I - A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida através do interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade.
II - A confissão tem força probatória plena quando se verifiquem os requisitos dos artigos 353.º e 358. e força de prova livre quando eles não se verifiquem (artigo 361.º).
III - A confissão judicial tem força probatória plena, se for efectuada nos articulados.
IV - A prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil).
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 4
RELAÇÃO N.º 94
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Alexandra Pelayo
João Diogo Rodrigues
AS PARTES
RR.: A..., Lda. e
BB
A) que se declare a resolução lícita e justificada do contrato de empreitada por banda do autor;
B) em consequência de tal resolução ou independentemente dela, que se condenem ambas as rés no seguinte:
a) a reconhecer que a obra efetivamente executada ao abrigo da empreitada celebrada entre o autor e a 1.ª ré não corresponde à obra medida e alegadamente executada e constante dos autos de medição 1 a 5, no valor de € 144.008,15, acrescido de IVA, no valor de € 33.121,87, num total de € 177.130,02;
b) a pagar ao autor a diferença de preço liquidada por este em excesso, entre tais quantidades e montante erradamente medidos e a obra efetivamente executada sem vício, a ser melhor fixada em sede de prova pericial, mas em montante nunca inferior a € 65.000,00;
c) a reconhecer os vícios de construção melhor descritos de artigos 19.º a 83.º e a indemnizar o autor pelo montante que vier a estimar-se necessário à reparação de tais vícios e/ou à reconstrução da obra, conforme ao projeto e às regras e arte de boa construção, em montante que se apura não ser inferior a € 124.500,00, acrescido de IVA, num total de € 153.135,00, mas a ser melhor fixado em sede de prova pericial;
d) subsidiariamente, e caso o autor, até ao julgamento destes autos, opte por manter a construção (lajes) tal qual estão executadas, então, em substituição ao custo da demolição e reconstrução de tais lajes, a pagarem ao autor, a título de redução de preço, a quantia de pelo menos € 10.000,00 ou aquela que vier a ser fixada em sede de prova pericial;
e) a entregar ao Autor o livro de obra e os ensaios das provetes de betão;
f) a reconhecer todos e quaisquer outros vícios de construção que venham a ser melhor determinados após a realização de prova pericial, designadamente ausência de resistência, coesão e plasticidade do betão, ou ausência de drenagem periférica e impermeabilização das paredes perimetrais e caixa de águas pluviais, entre outros, em montante que se apura não ser inferior a € 40.000,00, mas a ser melhor fixado em sede de prova pericial;
g) a pagar ao autor a quantia de € 12.500,00 ou aquela que vier a resultar da liquidação do IRS de 2021, e da diferença para a simulação da declaração de IRS do autor, caso tivesse reinvestido as mais-valias que gerou a venda de uma outra sua casa para habitação.
h) a pagar ao autor a quantia de € 92.250,00, ou aquela que vier a resultar da produção de prova pericial, correspondente ao custo agravado dos fatores de construção que terá que suportar para concluir a construção, quer em consequência da resolução, por causa imputável à 1.ª ré, quer porque esta lhe impede a retoma dos trabalhos da empreitada, impedindo-lhe o acesso livre e desimpedido à obra;
i) a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00 que ele terá que liquidar em projetos, gestão de obra e segurança e licenças e termos de responsabilidade para a reformulação e conclusão da empreitada.
C) a condenação da 1.ª ré a reconhecer que não lhe assiste qualquer direito de retenção da obra e a pagar ao autor a quantia de € 500,00 por cada dia que persista em perturbar a sua posse sobre o referido prédio, a partir da citação dos presentes autos até entrega ao autor das chaves e da posse do referido prédio, que persistentemente arromba e substitui, mantendo em seu poder.
Citados os RR., estes não contestaram.
Foi proferido despacho a declarar confessados todos os factos alegados pelo A..
Realizou-se prova pericial, pedida pelo A., tendo sido junto relatório pericial.
*
Após, foi proferida SENTENÇA, julgando procedente a demanda, nos seguintes termos:
“Em face do exposto, conclui-se pela parcial procedência da ação e, em consequência:
A) declaro lícita e justificada a resolução do contrato de empreitada por banda do Autor;
B) condeno ambas as rés a reconhecerem que a obra efetivamente executada ao abrigo do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a 1.ª ré não corresponde à obra medida e constante dos autos de medição 1 a 5, no valor de € 144.008,15, acrescido de IVA no valor de € 33.121,87, num total de € 177.130,02;
C) condeno ambas as rés a pagarem ao autor a diferença de preço liquidada por este em excesso, entre tais quantidades e montante erradamente medidos e a obra efetivamente executada sem vício, em montante a liquidar em incidente de liquidação de sentença mas nunca inferior a € 65.000,00;
D) condeno ambas as rés a reconhecerem os vícios de construção melhor descritos nos artigos 19.º a 83.º da petição e a indemnizarem o autor pelo montante que em incidente de liquidação de sentença se vier a estimar ser necessário à reparação de tais vícios e/ou à reconstrução da obra, conforme ao projeto e às regras e arte de boa construção, não inferior a € 124.500,00, acrescido de IVA;
E) condeno a 1ª ré a entregar ao autor o livro de obra e os ensaios das provetes de betão;
F) condeno ambas as rés a reconhecerem todos e quaisquer outros vícios de construção que venham a ser determinados, designadamente, ausência de resistência, coesão e plasticidade do betão, ou ausência de drenagem periférica e impermeabilização das paredes perimetrais e caixa de águas pluviais, a apurar, vícios e respetivo valor, em sede de incidente de liquidação;
G) condeno a 1ª ré a pagar ao autor a quantia que vier a resultar da liquidação do IRS de 2021, e da diferença para a simulação da declaração de IRS do autor, caso tivesse reinvestido as mais-valias que gerou a venda de uma outra sua casa para habitação, a apurar em sede de incidente de liquidação.
H) condeno a 1ª ré a pagar ao autor a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, correspondente ao custo agravado dos fatores de construção que terá que suportar para concluir a construção, quer em consequência da resolução, por causa imputável à 1.ª ré, quer porque esta lhe impede a retoma dos trabalhos da empreitada, impedindo-lhe o acesso livre e desimpedido à obra;
I) condeno a 1ª ré a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00 que ele terá que liquidar em projetos, gestão de obra e segurança e licenças e termos de responsabilidade para a reformulação e conclusão da empreitada.
J) condeno a 1.ª ré a reconhecer que não lhe assiste qualquer direito de retenção da obra e a pagar ao autor a quantia de € 100,00 por cada dia que persista em perturbar a sua posse sobre o referido prédio, a partir da data da notificação da presente sentença até à entrega ao autor das chaves e da posse da obra que persistentemente arromba e substitui, mantendo em seu poder.
Fixo à presente ação o valor de 377.885,00 €.“.
As RR., vêm desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o provimento do recurso e no sentido das conclusões, apresentaram as seguintes CONCLUSÕES:
“1. Na sentença recorrida foi dada como assente, ipsis verbis, toda a matéria alegada na petição inicial, daí se extraindo uma condenação que, salvo o devido respeito, foi determinada em resultado de uma apreciação totalmente acrítica dos factos alegados e dos elementos probatórios disponíveis no processo, mormente do teor do relatório pericial que foi junto aos autos e que, não obstante tenha sido realizado apenas na perspectiva de um futuro incidente de liquidação (no dizer no tribunal a quo no seu despacho que precedeu o relatório da sentença), não podia ter sido ignorado na decisão, pois em diversas matérias contradiz totalmente a alegação do A., aqui recorrido.
2. a sentença proferida viola claramente o disposto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do art.ºs 5, bem como os n.ºs 1 e 2 do art.º 567, todos do CPC.
3. o recorrido nunca interpelou a 1ª recorrente para eliminar os defeitos da obra num determinado prazo sob pena de resolução do contrato de empreitada, nunca existindo uma interpelação admonitória à 1ª recorrente para o cumprimento do contrato da empreitada, de modo a converter uma eventual mora contratual num incumprimento definitivo que fundamentasse a resolução do contrato de empreitada.
4. Como se refere na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 18/12/2003, Processo n.º 03B3697, Nº Convencional: JSTJ000): “A interpelação/notificação admonitória, para que possa produzir o efeito previsto no art. 808º, nº 1, do C.Civil (conversão da mora em incumprimento definitivo) tem que se traduzir numa intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade, e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.”
5. os factos invocados na carta de resolução junta à P.I. como doc. n.º 20 são insuficientes para subsumir juridicamente tal situação a um incumprimento definitivo/perda de interesse do credor, que fundamente uma resolução lícita do contrato de empreitada, tal como o recorrido pretende.
6. alegando-se genericamente uma ida do recorrido à obra (como se lê entretanto na carta resolutiva junta como Doc.20 da P.I.) e eventual reunião com o empreiteiro, bem como a alegação também genérica de que lhe foi exigida a reparação, nada é alegado acerca dos defeitos que efetivamente foram denunciados, em que circunstâncias o foram (claramente nunca o foram por escrito já que nada se alega nesse sentido nem se junta qualquer documento ao processo), quando é que o foram (data concreta, não a abstração constante da P.I. e da sentença proferida), e que prazo razoável foi concedido para a reparação dos defeitos.
7. lê-se no artigo 154.º da P.I. (como todos, transcrito para a sentença) o seguinte:
“Em fevereiro de 2021, e, por isso, a 6 meses do prazo estabelecido para o termo da empreitada, a 1.ª Ré suspendeu a execução da mesma (…)”, decorrendo desta factualidade que a 1.ª recorrente ainda tinha muito tempo, não só para corrigir eventuais defeitos que fossem denunciados, como também para acabar a própria obra, pois o prazo previsto para a empreitada não tinha sequer decorrido.
8. o direito de resolução do contrato previsto no artigo 1222º do Código Civil apenas se verifica depois da obra ser colocada à disposição do seu dono para verificação da sua exatidão; antes desse momento, como sucede nestes autos, a resolução do contrato terá de obedecer aos requisitos do artigo 801º do Código Civil, ou seja, a gravidade dos defeitos deverá ser de molde a permitir concluir pela impossibilidade de cumprimento do contrato ou justificar a quebra de confiança do dono da obra no empreiteiro.
9. não obstante ter-se dado por confessado o facto de o recorrido ter ido à obra aquando da suspensão dos trabalhos onde pretensamente verificou a existência de defeitos, nada se alegou ou provou relativamente aos defeitos concretamente denunciados à 1ª recorrente nem a existência de qualquer interpelação admonitória para a sua eliminação, que sempre seria pressuposto da resolução do contrato; nem os mesmos foram também descritos na própria carta resolutiva.
10. o que se tem de ter por documentalmente demonstrado é que a resolução do contrato, operada por carta datada de 19/04/2021, foi realizada pelo recorrido antes do decurso do prazo previsto no contrato de empreitada para a sua conclusão, e sem precedência de qualquer interpelação admonitória, pelo que se entende que não dispunha o Tribunal a quo de qualquer condição para, sem mais, declarar a licitude da resolução contratual operada pelo recorrido.
11. não se poderia nunca concluir, sem mais, que a 1ª recorrente se recusou a reparar os defeitos de obra e a recomeçar os trabalhos.
12. quer na P.I. quer na carta resolutiva junta como Doc.20 dessa peça, não foram alegados quaisquer factos demonstrativos da perda do interesse do recorrido na prestação da 1ª recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 808º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil.
13. porque o prazo previsto para a empreitada não havia sequer decorrido e não foi sequer alegada a perda do interesse na prestação, o recorrido não estava dispensado de realizar a respectiva interpelação admonitória da 1ª recorrente e, por corolário, teria que concluir o Tribunal a quo que a resolução do contrato de empreitada, nos termos em que foi feita, foi totalmente ilícita.
14. sendo a resolução declarada ilícita, como devia ter sido, soçobrariam todos os demais pedidos do recorrido, bem como as correspondentes condenações das recorrentes, na justa medida em que, como resulta da alegação do recorrido (vide artigo 237º da P.I.), os seus pedidos assentam exclusivamente na resolução do contrato de empreitada (artigo 801º, n.º 2, do Código Civil).
15. a aqui 2ª recorrente BB deveria ter sido totalmente absolvida de todas as pretensões formuladas pelo recorrido, pois em nenhum momento firmou qualquer contrato com o recorrido, sendo que a mesma enquanto diretora técnica da obra não é responsável perante este (enquanto dono da obra contratada à 1ª recorrente), nem pela eliminação de defeitos com base em responsabilidade contratual, atento o princípio da eficácia relativa do contrato de empreitada celebrado, a que foi totalmente estranha (artigo 406º, n.º 2, do Código Civil); nem é responsável em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, desde logo porque arredado o pressuposto da ilicitude do seu procedimento (artigo 483º, n.º 1, do Código Civil), já que os valores subjacentes às normas de carácter urbanístico têm cariz meramente administrativo.
16. Nunca poderia a 2ª recorrente ser condenada a pagar (ou devolver) ao recorrido qualquer quantia que este tivesse liquidado em excesso, pois não se pode devolver algo que nunca se recebeu, nomeadamente a quantia a liquidar em incidente de sentença de montante não inferior a € 65.000,00
17. Como resulta dos artigos 126º a 133º da P.I., e respectivos Doc.9 a 13, o recorrente alegou ter pago por conta da empreitada a quantia de € 144.008,15; sendo que existe no processo relatório pericial que refere – logo na resposta ao 1º quesito – que a obra à data da peritagem estava realizada em cerca de 33,6%, ou seja, em valor equivalente a € 87.824,38, donde a diferença se cifraria em € 56.183,77.
18. mesmo esta diferença não corresponde ao valor real, pois como é sabido – e é expressamente alegado pelo recorrido – todos os valores liquidados, designadamente dos autos de medição, não contemplavam o IVA devido, já que havia acordo entre as partes para o IVA ser liquidado todo, a final.
19. ao valor de obra realizada de € 87.824,38 terá ainda de acrescer o IVA respectivo, que é legalmente devido pelo recorrido, donde jamais se justifica fixar um valor mínimo de condenação, nesta parte, de € 65.000,00, que nunca será devido pela 1ª recorrente em circunstância alguma, como o Tribunal a quo estava em condições de aferir – e não o fez, aderindo acriticamente à pretensão do recorrido contra prova pericial de que dispõe no processo.
20. nunca o Tribunal a quo poderia dar como provados os artigos 134º a 153º e 174º da P.I., que por manifesta contradição com a prova documental constante dos autos (relatório pericial e Doc.9 a 13 e 20 da P.I.) têm de passar a ser dados como não provados.
21. A 2.º recorrente nunca poderá ser condenada a reconhecer os vícios de construção melhor descritos nos artigos 19º a 83º da petição e a indemnizar o recorrido pelo montante que em incidente de liquidação de sentença se vier a estimar ser necessário à reparação de tais vícios e/ou à reconstrução da obra, conforme ao projeto e às regras e arte de boa construção, não inferior a € 124.500,00, acrescido de IVA, pois foi a 1ª recorrente quem executou a empreitada contratada com o recorrido;
22. é destituída de sentido a condenação que, relegando para incidente de liquidação de sentença, fixa desde já um valor não inferior a € 124.500,00, acrescido de IVA, pois relativamente a todo o universo de defeitos alegados pelo recorrido, os Senhores Peritos apenas logram determinar como custo efetivo necessário à sua correção uma quantia global de € 17.453,60 (acrescido de IVA), pelo que condenar as recorrentes desde já num valor não inferior a € 124.500,00 (acrescido de IVA) não é aceitável
23. ao fazê-lo, o Tribunal a quo aderiu acriticamente à posição do A., contra prova pericial de que dispõe no processo, nunca poderiam ser dados como provados os artigos 28º a 30º, 104º a 117º e 172º da P.I., que por manifesta contradição com a prova documental constante dos autos (relatório pericial) têm de passar a ser dados como não provados.
24. da factualidade alegada pelo recorrido, designadamente nos artigos 31º, 69.º, 113.º e 116º da P.I., além da contradição em relação a outros factos alegados pelo mesmo, resulta provado que existe uma desconformidade entre os vários projectos existentes, e que por causa dessa divergência foram realizadas obras com base num desses projetos que contraria a vontade do recorrido e que será necessário alterar, pretendendo imputar esses custos às recorrentes.
25. considerando a relação controvertida descrita pelo recorrido, em que o mesmo confessa que entregou os projectos à 1ª recorrente para serem orçamentados e executados (vide artigo 31º da P.I.), o responsável desse projecto também deveria responder solidariamente com as recorrentes pelos eventuais danos causados.
26. na ausência processual do autor do projecto mencionado, existe uma ilegitimidade passiva das recorrentes nos presentes autos, o que desde logo constituiria exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal a quo nos termos dos artigos 576º, n.º 1 e 2, 577º, alínea e) e 578º, do CPC, que não foi conhecida.
27. não sendo as recorrentes as responsáveis pela elaboração dos projectos, que a 1ª recorrente se limitou a executar, em nada poderiam ter sido responsabilizadas pelo Tribunal a quo nesta matéria, que mais uma vez se limita a aderir acriticamente à tese do recorrido, o que não é admissível. “.
1.- Analisada a factualidade provada, em que se acha demonstrado que os Recorrentes violaram gravemente o conteúdo das suas prestações e obrigações, recusando a fiscalização pelo Recorrido, não existe qualquer mora nem qualquer prestação defeituosa que pudesse ser revertida ou que o Recorrido pudesse confiar que iria sê-lo pelos Recorrentes.
2.- Revelando a factualidade provada que, face aos sucessivos e gravosos incumprimentos das Rés, a confiança do Autor, na competência e na capacidade do devedor, para levar a bom termo a tarefa, ficou irremediavelmente afetada, é de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808.º do CC.
3.- A responsabilidade da Ré BB não é subordinada ou dependente da responsabilidade da empreiteira, mas uma responsabilidade autónoma e independente, não sujeita às limitações decorrentes do regime legal da empreitada de consumo ou da empreitada comum.
4.- A responsabilidade da Diretora Técnica de Obra e Engenheira Civil abrange os danos causados a terceiros adquirentes de direitos sobre projetos, construções ou imóveis, elaborados, construídos ou dirigidos tecnicamente pelos técnicos;
5.- Os normativos urbanísticos e de direito administrativo citados nas alegações, são claros na imposição de deveres profissionais, designadamente de diligência, que caso sejam violados fazem incorrer em responsabilidade o engenheiro, designadamente diretor técnico de obra, em responsabilidade civil extracontratual (não sendo no caso concreto, e face à factualidade apurada configurável a existência de responsabilidade contratual).
6.- O Autor/Recorrido está incluído no círculo de pessoas titulares dos interesses protegidos com as regras atinentes ao dever de fiscalização da obra e, como tal, poderá responsabilizar a Ré BB ao abrigo do disposto no artigo 483º do Código Civil, da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
7.- Os Recorrentes incorreram em revelia absoluta, que se traduz na chamada confissão tácita ou ficta, que não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando para tal a própria inércia do demandado.
8.- Não existe qualquer contradição entre a factualidade assim provada e o relatório pericial, porquanto enquanto o relatório pericial está sujeito à livre apreciação da prova, o Tribunal Recorrido está vinculado à confissão ficta dos Recorrentes.
9.- Por outro lado, e sem prescindir, o Relatório pericial apenas se pronunciou sobre os vícios aparentes, referindo existirem vícios ocultos cuja perceção e avaliação estava na dependência de ensaios destrutivos que não foram realizados.
Sem prescindir,
10.- Inexiste qualquer litisconsórcio necessário, pois que a responsabilidade assacada pelo Recorrido aos Recorrentes assenta na má execução dos trabalhos e dos deveres de vigilância e fiscalização que lhes era imposto para prevenir a execução da empreitada com vício, designadamente assegurar a conformidade da obra em execução às normas legais e regulamentares.
*
II-FUNDAMENTAÇÃO.
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:
A) A 1.ª é parte ilegítima por estar desacompanhada do autor do projecto.
B) A factualidade que resulta da perícia produzida nos autos infirma a factualidade dada como provada; i) valor pago 144.008,15 € e valor de obra realizado 87.824,38 €; ii) os factos 28º a 31º, 69º, 104º a 117º, 134º a 153º, 172º e 174º devem ser dados como não provado;
C) Os factos constantes da carta junta como doc. 20 não são suficientes para ocorra o alegado incumprimento definitivo/perda de interesse do credor. O prazo prevista para a empreitada ainda não havia decorrido.
A 1.ª R. nunca foi interpelada para eliminar os defeitos, não existindo assim interpelação admonitória para cumprimento do contrato. E, portanto, não há incumprimento definitivo que seja fundamento da resolução operada pelo A..
D) A 2.ª R. não é parte contraente no contrato de empreitada pelo que não pode a mesma ser condenada em consequência da resolução do contrato de empreitada.
*
A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.
“1. O A. na qualidade de casado sob o regime de comunhão de adquiridos com CC, adquiriu um terreno destinado a construção, com a área total de 650,5 m2, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ....
2. O autor divorciou-se daquela sua mulher, tendo tal divórcio sido declarado por decisão de 04.04.2016, transitada nessa mesma data, sendo o autor atualmente proprietário em regime de comunhão indivisa de tal prédio, já que o mesmo ainda não foi partilhado.
3. Autor e 1.ª ré celebraram e assinaram acordo escrito, em 22.07.2020, que denominaram de contrato de empreitada, no qual fizeram consignar as seguintes cláusulas:
CONTRATO DE EMPREITADA
Pelo presente instrumento particular e para todos os fins de direito,
1.º OUTORGANTE
AA, na Rua ..., ..., ... ... com NIF ..., como primeiro contraente, na qualidade de DONO DA OBRA, aqui e adiante assim designado por "PRIMEIRO OUTORGANTE, ou DONO DE OBRA.
2.º OUTORGANTE
A..., Lda, pessoa coletiva e número de identificação fiscal nº ..., com sede na Rua ... Pavilhão ....,... Póvoa de Varzim, representada neste ato pelo sócio e gerente, DD, como segundo contraente, na qualidade de EMPREITEIRO e adiante assim designada.
É livremente e de boa-fé celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de empreitada, o qual se regula pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1ª
(Considerandos)
1. O EMPREITEIRO é titular do Alvará de Empreiteiro n.º ... emitido pelo IMPIC.
2. O presente documento, outorgado entre o DONO DA OBRA e o EMPREITEIRO, inclui quaisquer Aditamentos ao mesmo, bem como os documentos mencionados na Cláusula 2ª infra.
3. O DONO DE OBRA compromete-se a cooperar com o conjunto de todas as atividades, fornecimentos, trabalhos e ensaios necessários para a realização do objeto do presente Contrato, tendo em dia todas as licenças, taxas, autorizações e alvarás necessários ao exercício da atividade profissional relacionada com os serviços contratados para a execução da EMPREITADA.
4. O Dono de Obra adjudica ao Empreiteiro os trabalhos respeitantes à Construção de Moradia sito entre a Rua ... e a Rua ... em ... conforme Proposta de quantidades de trabalho e preços nº 066/2020-Rev2, para a obra supra.
5. Para a execução dos trabalhos ora contratados, tanto o DONO DA OBRA como o EMPREITEIRO inspecionaram o local da obra e estão inteirados de todas as dificuldades e exigências associadas à execução da mesma, bem ainda, no que respeita a materiais, equipamentos, mão-de-obra e acessibilidades, bem como aos demais fatores que possam interferir nos trabalhos a executa.
Cláusula 2ª
(Documentos Integrantes do Contrato)
1. Constituem parte integrante do CONTRATO os seguintes documentos, constantes dos anexos abaixo indicados e devidamente rubricados pelo DONO DA OBRA e pelo EMPREITEIRO:
a) Proposta nº ....
2. Qualquer alteração ao conteúdo do presente CONTRATO só será válida quando estabelecida por escrito e assinada por ambas as partes, constituindo aditamento ao presente CONTRATO, do qual passará a fazer parte integrante.
3. As partes têm por aditamentos escritos as comunicações electrónicas trocadas para esse fim entre as partes.
Cláusula 3ª
(Objeto)
1. Pelo presente CONTRATO, o EMPREITEIRO obriga-se a realizar a EMPREITADA nos precisos termos deste CONTRATO e dos documentos que dele fazem parte integrante, incluindo, portanto, os termos e condições definidos na Proposta nº ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, deste fazendo parte integrante, e que se anexa ao presente.
2. Constitui objeto da presente EMPREITADA, a realização de todos os trabalhos indicados na referida Proposta, incluindo: fornecimento de todos os materiais e execução de todos os trabalhos necessários à execução da obra, em conformidade com os documentos referidos.
3. A execução da EMPREITADA por parte do EMPREITEIRO incluirá a realização de todos os trabalhos definidos, quanto à espécie, quantidade e condições técnicas de execução, na Proposta n....
4. O atraso na Empreitada devido a aditamentos contratuais a pedido do Dono da Obra, implicará o proporcional aumento do preço e prorrogação do prazo de entrega da OBRA.
Cláusula 4.ª
(Obrigações do Empreiteiro)
1. Constituem obrigações do EMPREITEIRO, designadamente:
a) Executar correta e integralmente a EMPREITADA objeto deste CONTRATO, cumprindo os prazos de execução estipulados.
b) Cumprir as determinações do presente CONTRATO e dos documentos que dele fazem parte.
c) Responder pelo cumprimento de todas as suas obrigações fiscais e de segurança social.
d) Empregar a melhor técnica, equipamentos e pessoal adequado, com estrita observância do disposto na sua Proposta, com vista à boa qualidade dos trabalhos e execução rigorosa do CONTRATO.
Cláusula 5.ª
(Obrigações do DONO DA OBRA)
1. Efectuar os pagamentos devidos nas condições estabelecidas neste CONTRATO.
2. Fornecer todos os elementos necessários para compreensão dos trabalhos a realizar, bem como, fornecimento de energia elétrica e água; instalações sanitárias; local abrigado e fechado para armazenamento de materiais.
3. Obter e pagar todas a licenças camarárias e outras necessárias à realização da obra, sejam licença de ocupação de via pública, sejam quaisquer outras essenciais à concretização do objecto do contrato.
Cláusula 6.ª
(Prazo)
1. O EMPREITEIRO encontra-se obrigado à execução e conclusão da EMPREITADA, no prazo de 12 ( Doze) meses, com início 15 dias após adjudicação e licenças camarárias.
2. O EMPREITEIRO não será responsabilizado por atrasos, sempre que no decurso dos trabalhos preveja a ocorrência de atrasos por motivos que a ele não sejam imputáveis, nomeadamente, atrasos na entrega de materiais, ou por força de condições climatéricas que impeçam a execução dos trabalhos, incumprimento das condições de pagamento acordadas, ou outros motivos de força maior, devendo informar, por qualquer meio o DONO DA OBRA, indicando as razões e período previsto de atraso.
Cláusula 7.ª
(Preço)
1. O regime da presente EMPREITADA, quanto ao modo de retribuição, é por Preço Global, e corresponde à realização dos trabalhos necessários à execução da Obra, nos exatos termos previstos neste contrato, sendo o seu valor de 250.000,00€ (Duzentos e cinquenta mil euros) acresce IVA a taxa legal em vigor.
2. Ao preço referido no número anterior acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, de acordo com o especificado na referida Proposta, que faz parte integrante do presente e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Cláusula 8.ª
(Condições de Pagamento)
1. O preço global da empreitada será pago pelo DONO DA OBRA, • da seguinte forma:
a) 30% Do valor Global da empreitada correspondente a 75.000,00€ (Cento e Setenta e cinco mil euros) acresce Iva à taxa legal em vigor, no ato da assinatura do mesmo.
b) O remanescente do preço 175.000,00€ (Cento e setenta e cinco mil euros) acresce IVA a taxa legal em vigor, será pago após a entrega de autos mensais e emissão da respectiva fatura pela Segunda Outorgante e de acordo com o trabalho realizado até ao dia 25 de cada mês.
2. Para os efeitos das alíneas anteriores, o EMPREITEIRO considerando a obra concluída, solicitará VISTORIAS, de acordo com a Cláusula 11ª do presente, para validação, no prazo máximo de 5 (cinco) dias.
3. Ultrapassado o prazo estipulado no número anterior, sem causa devidamente justificada e fundamentada, considerar-se-á a mesma validada.
4. O pagamento será realizado pelo DONO DA OBRA até 5 dias, após emissão da fatura, mediante transferência bancária para a conta bancária do EMPREITEIRO com o IBAN ... - Banco 1....
5. O EMPREITEIRO emitirá e entregará ao DONO DA OBRA no respectivo prazo de pagamento, as faturas correspondentes ao valor dos trabalhos realizados.
Cláusula 9.ª
(Casos de Força Maior e Atos de Terceiro)
1. Sempre que sofra atrasos na execução da Obra que sejam devidos a caso de força maior ou a atos de terceiros que o EMPREITEIRO não tenha obrigação de evitar ou ultrapassar nos termos deste contrato, o EMPREITEIRO deverá, a contar do conhecimento da data de início da ocorrência, informar o DONO DA OBRA para que este possa tomar as providências que estejam ao seu alcance, considerando-se o prazo da Empreitada automaticamente prorrogado pelo período de tempo em que ocorrerem os casos aqui considerados de força maior.
2. Para efeitos do previsto no número anterior, considera-se como força maior todo o evento imprevisível e inevitável, alheio à vontade ou ao controlo dos Contraentes, que as impeça, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de realizar os seus objetivos e de cumprir as suas obrigações, como sejam, sem que a enumeração seja limitativa e/ou exaustiva, as greves, o estado de guerra, declarada ou não, as rebeliões ou motins, as catástrofes naturais, como incêndios, chuvas torrenciais, inundações e terramotos, e os cortes generalizados de redes de transporte, de comunicações ou de abastecimento, atraso não imputável ao EMPREITEIRO de materiais pelos seus fornecedores.
3. Sempre que no decurso dos trabalhos o EMPREITEIRO preveja a ocorrência de atrasos por motivos que a ele não sejam imputáveis, designadamente alterações ao contratualizado, obtenção de licenças (incluindo ocupação de via pública), atrasos na entrega de materiais, por força de condições climatéricas que impeçam a execução dos trabalhos, incumprimento das condições de pagamento acordadas, ou outros motivos de força maior, informará, por qualquer meio o DONO DA OBRA indicando as razões e período previsto de atraso.
Cláusula 10.ª
(Fiscalização)
1. O Dono de Obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução da empreitada, desde que não perturbe o andamento ordinário dos trabalhos.
2. O Dono de Obra ou um seu representante, exercendo funções de fiscalização, terá acesso ao local dos trabalhos, com direito a esclarecimentos, podendo mandar suspender as atividades que se desenvolverem com desrespeito pelas prescrições legais e de segurança, pelas boas normas da técnica e das condições contratuais.
Cláusula 11. ª
(Receção da Obra e Prazo de Garantia dos Trabalhos)
1. Logo que a obra esteja concluída, e, após notificado, o DONO DA OBRA compromete-se a efetuar A VISTORIA no prazo de 5 (cinco) dias •para efeito de recepçao, da qual poderá ser lavrado em Auto assinado por ambos os contratantes;
2. A vistoria será efetuada pelo DONO DA OBRA e pelo EMPREITEIRO. Se convocado, o DONO DA OBRA não comparecer ou não se fizer representar na diligência, o auto considerar-se-á validado e aceite (cláusula 8.ª, nº 3 do presente);
3. Se da vistoria resultarem defeitos e deficiências e a obra não estiver, por isso, em condições de ser recebida definitivamente, esses mesmos defeitos e deficiências deverão ser especificados no Auto, onde constará igualmente a declaração de não recepção definitiva;
4. O EMPREITEIRO aceitando a existência de tais defeitos ou deficiências obriga-se a repará-los, dentro de um prazo razoável, constituindo o Auto referido nos números anteriores, a notificação para essa reparação;
5. Uma vez cumprida a obrigação referida no n2 4, o DONO DA OBRA, no prazo máximo de 2 (dois) dias, depois de interpelado para o efeito pelo EMPREITEIRO, proceder-se- á a nova vistoria, para o efeito de recepção definitiva.
6. Se, após a vistoria mencionada no n2 1 e no n2 5, se verificar que a obra se encontra em condições de ser recebida, poderá lavrara-se Auto de recepção definitiva que será assinado por ambos as contratantes.
7. Se o DONO DA OBRA se recusar injustificadamente a assinar, não comparecer ou não se fizer representar para os efeitos do n2 6 da presente cláusula, o auto considerar-se-á validado e aceite definitivamente.
8. A reparação das obras executadas fica garantida durante um período de 5 (cinco) anos, a contar da recepção definitiva.
9. Durante o referido prazo de garantia dos trabalhos, o EMPREITEIRO fica obrigado a reparar e a corrigir, por sua conta, os defeitos que sejam detectados e que evidenciem ter origem em vícios ou deficiente execução dos trabalhos, da concepção de responsabilidade do EMPREITEIRO e das obras de construção, falta de execução, deficiência ou falta de adequação às condições da EMPREITADA, devendo as reparações e correções ser executadas de acordo com tais condições e a contento do DONO DA OBRA.
Cláusula 12.ª.
(Seguros)
1. O EMPREITEIRO será responsável perante o DONO DA OBRA, por todos os prejuízos causados, por facto ou omissão sua, do pessoal ao seu serviço, em resultado da execução dos trabalhos a seu cargo, de segurança da obra ou deficiente manuseamento ou comportamento de materiais, elementos de construção, equipamentos ou veículos.
2. O EMPREITEIRO obriga-se igualmente a contratar e manter em vigor com uma seguradora idónea a cobertura de RESPONSABILIDADE CIVIL decorrente de danos e prejuízos, em particular, materiais e pessoais, causados a terceiros, incluindo o próprio pessoal ou bens do DONO DA OBRA no LOCAL DA OBRA, no decurso e em consequência da execução da EMPREITADA.
3. O EMPREITEIRO obriga-se a contratar e a manter em vigor com uma Seguradora idónea a cobertura dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais de acordo com a Legislação em vigor.
4. Quaisquer encargos por franquias de seguros atrás indicados correm exclusivamente por conta do EMPREITEIRO, sendo da sua total responsabilidade.
Cláusula 13ª
(Alterações à EMPREITADA)
1. O DONO DA OBRA poderá introduzir na EMPREITADA as alterações que considere necessárias, as quais serão facultadas por escrito ao EMPREITEIRO, e este, executará a EMPREITADA, em conformidade com as mesmas.
2. O DONO DA OBRA poderá exigir ao EMPREITEIRO a realização de trabalhos para além dos incluídos na Nota de Encomenda/Proposta que faz parte do presente contrato, desde que os ditos trabalhos a mais sejam ordenados por escrito pelo DONO DA OBRA e aceites pelo EMPREITEIRO.
3. O EMPREITEIRO tem direito a um acréscimo do preço estipulado, correspondente ao acréscimo da despesa e trabalho e a uma prorrogação do prazo para a execução da obra.
Cláusula 14.ª
(Comunicação entre as Partes)
1. Toda e qualquer comunicação entre as partes e todas as informações, pareceres ou estudos, devem ser efetuados por escrito e em língua portuguesa.
2. Caso haja necessidade de um entendimento verbal de carácter urgente, o mesmo deve ser ratificado por escrito, no prazo máximo de 2 dias úteis.
3. Toda a correspondência deverá ser dirigida à atenção dos responsáveis indicados pelas Partes, para as seguintes moradas:
DONO DA OBRA:
AA, sito na Rua ..., ... ... NIF ... EMPREITEIRO:
A..., LDA, com sede na Rua ..., ..., na Póvoa de Varzim, na pessoa do seu sócio e gerente, DD. e-mail: ...
O presente CONTRATO foi celebrado na Póvoa de Varzim, 22 de Julho de 2020, em dois exemplares, ficando um exemplar em poder de cada uma das partes.
Pelo DONO DE OBRA
Pelo EMPREITEIRO”
4. Através do referido contrato, a 1.ª ré comprometeu-se a executar para o autor a construção de uma moradia bifamiliar, com duas frações autónomas, no gaveto das ruas ... e ..., na ..., do concelho da Póvoa de Varzim, pelo preço de € 250.000,00, acrescido de IVA, num total de € 307.500,00.
5. Sucede que a 1.ª ré não executou a obra a que se obrigou perante o autor no prazo de 12 meses e conforme as demais condições constantes do contrato que entre ambos acordaram, designadamente, cumprindo as determinações do contrato, empregando a melhor técnica, equipamentos e pessoal adequado, com vista à boa qualidade dos trabalhos e execução rigorosa do contrato.
6. Existem vícios da construção executada pela 1.ª ré que são verificáveis e detetáveis por qualquer individuo, ainda que não seja técnico da construção civil.
7. Existem outros vícios da construção executada pela 1.ª ré que apenas são verificáveis por técnicos ou indivíduos experientes na área da construção civil e/ou mediante a realização de ensaios técnicos, destrutivos ou não.
8. O autor detetou na empreitada executada pela 1.ª ré os seguintes erros construtivos:
a) Lage aligeirada na varanda do 1.º andar e na pala/cobertura dessa varanda:
9. A 1.ª ré executou a construção do piso da varanda do 1.º andar e na pala/cobertura, em laje aligeirada pré-esforçada. Tais lajes são em consola, existindo um pilar na sua extremidade, mas que é apenas decorativo.
10. O projeto de estabilidade licenciado pela Câmara Municipal ... para tal construção, e que a 1.ª ré se propôs executar, prevê a execução de lajes maciças de betão armado, cuja betonagem tem que ser executada em conjunto com a laje interior.
11. Por forma a ocultar e dissimular tal erro construtivo, bem como a desconformidade em relação ao projeto licenciado, a 1.ª ré executou uma pala aligeirada ao nível da varanda do 1.º andar e ainda da cobertura/pala dessa varanda, que depois terá ancorado à restante laje interior do 1.º andar, eventualmente agrafando ou criando pontes em ferro ou um qualquer método artesanal para disfarçar e ligar uma laje à outra, como se fossem contínuas, que não são.
12. O autor não aceitou nem aceita tal construção que, para além de ser mais suscetível a movimentações estruturais e fissuras, está desconforme com o projeto aprovado.
13. Por forma a corrigir tal erro construtivo, a construção que foi erigida terá que ser demolida e reconstruída de novo, removendo-se a aterro o entulho que será criado.
14. A 1.ª ré executou a obra em desconformidade com o projeto aprovado, sem que a 2.ª ré, que foi Diretora Técnica de Obra, tivesse alertado o autor para tal desconformidade ou obtido a sua prévia autorização e dos seus técnicos.
b) Murete/platibanda da cobertura em tijolo:
14. A 1.ª ré executou a platibanda e murete da cobertura em tijolo.
15. Determinam as boas regras da construção que tal platibanda deveria ter sido erigida em betão, na continuidade da placa de cobertura, também ela em betão.
16. Por forma a corrigir tal erro construtivo o autor terá que demolir tal platibanda em tijolo e erigir um novo murete ou platibanda em betão.
17. A 2.ª ré não fiscalizou nem verificou a conformidade da obra com o projeto nem tampouco com as boas regras da construção, que assim o impunham.
c) Paredes exteriores desconformes ao projeto de construção:
18. O autor entregou à 1.ª ré os projetos de arquitetura e especialidades para que ela elaborasse orçamento, como efetivamente fez, para o cumprimento de tais projetos.
19. O autor não acordou com a 1.ª ré a alteração de tais projetos ou do modo de execução da obra aí preconizada pelos seus técnicos.
20. De tais projetos resulta que as paredes exteriores serão erigidas em duas paredes de tijolo, de 15 cm e 11 cm, respetivamente, com caixa de ar preenchida com isolamento e revestidas a ETICS, ou seja, capoto.
21. A 1.º ré apresentou o orçamento para a execução da empreitada da obra do autor prevendo a execução de uma única parede exterior, em bloco térmico, com 25 cm de espessura, e revestida a chapisco e pintada.
22. O autor não observou tal divergência entre o orçamento e os projetos, já que presumiu que a proposta de orçamento estava conforme aos projetos, como de resto foi por si pedido à 1.ª ré.
23. E a 1.ª ré executou as paredes exteriores da construção que lhe foi adjudicada pelo autor em bloco térmico de 25 cm de espessura, quando o autor havia acordado consigo a construção de paredes em alvenaria dupla de tijolo de 15 e 11, respetivamente, com a caixa de ar preenchida com material isolante.
24. O autor não aceitou nem aceita tal construção que está desconforme com o projeto aprovado, sendo que existindo contradição entre a proposta de orçamento e os projetos devem prevalecer estes últimos. De resto, verificando-se tal divergência, nem a 1.ª ré deveria ter executado a obra sem alertar o autor, nem a 2.ª ré deveria ter permitido o seu início e continuação em divergência com os projetos. A 2.ª ré não acautelou a execução de tais paredes em conformidade com o projeto aprovado.
25. Por forma a corrigir tal erro construtivo, todas as paredes exteriores terão que ser demolidas e reconstruídas conforme ao projeto, memória construtiva e acordo de empreitada celebrado entre autor e 1.ª ré.
d) Paredes exteriores desconformes às regras de construção:
26. Ainda que aceitasse alterar o projeto construtivo, e que a execução das paredes exteriores fosse realizada em tijolo térmico e sem sistema ETICS, sempre tais paredes estão erigidas contra as boas regras e normas da construção civil.
27. Os tijolos estão erigidos com variados espaços abertos entre eles e, em alguns casos, com pedaços de tijolos partidos a tapar os buracos entre eles, sendo que ainda falta preencher diversos espaços entre os tijolos e os fechos dos tijolos no encontro com elementos em betão, os quais se encontram desaprumados e irregulares. Os tijolos estão erigidos, nas diferentes fiadas, sem horizontalidade nem aprumo.
28. Não é mais possível corrigir tal desaprumo sem demolir e voltar a construir tais paredes.
29. Após o levantamento das paredes é necessário proceder às seguintes verificações:
- alinhamento das fiadas, verticalidade, planeza e ortogonalidade;
- alinhamento da parede com as paredes confinantes do mesmo piso e com a estrutura;
- alinhamento com as paredes de outros pisos (em particular, com as fachadas);
- aspeto geral das juntas (dimensão das juntas com tolerância de 3 mm);
30. Também a 2.ª ré, na sua qualidade de Diretora de Obra, podia e devia ter verificado tais desconformidades construtivas, pois que elas são facilmente detetáveis à vista desarmada.
e) Massas podres e pobres:
31. O cimento aplicado na obra do autor é um cimento pobre e podre. É uma argamassa de cimento e areia.
32. Tal cimento deve ter uma composição diferente, de acordo com cada uma das fases da obra em que se destina a ser aplicado. O revestimento tradicional de argamassa compõe-se pelo menos de três camadas:
- Chapisco - camada inicial para aumentar a aderência ao substrato.
- Emboço - camada intermediária que ajuda a cobrir as irregularidades do substrato.
- Reboco - camada final de acabamento.
- Massa fina ou massa corrida.
33. Para o chapisco deve ser utilizada uma mistura 1:2 ou 1:3 de cimento:areia. Deve ser dado arremessando a mistura contra a parede com a colher de pedreiro com uma certa força de modo que que esta penetre e se fixe no substrato.
34. Vinte e quatro horas após feito o chapisco pode-se iniciar o emboço usando uma argamassa na proporção 1:5 de cimento:areia com 1/2 de cal ou um plastificante na proporção recomendada pelo fabricante. A espessura do emboço deve ter no máximo 20 milímetros. Caso seja necessária maior espessura, dar duas ou mais camadas de 10 a 15 milímetros observando um tempo de cura (ideal é 7 dias) entre as camadas. A execução do revestimento pode ser simplificada pelo uso de argamassa industrializada. Essas argamassas são pré-misturadas pelos fabricantes e deve-se apenas acrescentar água na proporção definida na embalagem para uso na obra.
35. O autor verificou que o cimento utilizado na sua obra foi misturado em quantidades diferentes com areia e não devidamente solidarizado e compactado, sendo que as massas estão podres, ou seja, são constituídas principalmente por areia e tendem a desfazer-se e a não assegurar a proteção devida para a construção, sendo mais permissivas a humidades e condensações.
36. A 1.ª ré também não acabou de acordo com as regras e arte de bem construir as alvenarias exteriores, junto às caixas de estores. As alvenarias exteriores não estão devidamente solidarizadas, acabadas e ligadas com os elementos estruturais contíguos.
37. Todas as alvenarias exteriores estão mal acabadas e algumas delas com peças de cerâmica a tapar buracos em blocos que se pretende que sejam térmicos, mas que, perante tal execução dos trabalhos, reduzem ou mesmo perdem tal sua funcionalidade.
38. Também a 2.ª ré, na sua qualidade de Diretora de Obra, podia e devia ter verificado tais desconformidades construtivas, pois que elas são facilmente detetáveis à vista desarmada.
39. Por forma a corrigir tais desconformidades, as paredes exteriores terão que ser todas demolidas e construídas de novo.
f) Paredes interiores desconformes às regras de construção:
40. As paredes interiores, excetuando a desconformidade com o projeto de execução que se verifica em relação às paredes exteriores, já que foram construídas em tijolo conforme projeto, padecem de todos os vícios acima relatados para as paredes exteriores.
41. Designadamente, irregularidades e desaprumos, espaços abertos e massas podres e pobres.
42. Por forma a corrigir tais desconformidades, as paredes interiores terão que ser todas demolidas e construídas de novo.
g) Pilar P20:
43. A 1.ª ré erigiu um pilar, com a designação P20, no interior de um dos quartos de dormir do 1.º andar. Apesar de tal pilar respeitar o projeto de betão armado, verifica-se a desconformidade entre o projeto de arquitetura e o projeto de betão armado.
44. Tal discrepância podia e devia ter sido detetada pela 1.ª ré, que deveria ter avisado o autor e os seus técnicos para tal divergência.
45. Mas, sobretudo, podia e deveria ter sido detetada e impedida a continuação da construção nos referidos termos, pela 2.ª ré, Diretora de Obra, já que lhe cumpre garantir a conformidade da execução da obra com os projetos.
46. Acresce que, a partir de uma determinada data, e porque o autor pretendia deslocar-se e fiscalizar a execução da empreitada, a 1.ª ré recusou-lhe, embora indevidamente, o acesso à obra.
47. A 1.ª ré constatou que o autor se havia apercebido que os trabalhos da empreitada não estavam a ser executados de acordo com as boas técnicas da construção e, por isso, fazia depender a entrada em obra do autor de marcação prévia, por forma a ocultar os erros construtivos e de execução da obra. E, por isso, livre de qualquer vigilância e fiscalização, a 1.ª ré, beneficiando ainda do beneplácito da 2.ª ré, que descurou completamente os seus deveres de Diretora de Obra, executou a obra conforme lhe aprouve e em divergência com os projetos e com as regras e arte da boa construção.
h) Demolição de betão para passagem de tubos:
48. A ré demoliu parte do betão armado que separa o piso entre as duas frações para introduzir e nele fazer passar tubagem técnica de cada uma das frações. Fê-lo, designadamente, ao nível da despensa junto à cozinha do 1.º andar, por onde fez passar tubagem de eletricidade, ITED e ar condicionado provindo da fração do rés-do-chão.
49. A execução de tais trabalhos foi realizada em desconformidade com os projetos aprovados e com as regras da construção, já que a armadura e os elementos estruturais não podem nem devem ser partidos ou furados, sob pena de ficarem fragilizados.
50. A 1.ª ré não estava a construir uma habitação unifamiliar, mas antes uma habitação bifamiliar, composta por duas frações autónomas.
51. E a 2.ª ré, apesar de ter assinado o termo de responsabilidade da construção de uma moradia unifamiliar, sabia, não podendo desconhecer, que o projeto respeitava à construção de uma moradia bifamiliar, composta por duas frações autónomas.
52. Tais obras e aberturas, realizadas com a demolição do betão, e a fazerem ligar tubagens de cada fração uma à outra, não estão conforme às regras e arte de bem construir, já que sendo ambas as frações autónomas, todos os elementos e as infraestruturas de cada uma delas têm que ser independentes.
53. De igual modo não foram acautelados em construção os trajetos de variada tubagem técnica, o que determinará abertura de roços ou de buracos entre as duas frações para execução de ductos para passagem de tubagem técnica.
54. A obra executada, com os vícios que foram entretanto detetados pelo autor, carece de ser parcialmente demolida, reparada e reconstruída de acordo com as regras e arte de bem construir.
55. Por outro lado, o autor do Projeto de Arquitetura, Arquiteto EE, e o Engenheiro das Especialidades renunciaram à responsabilidade pelos respetivos projetos de arquitetura junto da Câmara Municipal ..., o que fizeram em 25 de janeiro de 2022, com a seguinte fundamentação:
“A rescisão da responsabilidade como autor do projeto deve-se ao facto de, não obstante os elementos que anteriormente se juntaram, e que legalizaram o projeto em si, a nível de arquitetura, da depauperação impressa na construção da habitação naquele terreno, naquele local, naquele sítio.
Tanto os elementos construtivos, sistemas construtivos e materiais aplicados não estão em conformidade com as normas de construção e regulamentos em vigor.”
56. Os referidos arquiteto e engenheiro apresentaram tal requerimento junto da Câmara Municipal ... sem previamente terem contactado o autor e sem lhe terem comunicado quais as normas de construção e quais os regulamentos violados. Daí que o autor tenha sido entretanto notificado pela Câmara Municipal ... para vir informar aquela entidade sobre quais as normas e quais os regulamentos violados. Mas o autor não pode ingressar na obra com técnicos, pois que a 1.ª ré coloca cadeados e barreiras no acesso ao prédio e, de cada vez que o autor procede à sua remoção, para entrar no que lhe pertence, a 1.ª ré é avisada por algum vizinho ou espia que mantém no local e chama a PSP, alterando novamente as fechaduras e advertindo que se opõe a que o autor ou quem quer que seja ali entre, fazendo recear os técnicos que o autor contrata para analisarem pormenorizadamente os defeitos da obra.
57. Acresce que o autor suspeita e receia que o betão utilizado em obra, para enchimento de pilares e lajes, não tenha a plasticidade e coesão adequados a garantir a sua qualidade e resistência. E, por tal motivo, solicitou à 1.ª ré que lhe entregasse os ensaios dos provetes do betão da sua obra, para verificar o grau de resistência, coesão, compactabilidade, a massa volúmica e o teor do ar, entre outros, o que a 1.ª ré recusou fazer até ao momento.
58. O autor resolveu o contrato de empreitada com a 1.ª ré com fundamento em justa causa – documento 3 junto com a petição inicial.
59. A 1.ª ré está obrigada a arquivar todas as peças e todos os elementos da obra que sirvam à fiscalização da mesma pelo autor e a assegurar que a mesma foi executada conforme o projeto e as regras e arte da boa construção.
60. Em todo o enchimento de placas e pilares as empresas fornecedoras de betão são obrigadas a colher provetes do betão aplicado e a entregar ao empreiteiro o resultado dos ensaios às provetes do betão fresco utilizado, para que seja assegurada a qualidade do betão.
61. Na sequência da resolução da empreitada, a 1.ª ré, empreiteira, está obrigada a entregar ao autor, dono de obra, os ensaios dos provetes de betão que foi utilizado na obra para que este possa testar a conformidade da resistência e compressão do mesmo. Assim como estão ambas as rés obrigadas a assegurar que permanece em obra o livro de obra, o que não ocorre, ou então, alternativamente, a entregar ao autor o livro de obra, o que não fizeram até ao presente, apesar das diversas interpelações para o efeito.
62. Caso a 1.ª ré não tenha arquivado tais ensaios às provetes do betão, ou prossiga em recusar a sua entrega ao autor, deverá ser condenada em quantia nunca inferior a € 30.000,00, correspondente à desvalorização da obra do autor, pois que este ficará sem a possibilidade de certificar e avaliar a fiabilidade de tal betão.
63. Além disso, existirão outros vícios que não foram ainda detetados pelo autor, que carece de realizar uma vistoria técnica demorada, com técnicos da sua confiança, com a entrega prévia dos elementos em falta (ensaios do betão e livro de obra) e, eventualmente, realizar ensaios destrutivos, para assegurar a conformidade – ou falta dela – da obra com os projetos.
64. O autor suspeita, designadamente, que a 1.ª ré não tenha executado o dreno periférico e perimetral ao edifício, ligado à rede de águas pluviais, já que não verificou qualquer caixa a ele atinente, mas tal está sujeito a perícia.
65. Pelo que, a final, requer que, depois de realizada a competente prova colegial, ambas as rés sejam condenadas a pagar-lhe o custo de reparação dos vícios de construção que venham a ser determinados em sede de produção de tal prova e/ou o montante correspondente à redução do preço da empreitada, pelo emprego de materiais e/ou execução de serviços desconformes às regras e à arte da boa construção.
66. O autor não aceita a obra no estado em que ela se encontra, sendo que pretende que a mesma seja corrigida.
67. Por forma a corrigir a desconformidade construtiva acima identificada sob a alínea a), ou seja, para demolir as lajes pré-aligeiradas e reconstruir as lajes da varanda do 1.º andar e da pala de cobertura dessa varanda em betão conforme o projeto, e solidarizando-as às restantes lajes, o edifício terá que ser reconstruído nessa área.
68. Para executar tal obra de demolição e reconstrução o autor necessitará de despender quantia nunca inferior a € 17.000,00, aos preços atuais de mercado. Mas se aceitar tais lajes como elas atualmente se encontram, por forma a evitar o prolongar no tempo da conclusão da obra da sua moradia, então sempre lhe assiste o direito a reduzir o preço da empreitada, em montante nunca inferior a € 10.000,00, já que as lajes executadas não se encontram conforme ao projeto e não são tão resistentes e seguras como aquelas que acordou com a ré, não correspondendo àquilo que licenciou junto da Câmara Municipal ..., nem à durabilidade e eficácia que teriam se houvesse sido construída conforme o projeto. A indemnização de redução de preço é requerida meramente a título subsidiário, pois que o autor pretende que a construção seja executada conforme ao projeto e às regras e arte de boa construção.
69. Por forma a corrigir os vícios acima relatados sob as alíneas b), c), d) e e), demolindo o murete/platibanda superior, construído em tijolo, e construindo um novo em betão, e ainda demolindo as paredes exteriores e reconstruindo tais paredes, conforme ao projeto e às regras e arte da boa construção, o autor despenderá quantia nunca inferior a € 30.000,00.
70. Por outro lado, por forma a corrigir os vícios relatados sob a al. f), corrigindo e/ou demolindo e reconstruindo as paredes interiores, conforme ao projeto e às regras e arte da boa construção, o autor despenderá quantia nunca inferior a € 25.000,00.
71. Os vícios relatados sob a al. h) serão corrigidos e eliminados, uns com a reparação da laje do 1.º piso e a sua reconstrução, no que o autor despenderá quantia nunca inferior a € 15.000,00, e outros com a demolição e reconstrução das lajes e paredes exteriores e interiores, criando-se coretes ou ductos por onde deverão ser conduzidos os tubos técnicos, no que o autor despenderá quantia nunca inferior a € 25.000,00.
72. Relativamente aos vícios relatados sob a al. g), atinentes à execução de um pilar a atravessar o meio de um quarto, haverá que proceder ao seu corte e reforço da estrutura com viga, ao nível do primeiro andar, alterando-se o projeto. Os inerentes custos deverão ser suportados pelo autor, já que foi o seu técnico de especialidade que fez localizar o pilar em tal lugar. Porém, o custo da obra de alteração e eliminação de tal vício deve ser suportado por ambas as rés, no que o autor despenderá quantia nunca inferior a € 12.500,00. Com efeito, existindo desconformidade entre os projetos de arquitetura e especialidade de betão, e verificando que o pilar iria atravessar um quarto, quer a 1.ª ré, empreiteira, quer a 2.ª ré, Diretora de Obra, tinham o dever, contratual e funcional, de alertar o autor e ainda os autores de projeto de arquitetura e especialidades para a necessidade de conformação de tais projetos e para alterar a localização de tal pilar. Não o tendo realizado, devem ambas ser condenadas em tal custo, que o autor estima em montante nunca inferior a € 12.500,00.
73. No que respeita aos vícios que ainda não foram determinados, atinente a vícios do betão, ou à execução da drenagem periférica, com impermeabilização das paredes perimetrais e caixa de águas para bombagem, ou outros, e que a sua determinação carece da realização da prova pericial que a final se irá solicitar em sede de prova, requer que ambas as rés sejam condenadas a pagar o correspondente custo de reparação de tais vícios, a determinar em sede pericial.
74. Acresce que a 1.ª ré executou a empreitada do autor contratando subempreiteiros, sendo que tal subcontratação não estava autorizada pelo autor em contrato. A 1.ª ré deixou de liquidar a alguns desses subempreiteiros as quantias devidas pela execução de tais trabalhos. E, por esse motivo, os mesmos abandonaram a obra, tendo deixado de comparecer para prosseguirem os trabalhos, desde pelo menos fevereiro de 2021.
75. Na sequência da suspensão da obra, o autor deslocou-se à mesma, por forma a apurar os motivos, e verificou que existiam variados defeitos, ou seja, que a construção executada pela 1.ª ré estava em desconformidade com as regras e arte da boa construção, designadamente, as desconformidades acima referidas. E exigiu da 1.ª ré a sua reparação, o que a mesma não aceitou.
76. Mais alega que antes do início da empreitada, em agosto de 2020, o autor pagou à 1.ª ré a quantia de € 75.000,00.
77. Autor e 1.ª ré acordaram que os demais pagamentos seriam mensalmente realizados de acordo com autos de medição a elaborar unilateralmente pela 1.ª ré e com a aceitação e confirmação da 2.ª ré. Mais acordaram que tais autos seriam pagos pelo autor à 1ª ré no valor líquido, sem IVA, no final da empreitada, e contra a emissão da fatura final a emitir pela 1.ª ré.
78. A empreitada executada pela 1.ª ré iniciou-se em agosto de 2020.
79. Em 01/09/2020 a 1.ª ré emitiu o auto de medição nº 1, no valor de 6.982,66 €, que o autor liquidou.
80. Posteriormente foram emitidos os seguintes autos:
- auto de medição nº 2 em 01/10/2020, no valor de 32.155,74€;
- auto de medição nº 3 em 15/12/2020, no valor de 22.368,20€;
- auto de medição nº 4 em 31/01/2021, no valor de 3.504,27€;
- auto de medição nº 5 em 26/02/2021, no valor de 3.997,28€.
Todos igualmente liquidados pelo autor, no montante global de 144.008,15 €.
81. Sucede que tais autos – que foram incorretamente numerados pela 1.ª ré, não estão conformes com a construção efetivamente executada pela 1.ª ré, e que devia estar realizada de acordo com as regras e arte de bem construir.
82. O autor liquidou quantias superiores ao ritmo e materiais empregues em obra. Relativamente às diferentes rúbricas do contrato, é fácil determinar que na elaboração dos autos de medição ambas as rés enganaram o autor, já que contabilizaram trabalhos não executados como tendo sido efetivamente prestados, determinando-o a pagar quantias que não eram devidas, porquanto respeitantes a trabalhos não executados.
83. No que respeita à rúbrica de trabalhos preparatórios, o autor liquidou a totalidade dos mesmos, que incluíam a desmontagem do estaleiro e a gestão do plano de resíduos até ao fim da obra, o que não ocorreu. Tal rúbrica tinha que ser distribuída pelos diversos meses de duração da obra, e não medida e exigida pelas rés ao autor na totalidade. Também no que respeita à rúbrica movimento de terras o autor liquidou a totalidade do valor de € 4.598,50 a ela atinente, quando o terreno ainda não se encontra às cotas previstas no projeto, os produtos sobrantes ainda não foram transportados a vazadouro e ainda falta aterrar, regar e compactar devidamente as terras por camadas. No que se refere a obra de pedreiro, o autor liquidou à 1.ª ré, de acordo com o auto de medição elaborado por ambas, 95% do valor total da empreitada, ou seja, € 75.546,38, quando a obra de betão e de pedreiro não foi executada conforme ao projeto e as rés inseriram no auto, sem a autorização do autor, que dele não se deu conta, e contra a sua vontade, a execução de alvenarias exteriores em bloco térmico, que está em desconformidade com o acordo de empreitada e com o projeto de arquitetura e especialidades. Já no que respeita à obra de trolha, as rés mediram e a 1.ª ré cobrou do autor a quantia de 25% da mesma, ou seja, € 6.869,50, apesar de não ter executado qualquer aplicação de capoto, realizado chapisco, emboço ou reboco para receber acabamento final, ou fornecido e assentado revestimentos cerâmicos em paredes e pisos de cozinhas e quartos de banho. Ambas as rés mediram e a 1.ª ré cobrou do autor a quantia de 5% da obra de serralheiro, ou seja, € 1.408,75, quando nenhuma dessa obra, tal qual se encontra mencionada e descrita no auto, se acha executada, pois que não foi aplicada qualquer caixilharia em obra nem fornecidos ou aplicados os estores elétricos.
84. Por outro lado, as rés mediram e a 1.ª ré cobrou do autor a quantia correspondente a 30% da obra de picheleiro, no valor de € 2.920,50, quando os roços e as tubagens existentes estão em desconformidade com os projetos aprovados. O mesmo sucede em relação à obra de rede de gás, de que a 1.ª ré recebeu 10% do seu valor total, no montante de € 420,20, quando nenhuma instalação existe a tal respeito. Igualmente em relação à arte de eletricidade que ambas as rés mediram como sendo executada na percentagem de 15%, no valor de € 2.945,25, quando os únicos tubos de eletricidade instalados não alcançam mais do que 5% do valor global da obra. E também as rés mediram e cobraram do autor a quantia de 10%, ou seja, € 275,00, da obra de AVAC, quando não realizaram trabalhos dessa arte ou aqueles que fizeram, referentes a alguns tubos colocados em obra, não alcançam tal valor.
85. O autor ficou convencido que a 2.ª ré, Diretora Técnica da Obra, Engenheira Civil de profissão, agiria com competência e independência, realizando as medições adequadas e conformes à construção executada. E mais ficou convencido que a mesma, nessa mesma qualidade, asseguraria que a obra era executada conforme aos projetos aprovados e às regras e arte da boa construção. O que verificou não ter sucedido.
86. O autor liquidou à 1.ª ré valores em excesso, por considerar estarem os autos de medição corretos e em conformidade com a obra executada, os quais alcançam montante nunca inferior a € 30.000,00, pelos quais tem que ser indemnizado por ambas as rés, solidariamente.
87. A 1.ª ré declarou perante o autor que tais montantes correspondiam a obra executada que ela tinha presenciado e fiscalizado na execução, o que não corresponde à verdade.
88. Em fevereiro de 2021, a 6 meses do prazo estabelecido para o termo da empreitada, a 1.ª ré suspendeu a execução da mesma, depois de ter recebido a quantia líquida de € 144.008,15, correspondente a quase 2/3 do preço global da obra, de € 250.000,00, mas quando ainda faltavam executar trabalhos cujo preço ascendia a montante muito superior.
89. Tal suspensão, conforme acima referido, deveu-se ao facto de a 1.ª ré estar em dívida com diversos subempreiteiros da obra do autor e, por isso, os mesmos a terem abandonado e recusado prosseguir com a mesma.
90. Instado pelo autor a retomar os trabalhos e a eliminar os defeitos, mas ciente que não tinha capacidade técnica ou económica para o fazer, a 1.ª ré emitiu, em 5 de março de 2021, 6 faturas, numeradas de 25 a 30, no valor total de € 177.130,88, reclamando ao autor o pagamento da diferença para aquele valor global que ele ainda não tinha liquidado, no montante de € 33.122,03. O autor não acordou nem autorizou a 1.ª ré a emitir as aludidas faturas na mesma data. Autor e 1.ª ré haviam acordado que a obra seria faturada no final da empreitada. Daí que a 1.ª ré nunca tenha emitido fatura dos serviços correspondentes aos autos, apesar de ter recebido quantias do autor desde pelo menos agosto de 2020. Mas ainda que a 1.ª ré tivesse que emitir tais faturas, por motivos fiscais ou outros, teria que acordar com o autor na sua emissão e pagamento da correspondente taxa de IVA, já que alterou um comportamento que até essa data de 05 de março de 2021 havia acordado com o autor. Com a agravante que emitiu faturas de vários milhares de euros que se traduziram na cobrança imediata de um imposto de valor elevado. A emissão daquelas faturas pela 1.ª ré numa única assentada e data, com o vencimento imediato de impostos no valor de € 33.122,03, foi realizada pela 1.ª ré por forma a causar dificuldades económicas ao autor. Mas ainda que não tivesse sido essa a intenção, o que é certo é que causou ao autor tais dificuldades económicas. Mais, foi ainda realizada por forma a coagir o autor a resolver o contrato ou a entregar-lhe quantias adicionais e que não se coadunam com o valor da obra realizada.
91. Por tal motivo, e ainda porque existiam e existem diversos defeitos de construção, inadmissíveis em obra, divergentes com o projeto licenciado e que fizeram gorar a confiança do autor na 1.ª ré, o autor resolveu o contrato de empreitada através de carta registada com data de 19 de abril de 2021.
92. Sucede que o autor não entregou à 1.ª ré a posse do seu terreno.
93. Por um lado, porque prosseguiu a ter o acesso ao mesmo, apesar das dificuldades criadas pela 1.ª ré para o efeito, procurando que o mesmo não entrasse na obra, sob variados pretextos.
94. Por outro lado, porque o autor é um mero comproprietário do terreno e, por isso, não podia entregar a posse de algo que não lhe pertencia na totalidade.
95. Porém, desde 19 de abril de 2021 e até ao presente, a 1.ª ré, invocando a existência de um putativo direito de retenção, vem perturbando a posse da obra por banda do autor, ciente, como está, de que o autor é seu credor e não devedor; de que quando for realizada uma peritagem à obra será quantificado e avaliado que a obra executada pela 1.ª ré é bastante inferior ao valor de € 144.008,15 que já recebeu do autor; e que para eliminar os defeitos da obra executada em desconformidade com os projetos e com as regras e arte da boa construção será necessário ao autor despender mais de € 153.135,00.
96. Por forma a coagir e chantagear o autor a fazer-lhe pagamentos indevidos, a 1.ª ré chama a PSP e muda as fechaduras e/ou coloca aloquetes e tábuas a vedar o acesso do autor à sua propriedade, sempre que ele se desloca à mesma.
97. O autor estima em € 65.000,00 o valor que liquidou em excesso à 1.ª ré.
98. O referido valor tem que ser calculado proporcionalmente à obra executada e por comparação com o preço global da empreitada.
99. Considerando os valores líquidos da empreitada, e tendo em consideração que a empreitada geral ascenderia ao valor global de € 250.000,00, o montante liquidado pelo autor ultrapassa em muito o valor dos trabalhos e materiais empregues na obra.
100. Com efeito, há que contabilizar pelo menos os seguintes trabalhos ainda não executados:
1. Trabalhos preparatórios:
a) Desmontagem de estaleiro e instalações sanitárias, até final da obra;
b) Gestão do Plano de Segurança, até final da obra;
c) Implementação do plano de Segurança, até final da obra.
2. Movimento de terras:
a) Carga e transporte de produtos sobrantes a vazadouro, até final da obra;
b) aterro devidamente regado e compactado por camadas.
3. Arte de pedreiro:
a) Pavimento térreo;
b) regularização da cobertura com argamassa de betão a criar as pendentes necessárias para o bom escoamento de águas;
c) Execução de alvenarias exteriores conforme projeto aprovado e restantes trabalhos necessários à perfeita execução.
4. Arte de trolha:
a) Fornecimento e execução de sistema capoto;
b) Fornecimento e aplicação de alvenarias interiores e todos os trabalhos prévios para bom acabamento;
c) Fornecimento e execução de chapisco, emboço e reboco em paredes interiores e tetos prontos a receber o acabamento final;
d) Fornecimento e assentamento com cimento cola de revestimento cerâmico em paredes, cozinhas e quartos de banho, até € 20,00/m2, incluindo a betumação de junta com material próprio.
5. Impermeabilização:
a) Execução da impermeabilização da cobertura conforme descrito no corte construtivo;
6. Trabalhos de carpinteiro:
a) Fornecimento e aplicação de soalho em lamparquet de carvalho envernizado, em réguado de 80*10*2 cm nos quartos, sala e hall’s, no valor de 65,00€ 7m2, incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom acabamento;
b) Fornecimento e aplicação de portas interiores em madeira de tola ou MDF para lacar, incluindo ombreiras, padieiras e todos os trabalhos inerentes ao bom acabamento;
c) Fornecimento e aplicação de roupeiros em “filme” termolaminado branco nas duas casas, incluindo um módulo de gavetas, prateleiras, varão e todos os trabalhos inerentes ao bom acabamento;
d) Fornecimento e aplicação de rodapé com 10 cm de altura e 2 cm de espessura em madeira de tola para lacar, incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom acabamento.
7. Trabalhos de serralheiro:
a) Fornecimento e aplicação de caixilharia em PVC com corte térmico e vidro duplo até 350,00€/m2, incluindo os materiais e equipamentos necessários ao bom acabamento e vedação das mesmas;
b) Fornecimento e aplicação de estores elétricos nas janelas, incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom funcionamento.
8. Trabalhos de pintor:
a) Fornecimento e execução de pintura, incluindo lixar, emassar, uma demão de isolante e duas demãos de tinta plástica tipo Barbot;
b) Fornecimento e execução de lacagem de portas incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom acabamento.
9. Trabalhos de picheleiro:
a) Fornecimento e execução de Rede de Abastecimento de água em PP-R até ao contador, incluindo todos os trabalhos inerentes á legislação em vigor;
b) Fornecimento e execução de Rede de Águas Residuais em PVC, incluindo todos os trabalhos inerentes á legislação em vigor;
c) Fornecimento e execução de Rede de Águas Pluviais em PVC, incluindo todos os trabalhos inerentes á legislação em vigor;
d) Fornecimento e execução de Rede de Drenagem periférica conforme descrito no corte construtivo, incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom funcionamento.
10. Trabalhos de gás:
a) Execução de Rede de Gás em tubo de cobre desde do contador até aos pontos de queima (não contabilizado esquentador ou caldeira), conforme legislação em vigor.
11. Trabalhos de eletricidade:
a) Execução de instalação elétrica e Ited, conforme legislação em vigor, aparelhagem tipo Legrand; Iluminação só contabilizado pontos de luz; 4 pontos de luz por compartimento.
12. Elevador:
a) Fornecimento e montagem de Homelift Hidraúlico para 4 pessoas tipo Grupnor, incluindo todos os trabalhos inerentes ao bom funcionamento e legislação em vigor.
13. Equipamento sanitário:
a) Fornecimento e montagem de equipamento sanitário, Sanitas, Lavatórios e bidés, tipo Sanitana modelo Nexo Suspensos ou equivalente, torneira tipo Ofa, duches moldados no pavimento com resguardo em vidro laminado incluindo todos os acessórios inerentes ao bom funcionamento.
14. Móveis de cozinha:
a) Fornecimento e colocação de móveis de cozinha em MDF hidrófugo para lacar, tampo em Silstone de 3cm, módulo de gavetas, prateleiras.
15. AVAC
a) Execução de pré instalação de AVAC (apenas tubagens).
16. Arranjos exteriores:
a) Fornecimento e execução de muros exteriores em bloco de cimento de 15 cm, reboco e pintura até 1,20 de altura;
b) Fornecimento e execução de passeios de acesso às entradas e garagem;
c) Fornecimento de portões de acesso em alumínio lacado (2 de duas folhas e 2 de uma folha);
d) Fornecimento e aplicação de 4 motores nos portões de acesso para carros e dois portões de homem eletrificados.
e) Execução de zona de jardim, com fornecimento e colocação de terra vegetal e semear relva;
f) Fornecimento e aplicação de dois painéis solares com potência suficiente para alimentar as duas casas, incluindo caldeira.
101. Para executar tais trabalhos, aos preços atuais de mercado, será necessário ao autor despender quantia nunca inferior a € 200.000,00.
102. O autor terá ainda que mandar corrigir e eliminar todos os vícios da empreitada executada pela 1.ª ré e acima melhor descritos.
103. Na demolição, reconstrução e reparação da obra que não foi executada conforme os projetos e/ou conforme as regras e arte de bem construir, o autor despenderá quantia nunca inferior a € 153.135,00.
104. O autor previa ter a empreitada concluída no prazo de um ano a contar de agosto de 2020, ou seja, até agosto de 2021.
105. O autor vendeu um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, com quintal, destinado a habitação, descrito na CRP da Póvoa de varzim sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de € 136.800,00, em 28 de agosto de 2018. Tal moradia tinha sido adquirida pelo autor no ano de 1988, pelo preço de € 54.900,00. O autor teria que liquidar mais valias sobre metade do valor da diferença entre o preço de aquisição e o preço da venda, ou seja, sobre metade do valor de € 81.900,00. O autor declarou na sua declaração de IRS de 2018 que iria reinvestir o lucro decorrente de tal venda na aquisição/construção da moradia que contratou com a 1.ª ré, para o que dispõe legalmente do prazo de 3 anos sobre a data da escritura de venda. Daí que o autor tenha acordado com a 1.ª ré que a construção teria que estar concluída até agosto de 2021. Em consequência da mora e subsequente resolução do contrato de empreitada, assim como na sequência de a 1.ª ré substituir as fechaduras e procurar impedir o acesso do autor à referida obra para poder prosseguir a empreitada com outra empresa de construção civil, o autor não poderá obter o reinvestimento atempado de tal lucro na venda de tal casa. E, por tal motivo, será penalizado na declaração de IRS do ano de 2022, já que terá que liquidar impostos sobre tal quantia, que ascendem a montante nunca inferior a € 12.500,00.
106. Ainda em consequência da resolução da empreitada e da retenção ilícita da obra e terreno por parte da 1.ª ré, o autor não logrou até ao presente acordar o reatamento e conclusão da empreitada por outra empresa de construção civil. Entre agosto de 2020, data da celebração do contrato, e o mês de março de 2022, o preço da mão-de-obra e dos materiais da construção civil sofreu um aumento acentuado. O índice de Custos de Construção da Habitação Nova apresentou uma variação média de 5,7% em 2021, o que representa um aumento de 3,3 pontos percentuais relativamente a 2020, de acordo com anúncio do Instituto Nacional de Estatística (INE). Para este aumento contribuíram as subidas dos preços dos materiais e da mão-de-obra que, respetivamente, registaram variações homólogas de 8,0% e 5,1%. E para 2022 estima-se que tal aumento ainda seja superior, nunca inferior a 5 pontos percentuais relativamente a 2021. Sendo certo que o preço das caixilharias e vidros sofreu um aumento muito superior, de 25% ou mais. Para concluir a obra, na parte ainda não executada pela 1.ª ré, o autor despenderá aproximadamente mais 20% do que o valor que havia acordado com a 1.ª ré, caso ela tivesse concluído os trabalhos em agosto de 2021. Ou seja, o autor estima que a conclusão da obra ascenderá a pelo menos mais € 75.000,00, acrescidos de IVA, num total de € 92.250,00, do que o valor que tinha acordado com a 1.ª ré. E tudo devido à atuação da 1.ª ré. Tal diferença deve ser suportada a cargo da 1.ª ré, já que foi a responsável pela mesma.
107. O autor terá que contratar os serviços de arquiteto para substituir o autor do projeto, que rescindiu a sua responsabilidade com fundamento na execução da obra em desconformidade com os projetos e com os regulamentos e regras e arte de bem construir. E terá ainda que liquidar licenças camarárias e a gestão do plano de higiene e segurança no trabalho até final da empreitada e conclusão da obra. O autor estima despender em tais serviços e taxas quantia nunca inferior a € 15.000,00. Porém, uma vez que não liquidou ainda tais custos, requer que a ré seja condenada a pagar tais montantes a liquidar em sede de execução de sentença, após apuramento final e definitivo dos seus montantes.“.
*
Nas conclusões (25ª a 27ª) vêm os RR./recorrentes sustentar que são partes ilegítimas por não estarem acompanhados pelo responsável do projecto, pois que este responde solidariamente com eles.
O A. nas contra-alegações veio pugnar pela improcedência de tal excepção.
Cumpre decidir.
A questão é simples de decidir.
O artigo 30.º do Código de Processo Civil dispõe que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar e o réu quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se o interesse directo em demandar pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
Na falta de indicação da lei em contrário – diz o n.º 3 do citado artigo – são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo A.. A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida através do interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade.
O que os RR. pretendem discutir é a legitimidade substancial, o que é bem distinta da legitimidade adjectiva, de estar na demanda. Para tanto basta atentar na causa de pedir que o A. apresenta na sua petição inicial para demandar a 1ª R. e 2ª R.. De igual modo, não se vislumbra, ainda que na perspectiva das RR., que ocorra situação de litisconsórcio passivo necessário com o citado autor do projecto.
Deste modo, julga-se a arguida excepção de ilegitimidade não verificada e em consequência improcede, o recurso nesta parte.
*
B)
Em síntese os recorrentes sustentam que tal factualidade merecerá resposta distinta pois que a prova pericial aponta claramente em tal sentido.
O que está em causa diz respeito à aplicação das regras de direito probatório da confissão e da perícia.
Vejamos.
O princípio básico do nosso ordenamento jurídico é o da livre apreciação da prova – artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
“Vigora, entre nós, um sistema hibrido ou misto. Consagra, com efeito, o citado preceito o princípio da «liberdade de julgamento» («o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção» acerca de cada facto»). Apenas com a exceção de a lei exigir para a existência ou prova do facto qualquer formalidade especial, a qual não poderá ser dispensada" (cfr. o art. 607, n° 5, 2º segmento).
Assiste, pois, ao julgador o poder de livremente decidir - depois de ponderada apreciação e avaliação - os diversos pontos da matéria de facto (reportados às questões constantes do elenco dos temas de prova) segundo a sua prudente e intima convicção. Convicção esta alicerçada em regras técnicas ou em máximas da experiência, bem como em conhecimentos pessoais de ordem lógico-dedutiva sobre as realidades da vida e da convivência social. Elementos esses conducentes à prova direta do facto controvertido ou à ilação (dedução lógica) da realidade ou verosimilhança desse facto, através da prova de um facto indiciário (instrumental), nesta segunda hipótese se fundando a prova numa presunção natural ou judicial (arts. 351º do CC e 607°, nº 4). Poder que se exerce, não apenas no que respeita à admissibilidade dos meios de prova propostos ou requeridos pelas partes, como também no que se refere à determinação do seu valor probatório. E tudo por reporte ao material probatório carreado pelas partes ou recolhido oficiosamente para o processo, quiçá mesmo face à conduta processual por elas concretamente adotada.”, in Direito Processual Civil, FRANCISCO MANUEL FER-REIRA DE ALMEIDA, Vol I, 2ª ed, pág 109.
“(…) o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa a sua íntima convicção, formada no confronto dos vários meios de prova. Compreende-se como este novo princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis.
(…) Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova. Mas as excepções são importantes.
Estão, de acordo com essa regra, sempre sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396 CC), a prova por inspecção (art. 391 CC) e a prova pericial (art. 389 CC). Têm, pelo contrário, valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 371-1 CC) ou particulares (art. 376-1 CC), e a confissão escrita, seja feita em juízo (art. 358-1 CC), seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358-2 CC); mas quer o documento (art. 366 CC) quer a confissão (art. 361 CC) que não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal fica sujeito à regra da livre apreciação. Valor probatório fixado por lei têm também as presunções legais stricto sensu (art. 350 CC) e a admissão (supra, 2, nota 34).
(…)
No âmbito do principio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346 CC), o facto não pode ser dado como provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte quem o facto aproveitaria (art. 516).“, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, JOSÉ LEBREE DE FREITAS, 1996, pág 157 e seguintes.
De modo unânime a jurisprudência tem decidido no mesmo sentido. Entre muitos outros, Ac Supremo Tribunal de Justiça 745/05.9TBFIG.C1.S2, de 18.06.2019, relatada pela Cons ANA PAULA BOULAROT:
“Decorre do disposto no artigo 607º do NCPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil. (…)
Assim sendo, prima facie, há que concluir que a apreciação da prova pericial está sujeita à liberdade de julgamento, uma vez que a força probatória das respostas dos peritos é livremente fixada pelo Tribunal nos termos expressos no normativo inserto no artigo 389º do CCivil.”
O artigo 352.º do Código Civil define confissão como “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, acrescentando o artigo 355.º que esta pode ser judicial, quando é feita em juízo, ou extrajudicial, quando é feita de outro modo (n.ºs 1, 2 e 4).
“Diz-se confissão o reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse. Com base na regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse, esta declaração de ciência constitui presunção (lato sensu) da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objeto. (…)
A confissão tem força probatória plena quando se verifiquem os requisitos dos arts. 353.º e 358. e força de prova livre quando eles não se verifiquem (art. 361.). “, Código Civil Anotado, Coord, ANA PRATA, em anotação ao artigo 352.º, pág. 471, por JOSÉ LEBRE DE FREITAS.
A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, como previsto no nº 1 do mesmo artigo. Em complemento do que, no artigo 563º do Código de Processo Civil, se prevê expressamente a redução desta a escrito. Ou seja, a confissão judicial tem força probatória plena, se for efectuada nos articulados ou se, embora prestada em depoimento, for reduzida a escrito. Podem ainda valer como reconhecimento de factos favoráveis à contraparte quaisquer outros depoimentos, mediante apreciação livre do tribunal.
LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Direito Probatório Material Comentado, 2.ª Edição, 2021, Almedina, pp. 95-96 e 100-101, explica que a confissão judicial, aquela que apresenta força probatória plena (artigo 358.º, n.º 1, do Código Civil) é a que é feita no próprio processo, independentemente da natureza do processo, uma vez que cada processo tem um contexto específico, que se espelha nos interesses e na posição do confitente.
Diversa doutrina e jurisprudência vem defendendo que, tratando-se de confissão com força probatória plena, o confitente apenas poderá impugnar tal prova plena demonstrando, cumulativamente, que o facto confessado não corresponde à verdade e que ocorrem os pressupostos que conduzem à nulidade ou anulabilidade da confissão, como decorre conjugação do disposto nos artigos 347.º (máxime a sua parte final) e 359.º, do Código Civil.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 3696/16.8T8VIS.C1.S1, de 08.01.2019, relatado pela Cons ANA PAULA BOULAROT, onde se afirma que “o confitente não pode infirmar a força probatória da confissão com a simples prova que o facto confessado extrajudicialmente não corresponde à verdade, apesar do art.º 347.º do C. Civil dispor que a prova legal plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. Isto porque a parte final deste preceito salvaguarda a possibilidade de existirem outras restrições especialmente previstas na lei. E uma dessas restrições especialmente previstas é precisamente a prova que resulta de uma declaração confessória. Esta só pode ser derrubada pelo reconhecimento da nulidade ou pela anulação judicial da confissão, por falta ou vícios da vontade, conforme prevê o art.º 359.º do C. Civil, o que inclui, necessariamente, a prova do contrário do que foi declarado”. Igualmente, neste Tribunal da Relação do Porto 137123/16.0YIPRT.P1, de 28.03.2023, relatado pelo Des ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA.
Por sua vez, a prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil).
Conforme bem se explica no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 812/06.1TBAMT.P1.S1, de 31.03.2022, relatado pela Cons ANA LUÍSA GERALDES, a prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil. “É claro que tratando-se de uma prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelos Tribunais e a que estes estejam vinculados. “
“O n. 1 sujeita a confissão ao regime de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, resultante da falta ou de vícios da vontade, sem prejuízo de o n.º 2 dispensar a anulação por erro dos requisitos, salvo o da essencialidade, exigidos para o negócio jurídico.
Esta equiparação tem na sua base a ideia de que, através do ato da confissão, é possível atingir um resultado prático semelhante ao do negócio jurídico. Mas a confissão não é uma declaração de vontade e, por isso, na aplicação do preceito à confissão há que ter em conta a natureza desta, como declaração de ciência. “, Código Civil Anotado,. Coord, ANA PRATA, em anotação ao artigo 359.º, pág. 480, por JOSÉ LEBRE DE FREITAS.
Retornando ao caso e apreciando a pretensão do recorrente, não poderá a mesma proceder.
No confronto entre a prova por confissão judicial e a prova pericial, aquela prevalece sobre esta. Sendo que no caso, o recorrente não preenche os requisitos para que a prova por confissão, prova plena, não produza os seus efeitos, pois que não demonstra que tais factos não sejam verdadeiros e que ocorra nulidade ou anulabilidade da confissão, nos termos gerais.
Pelo que por esta via improcede a apelação.
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C)
A 1.ª R. nunca foi interpelada para eliminar os defeitos, não existindo assim interpelação admonitória para cumprimento do contrato. E, portanto, não há incumprimento definitivo que seja fundamento da resolução operada pelo A..
A causa de pedir tal como vem configurada pelo A., quanto à 1.ª R., é de uma relação contratual havida como de contrato de prestação de empreitada – artigos 1207.º e 1213.º do Código Civil.
A definição legal é dada pela norma do artigo 1207.º do Código Civil, que reza assim:
“Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Nos presentes autos, logrou o A. fazer prova de tal factualidade – quanto à definição da relação contratual que unia A. e 1.ª R..
Nos termos do contrato de empreitada o empreiteiro está obrigado a realizar a obra – artigo 1207.º do Código Civil – que deve ser feita em conformidade com o contratado e sem vícios que lhe reduzam ou excluam o valor ou aptidão para o suso ordinário ou o previsto no contrato- artigo 1208.º do Código Civil.
No sentido amplo, incumprimento poderá ocorrer quando haja retardamento ou atraso da prestação, ou incumprimento definitivo ou cumprimento defeituoso ou mau cumprimento.
Ocorre incumprimento definitivo do empreiteiro caso este deixe de prestar a sua obrigação nos termos acertados e adequados.
“O não cumprimento da prestação do empreiteiro será definitivo se a obra, não tendo sido realizada, já o não puder ser, por o comitente ter nela perdido o interesse (art. 808°, n.° 1, 1ª parte CC), ou por não ter sido realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo dono da obra (art. 808, n.º 1, 2ª parte CC).
Se a obra não foi atempadamente realizada e já não puder vir a sê-lo, na medida em que, entretanto, se tornou impossível a sua execução por causa imputável ao empreiteiro, a situação é equiparada ao incumprimento definitivo (art. 801°, n.° 2 CC)¹.
As estas três situações pode acrescentar-se a hipótese de o empreiteiro ter expressamente declarado que já não realizaria a obra². Perante o incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, cabe ao dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização (art. 801°, n.° 2 CC).
Se a obra não foi entregue na data acordada, mas ainda pode vir a sê-lo e o dono da obra mantiver o interesse nessa prestação, há um simples retardamento ou mora. Todavia, o empreiteiro só entra automaticamente em mora se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra; caso contrário, a situação de mora surge após a interpelação que o comitente faça (art. 777º, n.° 1 CC), tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (art. 777º, n.º 2 CC). Depois de se ter constituído em mora, o empreiteiro pode efectuar um cumprimento retardado, desde que indemnize o dono da obra dos danos causados pelo atraso (purgação da mora). “, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, (parte especial). 2ª ed. pág. 466.
Tal como foi decidido pelo Ac do Supremo Tribunal de Justiça, 07A074, de 06.03.2007, relatado pelo Cons. AZEVEDO RAMOS, in dgsi.pt, “No entanto, importa salientar que ao contrato de empreitada se aplicam as normas especiais dos arts 1207 e segs do C.C. e as gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com as primeiras se não revelem incompatíveis .
No não cumprimento, em sentido lato, incluem-se a impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento proveniente da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.”
Quanto ao retardamento da prestação, podemos distinguir várias situações, com diferentes consequências jurídicas: o retardamento imputável ao devedor (a mora debitoris), o retardamento imputável ao credor (a mora creditoris) e o retardamento casual, isto é, não imputável a nenhum deles – artigos 804.º, n.º 2, 813.º e 792.º do Código Civil.
Sendo que a “mora de devedor depende dos seguintes pressupostos: inexecução da obrigação no vencimento, com possibilidade todavia de execução futura; a imputabilidade dessa inexecução ao devedor. Significa isto, por outras palavras, que são requisitos da mora o acto ilícito e a culpa. O acto ilícito consiste em o devedor deixar de efectuar oportunamente a prestação; a culpa em tal lhe ser atribuível. O acto ilícito é a inexecução da obrigação em si, portanto algo de objectivo; a culpa, a imputação dessa inexecução ao devedor, portanto algo subjectivo”, Prof. GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 6ª ed., pag. 296.
A Lei concede ao dono da obra, em caso de cumprimento defeituoso, múltiplos meios de actuação.
Em primeiro lugar, o comprador ou o dono da obra podem exigir a reparação das deficiências, caso possam ser eliminadas, ou a realização de obra nova, salvo se as respectivas despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito a obter (artigos 914.º e 1221.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Em segundo lugar, assiste ao comprador ou ao dono da obra o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, caso não sejam eliminados os defeitos ou construída de novo a obra e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina (artigos 911.º e 1222.º, n.º 1, do Código Civil).
Por último, concede-se ao comprador ou ao dono da obra o direito de pedir uma indemnização, nos termos gerais do artigo 562.º do Código Civil (artigo 1223.º do Código Civil).
É jurisprudência pacífica, ver Ac do Supremo Tribunal de Justiça 05B1807, de 25.11.2004, relatado pelo Cons ARAÚJO DE BARROS:
“Segundo dispõe o art. 1208º do C.Civil (1) "o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato".
Assim, "o comitente que celebra com o empreiteiro um contrato de empreitada tem direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados. No fundo, o dono da obra, por força do contrato de empreitada, tem o direito a exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que este se obrigou. Este é o principal direito do dono da obra". (2)
Sendo prerrogativa do dono da obra a fiscalização, à sua custa, da execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada (art. 1209º, nº 1).
Ora, no que concerne à obra executada com defeitos (cumprimento defeituoso da empreitada) prescrevem os arts. 1220º, 1221º, 1222º e 1223º que "o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu aparecimento"; "se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção"; "não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina"; "o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais".
Todavia, "os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não são atribuídos, em alternativa, com a eliminação dos defeitos ou reconstrução da obra, conferidos no artigo anterior. (...) O artigo 1222º, na verdade, torna o exercício daqueles dois direitos dependente do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra. Dá-se, portanto, ao empreiteiro a possibilidade de, querendo, manter o contrato pelo preço estipulado, eliminando os defeitos da obra ou construindo outra de novo; só na hipótese de ele não fazer nem uma coisa nem a outra, se abre a possibilidade de redução do preço ou de resolução do contrato". (3)
De facto, o dono da obra só poderá exigir a resolução do contrato se, para além de não terem sido eliminados os defeitos ou realizada de novo a obra, tais defeitos tornaram a obra inadequada para o fim a que se destina.
Por isso, "sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da obra, ao dono da obra só cabe a escolha entre resolver o contrato e reduzir o preço (o que depende da sua escolha) caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado, nos termos do artigo 808º, para a sua efectivação".(4)“
O dono da obra não pode, pois, exercer, arbitrariamente, mas sim de forma sucessiva, os diversos direitos que a lei confere ao dono da obra defeituosa.
Vejamos como fundamentou a decisão a M.ma Juíza:
“Revertendo para a situação dos autos, vemos que nos mesmos o autor alega e prova que a obra executada pela 1ª ré apresenta graves defeitos cuja reparação lhe exigiu e que a 1ª ré não aceitou fazer e, ainda, que a 1ª ré suspendeu a execução da empreitada a 6 meses do prazo contratualmente estabelecido para o seu termo, o que se deveu ao facto de não ter pago aos subempreiteiros por si contratados, sendo que, instada para retomar os trabalhos, emitiu várias faturas na mesma data, pese embora as partes tenham acordado que a obra seria faturada no final e a 1ª ré já tivesse recebido quantias avultadas do autor.
Neste enquadramento, e dada a compreensível quebra de confiança do autor na 1ª ré, o autor procedeu à resolução do contrato de empreitada, o que fez mediante carta registada com aviso de receção datada de 19.04.2021. Note-se que até essa data a 1ª ré não retomou os trabalhos que havia suspendido.
A recusa, por parte da 1ª ré, de reparação dos defeitos que a obra apresenta e de retoma dos trabalhos suspensos, correspondem ao incumprimento definitivo do contrato de empreitada.
Esse incumprimento, atento o disposto no art.º 799 do CC, presume-se culposo. É assim legítima a resolução do contrato de empreitada por parte do autor, em conformidade com o disposto nos art.º 801, n.º 2, do CC. “.
Em face dos considerandos teóricos atrás citados, este Tribunal concorda com a fundamentação da primeira instância.
Com efeito, estão verificados os pressupostos para que o A., dono da obra tenha posto fim à relação contratual por via da resolução que este comunicou à 1ª R.. Existe uma perda de interesse do A. na prestação da 1.ª R. – artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil – facto 91.
Para que o credor possa resolver o contrato desonerando-se da sua prestação, é necessário, em princípio, que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível, por causa imputável ao devedor (artigo 801.º, n.º 1 do Código Civil), ou seja, quando haja incumprimento definitivo imputável ao devedor.
A simples mora do devedor não confere ao credor o direito de resolver o contrato.
No entanto, há dois casos e que o artigo 808.º do Código Civil equipara para todos os efeitos ao incumprimento definitivo, ao dispor no seu n.º 1 que, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for fixado, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Há impossibilidade de cumprimento da obrigação quando não se executou a prestação em devido tempo e já não há possibilidade de se cumprir, quer porque se tornou objectiva ou subjectivamente impossível, quer porque o credor deixou de ter interesse nela.
Em consequência do que atrás ficou decidido, não se coloca a questão de estarmos perante um mero caso de mora, por parte da prestação do empreiteiro, aqui 1ª R., pelo que não se coloca a questão da necessidade de convolar uma situação de incumprimento/mora em incumprimento definitivo por via da interpelação admonitória. Ainda que assim não fosse, sempre estaria preenchida a factualidade que levaria à resolução do contrato de empreitada por parte do A. dono da obra em relação à 1.ª R., empreiteira – factos 88 a 90.
Como se deixou afirmado o caso dos autos reconduz-se a uma situação de incumprimento definitivo do contrato de empreitada.
Perante o incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, cabe ao dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização nos termos do artigo 801.º, n.º 2 do Código Civil.
Sopesadas estas considerações, temos de concluir por o A. ter que ser indemnizado das quantias peticionadas e dadas como provadas e mencionadas na sentença em crise, com as seguintes ressalvas.
Quanto ao pedido de condenação id. sob a alínea C), parte final, “em montante a liquidar em execução de sentença mas nunca inferior a € 65.000,00“ a mesma não poderá permanecer. Com efeito da factualidade dada como provada temos que “O autor estima em € 65.000,00 o valor que liquidou em excesso à 1.ª ré”, facto 97, e portanto não estamos perante um facto assente, pois que se trata de uma conjectura, quase um cálculo assente um “desejo” do A.. Tanto assim o é, que está provado que tal valor estimado “tem que ser calculado proporcionalmente à obra executada e por comparação com o preço global da empreitada”, facto 98. Assim, mantendo-se a condenação, passará a constar “) condeno ambas as rés a pagarem ao autor a diferença de preço liquidada por este em excesso, entre tais quantidades e montante erradamente medidos e a obra efetivamente executada sem vício, em montante a liquidar em incidente de liquidação de sentença”.
Relativamente ao pedido atinente à quantia relativa a IRS, pedido de condenação id. sob a alínea G) – mais valias não reinvestidas, é de afirmar o seguinte. A factualidade dada como provada em 105, não permite tal conclusão. As supostas declarações de IRS por parte do A., a suposta liquidação de mais valias, salvo o devido respeito, não configura factualidade suficiente para que haja por parte do A. um dano a ser indemnização com a correspondente obrigação de indemnizar por parte da 1.ª R. empreiteira. Assim, nesta parte procederá a apelação.
Quanto ao segmento condenação identificado sob a alínea F) – condenar “condeno ambas as rés a reconhecerem todos e quaisquer outros vícios de construção que venham a ser determinados” também se diga que tal não poderá proceder. Estamos perante factualidade – pontos 57, 63 e 64 dos factos provados – meramente indiciária, se é que é possível afirmar tal, pois que os factos apenas nos dizem que o A. “suspeita e receia”, ou que “existirão outros vícios que não foram ainda detetados”, ou “o autor suspeita”. Estamos no âmbito de todas e quaisquer possibilidades, e não perante factos devidamente comprovados, ie, estamos perante meras possibilidades que no futuro poderão ocorrer, sem se saber que assim aconteça ou o seu contrário.
Tanto mais, que nenhum destes pedidos poderá ser integrado no direito de indemnização do dono da obra possa ser titular. “Ao contrário do que ocorre com a indemnização complementar dos direitos de eliminação dos defeitos ou de realização de nova obra, nos casos de resolução, o dono da obra terá direito de indemnização pelo interesse contratual negativo. Verificando-se, com a resolução, uma tentativa de reposição da situação anterior à realização do contrato resolvido, o empreiteiro deve indemnizar o dono da obra de todos os danos emergentes e lucros cessantes provocados pela celebração e pelo cumprimento do contrato. O que não se justifica, em principio, nestes casos, é que a indemnização procure repor as vantagens que o dono da obra obteria se o contrato tivesse sido cumprido na perfeição (interesse contratual positivo). Assim, o empreiteiro, com a resolução do contrato, deve, em regra, apenas indemnizar o dono da obra de todas as despesas efetuadas por este, provocadas pela celebração do contrato de empreitada, tal como dos benefícios que deixou de obter, pelo facto de ter celebrado aquele negócio. Admite-se, contudo, que em determinadas situações, cumulativamente com a resolução do contrato, o direito de indemnização previsto no artº 1223° do C.C., possa cobrir não só os danos provocados no bem sobre o qual incidiu a obra, mas também outras perdas resultantes do não cumprimento perfeito do contratado. (…)
Como exemplo desses danos colaterais constitutivos de um direito de indemnização, temos os danos não patrimoniais que o dono da obra possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação, os quais são indemnizáveis, se assumirem um grau de gravidade, que justifique uma intervenção compensatória do direito, nos termos do artº 496° do C.C. “ JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 7.ª ed.
Pelo que nesta parte, também procederá a apelação.
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D)
Sustenta a 2ª recorrente, BB, que nenhuma relação contratual teve com o A., pelo que não pode à mesma ser assacada qualquer responsabilidade contratual, designadamente, pela eliminação dos defeitos. De igual modo, não é responsável em termos de responsabilidade extracontratual, por falta do requisito da ilicitude.
Vejamos a fundamentação da sentença quanto à 2.ª R..
“Por fim, cabe indagar da responsabilidade da 2ª ré pelo pagamento das indemnizações reclamadas pelo autor e decorrentes da eliminação dos vícios da construção executada pela 1.ª ré e dos valores liquidados pelo autor em excesso, por desconformidade dos autos de medição elaborados pela 1.ª ré com a confirmação da 2.ª ré.
Entendemos que essa responsabilidade encontra acolhimento no instituto da responsabilidade civil extracontratual, consagrada no art.º 483º do CC, de harmonia com o qual quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
O art.º 10º do DL n.º 555/99 de 16.12 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), sob a epígrafe termo de responsabilidade, preceitua o seguinte:
1 – O requerimento ou comunicação é sempre instruído com declaração dos autores dos projetos, da qual conste que foram observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de construção em vigor, e do coordenador dos projetos, que ateste a compatibilidade entre os mesmos.
2 – Das declarações mencionadas no número anterior deve, ainda, constar referência à conformidade do projeto com os planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território aplicáveis à pretensão, bem como com a licença de loteamento, quando exista.
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte e em legislação especial, só podem subscrever projetos os técnicos legalmente habilitados que se encontrem inscritos em associação pública de natureza profissional e que façam prova da validade da sua inscrição aquando da apresentação do requerimento inicial.
4 – Os técnicos cuja atividade não esteja abrangida por associação pública podem subscrever os projetos para os quais possuam habilitação adequada, nos termos do disposto no regime da qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos ou em legislação especial relativa a organismo público legalmente reconhecido.
5 – Os autores e coordenador dos projetos devem declarar, nomeadamente nas situações previstas no artigo 60º, quais as normas técnicas ou regulamentares em vigor que não foram observadas na elaboração dos mesmos, fundamentando as razões da sua não observância.
6 – Sempre que forem detetadas irregularidades nos termos de responsabilidade, no que respeita às normas legais e regulamentares aplicáveis e à conformidade do projeto com os planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território ou licença de loteamento, quando exista, devem as mesmas ser comunicadas à associação pública de natureza profissional onde o técnico está inscrito ou ao organismo público legalmente reconhecido no caso dos técnicos cuja atividade não esteja abrangida por associação pública.
Nos termos do artigo 15º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (DL nº. 38382, de 07 de agosto de 1951) “todas as edificações, seja qual for a sua natureza, deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização e às funções educativas que devem exercer.”
No preâmbulo do DL nº. 38382, de 07 de agosto de 1951, refere-se que o Regulamento Geral das Edificações Urbanas “interessa, em primeiro lugar, aos «serviços do Estado e dos corpos administrativos» - a estes em especial -, pela função directiva e disciplinadora que, através daquele instrumento legal, lhes cabe exercer sobre as actividades relacionadas com as diferentes espécies de edificações, salvaguardando os interesses da colectividade, impondo respeito pela vida e haveres da população e pelas condições estéticas do ambiente local, criando novos motivos de beleza e preservando ou aperfeiçoando os já existentes, tudo de modo a tornar a vida da população mais sadia e agradável e a dar aos núcleos urbanos e rurais um desenvolvimento correcto, harmonioso e progressivo.”
De acordo com o artigo 13º, n.º 9, do DL n.º 555/99 de 16.12, os projetos de arquitetura e os de especialidades, bem como os pedidos de autorização de utilização, quando acompanhados por termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projeto legalmente habilitado nos termos da lei da qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, fiscalização de obra e direção de obra que ateste o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, incluindo a menção a plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território em vigor ou licença de loteamento, ficam dispensados da apresentação na câmara municipal de consultas, certificações, aprovações ou pareceres externos, sem prejuízo da necessidade da sua obtenção quando legalmente prevista.
De acordo com o artigo 98º, al. e) e f) do referido diploma, sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contra-ordenação, as falsas declarações dos autores e coordenador de projetos no termo de responsabilidade relativamente à observância das normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projeto; as falsas declarações no termo de responsabilidade do diretor de obra e do diretor de fiscalização de obra ou de outros técnicos relativamente.
Por seu turno, o art.º 3º, n.º 1, c), da Portaria n.º 1105/2001 de 18.09, prevê que o pedido de emissão de alvará de licenciamento ou de autorização de obras de edificação deve ser instruído com o termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direção técnica da obra. E, de acordo com o art.º 8º desse diploma, o termo de responsabilidade do diretor técnico da obra obedece às especificações definidas no anexo à referida portaria, que dela faz parte integrante.
A Lei n.º 31/2009 de 03/07, alterada pela Lei n.º 40/2015, de 01.06, estabelece as qualificações profissionais exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, condução da execução dos trabalhos das diferentes especialidades nas obras particulares de classe 6 ou superior e de direção de fiscalização de obras públicas ou particulares, determinando, no seu art.º 19º, n.º 1, que os técnicos e pessoas a quem a presente lei seja aplicável são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por ação ou omissão, de deveres no exercício da atividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contraordenacional, disciplinar ou outra que exista.
A Lei n.º 31/2009, por sua vez, é regulamentada pela Portaria n.º 1379/2009 de 30/10, que estabelece as qualificações específicas profissionais mínimas exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração de projetos, pela direção de obras e pela fiscalização de obras.
De tudo quanto ficou exposto, decorre que existe da parte do legislador a especial preocupação de rodear a atividade de construção dum controlo sucessivo, quer sob a perspetiva urbanística e de planificação do território (que se relaciona com a parte da conceção), quer sob a perspetiva da segurança e correção da edificação em sentido estrito (que se relaciona coma parte da execução). Ou seja, há a fase da ideação da construção e a fase da execução propriamente dita do projeto ideado, sendo ambas reguladas e controladas legislativa e administrativamente. E com intervenção ativa nesta fase da construção temos a 2.ª ré, que foi a diretora da obra e responsável pela sua execução e construção em conformidade com o projetado.
Não tendo a 2.ª ré firmado qualquer contrato com o autor, a sua conduta enquadra-se, conforme acima já se expôs, no instituto da responsabilidade extracontratual.
Nos termos do disposto no art.º 86º, n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo DL nº 119/92 de 30 de Junho, “o engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar.”
“O engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que desempenhar” (art.º 87º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros).
As duas previsões legais que se acabam de citar inserem-se no Capítulo III, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, capítulo intitulado “deveres decorrentes do exercício da atividade profissional”.
No caso em apreço, atenta a factualidade que resultou provada, verifica-se que a 2.ª ré, Diretora Técnica da Obra do autor, violou os deveres decorrentes da sua actividade profissional, os quais, para além do que acima se assinalou, estão previstos nos artigos 55º, 56º e 57º do citado Estatuto da Ordem dos Engenheiros.
Dúvidas não temos de que a intervenção do diretor técnico visa garantir que a execução da obra obedece aos projetos apresentados e às exigências impostas pela administração. Contudo, a fiscalização exercida pelo diretor técnico da obra visa, não só garantir a conformidade da obra executada com o projeto, mas também garantir condições de segurança para os que trabalham na obra, para os que poderão vir a ocupar a obra, nomeadamente o seu dono, e para todos aqueles que possam vir a achar-se em contacto com o edifício construído.
Assim, as normas relativas ao regime jurídico de urbanização e aos deveres impostos ao diretor técnico da obra têm carácter bifronte, na medida em que visam tutelar interesses de ordem pública e coletiva, mas também meros interesses particulares alheios.
Dessas normas resulta que a imposição de deveres de diligência visam a tutela não só do cliente que contrata os serviços do diretor de obra, mas também de terceiros, pelo que, também por esta via, o terceiro prejudicado está habilitado a obter a responsabilização do diretor de obra.
De acordo com a Lei 31/2009 de 3 de Julho (que aprovou o regime jurídico que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra, que não esteja sujeita a legislação especial, e os deveres):
“1 - Os técnicos e pessoas a quem a presente lei seja aplicável são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por acção ou omissão, de deveres no exercício da actividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contraordenacional, disciplinar ou outra que exista.
2 - Os técnicos e pessoas referidos no número anterior respondem ainda, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos seus representantes, mandatários, agentes, funcionários ou por quaisquer pessoas que com eles colaborem na sua atuação.
3 - A responsabilidade dos técnicos e pessoas a quem esta lei seja aplicável não exclui a responsabilidade, civil ou outra, das pessoas, singulares ou coletivas, por conta ou no interesse das quais atuem, nem de quaisquer outras entidades que tenham violado deveres contratuais ou legais, nos termos gerais.
4 - A responsabilidade civil prevista na presente lei abrange os danos causados a terceiros adquirentes de direitos sobre projetos, construções ou imóveis, elaborados, construídos ou dirigidos tecnicamente pelos técnicos e pessoas indicados no n.º 1.”
Isto assente, temos por seguro que na presente situação, face a tudo quanto ficou provado, se verifica a violação ilícita e culposa, por parte da 2.ª ré, quer daquelas normas estatutárias disciplinares (em especial as constantes dos artigos 56º, a) e b) e 57º, a), do DL 349/99), quer das referidas normas legais, pois não foi realizada uma efetiva e correta direção técnica da obra, nem tão pouco a respetiva fiscalização da sua construção, ou seja, a concreta materialização dos projetos na obra construída em pleno respeito pelas normas legais aplicáveis, pelo projeto e em moldes adequados à plena satisfação dos fins a que se destinava.
A 2.ª ré não procedeu ao acompanhamento dos trabalhos em moldes a garantir eficazmente a sua correta execução e a sua conformidade aos projetos previamente elaborados, ou à conformidade e compatibilização destes, e com base nos quais o edifício do autor foi licenciado, pondo assim em causa as normas relativas ao regime jurídico da urbanização e os deveres impostos ao diretor técnico da obra, que, além de interesses particulares, visam também a salvaguarda de interesses de ordem pública e coletiva. E o autor, enquanto dono de obra, está incluído no círculo de pessoas titulares dos interesses protegidos com as regras atinentes ao dever de fiscalização da obra.
Aqui chegados, conclui-se que a 2.ª ré é responsável perante o autor, solidariamente com a 1ª ré, por todos os defeitos que careçam de ser eliminados na sua moradia, assim como pela quantia que foi cobrada em excesso ao autor, assente em autos de medição exagerados e desconformes com a realidade executada em obra.
Por fim e no que se refere ao pedido contido na al. i), entende-se que o valor diário aí peticionado de 500.00 € é exagerado, antes se fixando o mesmo, por se considerar equitativo, no valor de 100,00 €, a contabilizar a partir da data da notificação à 1ª ré da presente sentença.“.
Fundamenta o A. a sua pretensão na responsabilidade civil da 2ª R. decorrente na inobservância dos seus deveres de cuidado no exercício das suas funções, como directora de obra.
Portanto, a causa de pedir nestes autos, tal como vem configurada pelo A., não é de uma relação contratual havida como de contrato de prestação de empreitada – artigos 1207.º e 1213.º do Código Civil.
Teremos que seguir o iter jurídico da responsabilidade civil pela prática de facto ilícitos para que se possa concluir, ou não, pela procedência da pretensão do A..
Esta demanda está assente, como se disse, na violação de deveres da 2ª R. (artigos 290.º e seguintes da petição inicial) e consequentemente na responsabilidade civil extracontratual.
Vejamos então.
Como se sabe, em matéria de responsabilidade civil contratual não está o Autor, dispensado de alegar a factualidade integrante da acção ou omissão de obrigação ou dever contratual, mas já terá facilitada a matéria relativa à culpa, posto que, como se sabe, neste domínio existe o princípio da inversão do ónus da prova da culpa consagrado, entre nós, no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não provem de culpa sua”. O ónus da prova da diligência recairá sobre o obrigado, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.
A responsabilidade contratual distingue-se da responsabilidade por actos ilícitos, sobretudo, pela natureza do acto ilícito que, naquela constitui a violação de uma obrigação, e pelas regras de distribuição do ónus da prova já que ali é imposta ao devedor a prova de que agiu sem culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto na responsabilidade aquiliana cabe a lesado a prova da culpa do lesante (artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil), sendo a culpa, em qualquer caso, apurada com base num critério abstracto, pela “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.
Deve considerar-se como responsabilidade contratual a violação de deveres impostos pela boa fé em consequência da constituição de uma relação jurídica derivada de entrada em negociações contratuais.
A responsabilidade contratual em sentido restrito emerge da falta de cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor, supondo o incumprimento do contrato que este seja um contrato válido, apto a produzir os correspondentes efeitos. Assim incumbe ao devedor a prova da falta de culpa pela verificação de danos resultantes do incumprimento.
Da realidade dada como provada resulta que sobre a 2ª R., enquanto directora de obra, recaía um conjunto de deveres e obrigações que decorrem das citadas normas legais – dando aqui por reproduzidas, novamente, as citadas na sentença em crise – e que a omissão do cumprimento de tais deveres e obrigações, levou a que execução do projecto não o fosse de acordo ou em conformidade com as regras que lhe eram impostas. Tal como vem referido, e bem, “não foi realizada uma efetiva e correta direção técnica da obra, nem tão pouco a respetiva fiscalização da sua construção, ou seja, a concreta materialização dos projetos na obra construída em pleno respeito pelas normas legais aplicáveis, pelo projeto e em moldes adequados à plena satisfação dos fins a que se destinava. ”.
Em face dos factos provados, resulta sem qualquer dúvida que ao comportamento da 2.ª R. deve ser imputado o resultado, verificação dos apontados danos/vícios de construção.
Em sustentação de tal entendimento podemos ler no Ac Tribunal da Relação de Guimarães, 203/09.2TBMCD.P1.G1, de 21.01.2016, relatado pelo Des JORGE TEIXEIRA, “Ora, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 267/01/2010, “é juridicamente plausível que a omissão de cumprimento dos deveres de fiscalização por parte do director técnico de obra particular contratado pela empreiteira o constitua na obrigação de indemnizar o dono da obra relativamente aos danos decorrentes dessa omissão seja com base em responsabilidade civil por facto ilícito fundada na violação de normas legais do direito da construção que visam tutelar o dono da obra ou com fundamento na violação de deveres profissionais seja ainda com fundamento em responsabilidade contratual decorrente de contrato com eficácia de protecção de terceiros ou em contrato com encargo de terceiro”
E em sustentação desta posição sustenta-se nesse acórdão que “a ilicitude do facto pode resultar da violação de um direito subjectivo absoluto ou da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios”. (…)
Quanto à primeira modalidade da ilicitude do facto, o recorrente afirma que ela resulta de o réu, por omissão do dever de fiscalização que sobre ele impendia, ter violado o seu direito de propriedade, direito real oponível a todos e por isso absoluto. (….)
Assim, afigura-se-nos que as normas relativas ao regime jurídico de urbanização e aos deveres impostos ao director técnico da obra têm carácter bifronte, na medida em que visam tutelar interesses de ordem pública e colectiva, mas também interesses particulares. Não por acaso, o Sr. Professor Antunes Varela indicava como exemplo de norma de protecção relevante para a modalidade de ilicitude consistente na violação de lei que protege interesses alheios, certas infracções da construção civil. Por isso, ao invés do sustentado na decisão sob censura, afigura-se-nos sustentável juridicamente a afirmação da existência de ilicitude na conduta omissiva imputada ao réu.
Esta conclusão prejudica a análise do escopo de protecção das normas do Estatuto dos Engenheiros invocadas pelo autor, bem como da verificação dos pressupostos do nascimento da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade contratual.
Ainda assim, sempre se dirá que as normas citadas do Estatuto dos Engenheiros são claras na afirmação de que a imposição dos deveres de diligência e que visam a tutela não só do cliente mas também de terceiros, pelo que também por este prisma, se acaso se confirmar a violação de deveres profissionais por parte do réu, o terceiro prejudicado poderá com tal fundamento normativo intentar a responsabilização do engenheiro incumpridor”.(19)
Isto assente, dúvidas se não podem suscitar de que na presente situação se verifica a existência de responsabilidade por parte das Ré, tanto quanto é certo que, como logrou demonstrado, não foi efectuado um bom desempenho da direcção técnica da obra e a respectiva fiscalização da sua construção, ou seja, a realização dos projectos e da obra em pleno respeito pelas normas legais aplicáveis e em moldes adequados à plena satisfação dos fins a que se destinava.
Na verdade, estando obrigados a garantir a observância das normas técnicas gerais e específicas da construção, não executaram um projecto de estabilidade de molde a ver garantida a segurança e a estabilidade da obra, e não procederam ao acompanhamento dos trabalhos em moldes de garantirem a sua correcta execução, podo assim em causa as normas relativas ao regime jurídico da urbanização e aos deveres impostos ao director técnico da obra, que, além de relevantes interesses particulares, visam também a salvaguarda de interesses de ordem pública e colectiva.”.
Em sentido semelhante, Ac Tribunal da Relação de Guimarães 4381/09.2TJVNF.G1, de 16.01.2020, relatado pela Des RAQUEL TAVARES, onde se pode ler no sumário, “VI- A intervenção do director técnico visa garantir a conformidade da obra executada com o projecto, que a execução da obra obedece aos projectos apresentados e às exigências impostas pela administração, mas também garantir condições de segurança para os que trabalham na obra e para os que poderão vir a ocupar a obra, nomeadamente o seu dono, bem como para todos aqueles que possam vir a achar-se em contacto com o edifício construído, pelo que as normas relativas ao regime jurídico de urbanização e aos deveres impostos ao director técnico da obra para além de tutelarem interesses de ordem pública e colectiva, também visam tutelar interesses particulares alheios. VII- A omissão de cumprimento dos deveres por parte do director técnico de obra particular é passível de o constituir na obrigação de indemnizar o comprador do imóvel com relação aos danos decorrentes dessa omissão seja com base em responsabilidade civil por facto ilícito fundada na violação de normas legais do direito da construção que visam tutelar o terceiro comprador ou com fundamento na violação de deveres profissionais.”
PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Revista Julgar, n.º 42 – 2020, Responsabilidade Civil No Contrato De Empreitada — Responsabilidade Do Empreiteiro E Seguro De Responsabilidade Civil, quanto à responsabilidade dos directores de obra afirma:
“A responsabilidade dos vários intervenientes no processo de construção é conjunta (art. 513.º do CC)10 No sistema jurídico português, a responsabilidade já será solidária no que respeita ao prejuízo extracontratual (art. 497.º do CC).; ou seja, cada um só responde pelos danos que tenha causado. A dificuldade está em determinar quem é o responsável pelo prejuízo. Verificando-se que o mesmo dano é, em simultâneo, imputado a mais do que um interveniente no processo de realização da obra — o que teoricamente se pode apresentar como difícil — e estando eles relacionados com o comitente por contratos distintos, poder-se-á admitir que o dono da obra possa demandar qualquer um deles pela totalidade, por violação de cada um dos contratos. A questão é, todavia, problemática, porquanto as partes em diferentes contratos (p. ex., projectista e empreiteiro) não são devedores solidários perante o credor (dono da obra); e, assim, se um pagar a totalidade da indemnização não beneficiaria do direito de regresso.
Cabe, ainda, atender ao facto de em caso de pluralidade de intervenientes se colocar amiúde um complexo problema de causalidade, de prova quase impossível no apuramento da percentual responsabilidade de cada um. Podendo nalguns casos recorrer-se à causalidade alternativa.”.
A factualidade dada como provada nos pontos 14), 17), 24), 30), 38), 45), 47), 51), 85) – defeitos –, 77), 81), 82), 84), 86), 87) – autos de medição – é de imputar à 2.ª R. a ocorrência de tais danos, que são decorrência do seu comportamento negligente e omissivo, sendo que quanto aos autos de medição, se pode firmar que o foi por acção consciente.
Por todo o exposto, procede a pretensão do A. quanto aos pedidos condenatórios id. sob as alíneas C) e D).
Quanto ao pedido id. sob a alínea F) – quaisquer outros defeitos “, designadamente, ausência de resistência, coesão e plasticidade do betão, ou ausência de drenagem periférica e impermeabilização das paredes perimetrais e caixa de águas pluviais, a apurar, vícios e respetivo valor, em sede de incidente de liquidação”, pelas razões expostas quanto ao 1.ª R., procede a apelação, absolvendo-se a 2.ª R..
Tudo visto, procede parcialmente a pretensão recursiva.
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III DECISÃO
i) Absolver as RR. da condenação no pedido id. sob a alínea F) – a reconhecerem todos e quaisquer outros vícios de construção que venham a ser determinados, designadamente, ausência de resistência, coesão e plasticidade do betão, ou ausência de drenagem periférica e impermeabilização das paredes perimetrais e caixa de águas pluviais, a apurar, vícios e respetivo valor, em sede de incidente de liquidação;
ii) Absolver a 1.ª R. da condenação no pedido id. sob a alínea G) – condeno a 1ª ré a pagar ao autor a quantia que vier a resultar da liquidação do IRS de 2021, e da diferença para a simulação da declaração de IRS do autor, caso tivesse reinvestido as mais-valias que gerou a venda de uma outra sua casa para habitação, a apurar em sede de incidente de liquidação;
iii) condeno ambas as rés a pagarem ao autor a diferença de preço liquidada por este em excesso, entre tais quantidades e montante erradamente medidos e a obra efetivamente executada sem vício, em montante a liquidar em incidente de liquidação de sentença;
iv) Confirmando, no mais, a decisão recorrida.
Custas pelos RR. e A. na proporção do decaimento, fixando este, nesta instância, em 2/3 o A. e 1/3 os RR. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Discordo da manutenção da condenação da segunda Ré que foi feita na sentença, relativamente ao ponto C) entendendo que nessa parte a sentença devia ser revogada.
Assim, quanto à condenação em C): “Condeno ambas as rés a pagarem ao autor a diferença de preço liquidada por este em excesso, entre tais quantidades e montante erradamente medidos e a obra efectivamente executada sem vício, em montante a liquidar em incidente de liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 65.000,00”.
Isto porque relativamente à diferença do preço desembolsado pelo autor em excesso, a sua devolução, consiste numa obrigação baseada unicamente na responsabilidade contratual.
Com efeito, Autor e primeira Ré outorgaram um contrato de empreitada, mediante o qual, na Cláusula 8.ª acordaram as condições de pagamento, ficando acordado que o remanescente do preço 175.000,00€ (a que acresce IVA a taxa legal) fosse pago após a entrega de autos mensais e contra a emissão da respectiva factura pela primeira Ré, de acordo com o trabalho realizado até ao dia 25 de cada mês.
Ora a primeira Ré cobrou ao Autor trabalho não executado, pelo que o pagamento desse valor ainda não era exigível e deixou de o ser com a resolução do contrato que, entretanto, ocorreu.
Significa isto que a primeira Ré se encontra obrigada a devolver a parte do preço que recebeu sem ter realizado a respectiva contrapartida - execução de determinados trabalhos, que já não poderá realizar em consequência da resolução contratual.
Já a segunda ré, não só não outorgou o contrato e empreitada, como não foi ela quem recebeu o valor pago pelos trabalhos cobrados/não executados, pelo que nesta matéria nada tem que restituir ao Autor.
A questão deve ser assim decidida exclusivamente por recurso às regras de responsabilidade contratual, impondo-se, por isso, a meu ver, a procedência parcial do recurso com absolvição da 2º ré deste pedido, uma vez que esta Ré responde apenas com fundamento em responsabilidade extracontratual.]
João Diogo Rodrigues
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.