mão da presente acção pelo que, ainda que se entendesse que a mesma constitui causa prejudicial da presente acção, à luz do n.º 2 do artigo 272.º do CPC, a mesma não devia ter sido decretada pelo que, também por este motivo, se verifica um erro na aplicação do direito por parte do tribunal a quo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 272.º do CPC.”

A R., contra-alegou, pedindo a manutenção do despacho recorrido e apresentando as seguintes conclusões:
A.–No dia 02.12.2021 (dois meses antes da propositura da presente ação) no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, com número de processo 3851/21.9T8CSC, foi proposta uma ação de execução específica onde figura como A. a NS e como Ré a RP, aqui Autora, pela qual aquela exerce a opção de compra das ações da aqui Recorrente na sociedade MSI, nos termos da Cláusula 8.ª n.º 3 do Acordo Parassocial que a A. na presente ação refere (cfr. DOC. 2 da p.i.);
B.–Em 09.02.2022, a RP, deu entrada nos presentes autos, alegando um incumprimento do mesmo acordo, desta feita, pela NG (sociedade do grupo da NS, mas que com esta se não confunde), com a intenção de acionar o mesmo dipositivo previsto na Cláusula Oitava n.º 3;
C.–Em ambas as ações está sub judice o exercício de uma opção de compra (“Default Call Option”) prevista no n.º 3 da Cláusula Oitava do Acordo Parassocial – junto com p.i como DOC n.º 2);
D.–Todavia, entende a Recorrente que não estamos diante de causas prejudiciais alegando em síntese que inexiste causa prejudicial por (i) não existir identidade de partes, causas de pedir e objectos, (ii) os incumprimentos em discussão em ambas as ações serem todos anteriores à data de exercício de ambas as opções de compra e (iii) do efeito útil das ações não ser incompatível e, portanto, conclui que não existe causa prejudicial;
E.–A Recorrente invoca argumentos que nos levam a concluir que está a confundir conceptualmente a figura da litispendência com a causa prejudicial. É que, enquanto a litispendência, depende efectivamente da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, de objeto, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior (cfr. artigos 580 e 581 do CPC), já a análise da existência ou não de uma causa prejudicial, depende apenas da verificação do chamado nexo ou juízo de prejudicialidade entre as duas ações (cfr. atigo 272.º do CPC);
F.–Nestes termos, em nada releva para análise da matéria em discussão as alegações da Recorrente quanto a identidade de sujeitos, objeto, pedido e causa de pedir;
G.–Quanto ao requisito essencial para verificação da existência de uma causa prejudicial – o nexo de prejudicialidade – importa apurar se o Acordo Parassocial em apreço vincula apenas accionistas e se o acionamento prévio da respectiva Cláusula Oitava n.º 3 do Acordo Parassocial por parte da NS (primeira ação) adquirindo as participações sociais da RP, aqui Recorrente impede, no caso concreto, o acionamento subsequente por parte desta última (RP, aqui Recorrente), para aquisição das participações sociais da aqui Recorrida no âmbito do mesmo Acordo;
H.–Entende a Recorrente que não, alegando que a perda da qualidade de acionista não impede o acionamento da Cláusula Oitava n.º 3 do Acordo Parassocial, afirmando que um terceiro não acionista poderia aproveitar-se dessa cláusula. Dito de outro modo, entende a Recorrente que, ainda que perda a qualidade de accionista, mantém o direito potestativo de aquisição de acções de um outro accionista (pretensamente) incumpridor;
I.–É certo que alguma doutrina (não dominante) tem admitido, em abstrato e em certas situações, a inclusão de terceiros em acordo parassociais, posição que não é unanime e que tem sido objeto de debate ao longo dos anos, inclusivamente pela jurisprudência portuguesa - vide, a título de exemplo, o entendimento explanado em sentido contrário nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães do dia 04/02/2016 (proc. n.º 113/14.1T8BRG.G1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/03/2009 (proc. n.º 686/2009-6);
J.–Note-se, porém, que (i) na presente situação, o Acordo Parassocial foi celebrado por todos os acionistas, sem a inclusão de qualquer terceiro e que (ii) o conteúdo do Acordo Parassocial regula apenas a interação entre os seus intervenientes nessa mesma qualidade de acionistas – o que por si só demonstra que as partes não pretenderam permitir a participação de terceiros no acordo;
K.–Ao mesmo tempo, a Cláusula Oitava n.º 3 do Acordo Parassocial foi intitulada como uma Default Call Option (na tradução livre Opção de Compra por incumprimento), ou seja, uma opção de compra prevista como penalização para situações de incumprimento, estabelecendo uma obrigação de venda de ações (como a própria A. ora Recorrente configura vide art.º 89 da PI);
L.–Dito de outro, o Acordo Parassocial e, em especial a sua Cláusula Oitava aqui em apreço, vincula apenas os sócios e apenas entre si. É esta a vontade expressa e real dos declarantes no Acordo Parassocial ora em apreço (cfr. artigos 2.º do CSC e 236.º do CC).
M.–Assim, do seu conteúdo verifica-se que, quando a elaboraram, as partes estavam a pensar exclusivamente em acionistas, visto que aquela configura uma sanção que apenas é aplicável a acionistas;
N.–Nestes termos, o próprio conteúdo da cláusula define que a qualidade de acionista é essencial para que se possa acionar a cláusula oitava n.º 3 – uma vez que a sanção nela prevista (a venda das participações e a consequente perda da qualidade de acionista) apenas surte efeito diante daquele que for acionista;
O.–Por sua vez, da leitura da cláusula um declaratário normal (cfr. artigo 236.º do CC) também concluiria da mesma forma;
P.–Acresce que, em suma, caso essa cláusula fosse aplicável aquele que não é acionista o seu conteúdo estaria completamente esvaziado, pois, o incumpridor não acionista nada teria a perder com a sanção prevista, uma vez que não pode perder aquilo que não tem;
Q.–Ou seja, no limite, se tal acordo e/ou cláusula fosse susceptível de ser aplicado/a a terceiros ou por terceiros accionada, estaria, na realidade, a estabelecer um verdadeiro desequilíbrio contratual, pelo qual os próprios accionistas se colocariam numa posição de inferioridade em relação a um hipotético terceiro vinculado ao acordo parassocial.
R.–Acresce que a Cláusula Oitava n.º 3 pretende penalizar aquele acionista incumpridor.
S.–Todavia, se seguirmos a tese preconizada pela Recorrente, ainda que a ação proposta pela NS seja julgada procedente e, consequentemente, seja determinada a venda das participações da RP (aqui Recorrente) àquela, esta ainda poderia adquirir as participações socias da NG, aqui Recorrida.
T.–Se assim fosse julgando-se que a RP incumpriu o Acordo Parassocial, a sanção que as partes pretenderam estabelecer – perda da qualidade de acionista – não seria aplicada, uma vez que poderia a RP adquirir novamente participações sociais na MSI e recuperar a sua qualidade de acionista, retirando-se por completo o efeito útil da referida cláusula.
U.–Ou seja, a ser como pretende a Recorrente estaríamos diante de uma cláusula que possibilitaria o benefício do infrator, permitindo que este – depois de penalizado – utilize o mesmo mecanismo que o puniu para readquirir, no todo ou em parte, aquilo que perdeu.
V.–O que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, redunda num contrassenso e contrário ao fim último do Acordo Parassocial que é, com já aludido, a estabilidade da sociedade e o interesse social.
W.–Na senda do exposto, decidiu, e bem, o Meritíssimo Tribunal a quo que:
“O direito potestativo de aquisição de ações pressupõe, necessariamente, a prévia qualidade de acionista por parte do adquirente. Assim, o peticionado nos presentes autos encontra-se sujeito à condição de a A. ser acionista da MSI, S.A..
Considerando o peticionado no processo n.º 3851/21.9T8CSC, pode a A. deixar de vir a ser acionista por decisão judicial que venha a ser proferida naqueles autos, razão pela qual a pendência tal ação constitui causa prejudicial destes autos.”
X.–Em suma, no caso concreto, o acionamento da referida Cláusula Oitava n.º 3 está sim depende da qualidade de acionista, não pela questão formal de estar inserida num Acordo Parassocial, mas pelo espírito da cláusula e pelo efeito que as partes pretenderam atribuir-lhe quando a acordaram e, nessa medida, o resultado da ação proposta pela NS interfere e prejudica o efeito útil da presente ação, sendo estas incompatíveis nos termos do artigo 272.º n.º 1 do CPC.
Y.–Conferindo maior autoridade ao aduzido, os Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do dia 13.11.2018 (proc. n.º 4263/16.1T8VCT.G1.S1) rezam que: “II - Esta relação de prejudicialidade entre objetos processuais verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente). Nesta hipótese, o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial.”.
Z.–Tal situação, reporta-nos ao conceito de autoridade de caso julgado, pela qual, em síntese, a situação jurídica definida por sentença transitada em julgado não pode ser ignorada por decisão judicial posterior. Ou seja, em síntese, procedendo o peticionado nos autos de processo n.º 3851/21.9T8CSC, a situação jurídica que ali resultará defina por efeito de decisão (transitada em julgado), não poderá, nestes autos, ser ignorada pelo Tribunal a quo.
AA.–É que, no mínimo, a procedência da acção intentada no âmbito do processo n.º 3851/21.9T8CSC, implicará, nestes autos, discutir não apenas um alegado incumprimento, mas, antes de mais, se a aqui Recorrente tem legitimidade, processual e substantiva, para o accionamento de citada Cláusula.
BB.–Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (in CPC Anotado, vol I,pág. 314-315) “o nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.
CC.–Assim, neste momento, atenta a pendência de causa prejudicial, a solução acolhida pelo Meritíssimo Tribunal a quo é conforme a lei e preserva o princípio constitucionalmente consagrado da segurança (e certeza) jurídica.
DD.–Alega ainda a Recorrente que existe um conluio entre a NS, S.A., (autora na ação com número de processo 3851/21.9T8CSC e doravante NS) e a NG, R. Recorrida nos presentes autos.
EE.–A NS e a NG são sociedades que fazem parte do mesmo grupo societário – assim como a Recorrente que também integra um Grupo societário internacional. Contudo, o facto de duas sociedades fazerem parte do mesmo grupo e terem um alinhamento de interesses quando envolvidas no mesmo negócio não demonstra qualquer tipo de conluio.
FF.–Sendo certo que, a NG aqui Recorrida não promoveu ou conspirou para que a NS intentasse a ação contra a RP para evitar que fosse intentada ou o prosseguimento da presente ação;
GG.–Além do exposto, importa verificar que:
(i)- o incumprimento alegado pela NS na ação com número de processo 3851/21.9T8CSC corresponde a um momento anterior ao incumprimento alegado pela RP na presente ação, conforme descrito no DOC. 1 junto com a contestação.
(ii)- A ação proposta pela NS deu entrada mais de dois meses antes da presente ação;
(iii)- A carta enviada pela NS à RP para acionamento da Cláusula Oitava n.º 3 foi enviada dia 11 de outubro de 2021 enquanto a carta da RP foi enviada a 21 de outubro de 2021 (cfr. artigo 69.º do DOC. 1 junto na contestação e DOC. 13 da PI);
HH.–Face ao exposto, demonstra-se evidente que a NS quando deu entrada na ação com número de processo 3851/21.9T8CSC não ponderou sobre a possibilidade de existência da presente ação, mas ponderou sim sobre os fundamentos e legítimos interesse defendidos naquela ação, a qual não foi proposta como forma de suspender a presente instância;
II.–Acresce que a Recorrente não faz qualquer prova da existência de conluio entre a Ré Recorrida a NS;
JJ.–Daí que o Meritíssimo Tribunal a quo haja concluído, e bem, que não existem fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão (cfr. artigo 272.º n.º 2 do CPC e despacho ora em crise).
KK.–Por sua vez, na presente ação a Recorrente alega um incumprimento por parte da Ré Recorrida da Cláusula Terceira n.º 5 do Acordo Parassocial a qual depende da verificação cumulativa de dois requisitos (i) a Resolução (licita ou justificada) do PMA e (ii) a decisão por parte da RP em vender as suas ações;
LL.–Sem entrar nos méritos relativamente ao primeiro requisito (se a resolução do PMA foi ou não justificada), o qual está a ser discutido no âmbito da ação com número de processo 2144/21.6T8CSC, é evidente que o segundo requisito não está minimamente preenchido;
MM.–Ora, a Recorrente na presente ação não demonstra qualquer verdadeira intenção de venda de suas participações sociais (vide artigo 22.º a 40.º da contestação), não alegando qualquer concreta diligência realizada para a venda das suas participações sociais – o que por si só já demonstra que não tem qualquer intenção de vender as suas ações e apenas deu entrada na presente ação como forma de evitar uma eventual ação de algum outro acionista;
NN.–Isto é, a RP alega ter a intenção de vender as suas participações sociais, porém, mesmo sabendo da intenção da NS em adquirir as suas ações – sem que os direitos especiais da R. sejam obstáculo – não demonstrou qualquer interesse em proceder à venda das suas ações à aquela sociedade;
OO.–Ou seja, na presente ação a Recorrente vem exercer uma opção de compra de participações sociais da sociedade MSI fundamentando a ação na sua suposta intenção de venda de participações sociais da mesma sociedade – o que é ao menos inverosímil;
PP.–Assim, ao contrário do que a Recorrente alega, tudo indica que a presente ação foi proposta com a intenção de evitar uma ação por parte da NS;
QQ.–Face ao exposto, fica demonstrado que o Meritíssimo Tribunal a quo andou bem quando decidiu pela suspensão da presente instância;”

O recurso foi admitido por despacho de 10/11/2023 (ref.ª 429825259).

Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar.
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2.–Objeto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir:
- como questão prévia ao conhecimento do presente recurso, a junção de documentos efetuada pela recorrente com as alegações de recurso;
- verificação se se encontram reunidos os pressupostos para a suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do art. 272º do CPC.
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3.–Fundamentos de facto

Os factos com relevo para a apreciação da causa são, além dos contantes no relatório, os seguintes:
1–RP intentou, em 09/02/2022, a presente ação declarativa sob a forma comum contra NG, pedindo:
Seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré de venda das acções de categoria B de que é titular na sociedade MSI, S.A. pelo preço correspondente ao respectivo valor nominal, ou seja, € 5.050,00 (cinco mil e cinquenta euros).
2–Alegou, em síntese, ser acionista da MSI, titular de 31310 ações, representativas de 62,62% do seu capital social, todas da categoria A. A R. é titular de 5050 ações, representativas de 10,1% do mesmo capital social, todas da categoria B. Os acionistas da MSI celebraram entre si um acordo parassocial, ao qual A. e R. aderiram ao adquirir as suas participações sociais, tendo a R. incumprido definitivamente uma das suas cláusulas, o que implica, nos termos do mesmo acordo, que a R. está obrigada a vender as suas ações pelo valor nominal, para o que foi interpelada, não tendo procedido à venda.
3–NS, SA, intentou, em 02/12/2021 ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra RP, que corre termos no Juiz 3 do Juízo Central Cível de Cascais sob o nº 3851/21.9T8CSC, pedindo:
“Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e consequentemente ser proferida sentença que supra a declaração de vontade da R., operando-se assim a eficácia translativa imediata da titularidade das 31.310 ações da Categoria A, tituladas, nominativas, correspondentes a 62,62% do capital social da sociedade MSI, S.A. para a A., nos termos previstos e acordados na Cláusula 8.ª do Acordo Parassocial e de harmonia com disposto no artigo 830.º do Código Civil.” (conforme doc. nº1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4–Alegou em síntese que A., R. e outros constituíram entre si uma sociedade, a MSI, detendo a R. 62,62% do capital social daquela e a A. 10%, para desenvolver um projeto, tendo todos os acionistas celebrado entre si um acordo parassocial, que a R., através dos membros por si nomeados para o conselho de administração, incumpriu, paralisando o referido projeto, sendo responsabilidade da R. assegurar que aqueles exerciam os seus direitos por forma a garantir a execução do acordo parassocial, pelo que acionou a cláusula 8ª nº3 do acordo que lhe confere o direito de compra das ações da parte faltosa, que a R. não acatou, e agora executa.

3–Consta do acordo parassocial vigente entre A. e R.:
“CLAUSE EIGHT
(Termination and Default)
1.–This Shareholders Agreement shall be terminated automatically in the event of any of the following situations:
a)-in case of insolvency of the Company and any of the Parties;
b)-by agreement of the Parties; or
c)-in case of a termination due to a default of breach of contract.
2.–For the purposes of this Shareholders Agreement, there is default and breach of contract when:
a)-any of the Parties fails to comply with any of the obligations arising from this Shareholders’ Agreement and such breach remains unremedied, despite the written request of the non-defaulting Party to do so granting a reasonable remedying period of not less than 30 days; or,
b)-a Party fails to comply with the terms and obligations set forth in the Company’s by-laws despite the written request of the non-defaulting Party to do so granting a reasonable remedying period of not less than 30 days;
3.–A non-remedied default or breach of contract by a Party gives the non-defaulting Party(ies) the right to purchase the shares of the Company owned by the defaulting party, including any accessory capital contributions and shareholder loans made by it, and which shall be exercised out as follows (the “Default Call Option”):
a)-the Default Call Option may be exercised by one or more of the non-defaulting Parties, and if more than one non-defaulting Parties are involved, the Default Call Option must be exercised in the proportion to the shares held by each such the non- defaulting Parties, unless those non-defaulting Parties mutually agree otherwise;
b)-the Default Call Option must be exercised within 15 (fifteen) business days from the date the defaulting Party should have remedied a default or breach of conlract by serving a registered letter to the defaulting Party, stating the intention to exercise the Default Call Option, the calculation of the price as indicated hereinafter and conditions of payment thereof, as well as the period foreseen for the conclusion of the deal;
c)-The price of shares to be acquired when exercising the Default Call Option shall correspond to the sum of the nominal amount of shares held by the defaulting Party and the nominal amount of any accessory capital contributions or shareholders’ loans the defaulting Party lias effectively provided to the Company, minus 20% of such amount;
d)-The Default Call Option in accordance with this Clause constitutes a unilateral promise of sale and may be subject to compulsory enforcement in accordance with the Portuguese law.”
“CLÁUSULA OITO (Cessação e Incumprimento)
1.–Este Acordo de Acionistas será automaticamente cessado em qualquer uma das seguintes situações:
a)-em caso de insolvência da Sociedade e de qualquer uma das Partes;
b)-por acordo das Partes; ou
c)-em caso de resolução por incumprimento e violação contratual.
2.–Para efeitos deste Acordo de Acionistas, há incumprimento e violação contratual quando:
a)-qualquer uma das Partes deixar de cumprir qualquer uma das obrigações decorrentes deste Acordo de Acionistas e tal violação permanecer não sanada, apesar da solicitação por escrito da Parte não inadimplente para o fazer, concedendo um período de reparação razoável não inferior a 30 dias; ou,
b)-
uma Parte deixar de cumprir os termos e obrigações estabelecidos nos Estatutos da Sociedade, apesar da solicitação por escrito da Parte não inadimplente para o fazer, concedendo um período de reparação razoável não inferior a 30 dias;
3.–Um incumprimento não sanado ou violação contratual por uma das Partes dá à(s) Parte(s) não inadimplente(s) o direito de comprar as ações da Sociedade detida pela parte inadimplente, incluindo quaisquer contribuições de capital acessórias e suprimentos feitos por esta, e que deve ser exercido da seguinte forma (a "Opção de Compra em caso de Incumprimento"):
a)-a Opção de Compra em caso de Incumprimento pode ser exercida por uma ou mais das Partes não inadimplentes, e se mais de uma Parte não inadimplente estiver envolvida, a Opção de Compra em caso de Incumprimento deverá ser exercida na proporção das participações detidas por cada uma das Partes não inadimplentes, salvo se essas Partes não inadimplentes acordarem mutuamente de outra forma;
b)-a Opção de Compra em caso de Incumprimento deve ser exercida no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis a partir da data em que a Parte inadimplente deveria ter sanado o incumprimento ou violação contratual, entregando uma carta registada à Parte inadimplente, declarando a intenção de exercer a Opção de Compra em caso de Incumprimento, a apuração do preço conforme descrito no presente e as suas condições de pagamento, bem como o prazo previsto para a concretização do negócio;
c)-O preço das ações a serem adquiridas no exercício da Opção de Compra em caso de Incumprimento deve corresponder à soma do valor nominal das ações detidas pela Parte inadimplente e do valor nominal de quaisquer contribuições de capital acessórias ou suprimentos que a Parte inadimplente efetivamente tenha fornecido à Sociedade, menos 20% desse montante;
d)-A Opção de Compra em caso de Incumprimento nos termos desta Cláusula constitui uma promessa unilateral de venda e pode ser objeto de execução específica nos termos da lei portuguesa.”
*

4.–Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos requerida pela apelante com as alegações de recurso
A recorrente veio, com as alegações de recurso, juntar três documentos, sem qualquer alusão aos requisitos de junção de documentos em sede de recurso, referindo, quanto ao primeiro (uma reprodução de transmissão de ato judicial não especificado na Áustria, dela constando um carimbo de 11/04/2022), em nota de rodapé, não ter sido junto antes por lapso e nada alegando quanto aos segundo e terceiro, uma sentença datada de 23/07/2022 e um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 10/11/2022.
A recorrida não se pronunciou quanto à admissibilidade da junção.
Apreciando:
Estabelece o artigo 651.º do CPC, sob a epígrafe “Junção de documento e de pareceres:
«1.–As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2.–As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.»

A jurisprudência e a doutrina, de forma unânime, consideram que a junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e ocorre mediante a alegação e demonstração de um de dois tipos de situações:
- a impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de junção anterior, reportada ao momento temporal que se situa depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do art. 425º do CPC;
- quando a junção apenas se mostre necessária em virtude do julgamento proferido[28].
Na sua materialidade, os documentos cuja junção se requer não se analisam em pareceres de jurisconsulto, pelo que o nº2 do preceito não é aplicável.
Não é alegada qualquer circunstância que impedisse, objetiva ou subjetivamente, a junção anterior – não relevando o mero lapso alegado quanto apenas a um dos documentos.
O processo no qual foi interposto o presente recurso ainda não atingiu a fase do saneamento, pelo que, tratando-se de documentos posteriores à data de apresentação dos articulados, não se vislumbra qualquer razão para que não tenham sido juntos quando produzidos nos termos do art. 423º nº2 do CPC, até porque, na economia das alegações da recorrente, aparentam (a recorrente juntou-os mas não justificou a junção), ser relevantes para a decisão de uma questão que já se encontrava colocada nos autos, a suspensão da instância. Por outras palavras, não foi alegado qualquer motivo justificativo para a respetiva junção apenas com as alegações de recurso de um despacho interlocutório.
Não foi, por outro lado, a decisão recorrida que tornou necessária a junção de qualquer dos documentos juntos. A decisão recorrida foi de suspensão da instância, nada tendo sido alegado que justifique a sua não junção anterior, caso efetivamente se revestissem de relevância, e nada impedindo o seu requerimento (justificado) de junção posterior em 1ª instância, mediante alegação dos fundamentos para o efeito.
Nestes termos, por falta de fundamento legal, não se admite a junção dos referidos documentos nesta sede de recurso.
*

5.–Fundamentos do recurso

A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação da regra do art. 272º nºs 1 e 2 do CPC, dado que o tribunal recorrido suspendeu a instância na presente ação por pendência de causa prejudicial, a ação a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 3, nº 3851/21.9T8CSC.
No caso concreto foi decidida a suspensão da instância da presente ação, na qual se pede a execução específica de promessa unilateral de venda contida e acordo parassocial vigente entre os sócios de uma determinada sociedade, como sanção para o incumprimento desse acordo parassocial, tendo sido decidido ser causa prejudicial uma ação da mesma natureza, previamente intentada contra a aqui A. visando a execução específica da mesma promessa contida na mesma cláusula do mesmo acordo parassocial.
O fundamento da decisão recorrida assentou na consideração de que o direito potestativo de aquisição de ações aqui exercido pela A. pressupõe a qualidade de acionista do mesmo e que podendo resultar da ação previamente intentada a perda da qualidade de acionista por parte da aqui A., aquela é causa prejudicial em relação a estes autos.
O tribunal a quo conheceu do argumento alegado pelo A. de que a ação prévia havia sido proposta apenas para se poder obter a suspensão desta, afastando-o dado a primeira ação ter dado entrada em tribunal cerca de dois meses antes desta, o que afasta a existência de fundadas razões para crer ter sido intentada apenas com esse propósito.
Mais referiu “não cabe aqui apreciar a validade dos fundamentos invocados para o peticionado no processo n.º 3851/21.9T8CSC, já que tal competência cabe em exclusivo ao Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3. Nessa medida, a possibilidade de sucesso daquela ação não constitui fundamento para apreciação da prejudicialidade destes autos.”
E, finalmente, fundamentou que “a ausência de similitude das partes ou dos pedidos entre as duas ações não afasta a prejudicialidade de uma em relação à outra. Na realidade, esta prejudicialidade é aferida tendo por base os efeitos que a decisão de uma produz na apreciação da outra e que, neste caso, impedem o exercício do direito que a A. destes autos pretende ver declarado.”

A recorrente opõe os seguintes argumentos:
A procedência da ação invocada como causa prejudicial não é incompatível com a presente ação porque:
(iii)- não existe identidade de partes nas acções em causa;
(iv)-não existe identidade de causas de pedir pois os incumprimentos em causa nas acções não são os mesmos;
(v)-os incumprimentos em discussão em ambas as acções são todos anteriores à data de exercício de ambas as opções de compra em discussão nas acções;
(vi)-não existe identidade de objecto, pois as participações sociais em causa em cada uma das acções são distintas;
(vii)-o resultado, o efeito útil das acções não é incompatível entre si, pois a procedência da presente acção determinará a aquisição, por parte da RP, das acções que a NG detém na MSI e a eventual procedência da acção n.º 3851/21.9T8CSC determinará a aquisição, por parte da NS, das 31.310 acções de que a RP é titular na MSI , à data do exercício da opção de compra, não englobando, por isso, as acções em discussão na presente acção; e
(viii)-o caso julgado que se vier a formar no âmbito do processo n.º 3851/21.9T8CSC não produz efeitos relativamente à relação material controvertida na presente acção.
A eventual ausência da qualidade de acionista não é impeditiva da manutenção da A. como parte no acordo parassocial, em especial para manutenção da licitude do exercício de um direito exercido antes da perda da qualidade de acionista.
A comunicação de resolução da outra parte no acordo (a A. na ação tida como causa prejudicial) não produz efeitos quanto aos demais acionistas.
A resolução que a NS (a A. na ação tida como causa prejudicial) remeteu à RP, aqui A., não produz efeitos nos direitos de que a RP é titular nos termos do acordo quanto aos demais outorgantes, nomeadamente quanto à aqui R.
Os factos relevantes para a apreciação são os existentes à data do exercício da opção de compra e entender de outra forma é dar eficácia retroativa a uma eventual sentença de improcedência proferida na causa tida como prejudicial.
Ainda que assim se não entenda, é muito claro que a ação tida como causa prejudicial apenas foi intentada para suspender a presente, atento que:
- a aqui R. e a ali A. fazem parte do mesmo grupo de empresas, sendo ambas sociedades ao serviço dos interesses da família NS e com administradores comuns;
- depois da resolução do contrato de gestão, a R. e a NS têm tentado paralisar a MSI, intentando ações contra esta e contra os seus administradores, em estratégia de terrorismo judiciário que inclui a ação tida como causa prejudicial;
- a aqui R. e a NS sabiam, desde 09/09/2021 que era intenção da A. acionar a cláusula 3ª nº5 do acordo parassocial e que a R. não iria cumprir, pelo que, dias antes da assembleia geral, a NS, articulada com a R., enviou à A. a carta imputando-lhe um incumprimento do acordo parassocial, assente em alegações e imputações conclusivas, para poderem exercer o direito que agora indicam como causa prejudicial;
- decorre da falta de fundamento do imputado incumprimento, da intenção da NS ao enviar a carta imputando incumprimento para depois intentar a ação para depois a sustentar como causa prejudicial o conluio entre a R. e a ali A. para este fim;
- que igualmente resulta indiciado por ter sido a R. que ali não é parte, a referir a existência de uma ação judicial contra a aqui A.
A recorrida contrapôs os seguintes argumentos:
- A ação que consubstancia causa prejudicial foi proposta quase dois meses antes da presente;
- A recorrente confunde litispendência com causa prejudicial;
- pese embora parte da doutrina admita a inclusão de terceiros em acordos parassociais, neste acaso o acordo foi celebrado entre os sócios e só regula a interação dos intervenientes nessa qualidade, sendo a cláusula invocada (8ª nº3) uma penalização para situações de incumprimento, o que só vincula os sócios entre si e cujo conteúdo demonstra ter sido elaborada exclusivamente para acionistas, já que um não acionistas, com o seu acionamento, nada teria a perder;
- entender de outro modo seria permitir que, na sequência de procedência da causa prejudicial, quem deixou de ser acionista por incumprimento, o volte a ser, beneficiando o infrator;
- nega o conluio com a A. da ação considerada causa prejudicial apontando que o incumprimento ali invocado é anterior e foi comunicado anteriormente.

Apreciando:

Estabelece o art. 272º do CPC, sob a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”:
1- O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2- Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
A noção de causa prejudicial é um conceito indeterminado, que a doutrina e jurisprudência vêm trabalhando há largos anos, traçando as suas linhas gerais que, no concreto, têm que ser verificadas no recorte da ação considerada causa prejudicada e da ação considerada causa prejudicial.
É assim, que encontramos desde logo o saudoso Professor José Alberto dos Reis[29], em comentário à regra equivalente então vigente, o art 284º do CPC, caraterizando desta forma a causa prejudicial: “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.” Apontando que a prejudicialidade não se esgota nos casos em que a questão prejudicial não pode ser resolvida na ação prejudicada, sendo também aplicável quando a mesma questão prejudicial está a ser discutida, a título incidental, num segundo processo, o Mestre refere: “Há efetivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte,na segunda é mais frouxo;na primeira há uma dependência necessária, na segunda uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência.”
Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[30], em anotação ao preceito equivalente então vigente (art. 279º do CPC), seguindo este entendimento discorriam que se entende por causa prejudicial “aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada. A acção de nulidade dum contrato é, por exemplo, prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes.”
A jurisprudência no confronto do caso concreto, tem decidido que “Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.”[31]
“Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta.”[32]
Ou, e sempre seguindo a lição do Professor Alberto dos Reis “I — O art. 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil significa que o tribunal pode ordenar a suspensão por qualquer motivo justificado, designadamente pela pendência de uma causa prejudicial.
II — A relação de prejudicialidade prevista no art. 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pode concretizar-se numa dependência necessária ou numa dependência meramente facultativa ou de pura conveniência.”[33]
No Ac. TRL de 28/02/2023, citado pela recorrente[34] decidiu-se uma situação concreta de suspensão da instância por motivo justificado, e não por causa prejudicial, no qual citando José Alberto dos Reis se apontou, na caraterização geral da suspensão da instância que “a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando nesta acção prejudicial se aprecia uma determinada questão, cujo resultado pode afectar a decisão da acção principal, definindo ou limitando o seu objecto.
Por esse motivo, tem sido entendido que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos por forma a evitar a existência de decisões incompatíveis relativamente a matérias conexas (Prof. José Alberto dos Reis ob. cit., pág. 272).”
Como já antes referimos, existe prejudicialidade em dois graus possíveis: nas palavras do acórdão STJ de 14/09/2023, já citado, dependência necessária e dependência facultativa ou de conveniência.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[35]
“A aplicação do disposto no n.º 1 quanto à prejudicialidade entre acções implica considerar duas situações: a prejudicialidade simples e a prejudicialidade complexa. (b) A prejudicialidade simples verifica-se quando o objecto da acção prejudicial e o objecto da acção dependente são totalmente distintos, isto é, quando o objecto da acção dependente não integra a questão prejudicial. P. ex.: o objecto de uma acção (dependente) é a indemnização devida pela ocupação de um imóvel; ao mesmo tempo encontra-se pendente uma outra acção (prejudicial) em que se discute, entre as mesmas partes, a propriedade desse imóvel. (c) A prejudicialidade complexa é aquela em que o objecto da acção dependente abrange quer a questão dependente, quer a questão prejudicial. P. ex.: encontra-se pendente uma acção sobre a invalidade de um contrato e uma outra, instaurada pela parte demandada naquela acção, em que é pedido o cumprimento de uma prestação contratual; nesta última, a parte demandada invoca a invalidade do contrato.”
Na dependência necessária ou simples, o nexo de prejudicialidade dá-se porque a decisão da causa prejudicial pode destruir o fundamento ou razão de ser da causa prejudicada, dependendo do respetivo desfecho e a matéria da causa prejudicial não pode ser discutida na causa prejudicada que assim, necessariamente, terá que esperar.
Na dependência facultativa ou complexa, o nexo de prejudicialidade consiste na mesma suscetibilidade de destruição do fundamento ou razão de ser da causa prejudicada, mas quando a matéria pode ser conhecida na causa prejudicada, a título incidental.
Em ambos os casos o fundamento da suspensão da instância é a economia processual e a coerência de julgamentos, mas em graus diversos.
No caso da dependência necessária ou simples realça-se a economia processual: prosseguindo a causa prejudicada ela, pode, depois de todo o iter processual, ser totalmente arredada e desprovida de eficácia pela decisão de outra causa que já se sabia estar pendente.
No caso da dependência facultativa ou de conveniência releva em especial a coerência de julgamentos: a causa prejudicada pode conhecer da questão, mas gera-se a possibilidade de o seu julgamento incidental ser diverso do de ação que já se sabe pender, em que a mesma questão está a ser apreciada, provavelmente a título principal.
O presente é, numa primeira análise, um caso de dependência necessária ou prejudicialidade simples: se se confirmar que a qualidade de acionista é necessária para que o A. disponha do direito de exercer a opção de compra por incumprimento do acordo parassocial por outra parte, então a pendência de uma ação em que o pedido, se proceder, levará à perda da qualidade de acionista por parte da A. é causa prejudicial e não pode ser discutida nestes autos[36]. Ir-se-ão despender tempo e recursos, das partes e do tribunal para decidir sobre uma situação jurídica que, quando a ação apontada como prejudicial, for decidida pode ficar sem aplicação ou campo de eficácia.
Assim sendo, o interesse tutelado com a suspensão não é, rigorosamente, impedir a existência de decisões incompatíveis, mas antes a economia processual, prevenindo que todo o percurso processual se desenvolva quando pode ser, a final, totalmente inutilizado.
A recorrente aponta a falta de coincidência de partes, causa de pedir e pedido concluindo pela inexistência de incompatibilidade entre as duas ações. A questão não passa, porém, pela análise da incompatibilidade das ações, mas antes pela determinação de se a decisão a tomar na causa que foi julgada prejudicial afeta a decisão desta causa.
A coincidência de partes, pedido e causa de pedir são requisitos da litispendência e não de prejudicialidade. Aliás, terá necessariamente que não haver coincidência simultânea de partes, pedido e causa de pedir para que possamos falar em causa prejudicial.
Como se escreveu no Ac. TRL de 07/11/2023[37] “A situação de prejudicialidade pressupõe que as partes de ambas as ações (a prejudicial e a dependente) são as mesmas ou, pelo menos, que a eficácia da decisão proferida na causa prejudicial é extensível às partes na causa dependente.”
Citando mais uma vez Miguel Teixeira de Sousa[38] “(a) O caso julgado da decisão da acção prejudicial tem de ser vinculativo na acção dependente. (b) Em regra, isto pressupõe que as partes das duas acções sejam as mesmas ou, pelo menos, parcialmente as mesmas (p. ex., RG 12/1/2017 (133/15); RG 10/7/2018 (4698/17)). Atendendo à regra da eficácia relativa do caso julgado às partes, pelo menos uma das partes tem de ser comum à acção prejudicial e à acção dependente.”
Como resulta dos factos apurados, as partes não são as mesmas, sendo, porém, parcialmente coincidentes[39]. Assim, a questão é a de se a decisão a tomar na causa considerada prejudicial afeta as partes da causa considerada prejudicada.
E a resposta é positiva. Se a ação considerada causa prejudicial for procedente a aqui A. deixa de ser acionista da sociedade MSI. Os demais acionistas dessa sociedade, incluindo a aqui R. NG, manterão as mesmas posições, mas deixarão de ter uma relação de sociedade com a aqui A.
A aqui A., por sua vez, deixará de ser sócia da sociedade cujas ações aqui pretende adquirir por meio de execução específica de cláusula de acordo parassocial no qual é parte na qualidade de acionista da MSI.
As causas de pedir das duas ações são obviamente diversas, já que os pedidos também o são.
Não temos, assim, qualquer relação de litispendência entre as duas ações pelo que podemos prosseguir na aferição da existência de nexo de prejudicialidade. O que não quer dizer que não haja efeito de caso julgado nos exatos termos que já assinalámos: a composição do universo de acionistas é suscetível de ser alterada pela procedência de qualquer das duas ações, o que se impõe a todos os sócios.
Trata-se de ponto que não carece de ser sequer abordado com mais profundidade dado que o acordo parassocial invocado como causa de pedir em ambas as ações[40] é omnilateral, ou seja, abrange todos os sócios da já identificada sociedade MSI.
Aqui chegados a análise deve prosseguir na interpretação da cláusula do acordo parassocial invocada pela aqui A. com vista à determinação de se o respetivo funcionamento pressupõe a qualidade de acionista de quem invoca o direito respetivo.
Os acordos parassociais, que encontramos regulados no art. 17º do CSC são “contratos celebrados por todos ou por alguns dos sócios de uma sociedade, nessa qualidade, que visam salvaguardar interesses das partes sobre assuntos respeitantes à vida societária, nas várias relações que se estabelecem entre elas e a sociedade, os órgãos sociais ou terceiros.”[41]
Num primeiro plano mais geral, defendido pela recorrente, também nós diremos, com a maioria da doutrina, que pese embora o nº1 do art. 17º do CSC mencione os acordos celebrados entre todos ou alguns sócios, nessa qualidade, que a disciplina do art. 17º se aplique também a contratos desta natureza celebrados com não sócios.
Paulo Olavo Cunha, reconhecendo a generosidade da doutrina, admite como terceiros os futuros sócios, assinalando que a parassocialidade visa justificar a constituição de relações entre sócios, tendo por referência uma sociedade[42].
Helena Catarina Silva Morais dá-nos conta que “Apesar de o art. 17º apenas se referir a “todos ou alguns sócios”, não significa que não possam intervir nos acordos parassociais pessoas estranhas à sociedade. Como podemos observar em SANTOS, Mário Leite, Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, p. 7, os acordos parassociais são “acordos extra-estatutários entre todos ou alguns sócios, entre sócios e terceiros, ou entre sócios e a própria sociedade, sobre assuntos que respeitam à vida desta, ou aos seus específicos interesses enquanto participantes nela”.[43]
Mas aqui não é essa a questão relevante – e apenas seria se recusássemos totalmente a intervenção de não sócios em acordos parassociais, o que, pese embora necessitasse, se relevante, de alguma delimitação, não concordamos – sendo sim determinante saber se a cláusula 8ª deste concreto acordo parassocial, nomeadamente os nºs 2 e 3 são invocáveis por terceiro não sócio.
Os acordos parassociais são qualificados “sem quaisquer reservas”[44] como negócios jurídicos bilaterais ou multilaterais, ou seja, verdadeiros contratos, sujeitos à respetiva disciplina e estando sujeitos aos marcos interpretativos dos arts. 236º a 238º do Código Civil[45][46], embora por vezes tenha que se recorrer ao pacto de sociedade para apurar o seu sentido[47].
Convocando a teoria da interpretação dos negócios jurídicos - a doutrina da impressão do destinatário em que releva o ponto de vista do declaratário normal que esteja colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (artigo 236º, 1, do Código Civil) e que implica que o significado da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante a conduta assumida pelo declarante, salvo se aquele sentido razoavelmente não puder ser imputado ao declarante ou o declaratário conhecer a vontade real do declarante – temos assim que olhar à cláusula em causa, celebrada entre acionistas e aceite pelos subsequentes acionistas, entre os quais as partes nesta ação.
Nada foi alegado nem resulta dos autos quanto à vontade real dos declarantes quanto à aplicabilidade desta cláusula (de todo o acordo, mas agora, com interesse, apenas esta) a terceiros não acionistas.
A cláusula no seu todo prevê a possibilidade de cessação/resolução (termination) do acordo e, na ocorrência de incumprimento ou violação a penalização com uma opção de compra pelos contraentes não faltosos, bem como a consignação do carater de promessa unilateral da correspondente obrigação de venda bem como a expressa suscetibilidade de execução específica[48].
Da norma, expressamente, não resulta mais que uma cláusula penal para os acionistas subscritores do acordo – apenas eles ficam sujeitos, incumprindo, à obrigação de venda das ações de que são titulares.
Depois, sabemos que todos os contraentes são acionistas e que os sócios desta sociedade anónima, quer recorrendo à interpretação deste acordo, quer do pacto social (junto como doc. nº12 com a petição inicial), têm interesse em manter a titularidade do capital social nas mãos dos acionistas ou de quem estes entenderem. Tal resulta, seja do direito de preferência estabelecido na cláusula terceira, nº5, als. b) e c) e do estabelecido na cláusula 4ª do acordo parassocial, mas em especial do art. 11º do pacto social, no qual se estabelece direito de preferência dos demais acionistas na transmissão de ações a favor de terceiros.
O acordo foi celebrado por acionistas, houve uma venda de ações do conhecimento e aceite pelos demais acionistas, tendo o novo acionista aderido ao acordo parassocial e nada indicia ou permite a conclusão de que o acordo se destina também a regular a participação de terceiros não acionistas.
Assim, caso algum dos atuais acionistas perca essa qualidade, passa a ser terceiro e perde a posição jurídica que lhe permite acionar a cláusula 8ª.
Argumenta a recorrente que os factos relevantes para a apreciação são os existentes à data do exercício da opção de compra e entender de outra forma é dar eficácia retroativa a uma eventual sentença de improcedência proferida na causa tida como prejudicial.
Não é, claramente assim. Concluindo-se que o acordo parassocial se destina exclusivamente a regular determinados aspetos das relações entre os sócios da MSI, ele deixa de ser aplicável a quem não revista essa qualidade.
O direito que está aqui a ser exercido é o de execução específica de uma promessa unilateral de venda a que a A. entende ter direito por a R. ter, na sua perspetiva, incumprido o acordo parassocial.
O facto de poder acionar esse direito enquanto é acionista não quer dizer que o mesmo se mantenha na sua esfera jurídica se, no decurso da ação, perder a qualidade acionista.
Passemos à análise dos argumentos de se existem fundadas razões para crer que a ação considerada prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão desta.
Anota-se neste ponto que, embora se tenha tratado de argumento esgrimido na 1ª instância, a recorrente, em sede de recurso deixou cair a alegação relativa à fase mais adiantada desta ação em relação à considerada prejudicial, ponto que, assim sendo, não faz parte do objeto deste recurso.
Miguel Teixeira de Sousa[49] escreve sobre esta causa de não aplicação do regime que estamos a analisar: “(a) A suspensão da instância não deve ser decretada se a acção prejudicial tiver sido proposta durante a pendência da acção dependente “unicamente” para obter aquela suspensão (n.º 2). (b) Pode partir-se do princípio de que assim sucede quando, numa situação de prejudicialidade complexa e, portanto, podendo a parte recorrer à apreciação incidental regulada no art. 91.º, n.º 2, ainda assim tenha instaurado a acção prejudicial.”
Como já vimos acima, estamos num caso de prejudicialidade simples, não existindo quaisquer indícios de que a A. da outra ação não a tenha interposto para obter, precisamente, a execução específica que peticiona e assim adquirir as ações de que a aqui A. e ali R. é titular na MSI.
Ou seja, não podemos, face à existência de diferentes pedido e causa de pedir, concluir que a ação foi intentada unicamente para obter a suspensão desta e não vise, pelo menos também, a procedência do pedido ali formulado.
A A. argumenta que a aqui R. e ali A. fazem parte do mesmo grupo e que agem em conluio de interesses.
Tal não releva na presente sede – sendo natural que empresas do mesmo grupo tenham interesses comuns ou alinhados e que comuniquem entre si.
Argumenta que a total falta de fundamento da carta e da ação enviadas e proposta pela NS à aqui A. revelam a intenção de propositura da ação apenas para suspender esta.
Não podendo este tribunal apreciar, nesta ação, se o pedido formulado na ação considerada prejudicial é ou não fundamentado – porque se trata de um nexo de prejudicialidade necessária, ou simples – não pode, pura e simplesmente ler os articulados e emitir uma opinião sobre se a ação em causa vai ou não improceder para este efeito. Aliás, é absolutamente evidente que, se a A. tiver razão no que alega, a ação considerada prejudicial improcederá e esta prosseguirá porque, no fim do dia, estamos apenas a decidir a suspensão da instância (e não a sua extinção).
Não desconhecemos jurisprudência que afirma na esteira de Alberto dos Reis que “se o juiz se convencer de que a causa prejudicial não tem probabilidades algumas de êxito e foi atirada para o tribunal unicamente para fazer suspender a instância na causa dependente”.[50] Mas essa afirmação tem que ser vista em contexto.
Sucede que a decisão em que tal afirmação foi produzida foi tirada, precisamente, num caso de dependência necessária ou prejudicialidade simples, e não se considerou verificada a hipótese do nº2 do art. 272º do CPC (então matéria prevista no art. 279º nº2 do CPC). Pelo que em nada belisca com a proposta de Miguel Teixeira de Sousa que aqui se subscreve.
Finalmente, o facto de a aqui A. ter acionado a cláusula 3ª, nº5 antes da carta enviada pela NS nos termos da cláusula 8ª não permite outra conclusão que não a que já havíamos chegado pela enumeração das ações pendentes entre as partes: a aqui A. está em litígio aberto com as demais acionistas da MSI, litígio esse que, está também refletido nesta ação e na ação considerada causa prejudicial.
Improcedem assim, as conclusões da apelação, pelo que é de manter o despacho recorrido.
*
A presente apelação improcede, assim, integralmente.
*
A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[51].
*

5.–Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrente.
Notifique.
*


Lisboa, 20 de fevereiro de 2024


Fátima Reis Silva
Pedro Brighton
Renata Linhares de Castro



[1]Contendo as notas de rodapé que se transcrevem sequencialmente.
[2]Processo ou acção “n.º 3851/21.9T8CSC”.
[3]Proferido no âmbito do processo n.º 31/21.7TNLSB.L1-7 e cujo texto integral pode ser obtido em www.dgsi.pt.
[4]Este é o pedido deduzido pela NS na acção n.º 3851/21.9T8CSC cuja cópia se encontra junta como Doc. 01 da contestação.
[5]Noronha Sanches, NSGI – Gestora de Investimentos, S.A. e NSGIBB.
[6]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[7]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[8]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[9]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[10]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[11]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[12]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[13]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[14]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[15]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[16]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[17]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[18]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[19]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[20]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[21]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[22]A Apelante continua a numeração dos documentos que juntou em Maio de 2022 para demonstrar o verdadeiro propósito da Noronha Sanches e da NSGIBB com a acção n.º 3851/21.9T8CSC.
[23]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[24]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[25]Requerimento com a ref.ª citius 42113625.
[26]Requerimento com a ref.ª citius 42011246.
[27]Requerimento com a ref.ª citius 42113625, com o requerimento da RP de 21/04/2022 e que se junta neste momento porque, por lapso de que apenas agora se deu nota tal documento não foi remetido ao processo juntamente com os demais.
[28]Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 242 e, entre muitos outros o Ac. STJ de 17/10/2019 relatado por Rosa Maria Ribeiro Coelho, disponível em www.dgsi.pt.
[29]Em Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, 1946, pg. 268.
[30]Em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 380.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 501.
[31]Ac. TRP de 07/01/2010, (Maria Catarina - 940/08), disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[32]Acórdão STJ de 9/5/2023 (Jorge Dias, 826/21).
[33]Ac. STJ de 14/09/2023 (Nuno Pinto de Oliveira – 18/21).
[34]Relatora Ana Rodrigues da Silva, proc. nº 31/21.
[35]Anotação ao art. 272º em CPC Online, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2024/01/cpc-online-18.html.
[36]Nomeadamente porque tal não foi pedido e não foram alegados os factos essenciais para o efeito, já que esta ação tem diferentes causas de pedir e pedido.
[37]Relator Luís Filipe Pires de Sousa, proc. nº 8309/21.
[38]Local já citado, nota 4.
[39]A aqui A. é ali R.
[40]A causa de pedir é complexa mas tem este elemento em comum: ambas as AA. invocam incumprimentos do mesmo acordo parassocial.
[41]Helena Catarina Silva Morais em Acordos Parassociais, e-book disponível em:Grupo Almedina, Grupo Almedina(Portugal),2014,pg. 8.
[42]Direito das Sociedades Comerciais, 7ª edição (reimpressão), Almedina, 2022, pgs. 185, 186 e nota 347.
[43]Local citado, nota 2, na qual enumera no mesmo sentido: “ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, II, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, p. 156, n. 151; ASCENSÃO, J. Oliveira, Direito Comercial, IV – Sociedades Comerciais, Parte Geral, Lisboa, 2000, p. 294; CORREIA, Luís Brito, Direito Comercial, III – Deliberações dos Sócios, AAFDL, Lisboa, 1997, p. 167, n. 223; LEAL, Ana Filipa, “Algumas notas sobre a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, ano I (2009), II, p. 148; TRIGO, Maria da Graça, “Acordos Parassociais – síntese das questões jurídicas mais relevantes”, Problemas do Direito das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 173-174; Idem, Os acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 141-143. Esta última defende, e bem, que será de aplicar a esses acordos atípicos, por analogia, o artigo 17º do Código das Sociedades Comerciais, porque se este se destina a disciplinar a posição jurídica do sócio e a interferência na vida e organização societárias, também deverá regular outros acordos que tenham o mesmo fim, sob pena de se contornar as proibições nele previstas, bastando para isso introduzir um terceiro estranho à sociedade. Diferentemente, VENTURA, Raul, Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, Coimbra, Almedina, 1992, p. 13 e “Acordos de Voto: algumas questões depois do Código das Sociedades Comerciais”, O Direito, I-II, 1992, pp. 19-20, defende que os acordos parassociais atípicos não estão sujeitos ao artigo 17º. Contra a validade dos acordos em que intervêm não sócios, cfr. ALMEIDA, António Pereira de, Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei nº 76-A/2006 , 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 294; CUNHA, Paulo Olavo da, Direito das Sociedades Comerciais, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 2012, pp. 171-172; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.03.1999, processo nº 1274/98, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, VII (1999), tomo I, pp. 160-163.”
[44]A expressão é de Paulo Olavo Cunha, local citado, pg. 186.
[45]Jorge Coutinho de Abreu em Acordos parassociais, Direito das Sociedades em Revista, Outubro 2023, Ano 15, vol. 30, pg. 14 e nota 7.
[46]Ver também o Ac. TRC de 26/01/2010 (Cecília Agante – 1782/08).
[47]Cfr. Paulo Câmara em Acordos parassociais: problemas de interpretação e de conversão, pg. 461, disponível em https://revistas.ucp.pt/index.php/direitoejustica/article/view/9867/9592, advertindo, porém, que a inversa não é necessariamente verdadeira.
[48]A possibilidade de execução específica de promessas de transmissão de participações sociais é aceite de forma muito mais pacífica que a de regras relativas ao exercício de voto – veja-se Paes de Vasconcelos em A Participação Social nas Sociedades Comerciais - 2.ª Edição. Disponível em: Grupo Almedina, Grupo Almedina (Portugal), 2020, pg. 64, e a demais doutrina citada por Carolina Cunha em CSC em Comentário; I vol., Almedina, pg. 305.
[49]Local citado, nota 11.
[50]Como se escreveu no Ac. TRL de 17/06/2004 (Ezaguy Martins - 4181/2004).
[51]Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.