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LOCAÇÃO OPERACIONAL
CONTRATO ATÍPICO
REGIME JURÍDICO LEGAL APLICÁVEL
INCUMPRIMENTO
CLÁUSULA PENAL
Sumário
1. A “locação operacional” ou “operating leasing” distingue-se dos contratos de leasing em termos meramente negativos, por ser realizada por sociedades “não-financeiras”, porque a “renda”, ou o “aluguer”, não incorpora uma amortização e o locatário não tem opção de compra, sendo que o contrato, de forma externa e mais visível, contém em si todas as obrigações principais de um contrato de locação, podendo ter uma componente adicional de prestação de serviços. 2. No entanto, as prestações típicas duma relação locatícia só se compreendem no quadro da economia global do contrato, na medida em que estão sempre suportada numa prévia assunção de riscos financeiros pelo locador, com a aquisição dos bens locados no interesse essencial do locatário, o que no final influi necessariamente na disciplina jurídica estabelecida entre as partes. 3. Nessa medida, a regulação das consequências do incumprimento do contrato não são integralmente satisfeitos só pela mera disciplina geral do contrato de locação, que deve ceder na medida do necessário ao equilíbrio económico dos interesses subjacentes ao “financiamento indireto” verificado, que decorre duma assunção de riscos com a aquisição de um bem que foi realizada direta, e essencialmente, no interesse do locatário e só indiretamente no do locador. 4. Trata-se de um contrato legalmente atípico, ao qual se podem aplicar as disposições legais emergentes do regime geral da locação (v.g. Art.ºs 1022.º e ss. do C.C.), na medida em que respeitem a economia global e o conteúdo negocial unitário do contrato. 5. Estando subjacente ao equilíbrio económico deste concreto contrato de locação operacional que o locador se disponibilize a adquirir determinado bem, escolhido pelo locatário e no interesse exclusivo da atividade económica deste último, sendo que a coisa locada tem a natureza de um equipamento tecnológico, que se desatualiza com relativa facilidade, podendo tornar-se rapidamente ultrapassada ou obsoleta, por força dos progressos científicos, o que dificulta que, no final do contrato, possa de vir a ser locada a terceiros, sendo o preço de revenda residual ou pouco significativo, não pode ser considerada como desproporcionada, ao abrigo do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, a cláusula penal que determina que, em caso de incumprimento culposo do locatário, o mesmo tenha de pagar, a título de indemnização, um valor correspondente aos alugueres desde a data da resolução até ao termo do contrato, considerando que o valor total dos alugueres convencionados para a vigência do contrato é semelhante ao valor de aquisição do bem pelo locador. 6. A semelhança da posição jurídica do locatário comum relativamente à do locatário operacional, no momento em que o contrato cessou a sua vigência, ficando com a obrigação de restituição da coisa locada, permitem que se aplique por analogia a indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 2 do C.C..
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
GR, S.A. veio intentar a presente ação constitutiva e de condenação, em processo declarativo comum, contra S, Lda., pedindo que fosse julgada válida a resolução do Contrato de Locação n.º 111-021060 celebrado entre A. e R., comunicada por carta de 28/10/2019, com fundamento no incumprimento definitivo e culposo imputado à locatária, ora R., por falta de pagamento dos alugueres de Julho, Agosto e Outubro de 2019, o seguro pro rata para o período de 04/06 a 31/12/2019, os custos de avisos e juros de mora; e ainda que a R. fosse condenada a pagar à A. as quantias devidas nos termos do Contrato de Locação incumprido, respeitantes à indemnização/cláusula penal e juros de mora (vencidos e vincendos até integral pagamento), liquidados nos seguintes montantes: a) €17.502,95 (IVA incluído) ou, o valor líquido do IVA de €14.230,04 (se o Tribunal entender que o IVA não é devido), a título de indemnização/cláusula penal, correspondente ao valor dos alugueres, vencidos desde 01/11/2019 até ao “termo inicial” ajustado no Contrato de Locação, cujo vencimento antecipado ocorreu com a receção da comunicação de resolução, pela Locatária, em 28/10/2019; b) €4.576,66, respeitante aos juros mora vencidos, até 02/02/2023, liquidados nos termos convencionados no contrato à taxa de 8%; que a R. seja condenada a restituir à A. o bem locado e a suportar os custos de tal restituição; que a R. seja condenada a pagar à A. as quantias que se vierem a liquidar a final, no ato de pagamento voluntário ou em execução de sentença, a título de: c) juros de mora vincendos, desde 03/02/2023, até integral pagamento, a liquidar à taxa convencionada – taxa legal para operações comerciais de 8% - sobre a quantia do ponto a) do pedido; d) indemnização legal a que alude o Art. 1045.º n.º 2, do Código Civil, desde a data da sentença até efetiva restituição, ou desde 01/07/2023, se o Tribunal assim o entender, sendo o valor da indemnização correspondente ao dobro dos valores previstos para o aluguer mensal €646,82 (2 x 323,41€/mês – IVA não incluído) ou o proporcional diário 1/30 (€21,56 - IVA não incluído) por cada dia de mora na restituição até efetiva entrega à A.; e, subsidiariamente aos pedidos a) e d), caso o Tribunal não condene a R. nos mesmos, seja a R. ser condenada na indemnização legal prevista no Art. 1045.º n.º 2, do Código Civil, desde 08/11/2019 até efetiva restituição, no montante mensal de €646,82, correspondente ao proporcional diário de €21,56; e que seja a R. condenada nas custas.
Para tanto alegou ter celebrado com a R. um contrato de “locação clássica” nº 111-021060, por via do qual a A. cedeu o gozo do equipamento escolhido pela R., sendo que, em contrapartida, a R. assumiu a obrigação de pagar de 48 rendas mensais, no valor de €323,41, mais IVA.
Mais alega que a A. cumpriu o contrato, tendo adquirido e pago ao fornecedor o equipamento pretendido pela R. e, na qualidade de proprietária desse bem, cedeu, temporariamente, o seu gozo à R., tendo emitido e enviado a esta, que as recebeu, as faturas correspondentes ao valor do aluguer contratado. Porém, a R. não cumpriu o contrato, tendo deixado de efetuar o pagamento dos valores dos alugueres contratados, bem como dos custos e despesas inerentes ao contrato.
Como consequência da falta de pagamento dos alugueres, a A. resolveu o contrato de locação, por carta registada, datada de 28/10/2019, que enviou à R., reclamando o pagamento das faturas vencidas, os custos dos avisos, demais despesas administrativas, os juros de mora à taxa convencionada de 8% e os alugueres de Novembro de 2019 a Junho de 2023, vencidos antecipadamente e devidos pelo incumprimento contratual, solicitando a restituição dos bens locados. Porém, a R. nada pagou, nem restituiu os bens locados, sendo devida à A. indemnização pelo não cumprimento do contrato, correspondente à soma de todos os alugueres vencidos, desde 01/11/2019, e vincendos até ao fim do termo inicial do contrato, ou seja 30/06/2023, que se venceram antecipadamente em 28/10/2019, com a comunicação de resolução do contrato e que liquidou em €17.502,95 com IVA incluído, ou de €14.230,04, se o Tribunal entender que o IVA não é devido, indemnização essa que peticiona acrescida de juros.
Regularmente citada, a R. não contestou, vindo os factos alegados na petição inicial pela A. a ser julgados por confessados, nos termos do Art. 567.º n.º 1 do C.P.C., e ordenada a notificação das partes para apresentarem alegações (cfr. fls. 31).
Na sequência foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada, julgando válida a resolução do contrato de locação n.º 111-021060 celerado entre a A. e R., comunicada por carta de 28/10/2019, com fundamento no incumprimento definitivo e culposo imputado à R., por falta de pagamento dos alugueres de Julho, Agosto e Outubro de 2019, do seguro pro rata para o período de 04/06 a 31/12/2019 e os custos de avisos e juros de mora; condenando a R. a restituir à A. o bem locado e, a suportar os custos de tal restituição; mas absolveu a R. dos demais pedidos deduzidos pela A..
É dessa sentença que a A. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1.ª) A Locadora, ora Recorrente, adquiriu os bens escolhidos pela Locatária, ora Recorrida, pagou o preço de 15.867,00€ e disponibilizou-lhe os bens alugados em 03/06/2019, porque esta se obrigou a pagar no mínimo 48 alugueres mensais de 323,41€ (acrescidos do IVA), que permitiam amortizar integralmente o investimento feito com a aquisição e as despesas de execução do contrato, havendo uma margem de lucro após a renovação do contrato, se o contrato tivesse sido cumprido e se renovasse após os 48 meses, por sucessivos períodos de seis meses;
2.ª) Ao celebrar um contrato típico, as partes não ficam limitadas ou restringidas no teor das suas cláusulas, devendo estas contemplar a vontade das partes contratantes, dentro dos limites da lei, nos termos do Art. 405.º do Código Civil;
3.ª) Ao não cumprir o contrato de locação, fazendo apenas o pagamento de um único aluguer e do proporcional do aluguer referente ao período do mês de junho de 2019, a taxa de serviço e as despesas de celebração do contrato, a Locatária causou prejuízos danos emergentes e lucros cessantes que as partes contratantes liquidaram ab initio com a fixação de uma cláusula penal, que seria acionada em caso de resolução do contrato, correspondente à indemnização compensatória liquidada pela soma de valor dos alugueres vincendos, desde a resolução até ao termo inicial do contrato;
4.ª) A ora Recorrente liquidou na p.i., no art. 43.º, a indemnização compensatória/cláusula penal com o IVA incluído;
5.ª) A indemnização compensatória/cláusula penal constante do pedido da Autora, nos termos do art. 810.º e 811.º do Código Civil, podendo ser liquidada com o IVA no montante de 17.502,95€ ou se tal for doutamente decidido, isenta de IVA, no montante de 14.230,04€, não sendo desproporcionada, nem excessiva, nem viola a boa-fé a respetiva cláusula contratual 12.ª das Condições Gerais de Locação;
6.ª) A cláusula contratual correspondente à Secção 12.ª dos Termos e Condições Gerais de Locação não é contrária à boa fé, pois consta escrita do contrato, está provada documentalmente e foi aceite expressamente pela Locatária, ora Recorrida, quando celebrou o contrato de Locação, não havendo fundamento legal para a exclusão dos Termos e Condições Gerais de Locação;
7.ª) A cláusula penal em causa é insuscetível de ser considerada excessiva, desproporcionada ou contrária à boa fé, já que os bens locados para serem disponibilizados à Recorrida, em 04/06/2019, implicaram o pagamento de 15.867,00€, e esta praticamente nenhuma quantia pagou à Recorrente apesar de continuar desde 08/11/2019 a dispor dos bens, e quando forem restituídos, se algum dia o forem, já que a Recorrida poderá já ter encerrado o estabelecimento comercial e nunca veio sequer dar qualquer justificação ao Tribunal, relativa que fosse ao seu incumprimento, não terão valor comercial e não serão novamente alugados a terceiros, acrescido do facto do valor do IVA, ser for julgado como sendo devido, sempre será destinado ao Estado, não podendo respetivo montante do IVA, correspondente à carga fiscal existente relativa a tal imposto, ser suscetível de considerar excessiva a cláusula penal;
8.ª) A cláusula contratual constante da Secção 12.ª dos Termos e Condições Gerais de Locação não viola os artigos do DL n.º 446/85 referidos na sentença recorrida, nem a boa fé, pelo que a sentença recorrida ao julgar inválida a cláusula penal convencionada, viola o art. 405.º, 810.º e 811.º do Código Civil e aplica incorretamente os artigos 5.º, 8.º, 15.º, 16.º, 19.º, al. c) e 20.º do DL 446/85, devendo por tal a sentença ser parcialmente revogada na parte em que julgou nula a cláusula contratual e absolveu a Ré do pedido quanto aos alugueres vincendos;
9.ª) Os mesmos fundamentos, para defender a validade da cláusula prevista na secção 12 do contrato de locação, podem ser utilizados para defender a validade da cláusula 13, os quais aqui se dão por reproduzidos;
10.ª) Se porventura o contrato se mantivesse válido tal período de tempo deveria ser paga a renda devida. Então se assim é, não parece apresentar lógica o seu contrário. Isto é, se por culpa da Locatária ocorreu a resolução do contrato, precisamente pela falta de pagamento do respetivo aluguer, não parece fazer sentido, nem lógico, nem jurídico, que durante o período em que ainda utiliza o equipamento fique «dispensada» desse pagamento de aluguer;
11.ª) A atividade económica do aluguer de equipamentos eletrónicos comporta riscos elevados para as locadoras, resultantes, a um tempo, do próprio desgaste desses mesmos equipamentos, que estão a ser utilizados na prossecução da atividade comercial das Locatárias, e, a outro, da vultosa mobilização de capitais que a sua aquisição implica;
12.ª) E, para além do referido desgaste, não raro a própria evolução da técnica torna aqueles equipamentos obsoletos quando se atinge o termo contratual;
13.ª) Se o locatário incumprir, o locador terá necessariamente de suportar os encargos acrescidos inerentes à realização do seu direito de crédito;
14.ª) Para além disso, importará não olvidar o tempo que necessariamente decorre entre a comunicação da resolução contratual e a efetiva recuperação do equipamento e o recebimento das quantias em dívida, durante o qual a locadora está desembolsada dos alugueres, enquanto o locatário continua a utilizar o objeto locado. Aliás, o equipamento ainda não foi restituído, sem que a Locadora tenha recebido qualquer quantia por parte da Locatária, aqui Recorrida;
15.ª) Perante o condicionalismo sumariamente exposto, devemos concluir que a assinalada cláusula não se revela em abstrato desproporcionada aos danos que visa ressarcir, mostrando-se a sua inclusão contratual perfeitamente justificada à luz do princípio da autonomia da vontade – artigo 405º do Código Civil;
16.ª) E bem se compreende esta solução uma vez que o locatário continua a utilizar a coisa locada, sem justo motivo, bem sabendo que a deve entregar;
17.ª) A indemnização compensatória peticionada, tanto a título de pedido principal, como de pedido subsidiário, e prevista no contrato deve ser julgada procedente tal como foi muitas dezenas de sentenças proferidas em 1.ª instância, por Tribunais de norte a sul do país, bem como nos treze acórdãos e decisões do Tribunal da Relação de Lisboa identificados nas alegações, por ambas serem legais e proporcionais aos danos a ressarcir;
18.ª) Ao não condenar a Ré na quantia peticionada a título de cláusula penal, tanto a título principal, como a título de pedido subsidiário, a sentença recorrida julgou incorretamente os factos alegados e violou as disposições legais previstas nos artigos 405.º, 810.º, 811.º, todos do Código Civil;
19.ª) A Recorrida deverá ser condenada no pagamento à Recorrente da cláusula penal ajustada, com ou sem IVA conforme for o douto entendimento do Tribunal da Relação, acrescida de juros à taxa convencionada da taxa de juros para operações comerciais; ou subsidiariamente no valor a título de indemnização, no montante correspondente ao dobro do valor do aluguer, desde a data de resolução do contrato até à entrega do equipamento à Autora, aqui Recorrente, que se apurar em liquidação de execução de sentença;
20.ª) A reposição da situação que existia implica o ressarcimento dos danos através do pagamento da indemnização compensatória convencionada, correspondente às previsões contratuais nas cláusulas 12 e 13 dos Termos e Condições Gerais do Contrato, ao abrigo da liberdade contratual, devendo a assim a sentença ser revogada na parte que não condenou a Ré no valor referente à cláusula penal, a título de pedido principal; ou a título subsidiário no pedido de pagamento da indemnização; e, tanto mais que a Recorrida ainda não restituiu os bens alugados, desconhecendo-se se algum dia os restituirá;
21.ª) A Recorrida deverá ser exclusivamente responsável pelo pagamento das custas judiciais, já que a elas exclusivamente deu causa com o seu incumprimento do contrato de locação.
Pede assim que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, que seja revogada a sentença na parte que considerou nulas as cláusulas 12.ª e 13.ª dos Termos e Condições Gerais do Contrato, e absolveu a Recorrida dessas mesmas quantias.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a questão essencial a decidir é a validade das cláusulas contratuais penais convencionadas no contrato de locação dos autos e se é devido o pagamento das indemnizações, nos termos peticionados.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1. A A. é sociedade que tem por objeto “aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, atividades relacionadas e revenda de equipamentos usados. Aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, prestação de consultoria de serviços relativos a manutenção e reparação de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados, aquisição e venda de imóveis.”.
2. A R. é sociedade que tem por objeto “Clínicas Médicas. Prestação de serviços médicos, médico dentários, odontologia e enfermagem Fabricação, comércio e aluguer de equipamentos, produtos e artefactos médico-dentários. Formação profissional”. Pelo que, em Junho de 2019, procurou dotar as suas instalações com imagem 3D portátil, com o n.º de série 6096387, composto pelos seguintes equipamentos: câmara 3D lifeViz Mini package, módulo 3D Analyses e 3 chaves de acesso, para o exercício da respetiva atividade.
3. Para poder utilizar equipamentos pretendidos, em Junho de 2019, a R. contactou ou foi contactada pela sociedade imagem 3D portátil, com o n.º de série 6096387, composto pelos seguintes equipamentos: câmara 3D lifeViz Mini package, módulo 3D Analyses e 3 chaves de acesso, enquanto fornecedora dos equipamentos pretendidos, tendo tomado conhecimento dos preços dos equipamentos e dos respetivos modelos e especificações técnicas.
4. Os equipamentos que a R. pretendeu utilizar e escolheu foram câmara, os 3D lifeViz Mini package, módulo 3D Analyses e 3 chaves de acesso.
5. Os equipamentos pretendidos pela R. tinham, em Junho de 2019, o valor comercial de €15.867,00.
6. A R. poderia adquirir esses equipamentos por compra a efetuar diretamente à empresa fornecedora escolhida, V, Lda., mediante o pagamento do respetivo preço de €15.867,00.
7. Em alternativa à aquisição, a R. poderia utilizar esses equipamentos, se os mesmos lhe fossem disponibilizados através de aluguer, mediante o pagamento de alugueres.
8. A R. optou pelo aluguer do referido equipamento, tendo então tido conhecimento da A., como sendo uma empresa que compra e aluga os equipamentos que forem escolhidos, a quem os pretenda utilizar.
9. Foi assim que, no âmbito da sua atividade comercial, a A. recebeu um “pedido de locação”, apresentado pela fornecedora V, Lda., na qual estava interessada a R., como proponente locatária.
10. O “pedido de locação” é submetido através do portal da A., disponibilizado a qualquer potencial fornecedor, em formulário eletrónico próprio, onde a fornecedora indicou a denominação, NIPC/NIF e morada da cliente interessada no aluguer, a R., indicou o tipo de equipamentos escolhido, o preço de aquisição a ser pago pela locadora, a A., para a disponibilização dos bens, e prazo pretendido entre 12 a 60 meses.
11. A fornecedora dos equipamentos escolhidos pela R., apresentou um pedido destinado ao equipamento, tendo a A. analisado a viabilidade/solvabilidade da cliente R. interessada no aluguer para o pagamento dos alugueres e, comunicado eletronicamente à fornecedora a aceitação do pedido, tendo sido gerada a proposta de acordo, denominada como “Locação Clássica – Contrato de Locação para Clientes Empresariais” que se destinava à celebração de acordo de aluguer, constando da dita proposta a identificação da interessada como locatária – a ora R. –; a descrição abreviada dos equipamentos locados; a identificação do fornecedor dos equipamentos; a duração/termo inicial do acordo (48 meses); o valor do aluguer mensal líquido - €323,41 -, acrescido do IVA, nos temos do escrito n.º 1 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido.
12. A R. analisou o acordo proposto, não colocou qualquer pedido de esclarecimento e aceitou a proposta de acordo referida em 11) disponibilizada pela A., tendo dado autorização de débito direto à locadora, assinado nos locais onde deveria assinar e assim formalizado o acordo, a que foi atribuído o número 111-021060.
13. O acordo referido em 12) foi assinado pelos legais representantes da R. e foi de seguida entregue pela fornecedora à A., com a fatura n.º 2019/3, de 03/06/2019, destinada à venda dos equipamentos alugados, emitida pela fornecedora à R..
14. O acordo referido em 12) já assinado pela R., foi recebido pela A. e, por esta assinado na qualidade de Locadora, confirmada que foi a entrega dos equipamentos alugados, pelo escrito assinado, correspondente à Confirmação de Entrega e Aceitação, de 04/06/2019 e, entregue o comprovativo do IBAN para o Débito Direto.
15. O acordo referido em 12), prevê, além do mais: a identificação da Locatária, como sendo a R.; e a Locadora, como sendo a A.; a identificação do fornecedor dos equipamentos como sendo V, Lda.; a descrição abreviada do equipamento alugado como “sistema de imagem 3D portátil médico”; a duração inicial do acordo como sendo por 48 meses, o aluguer mensal líquido no montante de €323,41, acrescido do IVA (à taxa legal aplicável), sendo o montante do aluguer mensal ilíquido, à data da assinatura do acordo, de €397,79; e que o pagamento dos alugueres seria efetuado mensalmente, por débito direto.
16. Os equipamentos alugados e respetivo fornecedor foram escolhidos pela Ré, tendo a mesma recebido os equipamentos, em 04/06/2019, os quais foram apenas por si inspecionados, tendo a mesma declarado, com a assinatura da Confirmação de Entrega e Aceitação, que se encontravam em condições e estado de funcionamento, e que verificou que correspondiam às especificações técnicas, de qualidade e performance asseguradas pelo fornecedor.
17. Da respetiva fatura da fornecedora consta a descrição dos equipamentos alugados e, que foram entregues à R., os quais foram adquiridos pela Locadora e pago o preço pela A., de €15.867,00, com a finalidade exclusiva de serem alugados à R..
18. O proporcional do aluguer do mês de Junho de 2019, taxa de serviço e despesas de celebração do acordo, foram pagos por débito direto.
19. Após ter sido confirmada a entrega dos equipamentos à R. a da receção pela A. do acordo assinado, a A. emitiu e enviou à R. faturas.
20. A R., pagou o proporcional do aluguer vencido de 04/06 a 30/06/2019 e o aluguer vencido de Setembro de 2019, ficando em dívida os alugueres vencidos de Julho, Agosto e Outubro de 2019, o seguro pro rata para o período de 04/06 a 31/12/2019, os custos de avisos e juros de mora, tendo as entradas de débito direto sido devolvidas por falta de provisão.
21. Durante a vigência do acordo referido em 12), a R. foi interpelada, além de outras, por cartas de 12/08/2019, 11/09/2019 e em 10/10/2019, que implicaram despesas de €110,70 e, a devolução de débitos direto, um custo de €4,31 que a A. imputou à R. nas cartas de interpelação e, que estão previstos no acordo e preçário da A., serem devidos pela R..
22. Como os alugueres vencidos de Julho, Agosto e Outubro de 2019, o seguro pro rata para o período de 04/06 a 31/12/2019, os custos de avisos e juros de atraso não foram pagos, a A. enviou por correio registado com aviso de receção, em 28/10/2019, a comunicação de “resolução” do acordo referido em 12), tendo reclamado o pagamento das faturas vencidas, os custos dos avisos e despesas administrativas, os juros de mora à taxa convencionada de 8% e, os alugueres de Novembro de 2019 a Junho de 2023, vencidos “antecipadamente e devidos pelo incumprimento contratual” e, solicitado a restituição dos equipamentos alugados.
23. A carta referida em 22) foi enviada para o domicílio convencionado, não tendo a R. restituído os equipamentos até 12/11/2019, nem realizado qualquer pagamento após a “resolução” do acordo.
24. Na comunicação referida em 22), solicita-se que o equipamento alugado fosse devolvido e entregue à A., por conta e risco da R., até ao dia 08/11/2019, indicando-se a sede da A., em Lisboa, como sendo o local onde deveriam ser restituídos.
25. Após a “resolução” do acordo referido em 12), a R. não pagou, nem restituiu o equipamento alugado.
26. Na comunicação referida em 22) foi reclamado o pagamento da fatura dos alugueres em dívida, os custos de avisos (€12,30), custos de aviso e gestão de cobrança pela intervenção da Intrum, S.A. (€110,70), os custos de retorno de entradas de débito direto (€4,31), e as indemnizações correspondente ao valor dos alugueres que se venceram antecipadamente, identificados na Conta Corrente anexa às cartas, cujos montantes totais ascendiam, à data da carta, €18.980,05 (IVA incluído).
27. A R. tinha a possibilidade de tornar ineficaz a “resolução” do acordo, se efetuasse o pagamento dos alugueres vencidos acrescidos de uma penalização de 50% sobre esse valor, não o tendo feito.
28. A comunicação referida em 22) foi acompanhada por dois anexos:
- Anexo 1: Extrato de Conta Corrente com montantes em dívida;
- Anexo 2: Minuta de Formulário de Acompanhamento para a Devolução/Restituição de Bens, para serem preenchidos, assinados, remetido por fax e juntos a acompanhar a devolução dos bens locados, o que não ocorreu.
29. O equipamento alugado não foi restituído até 02/02/2023.
30. O equipamento do tipo do alugado locado está em constante evolução, aparecendo no mercado novos modelos e tecnologias, não existindo procura deste tipo equipamentos no estado de usados.
31. O valor dos alugueres e a duração do acordo ajustado tiverem em consideração o preço da aquisição do equipamento alugado escolhido pela R., as despesas normais de execução do acordo, havendo por parte da A. a expectativa que se o acordo fosse cumprido e se se renovasse, pudesse obter lucro com o negócio.
32. A A. obteve a condenação da R. no pagamento das faturas a título de rendas vencidas até à data da “resolução” e custos administrativos, através da instauração de um procedimento de injunção.
33. Da cláusula 12. das Condições Gerais do acordo referido em 12) consta: “A GR tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a GR adquiriu o OL no interesse do Locatário, ii) o custo financeiro com a aquisição com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direto de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. Este valor será devido no momento da receção da notificação da resolução ou da comunicação da denúncia.”.
34. Da cláusula 13. das Condições Gerais do acordo referido em 12) consta: “Após o recebimento da notificação de resolução do contrato por incumprimento, o Locatário perde o seu direito de posse do OL, devendo devolver o OL à GR. Se o Locatário não devolver o OL após a cessação do contrato, deverá pagar à GR o equivalente a 1/30 ou 1/90 do valor do dobro da renda mensal ou trimestral acordada para o período inicial de locação por cada dia adicional até que o OL seja devolvido.”.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pelo presente recurso a Recorrente apenas põe em causa a parte da sentença recorrida que absolveu a R. dos pedidos de indemnização que a A. formulou na petição inicial, por referência às cláusulas contratuais penais convencionadas nos pontos 12 e 13 do contrato identificado como “locação clássica” n.º 111-21060, celebrado entre ambas as partes.
A sentença recorrida absolveu a R. desses pedidos de indemnização por considerar que no contrato se previam duas cláusulas penais com finalidades similares, o que seria manifestamente contrário ao disposto no Art. 810.º n.º 1 do C.C., sendo as mesmas, em qualquer caso, proibidas nos termos dos Art.s 12.º e 19.º n.º 1 al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, por serem desproporcionadas aos danos que visam ressarcir. Por um lado, porque a cláusula 12 obriga ao pagamento de todas as prestações convencionadas, como se o contrato tivesse sido cumprido, com a vantagem da antecipação imediata do valor de todos os alugueres, com proveito do juro calculado para o tempo de duração do contrato. Por outro, porque se obriga ao pagamento dos alugueres, mesmo que não tenha a disponibilidade do bem, acabando por se consagrar um benefício para o locador superior ao que resultaria do cumprimento do contrato. Por outro lado ainda, as cláusulas penais seriam ainda agravadas pelo pedido de pagamento da indemnização prevista no Art. 1045.º n.º 2 do C.C. desde a data da sentença até à efetiva restituição do equipamento locado, ou desde 1/7/2023, se o tribunal assim o entendesse, realçando que a renda engloba o pagamento dos encargos do locador e o lucro com a operação, devendo afastar-se a aplicação do disposto naquele normativo legal a este tipo de contratos.
A recorrente não concorda com esta apreciação jurídica, porque adquiriu os bens por €15.867,00, com a obrigação específica da locatária pagar 48 alugueres mensais no valor de €323,41, mais IVA, num total de €15.523,68, acrescidos de IVA, não tendo a R. cumprido o contrato, nem restituído esse equipamento, que continua na sua posse. Sustenta ainda que as cláusulas penais foram livremente convencionadas pelas partes, não havendo desproporcionalidade na sua aplicação, como reiteradamente vem sendo decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que não foi suscitada essa questão pela R., que não contestou a ação e aceitou a existência da dívida. Acresce que, as sanções penais cumprem a função de dissuasão do incumprimento e de prefixação do valor da indemnização devida, satisfazendo as finalidades típicas desse tipo de estipulações.
Apreciando, temos de partir da consideração de que foi celebrado entre A. e R. um contrato, identificado como “Locação Clássica”, a que foi atribuído o n.º 111-21060, o qual tinha por objeto um “sistema de imagem 3D portátil médico”, sendo esse acordo estabelecido pelo prazo de 48 meses, mediante o pagamento de rendas mensais de €323,41, a cargo da R. (cfr. doc. n.º 1 junto de fls. 13 a 14).
Este contrato contém, portanto, em si mesmo, as obrigações típicas de um contrato de locação de bens móveis, tal como o mesmo é definido no Art. 1022.º do C.C..
No entanto, ele nasceu num quadro negocial muito específico que lhe confere caraterísticas distintivas muito próprias que o afastam duma simples locação de bens.
Desde logo veja-se que é manifesto que a A. não tem qualquer interesse próprio na aquisição de equipamentos destinados a utilização médica, porque não exerce essa atividade.
A atividade da A. consiste, na prática, no disponibilizar-se a adquirir esses, ou outros tipos de bens, no interesse das empresas que, não podem, ou não querem, adquirir os mesmos, mas têm necessidade deles para a prossecução das suas respetivas atividades.
Acresce que, no caso concreto dos autos, foi a própria R. quem encontrou o fornecedor dos bens e propôs à A. que adquirisse esses equipamentos, com vista a que esta lhe proporcionasse o gozo dos mesmos, mediante o pagamento duma retribuição mensal fixa e durante um determinado prazo.
Neste contexto, dir-se-á que a A. atua num segmento do mercado que de algum modo é concorrente com o das sociedades financeiras que se dedicam, por exemplo, à celebração de contratos de leasing ou outros tipos de contratos de crédito para aquisição de equipamentos, embora não seja uma sociedade financeira ou “para-bancária”.
Em suma, a A. dedica-se à compra para aluguer de equipamentos, satisfazendo o interesse doutras empresas que não pretendem, por si mesmas, adquirir esse tipo de bens, optando antes por alugá-los, auxiliando desse modo, em termos meramente operativos e indiretos, no financiamento, gestão e controlo de custos das suas atividades económicas. No entanto, a A. não pode celebrar contratos de crédito, ou de natureza financeira, porque essa atividade está excluída do seu objeto social e só pode ser prosseguida por sociedade financeiras, como decorre do Art. 8.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 298/92 de 31/12, que aprovou o Regime Jurídico das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.
Refira-se ainda que o contrato dos autos não prevê qualquer opção de compra a favor do locatário, mas é prevista a possibilidade de renovação do prazo de duração da locação (cfr. cláusula 2 das condições gerais do doc. n.º 1 a fls. 13 verso). Pelo que, estamos longe dos contratos de leasing, ou de locação financeira, que integram o objeto social típico e exclusivo de sociedades financeiras (cfr. Art. 4.º n.º 1 al. p) do Dec.Lei n.º 298/92 de 31/12), mas estamos muito perto dos simples contratos de locação (cfr. Art. 1022.º do C.C.).
A A., como resulta da sua denominação social, não é uma sociedade financeira, mas sim uma empresa de “renting”, que se dedica a uma atividade de locação para fins operacionais, sendo esse o tipo de contratos de locação que está especialmente habilitada celebrar.
A esse tipo de contratos também costuma dar-se a designação de “locação operacional” ou “operating leasing”, sendo a sua delimitação objetiva, relativamente aos contratos de leasing, feita em termos meramente negativos, por ser realizada por sociedades “não-financeiras”, porque a “renda”, ou o “aluguer”, não incorpora uma amortização e o locatário não tem opção de compra, sendo o contrato configurável no nosso direito fundamentalmente como uma locação, podendo ter uma componente adicional de prestação de serviços (Vide, a propósito: Carlos Ferreira de Almeida in “Contratos II, Conteúdo, Contratos de Troca”, Almedina, pág. 219 e Ac. T.R.L. de 23/11/2010, Proc. n.º 2357/08.6TJLSB.L1-1, Relator: António Santos, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, a conceptualização deste tipo de contratos é algo esquiva, havendo quem ponha o assento tónico na necessidade da existência da obrigação acessória relativa à assistência técnica aos próprios bens locados, que se admite poder ser subcontratada pela locadora (cfr. Gravato de Morais in “Manual de Locação Financeira”, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 62, e Ac. T.R.L. de 07/06/2016 - Proc. n.º 1449/14.7TJLSB.L1-7 – Relatora: Maria do Rosário Morgado ou o Ac. T.R.L. de 26/05/2008 – Proc. n.º 3513/2008-6 – Relator Granja da Fonseca, disponíveis no mesmo sítio). Mas, outros existem, que relevam mais o aspeto relativo ao financiamento indireto duma atividade económica pela cedência do gozo de um bem, como é disso exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/05/2022 (Proc. n.º 679/22.2.T8TVD.L1-7 – Relator: Edgar Taborda Lopes, disponível no mesmo sítio), em cujo sumário se pode ler: «IV – A locação operacional, vulgo, renting, é um contrato atípico e misto (que não se subsume, nem a locação, nem ao leasing), que tem como finalidade económico-social a “cedência operacional” do uso de um bem móvel, como finalidade acessória o “financiamento da disponibilidade” do bem locado e como finalidade eventual a “aquisição da propriedade” findo o período contratual. V – No contrato de renting o locador, assume - por norma - a obrigação de manutenção, reparação e substituição do bem, ficando o locatário desonerado dos riscos inerentes à sua propriedade. VI – As diferenças entre leasing e locação operacional demonstram estarmos diante de realidades diferentes, estruturalmente diferentes e mesmo subjetivamente diferentes: na locação operacional (qualificada como contrato de aluguer com eventual componente adicional de prestação de serviços) há uma estrutura bilateral, o locador não é entidade financeira, a renda não se destina a amortização, não há opção de compra e o contraente – socialmente – não o toma (como acontece com o leasing) como um contrato de financiamento».
Aceitando-se esta apontada atipicidade do contrato de locação operacional, na estrita medida em que se reconhece que a sua causa-função está ligada a uma realidade económico-social específica que lhe confere um certo cunho próprio e distintivo relativamente à locação pura e simples, o problema que depois se coloca é o da determinação do seu regime jurídico.
Não há dúvida que o contrato de locação operacional contém essencialmente, na sua vertente externa mais visível, as prestações típicas de um contrato de locação, mas está-lhe subjacente uma realidade económico-social, que é conhecida e pressuposta por ambas as partes, em que assume particular relevância a questão do financiamento indireto e temporário do uso de determinados bens para o exercício de certa atividade empresarial, com repercussões na assunção dos riscos ou custos relacionados com a manutenção técnica desses bens, o que confere alguma complexidade e autonomia própria a essa relação contratual de base locatícia.
O que nos conduz à problemática dos contratos mistos, que pressupõem a fusão de dois ou mais tipos de contratos, ou de partes de contratos diferentes, ou a inclusão num contrato de aspetos próprios de outro ou outros (Vide: Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, 6ª Ed., pág. 69), relacionada com a qual está o já referido problema da determinação do concreto regime jurídico a que esse tipo de relação jurídica poderá ficar subordinada.
Neste particular, a doutrina apresenta grandes flutuações terminológicas na qualificação das várias modalidades que os contratos mistos (em sentido amplo) podem assumir no quadro do exercício da autonomia privada, da liberdade contratual e da livre estipulação (cfr. Art. 405.º do C.C.).
Por exemplo, Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pág.s 281 e ss.), distingue, a este propósito, numa primeira linha, a mera junção da coligação ou união de contratos.
Na junção de contratos existem contratos distintos em que o vínculo que os une é puramente acidental e, portanto, essa situação não influi no regime jurídico dos contratos abrangidos, aos quais se aplicam a regras típicas estabelecidas na lei para cada um deles. Para caracterização desta situação, uma parte da doutrina utiliza para estes casos a terminologia de “união externa” de contratos (vide, a propósito: Pedro Pais de Vasconcelos in “Contratos Atípicos”, pág.s 217 e ss.).
Na coligação ou união, os contratos mantêm a sua individualidade, mas encontram-se ligados por um nexo funcional que influi na sua disciplina, existindo, portanto, uma relação de interdependência entre eles. Essa relação de interdependência pode revestir várias formas. Por exemplo: um contrato funcionar como condição, ou como cláusula acessória, ou como contraprestação ou motivo do outro (Vide: Antunes Varela in Ob. Loc. Cit.). A este propósito, parte da doutrina utiliza a terminologia de “união interna”, podendo mesmo discriminar nestas situações a existência duma “união alternativa” (Vide: Pedro Pais de Vasconcelos, in Ob. Loc. Cit.).
Da junção ou da coligação de contratos distinguem-se os contratos mistos em sentido estrito. O que distingue os contratos mistos em sentido estrito da mera coligação é que aqueles determinam a perda de autonomia de cada contrato nele integre no esquema negocial unitário (Antunes Varela, Ob. cit., pág. 284). Ou seja, os elementos típicos de cada contrato ficam descaracterizados na sua causa-função típica enquanto parte integrante do conteúdo negocial unitário do contrato (misto).
A determinação da natureza do acordo estabelecido, para efeitos da ponderação de nos encontrarmos perante um contrato misto em sentido estrito ou uma mera coligação de contratos ou junção de contratos, depende da consideração dos seguintes critérios auxiliares: a) a unidade da contraprestação face á pluralidade de prestações da outra parte; e b) o esquema económico unitário de forma a que se possa concluir que a parte obrigada a realizar várias prestações as não queira negociar separada e isoladamente, mas apenas em conjunto.
Como referido, existe uma grande flutuação terminológica na doutrina sobre a classificação destas relações contratuais mistas, não sendo sempre fácil o seu enquadramento jurídico.
No caso dos contratos de locação operacional, e muito em particular no do contrato dos autos, como já realçámos, existe um contrato base de locação que assenta numa realidade económica de financiamento indireto à atividade do locatário, que passa pela cedência do gozo de determinado equipamento destinado ao exercício da sua atividade, mediante a sua prévia aquisição pelo locador, com os consequentes custos administrativos e de financiamento a ela inerentes.
Existe evidentemente uma natural maior visibilidade nesta relação contratual da relação de natureza locatícia, no que se refere às prestações principais imediatas acordadas, mas estas só se compreendem no quadro da economia global do contrato, na medida em que estão sempre suportada numa prévia assunção de riscos financeiros pelo locador, com a aquisição dos bens locados no interesse essencial do locatário, o que no final influi necessariamente na disciplina jurídica estabelecida entre as partes. É isso que resulta claro, por exemplo, da cláusula 12.ª do contrato junto aos autos, que adiante melhor será explicitada.
Nessa medida, a regulação dos riscos do incumprimento do contrato não são integralmente satisfeitos só pela mera disciplina geral do contrato de locação, que deve ceder na medida do necessário ao equilíbrio económico dos interesses subjacentes ao “financiamento indireto” verificado, que decorre duma assunção de riscos com a aquisição de um bem que foi realizada direta, e essencialmente, no interesse do locatário e só indiretamente no do locador.
Estamos assim no quadro duma figura jurídica assimilável a um contrato misto em sentido estrito, considerada por contraposição às figuras da coligação (união) ou da mera junção de contratos.
Quanto ao regime jurídico aplicável a este tipo de contratos atípicos, em tese contrapõem-se as teorias da absorção, da combinação, da analogia e da criação jurídica (Vide, a propósito: Pedro Pais de Vasconcelos in “Contratos Atípicos”, pág. 230 e ss.).
Havendo várias flutuações doutrinárias relativamente a esta matéria, poderemos dizer que assentamos nas seguintes diretrizes de base: 1) Por regra deverá respeitar-se, em primeiro lugar, a vontade dos contraentes na regulação dos seus interesses (Art. 405.º do C.C.); 2) Subsidiariamente, na falta de estipulação das partes, deverá optar-se pela solução emergente da teoria da absorção, se existir um contrato principal que se sobreponha à regulação das estipulações com natureza meramente acessória emergentes de contratos diferentes, sem prejuízo do regime jurídico aplicável a essas estipulações poder ser tido em conta, na medida que não contrarie diretamente o regime do contrato principal (cfr. Art. 1028.º n.º 3 do C.C.); 3) Em alternativa, não havendo um contrato principal, aplicar-se-á a cada uma das prestações estabelecidas no contrato o regime jurídico do respetivo contrato donde emergem (cfr. Art. 1028.º n.º 1 do C.C.); 4) Finalmente, constatando-se não haver regulamentação específica ou adequada aos interesses em jogo, poderá então recorrer-se à analogia ou, eventualmente, à criação da regulamentação jurídica tida por mais adequada, caso essa situação concreta tivesse sido pensada pelas partes antes (vide, a propósito, entre outros: Antunes Varela, Ob. cit., pág. 290 e ss. e Pedro Pais de Vasconcelos, in Ob. Loc. Cit. pág. 231).
Dito isto, em termos sucintos, neste contrato, como no de locação simples, as obrigações principais assumida pelo locador são as de entrega da coisa locada, aqui precedida da sua aquisição, e da consequente obrigação de proporcionar o gozo da mesma pelo período convencionado (cfr. Art. 1031º al.s a) e b) do C.C.). Em contrapartida, a obrigação principal do locatário é a de pagar o correspetivo aluguer (Art. 1038º al. a) do C.C.), para além de, no final do contrato, estar também obrigado a restituir a coisa locada ao seu legítimo proprietário (Art. 1038º al. i) do C.C.).
Quanto a estas obrigações faz todo o sentido a aplicação do regime jurídico geral do contrato de locação (cfr. Art.s 1022.º e ss. do C.C.), até por ser conforme às cláusulas especificamente convencionadas entre as partes, ao abrigo da autonomia privada, da liberdade contratual e da livre estipulação (cfr. Art. 405.º do C.C.).
No caso, a A. cumpriu as suas prestações principais, mas a R. não pagou os alugueres convencionados, ficando assim em mora (cfr. Art.s 804.º, 805.º n.º 2 al. a) e 806.º do C.C.). O que, tendo-se prolongado por mais de dois alugueres, legitimou a resolução do contrato, por iniciativa da locadora, por incumprimento imputável à locatária (cfr. cláusula 12 das condições gerais – doc. 1 a fls. 13 verso – e Art.s 406.º, 432.º, 436.º n.º 1, ou se assim melhor se entender, conjugando com o disposto nos Art.s 1047.º e 1048.º n.º 1 do C.C.), tendo a A. direito à consequente restituição dos equipamentos locados (cfr. cláusula 15.ª – doc. n.º 1 a fls. 14 – e Art. 1038.º al. i) do C.C.).
Quanto a estes pontos não há qualquer litígio, tendo a sentença reconhecido estes direitos à A., aqui Recorrente.
O problema só se coloca relativamente às consequências “indemnizatórias” do incumprimento definitivo do contrato, mais concretamente o que ficou estabelecido nas cláusulas contratuais gerais n.º 12 e 13 no contrato dos autos.
Assim, na cláusula 12.ª (cfr. doc. n.º 1 a fls. 13 verso) ficou estabelecido o seguinte: «A GR [correspondente à identificação da A. no contrato] tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. «Tendo em conta «i) que a GR adquiriu o OL [Objeto Locado] no interesse do Locatário, «ii) o custo financeiro com a aquisição com a aquisição do OL e a sua perda de valor e «iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, «se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. «O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. Este valor será devido no momento da receção da notificação da resolução ou da comunicação da denúncia».
Ou seja, a consequência da resolução do contrato, tal como convencionada entre as partes, é que a locatária terá de pagar uma indemnização equivalente ao cumprimento de todos os alugueres convencionados até ao termo do contrato, continue, ou não, no gozo da coisa locada, havendo um direito à exigência antecipada de todas essas prestações duma só vez.
Já na cláusula 13.ª (idem – doc. n.º 1 a fls. 13 verso) consta o seguinte: «Após o recebimento da notificação de resolução do contrato por incumprimento, o Locatário perde o seu direito de posse do OL, devendo devolver o OL à GR. Se o Locatário não devolver o OL após a cessação do contrato, deverá pagar à GR o equivalente a 1/30 ou 1/90 do valor do dobro da renda mensal ou trimestral acordada para o período inicial de locação por cada dia adicional até que o OL seja devolvido».
Ou seja, cumulativamente com a obrigação de pagamento dos valores correspondentes aos alugueres até ao termo inicial do contrato, tem ainda a locatária de pagar uma indemnização igual ao dobro (diário) do valor acordado a título de aluguer, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do equipamento locado, contados da data da resolução do contrato.
Esta regulação das consequências do incumprimento da locatária é claramente mais gravosa que a que decorreria da aplicação ao caso do regime jurídico do contrato de locação, pois o que resulta do Art. 1045.º do C.C. é que se a coisa locada não for restituída, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar o valor da renda ou aluguer até ao momento da restituição da coisa (n.º 1), mas se se constituir em mora a indemnização é elevada ao dobro (n.º 2).
Portanto, por força da aplicação das regras da locação, findo o contrato e não sendo cumprida a obrigação de entrega da coisa, o locatário: ou paga a renda ou aluguer (em singelo) até à data da entrega da coisa; ou paga o dobro desse valor, mas só a partir do momento em que estiver em mora. Em circunstância alguma paga a renda ou aluguer, em simultâneo, com o pagamento do dobro do valor da renda ou aluguer. Ou seja, nunca é obrigado a pagar 3 vezes o valor da renda ou do aluguer, ao contrário do que poderia ocorrer por força do contrato dos autos, mesmo que tal se pudesse verificar apenas no período que medeia entre a data da resolução do contrato e o fim do termo inicialmente previsto para a sua vigência.
Deve dizer-se que, em abono da verdade, a A. não formulou semelhante pedido de indemnização, pois peticionou apenas o valor de todos os alugueres até ao termo ajustado (pedido 2.1.), acrescido de juros (pedido 2.2.), e uma indemnização igual à prevista no Art. 1045.º n.º 2 do C.C., mas contada apenas da prolação da sentença que condenasse na restituição dos bens, ou do termo inicialmente estabelecido no contrato (ou seja, desde 1/7/2023) por cada dia de mora na restituição do equipamento locado (pedido 4.2). Subsidiariamente, caso o tribunal entendesse não ser devidos os pedidos formulados em 2.1 e 4.2, pedia apenas a condenação da R. no pagamento da indemnização prevista no Art. 1045.º n.º 2 do C.C. desde 8/11/2019 até à efetiva restituição do equipamento locado.
Portanto, o pedido formulado pela A. foi mais comedido que o que resultava da aplicação literal e cega das cláusulas 12 e 13 do contrato celebrado entre as partes. Mas, isso não afasta a conclusão de que o resultado da aplicação das cláusulas supra transcritas era o que foi por nós transcrito, sendo isso mesmo que foi relevado, e bem, pela sentença recorrida, quando apreciou a validade das “indemnizações penais” aí estabelecidas.
Também não podemos esquecer que, por regra, a resolução do contrato de locação com fundamento no incumprimento da contraparte tem efeito retroativo (cfr. Art.s 1047º, 433º, 434º e 289º do C.C.), sendo que quem exerce o direito à resolução do contrato, nestas condições, é porque manifesta desde logo a sua vontade no sentido de já não ter interesse no cumprimento do mesmo. Por isso poder-se-ia entender-se que poderia haver uma contradição insanável quando se pretende que os efeitos da resolução tenham as mesmas consequências jurídicas da exigência do cumprimento do contrato até ao seu termo, com manifesta violação objetiva do princípio da boa-fé (cfr. Art. 15.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10). Mas este raciocínio pode muito bem não estar correto em função das caraterísticas próprias do contrato dos autos.
Em todo o caso, antes de mais, temos de partir da consideração de que, nos termos do Art. 810.º n.º 1 do C.C., as partes podem efetivamente fixar, por acordo prévio, o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento do contrato, sendo a isso que a lei chama de “cláusula penal”.
A cláusula penal está sujeita às regras de forma da obrigação principal, encontrando-se a validade daquela dependente da validade desta última (cfr. Art. 810.º n.º 2 do C.C.).
O estabelecimento de clausulas penais é assim permitida no quadro da autonomia privada e do exercício da liberdade contratual (cfr. Art. 405.º n.º 1 do C.C.).
No entanto, o Art. 811.º n.º 1 do C.C. estabelece a proibição de cumulação da exigência contratual do cumprimento da obrigação principal em conjunto com o pagamento da cláusula penal, ressalvando o caso desta última estar estabelecida para penalizar o atraso da prestação.
Esta ressalva compreende as denominadas “cláusulas penais moratórias” que, nos termos deste preceito, são legalmente exigíveis em conjunto com a obrigação de cumprimento do contrato, na estrita medida em que visam apenas sancionar o atraso no cumprimento da prestação devida. Portanto, o que se proíbe é a cumulação da sanção penal indemnizatória ressarcitória pelo dano contratual positivo com a exigência simultânea do cumprimento do contrato, por tal constituir uma repetição indevida de duas prestações com a mesma finalidade. Neste caso, o credor tem de optar: ou pede a sanção penal convencionada, ou exige o cumprimento do contrato (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª Ed. Revista e Ampliada, pág.s 77 a 78).
A particularidade da cláusula penal aqui convencionada entre as partes é que a sanção indemnizatória coincide precisamente com o dano contratual positivo, sendo certo que a credora, a aqui Recorrente, pede apenas a sanção convencionada, não havendo, por isso, violação do disposto no n.º 1 do Art. 811.º do C.C..
Do assim já exposto decorre que a estipulação do montante pecuniário devido pela aplicação da cláusula penal pode, em abstrato, destinar-se a determinar as consequências do incumprimento ou da mora no cumprimento de determinada obrigação. Se a quantia pecuniária for estipulada para o caso de não cumprimento, fala-se então em “cláusula penal compensatória”. Já se for estipulada para o atraso no cumprimento, chama-se então em “cláusula penal moratória” (Vide: Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1997, pág. 248).
Quanto à finalidade última das cláusulas penais, Calvão da Silva identifica nelas uma dupla função que lhes está ínsita. Conforme escreve: «Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é um instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de incumprimento ou mora, e pode ser um eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.» (Ob. Loc. Cit., pág. 248).
No mesmo sentido, Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 139 a 140) fala na “função de reforço” ou agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso, constituindo a cláusula penal uma pena convencional calculadamente superior à que resultaria da lei para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento, e ao mesmo tempo pode funcionar como facilitadora do cálculo da indemnização exigível.
Mas, para além deste aspeto funcional de caráter genérico, a doutrina não deixa de identificar também de forma autónoma dois tipos de cláusulas penais distintos: as que se destinam a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o devedor a cumprir (penalty clause), e as que visam liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (liquidated damages). A diferença está no facto das primeiras penalizarem o comportamento faltoso do devedor, podendo não ter qualquer relação com os danos sofridos, enquanto as segundas visam, por razões de facilitação da prova, determinar previamente o montante desses danos ou o seu limite mínimo (Vide: Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 278).
Na verdade, as cláusulas penais podem servir uma infinidade de funções práticas, relembrando que estamos no domínio da liberdade contratual (Art. 405.º do C.C.) - (vide, a propósito: Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., pág. 728). Pelo que importará sempre apurar o que concretamente foi convencionado pelas partes e qual a finalidade efetivamente visada prosseguir ao estabelecer determinada penalização contratual.
Uma cláusula penal pode ser convencionada como mera forma de penalização do incumprimento, pode estabelecer apenas um critério indemnizatório pelos danos dele decorrentes, ou servir apenas de forma de compelir o devedor ao cumprimento e, eventualmente, pode também ter todas essas finalidades, em simultâneo, mesmo que com densidades diversas.
Como refere Almeida Costa (Ob. Cit., pág. 737): «Pode convencionar-se a cláusula penal tendo em vista a completa e definitiva inexecução do contrato, nomeadamente da obrigação principal, ou tão-só a infração de uma das suas cláusulas, a simples mora ou atraso no cumprimento e ainda o cumprimento defeituoso (art. 811.º, n.º 1). Em qualquer dos casos, a cláusula penal, no sistema da nossa lei, avulta como fixação antecipada da indemnização – compensatória ou apenas moratória –, isto é, dirige-se apenas à reparação de danos. Mas nada impede que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, desempenhe a função coercitiva, destinada a pressionar o devedor ao cumprimento, na medida em que a sua falta autoriza o credor à exigência alternativa de uma prestação mais gravosa. Cabe ainda mencionar, ao lado desses dois tipos de cláusulas penais, um outro com natureza meramente compulsória, que se verifica quando as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais».
Em conclusão, importaria antes de mais interpretar os contratos e determinar qual o sentido das penalizações aí estabelecidas, fazendo uso da “teoria da impressão do declaratário” consagrada no Art. 236.º do C.C., ponderando os interesses em jogo e o equilíbrio interno das prestações (Art. 237.º do C.C.) e respeitando fundamentalmente o sentido literal do texto do documento que formalizou a vontade dos contraentes (Art. 239.º do C.C.), uma vez que não dispomos doutros elementos de facto que nos revelem a vontade real das partes.
Neste contexto, já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 12/01/2021 - Proc. n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1 – Relator: José Rainho) que: «I - Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou. II - Pese embora os arts. 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor. III - Para efeitos da interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia. IV - (i) se a letra da cláusula é expressa ao qualificar como quantia indemnizatória a prestação pecuniária devida em caso de incumprimento do contrato; (ii) se o escopo subjacente à vontade de contratar se logra alcançar através dessa quantia; (iii) se a quantia determinada na estipulação coincide normalmente com o valor do dano expectável, (iv) então é de interpretar a declaração negocial no sentido de se estar perante uma cláusula penal com função meramente indemnizatória (fixação do montante da indemnização exigível), e não perante uma pena destinada a pressionar ao cumprimento».
Ora, no caso concreto, só poderemos relevar que na cláusula 12, objetivamente interpretada, em função da literalidade do seu texto, foi estabelecido que, em caso de resolução por incumprimento imputável ao locatário, este ficaria obrigado ao pagamento duma indemnização penal correspondente ao valor de todos os alugueres, desde a data da resolução até ao termo inicialmente estabelecido para o contrato.
Assim, tendo a resolução, por iniciativa da locadora, ocorrido a 28/10/2019 (cfr. carta junta como doc. n.º 10 a fls. 22) e sendo o termo do contrato em 30/6/2023 (48 meses após a entrega do equipamento, que se verificou em junho de 2019 – cfr. facto 16 –, tendo o contrato início no 1.º dia do mês seguinte – cfr. cláusula 2 do contrato a fls. 13 verso), seriam devidos 42 meses de alugueres, à razão de €323,41 por mês, num total de €13.583,22 de indemnização penal.
O prejuízo que essa indemnização visava ressarcir reportava-se, claramente, aos danos decorrentes da aquisição dos bens locados, feita pela locadora no interesse principal da locatária; ao facto da aquisição desses bens importar em custos financeiros e os bens estarem sujeitos a perda de valor com o decurso do tempo; ao que acresceriam os custos administrativos. É isso que resulta da literalidade da cláusula 12.ª, que atrás já reproduzimos.
Importa aqui ter em particular atenção para o dano relativo ao ressarcimento do prejuízo havido com a aquisição dos bens no interesse da locatária. É que, como já referimos, este tipo de contrato de locação operacional tem subjacente que a A. se disponibilize a adquirir um bem que não a serve diretamente a si.
Na prática a A. faz um investimento na aquisição de um bem no interesse principal da atividade económica prosseguida pela R.. A A. não tem qualquer interesse na aquisição de equipamentos necessários ao exercício da atividade médica, que é estranha ao seu objeto social. A A. só compra esse equipamento, porque a R. está interessada na sua utilização, mas não quer adquiri-lo por sua conta e risco, optando antes por solicitar à A. que assuma essa responsabilidade, mediante o pagamento duma determinada remuneração mensal. Por sua vez, a A. só aceita a assunção desse risco, no pressuposto de que o valor do investimento será ressarcido, ainda que de forma fracionada no tempo.
Ao equilíbrio económico deste tipo de contrato também não é estranho o facto de normalmente, como é o caso, o bem adquirido pelo locador e depois cedido ao locatário, ser um equipamento de natureza eminentemente tecnológica, que se desatualizam com relativa facilidade, por força dos progressos científicos, tornando-se rapidamente ultrapassados ou obsoletos. O que representa um agravamento do risco assumido pelo locador, que no final do contrato terá mais dificuldade de o poder voltar a ceder em locação a terceiros, sendo que o preço de revenda pode ser perfeitamente residual e pouco significativo relativamente ao investimento feito inicialmente.
Dito isto, veja-se que 48 meses de alugueres correspondem a €15.523,68 (48 x €323,41/Sem IVA), sendo que o investimento da A. na aquisição do bem locado importou em €15.867,00 (embora este valor inclua o IVA à taxa de 23% – cfr. doc. n.º 2 de fls. 16 –, pois o preço sem IVA é de apenas €12.900,00).
É evidente que o valor do aluguer não reflete apenas o valor do gozo da coisa, em termos estritos de correspetividade da retribuição devida a título de aluguer (cfr. Art. 1022.º e 1031.º al. b) e 1038.º al. a) do C.C.). O valor do aluguer há-de compreender naturalmente também os custos administrativos e financeiros suportados pela A. e a margem de lucro expectável referente a essa operação. No entanto, o valor do aluguer também corresponde ao encargo aceito pela locatária como adequado à remuneração devida pela disponibilidade do gozo da coisa. Pelo que, a retribuição assim convencionada, correspondente ao valor do aluguer, serve as duas causas-funções em simultâneo, dependendo da perspetiva do locador ou do locatário.
Ora, em caso de incumprimento do contrato, nos termos convencionados, faz-se sobrelevar então mais o interesse do locador, na medida em que se obrigou a assumir um risco no interesse do locatário inadimplente, adquirindo um bem que apenas deveria servir para aquela situação concreta para a qual foi estabelecido o contrato. Só nessa medida se afigura adequado que o locatário fique obrigado a pagar o valor dos alugueres até ao termo do contrato, porque foi quem deu causa à assunção do encargo com a aquisição do bem pelo locador.
É da mais elementar justiça que o locatário, que incumpriu o contrato e foi a pessoa que deu causa à necessidade do investimento na aquisição do bem, seja agora obrigado a indemnizar o locador pelo prejuízo estimado em função de um valor que é economicamente equiparável ao da reintegração do capital investido, ponderando ainda a desvalorização do bem e dos encargos assumidos pela A. com a sua aquisição.
No caso concreto deste tipo de contratos, considerando o equilíbrio económico subjacente às prestações convencionadas, o estabelecimento duma indemnização penal semelhante ao ressarcimento do interesse contratual positivo não se afigura desproporcionado ou desadequado, porque subjacente à relação locatícia existe um relação jurídica de “para-financiamento”, com especificidades na assunção de riscos no interesse do locatário, que justificam plenamente o interesse da reintegração do capital investido pelo locador.
Neste particular, o estabelecimento duma indemnização por referência indireta ao ressarcimento do capital investido, pode colher a sua justificação, por semelhança, ao estabelecido no Art. 780.º do C.C. para o cumprimento fracionado duma obrigação, e não tanto na regulamentação específica da locação (v.g. Art. 1045.º do C.C.).
Acresce que, como atrás já se foi adiantando, a fixação do valor da indemnização, no quadro duma clausula contratual penal convencionada pelas partes ao abrigo do Art. 810.º do C.C., pode não ter uma correspondência exata com o dano visado ressarcir. O que resulta claro, desde logo, do disposto no Art. 811.º n.º 2 do C.C., quando aí se estabelece que: «O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se for outra a convenção das partes».
Por isso, o mais comum, é que a cláusula penal fixe uma indemnização de valor superior ao dano efetivo. O que é perfeitamente lícito. Por um lado, porque o propósito do estabelecimento dessas cláusulas visa evitar a discussão entre as partes sobre o valor exato dos danos verificados. Por outro, porque as funções coercitiva e penalizante da cláusula penal, podem justificar esse efeito na prática.
O único limite legal, previsto no Código Civil, é que o credor não pode exigir uma indemnização que exceda o valor dos prejuízos decorrentes do cumprimento da obrigação principal (cfr. Art. 811.º n.º 3 do C.C.). O que no caso não se verifica, porque o valor da indemnização previsto na cláusula 12 será no máximo igual ao dano contratual positivo e, portanto, corresponde economicamente ao valor do cumprimento da obrigação principal, caso o contrato fosse cumprido até ao seu termo.
É também devido às razões expostas que entendemos que não existe qualquer contradição entre a pretensão de ver resolvido o contrato e exigir uma indemnização penal que, na prática, corresponderia às mesmas consequências jurídicas da exigência do cumprimento do contrato até ao seu termo, ainda que de forma antecipada. É que, nestas condições, não se pode no final falar em violação do princípio da boa-fé e em cláusula proibida (cfr. Art. 15.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), precisamente por se dever ter em conta a natureza específica destes contratos, que não se esgotam na mera existência duma locação de bens, servindo igualmente uma causa-função que pode ser assemelhada a uma espécie de “financiamento indireto” à atividade da locatária.
Na mesma medida, julgamos que não existe cláusula proibida em função do quadro negocial padronizado, nos termos do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Efetivamente, destas normas estabelecidas no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/12, não resulta a proibição de que o valor da sanção penal convencionada possa ser superior ao dano que visam reparar. O que se permite é corrigir situações em que a liberdade contratual levou a consequências práticas visivelmente inaceitáveis do ponto de vista do equilíbrio económico das prestações imputadas a cada parte. O que pode vir a possibilitar a redução do valor fixado, quando ele for manifestamente excessivo (Art. 812.º n.º 1 do C.C.) ou considerar nulas as cláusulas que fixem um valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar (Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Por isso, o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu em acórdão de 19/06/2018 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S2 – Relator: Fonseca Ramos) que: «I. A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efetivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento, fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante. II. A cláusula penal, tendo um fim punitivo só será ilegítima se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir. III. A cláusula penal prevista no contrato no valor de €126.000,00 foi reduzida em 40%, com base na equidade, para o valor de €76.000,00, pelo que a redução agora pretendida para o valor máximo de €15.000,00, esvaziaria o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples. IV. A não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento. V. A redução da cláusula penal, ao abrigo do art. 812º, nº1, do Código Civil, pressupõe que esta seja manifestamente excessiva».
Na mesma linha, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2017 (Proc. n.º 2041/13.9TVLSB.L1.S1 – Relator: Roque Nogueira) decidiu-se que: «I– A cláusula penal tanto desempenha uma função ressarcidora como coercitiva. II– Aquelas duas funções são essenciais à caracterização da cláusula penal, tal como ela é legalmente disciplinada. III– São características essenciais do conceito de cláusula contratual geral a pré-formulação, generalidade e imodificabilidade. IV– No caso dos autos, está assente que a cláusula em causa é uma cláusula penal e uma cláusula contratual geral, a implicar a sujeição da mesma à disciplina instituída pelo DL nº446/85, de 25/10. V- O objetivo da al. c), do art.19º, do citado DL, é o de restringir a liberdade de conformação do predisponente, estabelecendo um limite de conteúdo para as cláusulas penais, que tem como critério a relação entre a pena e o montante dos danos a reparar. VI- Nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transações, cifrados numa certa percentagem do preço do objeto da prestação. VII– Na fixação da indemnização deverão ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou, o que a cláusula penal em causa não prevê, verificando-se uma desproporção notória e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos previsíveis a reparar, dentro do «quadro negocial padronizado». VIII- Haverá, deste modo, que concluir que a cláusula nº4.5 do contrato em causa é uma cláusula relativamente proibida, nos termos do art.19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, e, como tal, nula (art.12º, do mesmo DL)».
De igual modo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2017 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S1 – Relator: Nunes Ribeiro) foi decidido que: «I - Na avaliação do carácter abusivo das cláusulas “relativamente proibidas” ao abrigo do art. 19.º da LCCG, deverá ter-se em atenção não só o “quadro negocial padronizado” – segundo o tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a atividade do utilizador – mas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas. II - Num contrato individualizado de fornecimento de bebidas para revenda ao público, do qual consta que o fornecedor/fabricante pode exigir, a título de indemnização, do comerciante/comprador seu cliente, que incumpra definitivamente o negócio, o pagamento de quantia nunca inferior ao valor total que arrecadaria com o negócio, caso o contrato tivesse sido honrado pelo comprador, vista isoladamente tal cláusula poderia, a priori, apresentar uma certa desproporcionalidade relativamente ao eventual prejuízo a ressarcir. III - Contudo, encontrando-se essa cláusula intimamente relacionada com outras livremente negociadas pelas partes contraentes (v.g. cláusulas que preveem contrapartidas monetárias e descontos em favor do comprador), com as quais se interligam na economia do contrato e que, de certo modo, funcionam como contrapeso daquela, inexistindo elementos suficientes que permitam afirmar a desproporcionalidade da dita cláusula penal em face dos previsíveis danos a ressarcir, não se pode afirmar a sua inadequação ao tipo de atividade negocial da autora e, consequentemente, concluir pela sua nulidade nos termos do art. 19.º, al. c), da LCCG. IV - O juízo de valor sobre a desproporção deve ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado) sendo inexato relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu. V - Tal não significa que a aludida cláusula não possa ou não deva ser considerada manifestamente excessiva, nos termos do n.º 1 do art. 812.º do CC, e passível de redução equitativa, como no caso da mesma proporcionar ao fornecedor/fabricante um proveito francamente superior ao cumprimento do contrato, porquanto lhe permite receber o correspondente ao preço total dos produtos objeto do contrato, sem incorrer nos correspondentes custos, designadamente, de produção e de transporte, para além de ficar com a possibilidade de vender a terceiros a totalidade dos litros das bebidas negociados e não adquiridos».
Tem sido, portanto, com este enquadramento legal que tem sido apreciada a questão da validade das cláusulas penais indemnizatórias.
No entanto, não podemos deixar de realçar desde já que existe uma clamorosa diferença de regime entre a mera possibilidade de redução do valor fixado na cláusula penal, quando ele for manifesta excessivo, tal como estabelecido no Art. 812.º n.º 1 do C.C., e a possibilidade de serem julgadas nulas as cláusulas que fixem valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar, nos termos do Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Existem dois pontos práticos, nos regimes jurídicos dessas disposições legais, que refletem essa diferença e que são da maior relevância.
É que a situação prevista no Art. 812.º do C.C. está estabelecida no interesse privado do devedor da indemnização e, por isso, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/03/2021 (Proc. n.º 4248/19.6T8GMR.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte), de cujo sumário se destaca: «I- A redução equitativa da cláusula penal, prevista no artigo 812.º do Código Civil, não é oficiosa, dependendo do pedido do interessado, a quem caberá alegar e provar os factos de onde seja possível extrair a excessividade da estipulação, fora dos limites comportáveis pela liberdade contratual. II- Se o embargante, não só não alegou, na petição de embargos, nenhum facto concreto visando demonstrar a manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pela exequente, como também nenhum pedido apresentou ao tribunal, sequer implicitamente, no sentido de decretar a redução equitativa da cláusula penal, e apenas nas alegações da apelação levantou pela primeira vez o problema, esta pretensão não pode obter vencimento».
Por outro lado, a possibilidade de redução da cláusula penal prevista no Art. 812.º do C.C., implica uma análise “a posteriori” de comparação entre o valor efetivamente verificado dos danos e o valor da indemnização previamente fixado em cláusula penal.
Como escreve, a propósito Sousa Ribeiro (in “A boa fé como norma de validade” in Estudos dos Contratos. Estudos, Coimbra, 2007, pág.s 218 e 219): «Está (…) em causa, não só (ou não exclusivamente) a convenção em si, mas numa valoração ex post, os seus efeitos na concreta situação a que vai aplicar-se. Trata-se, numa palavra de um controlo do exercício de um direito (o direito resultante da pena aplicada), não de um controlo diretamente limitativo da autonomia privada na sua estipulação».
Nessa estrita medida, competirá ao devedor, não só pedir a redução da cláusula, como alegar e provar os factos donde concretamente resultam o manifesto excesso da cláusula penal em face dos concretos danos efetivamente verificados (Art. 342.º n.º 2 do C.C.).
Ora, o regime jurídico das Clausulas Contratuais Gerais parte de pressupostos completamente diversos, porque o que está em causa no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 é a tutela de interesses de ordem pública, que restringem significativamente a autonomia privada e a liberdade contratual.
A lei proíbe expressamente, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (cfr. Art. 19. Al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), dizendo explicitamente que estas serão nulas (cfr. Art. 12.º do mesmo diploma). Consequentemente, o Art. 12.º do Dec.Lei 446/85 de 25/10 remete diretamente para o regime das nulidades estabelecido no Art. 286.º do C.C., o que determina como consequência necessária a possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal da natureza abusiva e proibida das cláusulas contratuais gerais que estabeleçam penas desproporcionadas aos danos verificados (neste sentido: Ana Prata in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, pág.s 309 a 313; José Manuel de Araújo Barros in “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 161 e Acórdão do STJ de 10/7/2008 (Proc. n.º 08B1846 – Relator: Camilo João, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, enquanto o Art. 812.º n.º 1 do C.C. pressupõe uma análise “ex post” dos danos verificados, o Art. 19.º al. c) do Dec.Lei 446/85 de 25/10, propõe-se fazer uma verificação da legalidade da cláusula “ex ante” e independentemente dos concretos danos verificados, porque em causa está uma limitação à autonomia privada na fase da formação do contrato.
Por força do agora exposto, restrita fica a apreciação do caso concreto às limitações estabelecidas pelo Regime jurídico do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, uma vez que a R., aqui recorrida, não contestou a ação e, portanto, não alegou factos donde resultasse a demonstração sobre a “manifesta excessividade” da cláusula penal em função dos concretos danos sofridos pela A.. Simplesmente teremos de considerar, pelas razões que já deixámos explicitadas sobre a equilíbrio económico subjacente à relação jurídica estabelecida entre as partes, que não se afigura de todo que se possa concluir, sem mais, que a indemnização penal convencionada na cláusula 12 fosse desproporcionada aos eventuais prejuízos que pudessem decorrer do incumprimento do contrato.
Diferentemente será a ponderação, que deveria ser feita em função do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, relativamente à cláusula 13 do contrato dos autos, nomeadamente quanto ao resultado prático da sua aplicação, que por nós foi logo evidenciado de início, pois poderia conduzir ao sancionamento do locatário com o pagamento de um valor diário correspondente a 3 vezes o valor do aluguer, desde a data da resolução do contrato até à data do seu termo inicial.
É evidente que uma indemnização penal 200% superior ao que resultaria do mero cumprimento do contrato é completamente ilegal, por violar o disposto no Art. 811.º n.º 3 do C.C. e por ser manifestamente desproporcionada aos danos visados ressarcir (cfr. Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10). Pelo que, a cláusula 13 do contrato é nula, nos termos do Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, na medida em que da sua aplicação cumulativa com a cláusula 12.ª resulta um agravamento desmesurado da sanção devida pelo locatário inadimplente.
Ocorre que, como logo evidenciámos no princípio, a A. não formulou semelhante pretensão, tendo sido mais comedida, restringindo a exigência da indemnização, pelo atraso na devolução do equipamento locado, apenas a partir da sentença que condenasse a R. à sua entrega, ou então da data de 1 de julho de 2023, correspondente ao 1.º dia seguinte ao termo inicial do contrato dos autos. Consequentemente, o vício que justificaria a declaração da nulidade da cláusula 13.ª do contrato não tem repercussão económica direta no pedido concretamente formulado nesta ação.
Acresce que, do nosso ponto de vista, a aplicação por analogia aos contratos de locação operacional do disposto no Art. 1045.º n.º 2 do C.C. não se nos afigura totalmente descabida, em função dos interesses subjacentes a este tipo de relações contratuais.
O que se pretende sancionar com a previsão do n.º 2 do Art. 1045.º do C.C. é a constituição do locatário em mora no cumprimento da obrigação de restituição do bem locado. Ora, existem evidentes semelhanças entre a posição jurídica do locatário operacional e a do simples locatário num contrato de locação comum. Findo o contrato, em ambos esses casos, nasce a obrigação de restituição do bem locado, que deve ser cumprida pelo locatário (cfr. Art. 1038.º al. i) e cláusula 15.ª do contrato dos autos) e pode ser exigida pelo locador a qualquer momento (cfr. Art. 777.º do C.C.). Sendo essa obrigação reconhecida por sentença – que no caso até foi proferida depois do termo inicial do contrato, em 17 de julho de 2023 (cfr. fls. 32 a 42) –, não se pode discutir que a locatária, aqui Recorrida, está constituída em mora (Art. 805.º n.º 1 do C.C.).
Portanto, motivos não vemos para que a R. não devesse ser condenada a pagar uma indemnização no valor correspondente ao dobro dos alugueres convencionados, nos termos do Art. 1045.º n.º 2 do C.C., desde a data da prolação da sentença que condenou a R. a restituir os equipamentos locados, a qual, nessa parte, já transitou em julgado há muito.
Quanto à questão de a indemnização dever ou não incluir o valor do IVA. Como é evidente, estando nós perante o pagamento duma prestação de carácter indemnizatório, a que não corresponde qualquer prestação de serviço, não há qualquer IVA a considerar, porque este imposto incide apenas sobre a transmissão de bens ou serviços e não sobre indemnizações por incumprimento de contratos.
Entendemos assim que a sentença deverá ser revogada na parte em que absolveu a R. de todos os pedidos indemnizatórios formulados pela A. (cfr. al. c) da parte dispositiva), devendo essa decisão ser substituída pela de condenar a R. a pagar à A.: a quantia de €13.583,22, correspondente à indemnização contratual penal prevista na cláusula 12.ª do contrato dos autos, igual ao valor dos alugueres que se venceriam desde 1 de novembro de 2019 até 30 de junho de 2023 (42 meses x €323,41), por força da resolução do contrato verificada em 28 de outubro de 2019; acrescida de juros de mora devidos à taxa legal previstas para os créditos de empresas comerciais (cfr. cláusula 11.ª do contrato), contados desde 28 de outubro de 2019 até integral pagamento; e da indemnização a que alude o Art. 1045.º n.º 2 do C.C., desde a data da sentença que condenou a R. a restituir à A. o bem locado, prolatada em 17 de julho de 2023 (cfr. fls. 42), correspondente ao dobro dos valores do alugueres mensais (€323,41 x 2 = €646,82), ou o proporcional diário de 1/30 (€21,56), por cada dia de atraso na restituição até à data da restituição efetiva.
Procedem assim as conclusões apresentadas pela Recorrente, na estrita medida em que sejam conformes com o exposto, sendo a responsabilidade tributária, pela ação e pelo recurso, na proporção do respetivo decaimento (cfr. Art. 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).
*
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, por provada, revogando a sentença na parte da alínea c) do seu dispositivo, onde se absolveu a R. do pedido de pagamento de todos os pedidos indemnizatórios formulados pela A., a qual é substituída pela decisão de condenar a R. a pagar à A.:
a) A quantia de €13.583,22, correspondente à indemnização contratual penal prevista na cláusula 12.ª do contrato dos autos, igual ao valor dos alugueres que se venceriam desde 1 de novembro de 2019 até 30 de junho de 2023 (42 meses x €323,41), por força da resolução do contrato verificada em 28 de outubro de 2019;
b) Nos juros de mora sobre a quantia mencionada em a), devidos à taxa legal prevista para os créditos de empresas comerciais, contados desde 28 de outubro de 2019 e até integral pagamento; e
c) A indemnização a que alude o Art. 1045.º n.º 2 do C.C., desde a data da sentença que condenou a R. a restituir à A. o bem locado, prolatada em 17 de julho de 2023 (cfr. fls. 42), a qual será igual ao dobro dos valores dos alugueres mensais convencionados entre as partes (€323,41 x 2 = €646,82), ou o proporcional diário de 1/30 (€21,56), por cada dia de atraso na restituição até à data da entrega efetiva à A. do bem locado.
- Custas pela apelada e pela Apelante na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).
Lisboa, 20 de fevereiro de 2024
Carlos Oliveira
Ana Mónica Pavão
Cristina Silva Maximiano