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RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário
I - Tendo a autora ficado afetada por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, mas sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, embora impliquem para o efeito esforços suplementares, tal limitação é suscetível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial. II – Considerando o caso da autora, mostra-se equilibrado o valor indemnizatório de €13.655,00. III - Para o cálculo do dano não patrimonial é razoável que se tenha em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante. E será ainda de atender aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência. IV - Não obstante a autora não ter suportado internamentos hospitalares e cirurgias, as sequelas permanentes são de equivalente gravidade, em razão da região atingida – a cervical -, com importantes limitações de mobilidade, dores e mal estar que condicionam a marcha, movimentação de objetos, a higiene pessoal e as lides domésticas, a vida sexual, obrigando à toma de medicação para controlar parestesias e cervicalgias, com os inerentes efeitos secundários para a saúde geral e perda significativa de qualidade de vida, o montante fixado de €25.000,00, reputa-se equilibrado e alinhado com os quantitativos arbitrados pelo Supremo em circunstâncias de idêntica gravidade.
Texto Integral
Processo n. 22988/17.2T8PRT.P1– Apelação
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
AA propôs contra A... – Companhia de Seguros, S.A., ambas com os sinais dos autos, acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €72.866,34, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, em consequência de acidente de viação ocorrido em 18 de Junho de 2015, que descreve como imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros ..-..-DU segurado pela ré, que embateu com a frente do mesmo na traseira do veiculo ..-FC-.. conduzido pela autora quando ambos circulavam na faixa da esquerda na VRI 2,900 Km sentido aeroporto (concelho da Maia). Do acidente resultaram diversos danos patrimoniais, materiais e corporais, e não patrimoniais.
Citada a ré, contestou, no essencial impugnando por desconhecimento a dinâmica do acidente e os danos invocados, e os valores reclamados por exagerados, concluindo pelo julgamento da causa de acordo com os factos provados e o direito aplicável.
O Instituto da Segurança Social, I.P. peticionou também a condenação da ré Companhia de Seguros B..., S.A. no pagamento de €8.549,48, acrescidos de juros de mora à taxa legal, aduzindo, em suma que, em consequência de défice funcional temporário sofrido pela autora em decorrência do acidente em discussão, lhe pagou o montante peticionado a título de subsídio de doença, e prestações compensatórias de subsídio de Natal e de férias.
Foi proferido despacho saneador, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas de prova.
A autora deduziu ampliação do pedido referente a danos patrimoniais adicionais, tendo o pedido sido elevado em €2.448,71, a título de danos patrimoniais, e num valor futuro de renda mensal no valor de €200,00, a título de danos patrimoniais futuros, que foi admitida.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar:
A) à autora trinta e dois mil duzentos e quarenta e um euros e oitenta e nove cêntimos (€32.241,89), acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal para obrigações civis, desde a citação, até integral pagamento;
B) à autora vinte e cinco mil euros (€25.000,00), acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal para obrigações civis, desde a data da presente decisão, até integral pagamento;
C) à autora montante a liquidar em decisão ulterior, respeitante a custos consequente às lesões sofridas no acidente a suportar pela autora respeitantes a tratamentos de medicina física e de reabilitação e de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória;
D) ao Instituto da Segurança Social, IP oito mil quinhentos e quarenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos (€8.549,48), acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal para obrigações civis, desde a notificação do articulado deste interveniente, até integral pagamento;
Mais julgou a acção improcedente no restante e, em consequência, absolveu a ré do pedido nessa parte.
Inconformada, interpôs a ré recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes conclusões:
1) O presente recurso destina-se à reapreciação da douta sentença que julgou parcialmente procedente a acção condenando a recorrente no pagamento à apelada da quantia de 25.000,00€, a título de compensação pelo dano não patrimonial, e 20.500,0€, como indemnização para ressarcir o dano biológico.
2) Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente.
3) E o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente aditados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485).
4) Na situação em apreciação provou-se que a recorrida sofreu dores, incómodos, tristeza e desgosto e constrangimentos.
5) Sem embargo destas lesões e do sofrimento intrínseco, o dano sofrido não assume a gravidade que é traduzida pelo valor da compensação que lhe foi atribuída.
6) As circunstâncias específicas do caso concreto demandam uma ponderação do montante equivalente a uma compensação digna de todo o sofrimento, sem olvidar que a mesma se dirige, primordialmente, para satisfação do próprio lesado, na perspectiva de minimizar a sua dor e as suas perdas, por isso se impõe que seja séria e que corresponda à dignidade dos valores lesados mas, por outro lado, levando em consideração a relatividade de cada caso e as circunstâncias da vida que evidenciam, quotidianamente, que valores mais elevados são infringidos.
7) Para alcançarmos esta harmonia importa considerar os critérios jurisprudenciais como forma de evitar desigualdade, apelando à dimensão e abrangência dos valores imateriais efectivamente tutelados.
8) Assim sendo, à luz dos critérios jurisprudenciais mais recentes (atente-se nos acórdãos citados no corpo destas alegações), crê-se que a indemnização arbitrada em primeira instância, no montante de € 25.000,00, é excessiva, impondo-se uma alteração, fixando-se a compensação por danos não patrimoniais num valor que não exceda os 12.500,00.
9) Ao decidir diferentemente o tribunal fez errada aplicação e interpretação do disposto no artigo 496.º, do Código Civil.
Mais,
10) A douta sentença atendeu à necessidade de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil), fixando a obrigação em relação aos danos que à lesada provavelmente (previsivelmente) não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do mesmo código).
11) No caso em apreço o tribunal atendeu à idade da autora à data do sinistro, à esperança média de vida aplicável à autora, o índice de défice funcional permanente (3 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional exercida pela autora, bem como a repercussão dessas lesões para as actividades da vida diária.
12) É consensual, doutrina que aliás é perfilhada pela douta sentença, que para o cálculo do montante a fixar na indemnização pelo denominado dano biológico, não podem deixar de se considerar, mesmo que o valor se tenha fixado com recurso à equidade, certos dados objectivos, como a idade da sinistrada, para daí se obter o número previsível de anos futuros de vida, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados, e com a participação do próprio capital, compense, o lesado, dos ganhos do trabalho, que perdeu ou pode perder.
13) Foi atendendo às particularidades do caso que a este propósito fixou-se o valor da indemnização em 20.500,00€ usando-se, para o efeito, o princípio da equidade.
14) Ocorre que este montante é exagerado atendendo às particularidades do caso concreto.
15) Ao analisarmos a douta sentença constata-se que o tribunal para computar os 20.500,00€ de indemnização atendeu à repercussão negativa na capacidade de trabalho da autora.
16) «É hoje aceite na jurisprudência que, nos casos em que o dano biológico patrimonial decorrente de um défice funcional permanente não determinante de perda de rendimento no desempenho profissional, obrigando apenas a um maior sacrifício, ou nem isso, a respectiva indemnização deverá ser aferida mediante juízos de equidade e não através do critério da teoria da diferença, com base no rendimento anual auferido ou beneficiado pela pessoa lesada. Seja naquele dano patrimonial - também qualificável, conforme a situação concreta, como dano não patrimonial -, seja no dano não patrimonial tradicional, em que se recorre a um critério de equidade, esta e a segurança do Direito impõem a ponderação das soluções dadas noutras decisões judiciais em casos similares, transitadas em julgado, tendo em vista a prossecução de uma justiça igualitária.» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Outubro de 2020, processo n.º 818/13.4TBMTS.P1, sendo relator FILIPE CAROÇO).
17) «O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com €5.000,00 ou com €500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 2092/11.8T2AVR.C1, sendo relator MARIA INÊS MOURA).
18) Na definição do quantum indemnizatório há que atender às particularidades do caso concreto, no caso dos autos não há perda de capacidade de ganho.
19) «No recente acórdão da Relação do Porto de 6.2.2020 escreveu-se: «(…), a jurisprudência tem afirmado, como sucedeu com o Ac. STJ de 06/dez./2017 (Cons. Tomé Gomes, www.dgsi.pt), que “Neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua actividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa actividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício” – no mesmo sentido o Ac. STJ de 28/jan./2016 e 06/dez./2017 (Cons. Maria Graça Trigo), de 17/dez./2019 (Cons. Maria Rosa Tching), todos em www.dgsi.pt. Daí que nos casos de dano biológico patrimonial decorrentes de um défice funcional permanente, cujas repercussões são apenas indirectas no desempenho profissional ou na vida quotidiana, obrigando a um maior sacrifício, a respectiva indemnização deverá ser aferida mediante juízos de equidade e não através do critério da teoria da diferença, com base no rendimento anual auferido ou beneficiado pela pessoa lesada. Para o efeito a jurisprudência, como sucedeu com o Ac. STJ de 12/out./2018 (Cons. Hélder Almeida, www.dgsi.pt) tem igualmente feito um apelo a entendimentos “minimamente uniformizados”, mantendo um juízo prudencial e casuístico tendencialmente “igualitário”. Não pode é existir uma duplicação dos valores indemnizatórios, mediante a atendibilidade dos mesmos factores respeitante ao dano esforço.
20) A necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade implica a procura de uma uniformização de critérios (art.º 8º, nº 3, do Código Civil), não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso.
21) Não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, dever-se-á usar, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efectiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
22) Este entendimento, que foi seguido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Março de 2018, sendo relator MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, proferido no processo 1500/14.0T2AVR.P1, conclui que na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todas as situações, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados, afigurando-se razoável que se tome por base um rendimento de 850,00€ x14 (correspondente ao salário médio auferido em Portugal).
23) Mesmo de acordo com os enunciados factores, considerando que a autora ficou afectada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, a indemnização para ressarcir o dano biológico não poderá exceder os 13.655,00€.
24) Ao fixar a indemnização pelo dano biológico derivado do défice funcional permanente de que a recorrida padece em 20.500,00 €, fez o tribunal errada interpretação e aplicação do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.
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A autora interpôs, por sua vez, recurso subordinado da sentença, concluindo nos seguintes termos:
1. O presente recurso subordinado tem como objecto a reapreciação da douta sentença no que respeita aos montantes indemnizatórios relativos ao montante fixado a título de danos não patrimoniais e aqueloutro fixado pelo défice funcional permanente e pelo dano biológico;
2. Apesar do bem fundado da decisão recorrida, entende a A., ora recorrente, que a mesma merece reparo relativamente aos dois pontos indicados na conclusão anterior;
3. Quanto ao 1º por entender dever o mesmo computar-se em 30.000€ e quanto ao 2º por entender haver erro de conta na fixação de tal montante (défice funcional permanente e dano biológico);
4. O meritíssimo Juiz “a quo” para a fixação do montante indemnizatório de 25.000€ considerou: As lesões sofridas; os tratamentos a que a A. se sujeitou, com largo período de tratamentos de fisioterapia e acompanhamento em psiquiatria e psicologia, com sintomas depressivos e de ansiedade; o défice funcional temporário; o défice funcional permanente; a repercussão permanente das actividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; o “quantum” doloris, de 4 em 7; a repercussão permanente na actividade sexual de 2 em 7; e a idade da A.;
5. A A., à data do acidente, tinha 27 anos de idade (nascida em 03.Out.1987);
6. Sofreu traumatismo na região cervical, tendo sido assistida no Hospital de Santo António; seguindo-se, em consulta no Centro de Saúde e outros estabelecimentos de saúde, um longo período de tratamentos com sessões frequentes de fisioterapia, a que se submeteu; foi longo, e doloroso, com dificuldades de condução e consequentes deslocações, conforme se acha documentado nos autos – doc. oriundos do Centro de Saúde e no relatório de perícia, e vai desde 18/06/2015 em diante;
7. A A. careceu - e carece - de medicina física e de reabilitação e de medicação analgésica; recorreu à prática de exercícios de pilates e até de acupunctura, com o objectivo de mitigar o sofrimento; foi acompanhada em psiquiatria e psicologia, durante longos meses, com sintomas depressivos e de ansiedade relativamente ao seu futuro (jovem de 27 anos, com sonhos e perspectivas de futuro que começaram a esvair-se);
8. Relevam sobremaneira para a fixação do montante indemnizatório o défice funcional temporário e o défice funcional permanente como decorre dos relatórios periciais: …”as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares no sentido de compensar as queixas dolorosas.” (relatório médico-legal de 05/07/2019);
9. As graves consequências que do acidente derivaram para a A., ora recorrente, repercutem-se de forma permanente nas atitudes desportivas e de lazer, sendo, conforme resulta das considerações do relatório de perícia médico legal citado na conclusão anterior, e fixável em grau 2, numa escala de 7; aliás, a A. recorrente, pelas apontadas razões, viu-se impedida de realizar uma viagem sonhada e paga, na companhia do namorado, conforme resulta da matéria assente por provada (item da al. t da sentença);
10. O “Quantum doloris” no grau 4 em 7;
11. A A. passou a padecer de limitação ao nível do desempenho/gratificação de natureza sexual decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas; é fixável em grau 2, atendendo às dificuldades em assumir determinadas posições sexuais devido às queixas dolorosas a nível cervical resultantes das mesmas (cfr. relatório de 05/07/2019), o que tendo em conta a idade e juventude da A. é deveras significativo e a ter na devida conta;
12. Face às circunstâncias e factos provados, foi fixado o montante indemnizatório em 25.000€, entendendo a ora A. recorrente que tal montante peca por defeito devendo ser fixada em 30.000€;
13. No Recurso que interpôs, a Ré A... invoca Jurisprudência com fixação de montantes indemnizatórios relativamente a situações que estão longe dos parâmetros da equidade; e comparativamente com a situação em análise nos presentes autos, se fosse possível pesar numa balança, uma e outras, o prato da A. tombaria necessariamente para o lado desta;
14. A douta sentença recorrida, neste particular, aplicou incorrectamente o Direito aos factos, devendo ser revogada e alterado no sentido de condenar a Ré Seguradora no montante de 30.000€, a título de danos não patrimoniais;
15. Nesta medida, violou o disposto no artigo 496º, nº 1 do Código Civil;
16. A perda de rendimento futuro por défice funcional permanente foi calculada, segundo os acertados critérios expendidos na decisão recorrida em 7.441,34€;
17. No cálculo do dano biológico enquanto dano patrimonial, o meritíssimo Juiz “a quo”, após ponderação de critérios de equidade fundamentadores da decisão proferida fixou, como adequada a compensação por dano biológico num acréscimo de 23.000€ em relação à perda de rendimento calculada”, e concluiu que “A compensação total por défice funcional permanente, incluindo o dano biológico eleva-se assim a 20.500€”;
18. Acontece que somando as quantias sentenciadas de 7.441,34€ (perda de rendimento futuro por défice funcional permanente) e de 23.000€ (dano biológico), o total obtido é de 30.441,34€ e não 20.500€, como consta da decisão constante da douta sentença recorrida;
19. Deve tal decisão da douta sentença recorrida ser substituída por decisão que condene a Ré recorrente no pagamento de 30.441,34, a título de indemnização por défice funcional permanente e dano biológico e respectivos juros;
20. A A., ora recorrente, aceitando os critérios de cálculo da indemnização por défice funcional permanente e do dano biológico, não se conforma com a decisão, devendo esse total ser fixado no montante global de 30.500€ ou mais acertadamente em 30.441,34€ (7.441,34€ + 23.000€).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as de saber se existiu erro na fixação da compensação devida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, devendo a mesma ser reduzida ou aumentada.
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São os seguintes os factos considerados provados pela 1.ª instância:
a) No passado dia 18 de Junho de 2015, pelas 15h e 15m, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o Sr. BB (segurado da R. sob a apólice nº ...87) e a A., na VRI 2,900Km sentido aeroporto (concelho da Maia), ao volante dos veículos com as matrículas ..-..-DU e ..-FC-.., respectivamente; (alínea A) dos factos assentes)
b) O referido acidente de viação consistiu no embate da parte da frente do veículo do segurado da R. na parte traseira do veículo conduzido pela A., quando ambos circulavam na faixa da esquerda; (alínea B) dos factos assentes)
c) Com efeito, o dito condutor do ..-..-DU não conseguiu imobilizar o veículo, no espaço livre e disponível à sua frente ou seja a tempo de evitar o embate, deixando marcas de travagem de 4,70 metros; (alínea C) dos factos assentes)
d) O acidente ficou a dever-se a culpa grave e exclusiva do Sr. BB, condutor do ..-..-DU, cuja responsabilidade proveniente da respectiva circulação havia sido assumida pela Seguradora, ora Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice supra identificada; (alínea D) dos factos assentes)
e) A R., por comunicação datada de 24 de Julho de 2015, assumiu a responsabilidade pela produção do acidente por parte do seu segurado; (alínea E) dos factos assentes)
f) A seguradora, ora Ré, liquidou o montante de 1.273,32€ que a A. recebeu da Ré, através de cheque, com data de 07/10/2015 (doc. nº 3); (alínea F) dos factos assentes)
g) Em consequência do acidente a autora sofreu traumatismo na região cervical; (art. 24.º da petição inicial)
h) Para tratamento do que foi assistida no Hospital de Santo António, onde fez avaliação radiográfica e lhe foi prescrita medicação analgésica, com alta no mesmo dia, após o que foi encaminhada em consulta do Centro de Saúde para tratamentos de fisioterapia, que manteve até 13/06/2018; (art. 31.º da petição inicial)
i) Também em consequência do acidente, a autora foi acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria, devido a sintomatologia depressiva, com componente de ansiedade elevada, com prescrição de medicação, tendo cessado o acompanhamento em psiquiatria em Junho de 2018; (art. 39.º da petição inicial)
j) Como sequelas das lesões após tratamento a autora apresenta contractura cervical e dorsal alta bilateral, com força muscular dos movimentos do braço, antebraço, punho e mão ligeiramente diminuída, em relação com queixas álgicas a nível cervical; (arts. 25.º a 27.º da p.i.)
k) Em consequência de tais sequelas a autora tem dificuldade em permanecer longos períodos em pé, não consegue correr, tem dificuldade em carregar objectos de peso superior a 5 Kg, tem parestesias e cervicalgias, que demandam a toma de medicação algumas vezes, tem dificuldade em pentear-se, lavar o cabelo e as costas, fazer tarefas domésticas, conduzir longos períodos, deixou de entrar na água do mar ou rio, uma vez que lhe agrava as dores, deixou de praticar karting, de ajudar os pais em actividades agrícolas, tem dificuldade em dançar, actividade de laser que apreciava, e viu a sua vida sexual afectada por limitações dolorosas de posição e psicológicas; (arts. 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 40.º e 41.º)
l) Em consequência das lesões sofridas, a autora sofreu défice funcional temporário parcial de 890 dias, quantum doloris de grau 4 em 7, défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 3 pontos, repercussão permanente nas actividades desportivas e de laser de grau 2 em 7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 em 7; (arts. 28.º, 30.º, 32.º, 33.º e 36.º da p.i.)
m) A autora nasceu em ../../1987; (art. 39.º da p.i.)
n) Em consequência das lesões, tratamentos e sequelas supra descritas a autora suportou e suporta sofrimento, dores e incómodos, tristeza e desgosto; (arts. 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 36.º e 40.º da p.i.)
o) À data do acidente a autora auferia uma remuneração líquida pelo seu trabalho no montante de €629,46 por mês, incluindo duodécimos de subsídios de Natal e de férias; (art. 20.º da p.i.)
p) Para tratamento das lesões resultantes do acidente a autora despendeu €2.017,60 em consultas médicas, exercícios em ginásio, acupunctura, exames radiográficos, tratamentos em osteopatia, e consultas de psicologia; (art. 21.º da p.i. e 6.º do articulado de ampliação do pedido)
q) Já após a junção aos autos do relatório pericial elaborado pelo INML, a autora despendeu €550,00 em consulta de avaliação de dano corporal e na elaboração do relatório de avaliação de dano corporal junto como documento n.º 3 em 19/02/2020; (art. 21.º da p.i. e 6.º do articulado de ampliação do pedido)
r) Para tratamento das lesões resultantes do acidente e suas sequelas, a autora despendeu €340,03 em medicamentos; (arts. 12.º e 16.º da p.i. e 6.º do articulado de ampliação do pedido)
s) Para tratamento das lesões resultantes do acidente e suas sequelas a autora deslocou-se por 16 vezes ao Centro de Saúde ..., percorrendo 22 kms de cada vez, ida e volta, 99 vezes à clínica C..., percorrendo 16 kms de cada vez, ida e volta, e 5 vezes ao Hospital 2..., percorrendo 8 kms de cada vez, ida e volta; (arts. 13.º, 14.º, 17.º, 18.º e 19.º da petição)
t) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas a autora ficou impedida de realizar uma viagem de lazer com o seu namorado, que já havia pago, sendo o custo das duas viagens €259,96; (art. 22.º da petição)
u) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas a autora terá necessidade futura de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em quantidade e qualidade a definir em função de acompanhamento em consulta de medicina geral e familiar; (art. 5.º do articulado de ampliação do pedido)
v) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas a autora terá necessidade futura de tratamentos de medicina física e de reabilitação em quantidade e qualidade a definir em função de acompanhamento em consulta da especialidade; (art. 5.º do articulado de ampliação do pedido)
w) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas, o Instituto de Segurança Social, IP pagou à autora €7.989,82 a título de subsídio de doença pelo período entre 19/06/2015 a 22/03/2017, €156,16 a título de prestação compensatória de subsídio de Natal de 2015, €322,50 a título de prestação compensatória de subsídio de férias de 2016, e €81,00 a título de prestação compensatória de subsídio de Natal de 2016. (art. 7.º do articulado junto pelo ISS, IP)
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Ambas as recorrentes discordam do decidido na douta sentença recorrida quanto à fixação da compensação pelo dano não patrimonial no montante de €25.000,00, e da indemnização para ressarcimento do dano biológico, que a primeira instância fixou em €20.500,00. Em alternativa, propugna a ré os montantes de, respectivamente, €12.500,00 e €13.655,00, enquanto que a autora reclama a majoração dos valores fixados para €30.000, quanto ao dano não patrimonial, e de €30.441,34 quanto ao défice funcional permanente e dano biológico. Vejamos.
I. Danos não patrimoniais.
O n.° 3 do artigo 496.° C.Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art. 494º do mesmo diploma. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso. A satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. "Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 86)
É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante. E será ainda de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
A efectiva compensação dos danos não patrimoniais só será alcançada se a indemnização for significativa e não meramente simbólica. Conforme se escreveu no Ac. S.T.J., de 94/09/11 (4) in C.J. II-3º,89 (acs. S.T.J.) as empresas seguradoras sabem que os aumentos contínuos dos prémios de seguros se destinam, não a aumentar os seus ganhos, mas a contribuir para a possibilidade de adequadas indemnizações. Esses prémios de seguro respeitam, naturalmente, aos montantes indemnizatórios que devam ser assegurados.
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil). Na determinação da mencionada compensação atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade envolvente da justa medida das coisas (artigo 494º do Código Civil).
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.".
Na quantificação, em concreto da compensação correspondente ao "quantum doloris", podemos encontrar inúmeros exemplos na jurisprudência do Supremo, de que podem citar-se os seguintes arestos:
Ac. de 13-07-2004, em www.dgsi.pt, sem n.º convencional - €40.000,00 por danos não patrimoniais a pessoa de vinte anos de idade, saudável, alegre, bem disposta, activa no trabalho e no desporto, que sofre traumatismo crânio-encefálico e vértebro-medular e fractura de costelas, é afectada de infecção urinária e respiratória, fica no hospital seis meses e meio - duas vezes em cuidados intensivos -, sofre intervenção cirúrgica, algaliação permanente, traqueostomização e dores atrozes por diversos meses e ainda subsistentes, ficou tetraplégico e com incapacidade permanente de 85%, a sua deslocação é em cadeira de rodas e com ajuda de outrem de quem depende em absoluto na satisfação das suas necessidades básicas, sofre de profunda depressão e de persistente desgosto por ser tetraplégico, tem crises frequentes de incontinência e necessidade de algaliação, são particularmente penosas as suas sessões de fisioterapia e padece definitivamente de impotência sexual funcional e de impossibilidade de procriação sem assistência tecnológica.
Ac. de 15-02-2005, em www.dgsi.pt, sem n.º convencional - € 15.000 por danos sofridos por um jovem lesado que, em consequência do acidente, sofreu IPP geral de 11,65%, dores intensas, ficou com a perna esquerda, além de mais curta que a direita, com cicatrizes e estrias numa área de 8 ems de diâmetro, pelo que sente tristeza, desgosto e vergonha em exibir essa parte do corpo;
Ac. de 22-09-2005, em www.dgsi.pt, sem n.º convencional - €30.000 para técnico de manutenção principiante afectado de incapacidade genérica permanente de 35%, compatível com o exercício da sua profissão, e que, ao tempo da alta clínica, tinha cerca de 19 anos de idade, que sentiu susto, angústia e receio pela própria vida na iminência do embate e que por via dele sofreu ferida com aparente afundamento frontal, hemorragia, traumatismo craniano, perda da consciência, pontual impossibilidade de falar, trinta e um dias de hospitalização, alimentação por sonda, pluralidade de tratamentos, utilização de fralda, perturbação da visão, insensibilidade, inconsciência, perda do olfacto, dores na cabeça e na coluna, epilepsia controlável por via de medicação, tristeza, apatia, sisudez, tendência para o isolamento, irascibilidade, receio de novas crises de epilepsia e cicatrizes a nível frontal, duas delas ostensivas, uma com afundamento frontal.
Ac. de 06-07-2006, em www.dgsi.pt, sem n.º convencional - €30.000 por danos sofridos por sinistrado com 65 anos de idade, que no acidente sofreu traumatismo craniano, ferida do couro cabeludo, fractura do fémur esquerdo e do antebraço direito, secção dos extensores de dois dedos da mão direita, ferida no dorso desta, e que, por isso, este hospitalizado durante 41 dias, teve alteração na sua capacidade mental, e física no plano da movimentação, necessidade de assistência de uma pessoa durante duas horas diárias, incapacidade permanente geral de 60% e mudança de humor e fácil irritação.
Ac. de 22-01-2008, Proc. 07A4338, em www.dgsi.pt, - €35.000 por danos sofridos por sinistrado que sofreu fracturas do fémur e do úmero direitos, lesões que implicaram um período de cura directa de mais de 1 ano, determinaram uma intervenção cirúrgica do foro ortopédico e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, e um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7 e IPP de 25%.
Ac. de 7-01-2010, Proc. 153/06.4TBLSA.C1.S1, em www.dgsi.pt, - € 25.000 por danos sofridos por menor aquando do acidente que sofreu lesões várias (fractura exposta da perna esquerda e equimoses no braço esquerdo) que o sujeitaram a tratamentos médicos diversos (tratamento com tracção e gesso, imobilização da perna) e determinaram uma IPP de 5% compatível com o exercício das actividades escolares (mas que exige alguns esforços suplementares nas actividades desportivas que reclamem boa mobilidade dos membros inferiores), um quantum doloris de grau 4, um prejuízo de afirmação pessoal de grau 1, a perda de um ano escolar (em razão do tempo de incapacidade temporária para as actividades escolares), medo de ficar aleijado e não poder jogar futebol, e sentimentos de inferioridade e de tristeza por não poder acompanhar os seus colegas, com a mesma desenvoltura com que o fazia, nos jogos de futebol.
Mais recentemente, podemos encontrar, numa hipótese de gravidade comparável com a que os presentes autos respeitam, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2019 (Processo 3710/12.6TJVNF.G1.S1, in dgsi.pt), que confirmou o montante indemnizatório atribuído de €25.000, para sinistrada com 17 anos completados no dia do acidente, que, cumulativamente: - ficou encarcerada no veículo, com perda de consciência; - transportada para o serviço de urgência do Hospital de …, foram-lhe diagnosticados traumatismo craniano, fracturas do punho direito (fratura-luxação de Barton), da diáfise do fémur esquerdo e da apófise transversa da L5 direita, atingindo as sacro-ilíacas bilateralmente com subluxação à esquerda, ficando internada alguns dias nos cuidados intensivos e, subsequentemente, no serviço de ortopedia; - foi submetida a tratamento conservador das fracturas do punho e do fémur mediante imobilização com talas gessadas; - transferida para o Hospital de … em 7 de Janeiro de 2010, foi operada, três dias depois, ao fémur esquerdo através de encavilhamento com vareta Trigen e ao punho direito mediante fixação radio-cubical com fio de Kirschner; - teve alta a 3 de Fevereiro, locomovendo-se em cadeira de rodas, que manteve durante várias semanas e, de seguida, durante 8 meses, deslocava-se com o auxílio de canadianas; - recebeu acompanhamento das especialidades de ortopedia, odontologia e psicologia, tendo sido submetida a fisioterapia; - em 23 de Março de 2010 foi submetida a nova cirurgia para osteossíntese da fractura do punho direito, com três dias de internamento no Hospital de … no …; - em 10 de Dezembro de 2010 foi novamente intervencionada para o material de osteossíntese ser retirado, o que correspondeu a novo período de internamento por três dias; - em 31 de Março de 2011 teve alta definitiva; - devido às lesões e tratamentos sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; - além das sequelas que já determinaram a valoração a nível do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ficou a padecer de edema de ambos os calcanhares, necessitando de usar calçado com um número acima; - apresenta diversas cicatrizes, que determinam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7, sendo duas, de tonalidade nacarada, localizadas na região occipital, com limites mal definidos e três de origem cirúrgica, com 6,5 cm e vestígios cicatriciais dos pontos de sutura localizada na face anterior do punho direito, de 2 cm situada no terço distal da face externa da coxa esquerda e de 10 cm localizada no terço superior da coxa e nádega; - perdeu o ano lectivo 2009/2010, mudando para o curso de … no ano lectivo seguinte, não tendo ingressado no ensino superior como idealizara antes do sinistro; - deixou de praticar …, o que lhe traz desgosto, valorizado como repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7; - dependeu de terceiros na realização da sua higiene pessoal, bem como para vestir-se e despir-se, durante as semanas subsequentes ao acidente, o que devassou a sua privacidade; - teve menos contactos com a família durante o período de internamento e devido às lesões e sequelas passou a isolar-se, deixando de ter vontade de conviver com os amigos; - tornou-se facilmente irritável, de trato difícil e ansiosa; - sente medo de andar de automóvel quando circula a velocidade superior a 90 km/h; - deixou de poder de correr e fazer caminhadas, como anteriormente, devido a cansaço; - ganhou peso, por não poder praticar desporto, tendo de fazer dieta para o manter controlado.
Vem provado o seguinte quadro relativamente à autora:
- tinha 27 anos à data do acidente; - em consequência do acidente sofreu traumatismo na região cervical; - para tratamento do que foi assistida no Hospital de Santo António, onde fez avaliação radiográfica e lhe foi prescrita medicação analgésica, com alta no mesmo dia, após o que foi encaminhada em consulta do Centro de Saúde para tratamentos de fisioterapia, que manteve até 13/06/2018; - foi acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria, devido a sintomatologia depressiva, com componente de ansiedade elevada, com prescrição de medicação, até Junho de 2018; - apresenta como sequelas das lesões após tratamento a autora contractura cervical e dorsal alta bilateral, com força muscular dos movimentos do braço, antebraço, punho e mão ligeiramente diminuída, em relação com queixas álgicas a nível cervical; - em consequência de tais sequelas tem dificuldade em permanecer longos períodos em pé, não consegue correr, tem dificuldade em carregar objectos de peso superior a 5 Kg, tem parestesias e cervicalgias, que demandam a toma de medicação algumas vezes, tem dificuldade em pentear-se, lavar o cabelo e as costas, fazer tarefas domésticas, conduzir longos períodos, deixou de entrar na água do mar ou rio, uma vez que lhe agrava as dores, deixou de praticar karting, de ajudar os pais em actividades agrícolas, tem dificuldade em dançar, actividade de laser que apreciava, e viu a sua vida sexual afectada por limitações dolorosas de posição e psicológicas; - sofreu défice funcional temporário parcial de 890 dias, quantum doloris de grau 4 em 7, défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 3 pontos, repercussão permanente nas actividades desportivas e de laser de grau 2 em 7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 em 7; - em consequência das lesões, tratamentos e sequelas suportou e suporta sofrimento, dores e incómodos, tristeza e desgosto; - e terá necessidade futura de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em quantidade e qualidade a definir em função de acompanhamento em consulta de medicina geral e familiar, bem como de tratamentos de medicina física e de reabilitação em quantidade e qualidade a definir em função de acompanhamento em consulta da especialidade.
Cotejando ambos os quadros danosos, temos que, não obstante a autora não ter suportado internamentos hospitalares e cirurgias, as sequelas permanentes são de equivalente gravidade, em razão da região atingida – a cervical -, com importantes limitações de mobilidade, dores e mal estar que condicionam a marcha, movimentação de objectos, a higiene pessoal e as lides domésticas, a vida sexual, obrigando à toma de medicação para controlar parestesias e cervicalgias, com os inerentes efeitos secundários para a saúde geral e perda significativa de qualidade de vida. Sendo certo que é ligeiramente inferior o grau de quantum doloris atribuído à autora, por outro lado fica permanentemente dependente de medicação, devendo ainda ter-se em consideração o coeficiente de desvalorização da moeda de 13,77% desde a data em que foi proferido p aludido Ac. do STJ de 30-05-2019, segundo o portal ine.pt.
Aliás, já em 18-10-2017, por Ac. proferido no Proc.º 1407/13.9TACBR.C1.S1, o STJ havia fixado o montante de € 20.000,00 para quadro danoso aproximado do da autora. Pelo que se afigura francamente escasso e de rejeitar o valor de €12.500,00 propugnado pela ré. Mas nunca excedendo o montante fixado de €25.000,00, que se reputa equilibrado e alinhado com os quantitativos arbitrados pelo Supremo em circunstâncias de idêntica gravidade.
II. Dano patrimonial biológico.
A douta sentença recorrida reconheceu muito acertadamente à autora o direito a indemnização a título por danos patrimoniais decorrentes da sua incapacidade permanente geral (IPG), por considerar que ainda que a incapacidade funcional não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. A recorrente seguradora discorda desse valor, pretendendo que, atendendo às particularidades do caso concreto, no caso dos autos não há perda de capacidade de ganho. Ora, tendo a autora ficado afectada por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, mas sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, embora impliquem para o efeito esforços suplementares, tal limitação é susceptível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial. Com efeito, mesmo não se tratando de um défice funcional elevado e que se não perspective de imediato uma diminuição dos proventos do lesado, aquele dano importa, de per si, que o lesado não possa exercer com igual dinâmica as suas atribuições profissionais, suportando maior penosidade e menor produtividade, com a consequente tendência para o mesmo se tornar menos apto para promoções e progressões na carreira. O que inequivocamente representa, pelo menos em termos mediatos, prejuízo indemnizável.
Em matéria de cálculo da indemnização em dinheiro, rege o n.º 2 do art. 566º do C. Civil, que consagra a teoria da diferença, segundo a qual, o montante da indemnização se deve medir pela "diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos". A reparação da perda da capacidade de trabalho e de ganho não dispensa a intervenção de juízos de equidade, ainda que partindo de premissas matemáticas, dada a impossibilidade da prévia determinação da exacta repercussão patrimonial de tal perda.
A jurisprudência tem vindo a suprir tal incerteza através do uso de fórmulas matemáticas para o cálculo de um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o provável período da vida activa do lesado, por forma a assegurar-lhe o rendimento anual perdido em resultado da sua incapacidade para o trabalho, do que são expressão, entre inúmeros outros, os arestos citados pela douta sentença recorrida. De entre as várias soluções propostas, tem encontrado difuso acolhimento o critério exposto e adoptado por Sousa Dinis (Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ-STJ, 2001, 1º, p 9 /10). Segundo esse critério, parte-se da determinação, por uma regra de três simples, do capital necessário para, à taxa de juro actualmente praticada para a remuneração da aplicação de poupanças, se obter o rendimento anual que a vítima deixou de auferir, em função da incapacidade de que ficou afectada. O valor assim encontrado seria após ajustado, em razão da circunstância de o lesado receber de imediato e de uma só vez o capital que receberia ao longo de muitos anos. O ajustamento proposto por aquele Autor seria a dedução àquela importância de ¼ do valor da mesma, proporção que pode, em concreto, ser susceptível de melhor concretização, dado que o benefício da antecipação que visa compensar não é constante, variando na razão directa do período de vida activa residual considerado para o cálculo. O juízo de equidade procurado em função da idade do lesado poderá, assim, com maior ajustamento, alcançar-se através de tabelas de provisões matemáticas ou da determinação e dedução da taxa média de capitalização financeira correspondente à totalidade do período de incapacidade a reparar no valor total dos rendimentos. O valor assim obtido será mínimo a considerar para apuramento do rendimento perdido, devendo, segundo juízos de equidade, ser finalmente temperado com outras circunstâncias concretamente reveladas, tais como o tipo de actividade exercido pelo lesado, a sua idade, e a maior ou menor facilidade de encontrar ocupação remunerada por um portador de idênticas lesões, e ainda situações em que o lesado se veja obrigado a aumentar as suas despesas da sua vida quotidiana e extra-profissional, por não poder, com o mesmo desempenho, realizar as correspondentes tarefas.
Assim, e no que toca à situação da Autora, o rendimento anual líquido a ter em conta será o de €7.553,52 (€629,46 por mês, incluindo duodécimos de subsídios de Natal e de férias X 12 meses). A totalidade das prestações mensais perdidas pela A. em consequência do coeficiente de IPP geral de 3% ao fim de 41 anos de vida activa residual (que a jurisprudência recente do Supremo tem vindo a fixar nos 70 anos de idade - Acs. de 30-06-2009, Proc.º 1995/05.3TBVCD.S1, de 22-01-2009, Proc.º 08P2499, de 14-02-2008, Proc.º 07B4508, de 10-01-2008, Proc.º 07B4606, todos acessíveis através de www.dgsi.pt) ascenderia a €9.290,83. Mesmo tomando em consideração todo o tempo residual de esperança média de vida para o sexo feminino – actualmente 83 anos – o valor obtido ascenderia a €12.236,70. Valores estes que não consideram sequer qualquer estimativa de dedução do benefício de antecipação, por referência à taxa de juro de remuneração das aplicações financeiras a prazo, actualmente cerca de 3% líquidos (oferecida por instituições bancárias, superior às dos certificados de aforro e do Tesouro).
Aceita-se que o valor das prestações mensais perdidas assim calculadas teria ainda que ser majorado de acordo com juízos de equidade, porquanto a autora era bastante jovem à data do acidente e o nível remuneratório muito modesto que auferia não era previsivelmente aquele que ao longo da carreira poderia auferir. Não obstante, crê se que carece de justificação a elevadíssima majoração – para próximo do dobro - do valor da indemnização pelo dano patrimonial futuro a que a primeira instância, de modo empírico, chegou, mostrando-se equilibrado o valor proposto pela ré, de €13.655,00, que ora se fixa.
Procedendo, nessa medida o recurso principal, e alterando-se em conformidade a decisão recorrida.
Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela ré e improcedente a apelação interposta pela autora, em consequência de que alteram a sentença recorrida, fixando agora em €13.655,00 (treze mil seiscentos e cinquenta e cinco euros) o valor da indemnização fixada pelo défice funcional permanente e dano biológico, e, consequentemente, em €25.396,89 € (vinte cinco mil trezentos e noventa e seis euros e oitenta e nove cêntimos) o montante da condenação nos termos de A) da parte decisória da sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
Porto, 30/1/2024
João Proença
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró