PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
CASO JULGADO FORMAL
Sumário

I - Probabilidade séria da existência do direito invocado (e deduzido em ação proposta ou a propor, exceto no caso de ser decretada inversão do contencioso);
i) - Fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito ou “periculum in mora”;
ii) - Não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e
iii) - A não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito.
II - São diversas as finalidades que se pretendem alcançar com a interposição de recurso ou com a dedução de oposição relativamente a uma providência cautelar comum decretada.
III – Com o recurso pretender-se-á pôr em causa a legalidade da decisão por falta dos necessários requisitos legais, enquanto com a oposição pretender-se-á invalidar os fundamentos de facto com base nos quais foi decretada a providência ou obter a redução da mesma aos justos limites.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 19595/21.9 T8PRT-A.P2
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5
Recorrentes – AA e BB
Recorrido – CC
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I AA e BB instauraram no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto o presente procedimento cautelar comum contra CC, pedindo o seu reconhecimento enquanto arrendatários e preferentes do imóvel sito na rua ..., Porto e, que o requerido se abstenha de quaisquer atos que possam ofender aqueles direitos, nomeadamente introduzir-se e permanecer no imóvel, por si ou por terceiro que o represente, remover do imóvel quaisquer bens e proceder a qualquer obra ou alteração do imóvel, como por exemplo removendo portas ou alterando fechaduras.
Foi dispensada, como requerido, a audição do requerido.
Após produção de prova foi proferida decisão de onde consta: “Determina-se que o requerido CC se abstenha de quaisquer atos que possam ofender os direitos dos requerentes AA e BB, enquanto arrendatários do imóvel sito na rua ..., Porto, inscrito na matriz predial urbana pelo artigo ... da União de Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, nomeadamente introduzir-se e permanecer no imóvel, por si ou por terceiro que o represente, remover do imóvel quaisquer bens e proceder a qualquer obra ou alteração do imóvel, designadamente removendo portas ou alterando fechaduras.
(…)
Cumpra-se oportunamente o disposto no artigo 366.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Caso o requerido não observe a providência ora decretada, incorre na pena do crime de desobediência qualificada, nos termos do artigo 375.º do Código de Processo Civil, cuja notificação pessoal do mesmo nestes termos determino.
Notifique”.

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Pessoal e regularmente citado, o requerido veio deduzir oposição pedindo que a providência cautelar decretada fosse revogada, assim como a condenação dos requerentes como litigantes de má-fé.
Alegou, em síntese, que inexiste qualquer direito dos requerentes no uso, ocupação ou fruição de qualquer espaço ou andar, para lá do 1.º andar.
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Por requerimento de 8.02.2022 vieram os requerentes pretender responder aos documentos juntos com a oposição e pronunciar-se sobre a litigância de má-fé. Arrolaram prova testemunhal e requereram o depoimento do requerido. E em 14.02.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Indefere-se o requerimento probatório apresentado pelos Requerentes em sede de resposta à oposição, por ausência de fundamento legal”.
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Os requerentes recorreram de tal decisão, e por acórdão da 5.ª secção deste Tribunal de 5.04.2022, foi a apelação julgada procedente, revogada a decisão recorrida, na parte que indeferiu o requerimento de provas dos requerentes, ora apelantes, e determinou-se que fosse produzida a prova oferecida no que se reporta à litigância de má-fé e, após, seja proferida decisão final que aprecie, também, a litigância de má-fé de ambas as partes.
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Realizou-se, entretanto, ou seja, a 15.03.2022, em 1.ª instância, a produção de prova arrolada no requerimento de oposição e de seguida foi proferida decisão de onde consta: “Com os termos e fundamentos que ficaram expostos, julgo procedente a oposição deduzida, determinando-se o levantamento do embargo” (ou seja, da providência inicialmente decretada).
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Na sequência do Ac. proferido por este Tribunal a 5.04.2022, os autos retornaram à 1.ª instância, e após ter sido proferido a 29.06.2022, o seguinte despacho: “(…) Nessa conformidade e conforme pedido formulado pelos Requerentes, atento o disposto nos artigos 410º, 411º e 429º do Código de Processo Civil, determino se notifique o Requerido para apresentar na secretaria, e para exame pelas partes, os originais das missivas e respetivos registos postais que constituem o documento 18 por si apresentado com a oposição, para exame e verificação da sua autenticidade.
Terá também lugar a inquirição das três testemunhas arroladas pelos Requerentes e a prestação de depoimento de parte do Requerido, ainda que apenas aos factos alegados nos artigos 54º e 56º do articulado de 8FEV2022 (e já não assim quanto aos factos alegados nos artigos 8º a 24º, que excedem a questão da litigância de má-fé)”, a 27.07.2022, veio a ser produzida a prova arrolada nos autos relativamente à litigância de má-fé, após o que foi proferida decisão de onde consta: “Improcede, por isso, o pedido deduzido nesse sentido pelas partes”.
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Mais uma vez os requerentes manifestam-se inconformados com tal decisão dela vieram recorrer de apelação e, por acórdão de 8.11.2022, julgou-se a presente apelação procedente e, consequentemente, “anulou-e a decisão recorrida (de 27.07.2022), julgou-se desconsiderado/anulado todo o processado levado a efeito em 1.ª instância contrário ao decidido pelo acórdão de 5.04.2022, por violação do caso julgado formal decorrente desse mesmo acórdão e da obediência devida às decisões dos tribunais superiores, mormente a decisão de 15.03.2022, devendo ser reaberta a diligência de produção de prova em sede de oposição à providência decretada, proferida a prova arrolada quanto à invocada litigância de má-fé do requerido, e por fim proferir-se decisão final, onde se aprecie não só dos fundamentos da oposição como também, a litigância de má-fé de ambas as partes”.
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Retornados os autos à 1.ª instância, e designada diligência para inquirição das testemunhas arroladas, as partes, em 3.07.2023, prescindiram dessa inquirição, entendendo que já existiam nos autos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa.
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Após, foi proferida decisão final, de onde consta: “Com os termos e fundamentos que ficaram expostos, julgo procedente a oposição deduzida, determinando-se o levantamento do embargo.
Custas pelos Requerentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique”.
Considerando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto e para clarificar o que já se referiu acima: o sentido da decisão proferida em sede de oposição deduzida pelo requerido não foi beliscado nem contrariado pela decisão tomada a propósito da litigância de má-fé (de ambas as partes), posto que resultou improcedente, por não provada.
Igual raciocínio estende-se aos fundamentos da dita decisão (de oposição), por inexistir qualquer razão e/ou motivo para a sua revisão.
Notifique”.

Inconformados, mais uma vez, com tal decisão, vieram os requerentes dela recorrer de apelação, pedindo a sua revogação.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
1. O aresto recorrido é a sentença datada de 14.07.2023, a qual indeferiu a pretensão de condenação de litigância de má fé e ordenou o levantamento da providência cautelar.
2. A decisão de que se recorre é, em si mesma, a reformulação de sentença anterior, entretanto anulada.
3. Ordenou a Relação que fosse proferida uma decisão final que analisasse em simultâneo os fundamentos da oposição à providência cautelar em simultâneo com os fundamentos litigância de má fé;
4. Porquanto a análise dos últimos fundamentos influencia os primeiros – designadamente porque importantes para a verificação do pressuposto do periculum in mora.
5. E, se a Relação pretendia que fosse efetuada uma análise conjunta e global dos factos em causa, não foi isso, mais uma vez, que o tribunal a quo entendeu fazer.
6. Assim, manteve praticamente intactas decisões já tomadas separadamente – desta vez, unidas no mesmo documento - abstendo-se de voltar a apreciar as questões;
7. Limitando-se meramente a acrescentar os factos não provados à decisão relativa à litigância de má-fé, e a aditar um parágrafo aos fundamentos.
8. E em tudo o resto transcrevendo a sentença anulada.
9. Agindo, por isso, em violação de caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1 do CPC e a obediência devidas às decisões dos Tribunais Superiores, ao incumprir com o que lhe tinha sido adstrito nos termos do Acórdão da Relação do Porto, de 08.11.2022.
10. Para além disso, andou mal o Tribunal ao ter incorrido em vários erros de julgamento, os quais, se tivessem sido julgados corretamente, determinariam a manutenção da providência cautelar e a condenação do requerido por litigância de má-fé.
11. A litigância de má-fé alegada pelos requerentes encontra-se balizada de artigos 25 a 32 e de artigos 51 e ss do seu requerimento de 8 de fevereiro de 2022, com a referência de tabela Citius 31312204.
12. São ali alegados todos os pressupostos necessários para a condenação pela mesma, sem prejuízo do pedido de condenação em montante a liquidar a final, justificado pelo facto de não ser possível aos recorrentes determinar o quantum do prejuízo que tal lhes traria, nomeadamente ao entorpecer o andamento processual.
13. É aí estabelecido o facto voluntário – falsificação do documento – ilícito e culposo atendendo ao objetivo e volição com o que o requerido o fez – falsear o julgamento e alterar o sentido da decisão a seu favor, ludibriando o Tribunal.
14. É também estabelecido que o requerido arrombou a porta do prédio, ainda que este teime em não utilizar a palavra “arrombamento” – admitindo, no entanto, que mandou trocar a fechadura com a porta ainda fechada.
15. São alegados os danos e o nexo de causalidade, logo apenas recairia sobre o Tribunal a quo ter efetuado corretamente a análise da prova para poder prosseguir com a requerida condenação.
16. A má decisão quanto a esta matéria assenta, então, em factos mal julgados.
17. Um dos erros de julgamento, a ser corrigido, prende-se com o facto de não ter sido dado como provado o arrombamento da porta do imóvel – a mando do requerido.
18. A prova desse facto resulta das declarações de parte tomadas ao requerido CC e do depoimento da testemunha DD (ambos conforme transcrições supra);
19. Sendo que o requerido admitiu ter mandado um serralheiro estroncar a fechadura antes da porta lhe ser aberta – algo que só poderia ter acontecido com recurso a violência.
20. Tal demonstra a má-fé do requerido na sua relação com os requerentes e com este Tribunal – até porque nos articulados veio negar perentoriamente o que aconteceu.
21. Esta má-fé é demonstrada então pelo depoimento prestado pelo próprio requerido.
22. Esta mentira quanto ao arrombamento é essencial para a boa decisão da providência cautelar que se pretende seja mantida a favor dos requerentes, porque é facto demonstrativo do periculum in mora na violação dos seus direitos;
23. Quer-se com isto dizer que deve ser dado como provado que o requerido mentiu, e tal justifica a inversão da decisão de levantar a providência cautelar.
24. Outro dos erros de julgamento, a ser corrigido, contende com o facto 4 dos factos indiciariamente provados: “O requerido enviou uma missiva aos Requerentes, que a receberam, em momento anterior à deslocação dos seus representantes ao imóvel.”
25. Mais uma vez, esta questão que advém da litigância de má-fé vai bulir com a decisão final da causa, quanto mais não seja porque altera um dos factos ali elencados.
26. Quanto a isto apenas se lê da decisão em crise: “No mais, o tribunal analisou a documentação postal identificada pelos requerentes não sendo percetível qualquer discrepância, irregularidade ou outra, por referência ao que os requerentes a esse respeito alegaram”, que é inadmissível.
27. A prova fez-se pelos documentos juntos pelo requerido como doc. 18 da oposição ao procedimento cautelar, cuja falsidade foi alegada pelos recorrentes em resposta ao mesmo, e por ser falsificação - vide nosso articulado de 8 de fevereiro de 2022.
28. Foi mal julgada, porquanto ignora factos notórios e deduções lógicas, que advêm da comparação do registo apresentado com registos postais verdadeiros, conforme exposto no requerimento de 20 de junho de 2022 (Ref. Tabela citius 328825563), elaborado exatamente após a análise da produção de prova ordenada por esta Relação – a apresentação do original do doc. 18 na secretaria.
29. Dessa comparação decorre que, ao contrário dos registos postais legítimos, o registo apresentado não contém selo autocolante nem carimbo, não aparece na base informática dos CTT e é uma adulteração de um registo postal que já não está em uso há 5 anos.
30. Impunha-se uma diferente decisão quanto à falsidade do referido documento 18 por duas ordens de motivos, sendo que o primeiro é dever ser facto notório para o Tribunal, a falsidade do comprovativo de envio por registo postal, atendendo a que é instrumento de seu uso diário nas lides processuais, e pelo qual se afere a perfeição das notificações e citações remetidas.
31. Entenda-se que não é de ciência obscura saber que ao registo postal corresponde um comprovativo de envio e que uma instituição que usa tal instituto milhares de vezes por dia, com certeza estará qualificada para distinguir o correto do incorreto.
32. Logo, seria óbvio ao Tribunal a quo perceber da veracidade ou não daquele comprovativo postal. Mas, ainda que assim não fosse:
33. A análise feita pelo requerimento dos recorrentes de 20 de junho de 2022 - que se fez seguir com vária prova documental - era apta a esclarecer o Tribunal da veracidade ou falsidade do documento com base nos argumentos supra aduzidos;
34. Nomeadamente quanto à falta de código de barras/selo de apresentação em balcão (ou carimbo), à fala de localização do envio no ctt tracking, ademais quando cumulados com a vetustez do modelo de registo apresentados.
35. Logo, também assim se provou que o documento era falso e o requerido preencheu os requisitos da litigância de má-fé conforme definida pelo artigo 542.º do CPC, no que toca ao uso abusivo do processo e meios processuais.
36. Mais se conclui que a prova pertinente - e única – ao ponto 4 dos factos dados como provados na sentença que revogou a providência cautelar, era falsa, foi mal analisada e tal facto, por infirmado, não serve de fundamentação à revogação.
37. Finalmente, outro dos erros de julgamento apresentados contende com os pontos 1 e 2 dos factos provados, onde se lê que apenas são residentes no primeiro andar do prédio e que ocupam os restantes andares há menos de três anos.
38. No entanto, resulta provado que os recorrentes têm utilizado o rés-do-chão como oficina e armazém de computadores, e segundo e terceiro andares para efetuar reparações no edifício e armazenar bens, desde há vários anos (mais de três, certamente).
39. A testemunha DD afirma que o contrato de arrendamento foi estendido aos restantes pisos do edifício, por acordo com o senhorio EE, desde cerca de 2015.
40. Para além disso, a FF relatou que o rés do chão do prédio estava repleto de computadores – corroborando assim, a versão dos recorrentes de que fazem dessa divisão da casa um armazém e oficina de reparações eletrónicas.
41. Mais ainda, as testemunhas FF e GG ambas afirmaram ter visto materiais de construção e vestígios de demolições nos andares superiores do prédio.
42. Isto demonstrado, verifica-se que os recorrentes têm feito uma utilização constante de todo o imóvel, há vários anos, e não apenas do primeiro andar.
43. Pelo que estão reunidos todos os pressupostos para a manutenção da providência cautelar decretada (cfr. artigo 362.º do CPC).
44. Existe uma probabilidade séria de os recorrentes virem a ser declarados proprietários do imóvel em sede de ação principal, por exercício do direito de preferência na compra daquele (fumus bonus iuris);
45. Existe periculum in mora, uma vez que os recorrentes foram advertidos, pessoalmente e por carta, de que o senhorio pretende pegar nas coisas deles e colocá-las no lixo, para fazer obras no imóvel, tendo inclusivamente já entrado no imóvel com violência, com recurso ao arrombamento;
46. E, ademais, a providência é adequada à lesão, uma vez que o prejuízo da limitação ao direito de propriedade do recorrido é inferior aos danos causados aos recorrentes, por violação do seu direito à reserva de intimidade e vida privada, bem como direito pessoal de gozo e/ou direito de propriedade que venha a ser reconhecido. Assim,
47. Está demonstrado que o requerido não exerceu os seus direitos enquanto senhorio de forma minimamente legítima, tendo ferido os direitos dos seus inquilinos, tal como haviam alegados os recorrentes quando peticionaram a providência e inicialmente foi considerado no seu decretamento.
48. Face a tal, deve então ser dado como provado que o requerido alegou factos dos quais não podia desconhecer a falsidade e apresentou em juízo documentos por si falseados, ambas as condutas com o intuito de obter para si vantagem ilícita, conduta que preenche os requisitos do n.º 2 do artigo 542.º do CPC;
49. Condenando-o como litigante de má-fé e dando como provados os factos dos quais depende a manutenção da providência cautelar, decisão a proferir em substituição da ora recorrida.

Não há contra-alegações.

II – Da 1.ª instância chegam-nos indiciariamente assentes os seguintes factos:
1. Os requerentes residem no primeiro andar do prédio com entrada pelo n.º ... da Rua ..., Porto.
2. A ocupação dos demais pisos do imóvel, por parte dos requerentes, não ocorre há mais de três anos.
3. O requerido visitou o imóvel e fez-se acompanhar de um engenheiro e de um advogado, mas não visitou o 1.º andar, que corresponde ao locado e à habitação dos requerentes.
4. O requerido enviou uma missiva aos requerentes, que a receberam, em momento anterior à deslocação dos seus representantes ao imóvel.
5. As visitas tiveram com fim a averiguação dos defeitos do imóvel e da necessidade de obras profundas do mesmo.
6. O imóvel encontra-se muito degradado e padece de diversas patologias, sendo evidentes os sinais de infiltrações, chove no seu interior, o chão está levantado e as paredes estão muito danificadas.

Não se julgaram provados os seguintes factos:
1. Que o requerido tenha apresentado nos autos documentos falsos;
2. Que o requerido negue factos que são do seu conhecimento, como o arrombamento da porta do imóvel, que foi assumido pelo mesmo aquando da intervenção policial que o mesmo solicitou e que mais tarde autuou por denúncia no DIAP;
3. Que o requerido alegou ter enviado cartas (documento 18) para intervenções céleres e necessárias, que só teve conhecimento meses após as referidas, quando confrontado com a vistoria da Câmara;
4. Que o requerido nega o pagamento das rendas por parte dos requerentes, quando as mesmas estão a ser pagas para a conta do Banco 1... indicada para o efeito pelo próprio;
5. Que o requerido mantém o justificativo para as suas ações num imperativo camarário que mantém incumprido há meses;
6. Que ao longo dos meses em que os requerentes o impediram de entrar no imóvel, o que o requerido mais fez foi visitar inutilmente o mesmo e que nunca apresentou aos requerentes o documento pelo qual justificava as referidas deslocações.


III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações dos requerentes/apelantes são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.ª – Da oposição ao decretamento da providência cautelar.
3.ª – Da litigância de má-fé.
4.ª – Da alegada violação do caso julgado formal.
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Depois das supra referidas vicissitudes processuais ocorridas nos autos, neste momento cumpre analisar, em suma, da decisão de decretou o levantamento da providência cautelar comum e absolveu o requerido da peticionada condenação como litigante de má-fé.
Como se vê, os requerentes/apelantes instauraram procedimento cautelar comum contra o requerido/apelado, pedindo o seu reconhecimento enquanto arrendatários e preferentes do imóvel sito na rua ..., Porto e que o requerido se abstenha de quaisquer atos que possam ofender aqueles direitos, nomeadamente introduzir-se e permanecer no imóvel, por si ou por terceiro que o represente, remover do imóvel quaisquer bens e proceder a qualquer obra ou alteração do imóvel, como por exemplo removendo portas ou alterando fechaduras.
Oportunamente, e sem audição do requerido, foi proferida a seguinte decisão: “Determina-se que o Requerido CC se abstenha de quaisquer atos que possam ofender os direitos dos Requerentes AA e BB, enquanto arrendatários do imóvel sito na rua ..., Porto, inscrito na matriz predial urbana pelo artigo ... da União de Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, nomeadamente introduzir-se e permanecer no imóvel, por si ou por terceiro que o represente, remover do imóvel quaisquer bens e proceder a qualquer obra ou alteração do imóvel, designadamente removendo portas ou alterando fechaduras”.
O requerido ofereceu oposição e foi após proferida sentença a julgar procedente a oposição deduzida. Todavia, por Ac. da 5.ª secção deste Tribunal de 5.04.2022, determinou-se que fosse produzida a prova oferecida no que se reporta à litigância de má-fé e, após, seja proferida decisão final que aprecie, também, a litigância de má-fé de ambas as partes.
Em suma, admitiu-se como possível que, o que se viesse a apurar em sede de da alegada litigância de má-fé do requerido/apelado, viesse a influenciar a decisão sobre a própria oposição ao decretamento da providência por ele deduzida.
Ora, no que concerne à questão da litigância de má-fé e, não obstante pelo teor do despacho de 29.06.2022, contra o qual os requerentes não se insurgiram, terem sido balizados os factos relevantes para a apreciação de tal questão, os por si alegados no requerimento de 8.02.2022, como sendo os constantes dos art.ºs 54.º e 56.º, vêm agora os requerentes/apelantes dizer que tais factos são os que constam dos art.ºs 25.º a 32.º e 51.º e segs desse mesmo articulado, ou seja:
“25. Os requerentes não percebem bem o que se pretende provar pelo documento 18.
26. Desde logo porque não receberam tais missivas, nem entendem o que é que o seu suposto envio em maio, possa ser justificado com o resultado de uma vistoria de julho.
27. Também não se entende o que é que o envio da carta poderá justificar o comportamento do requerido, quando arrombou a porta do imóvel, mais tarde vistoriou o imóvel e passados meses ainda não fez qualquer obra urgente no imóvel, antes promovendo deslocações ao local com meses entre si.
28. No entanto, o que se assoma do documento 18 é que se procuram fazer passar duas missivas como tendo sido remetidas em correio registado sem que tal tenha acontecido.
29. Veja-se que os registos postais juntos não têm qualquer carimbo ou selo dos correios comprovativo do seu envio.
30. Tão somente um rabisco no canto inferior direito, local onde costuma constar o referido selo ou autocolante com código de barras.
31. Não é sequer visível o código de barras para rastreio de ambos os registos.
32. Pelo que, sem prejuízo de melhor análise dos seus originais, tem-se que o requerido procura induzir em erro este tribunal pela junção dos referidos documentos, cujo conteúdo vai já integralmente impugnado.
(…)
51. Fazendo nossa a descrição sobre a litigância de má-fé apresentada pelo requerido, vêm os requerentes imputar ao mesmo, aquela conduta.
52. Com efeito, na prolixidade da sua oposição, o requerido pratica atos incompatíveis com a boa-fé processual.
53. Desde logo junta aos autos documentos que se reputam como falsos – doc. 18 – e sobre os quais os requerentes pretendem debruçar-se face à prova a requerer.
54. Nega factos que são do seu perfeito conhecimento, como o arrombamento da porta do imóvel, factos que foram assumidos pelo mesmo aquando da intervenção policial que o próprio convocou e mais tarde autuou por denúncia no DIAP.
55. Alega ter enviado cartas – novamente documento 18 – para intervenções céleres e necessárias das quais só veio a ter conhecimento meses após as referidas, quando confrontado com a vistoria da câmara.
56. Nega o pagamento das rendas por parte dos requerentes – vide art.º 88º - quando as mesmas estão a ser pagas para a conta do Banco 1... indicada para esse efeito pelo próprio.
57. E mantem o justificativo para as suas ações num imperativo camarário que, no entanto, mantém incumprido há meses.
58. Simplificando, o despacho da câmara municipal serve para entrar no imóvel, para o querer fazer repetidamente, mas não para melhorar as condições do mesmo;
59. Sendo de evidenciar que ao longo dos meses em que os requerentes o impediram de entrar no imóvel, aquilo que mais fez foi visitar inutilmente o mesmo sem nunca ter apresentado aos Requerentes o documento pelo qual justificava as referidas deslocações.
60. Tal foi a má-fé dos inquilinos.
61. Ora, pela fundamentação torpe, contraditória e assente na deturpação dos factos que o próprio traz ao processo, encontram-se ultrapassados os limites da lide ousada ou temerária.
62. Pela aparente junção de documentos falsos nos autos, essa ultrapassagem vai muito além no terreno da litigância de má-fé, devendo o requerido ser condenado como tal, e a final, ao ressarcimento dos prejuízos que os requerentes venham a demonstrar ter com a presente lide, nomeadamente custas judiciais, despesas documentais e honorários do seu mandatário”.

Vejamos agora as questões colocadas no presente recurso.
1.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Insurgem-se os apelantes contra o facto n.º4 julgado provado em 1.ª instância e pedem que o mesmo seja agora julgado não provado.
Consta assim provado que: “4. O requerido enviou uma missiva aos requerentes, que a receberam, em momento anterior à deslocação dos seus representantes ao imóvel”.
Em fundamentação do assim decidido pode ler-se na decisão recorrida que: “(…) No mais, o Tribunal analisou a documentação postal identificada pelos Requerentes, não sendo percetível qualquer discrepância, irregularidade ou outra, por referência ao que os Requerentes a esse respeito alegaram.
Cabe ainda notar que o artigo 56.º do articulado formulado pelos Requerentes jamais poderia resultar provado, porquanto a alegação do Requerido dizia(diz) respeito ao pagamento de renda decorrente do arrendamento do prédio (vide o artigo 87.º do articulado de oposição deduzida pelo Requerido), ou seja, da sua totalidade, algo que é bem distinto da alegada falta de pagamento do imóvel sito no 1.º andar, que é o piso que os Requerentes ocupam (sublinhado e destaque nossos), o que explica o teor do decidido no ponto 4) dos factos não provados.
Foi ainda conjugada a documentação constante dos autos e, naturalmente, por uma questão lógico-argumentativa, a outra decisão tomada pelo Tribunal a respeito da má-fé dos Requerentes e os respetivos fundamentos”.
A missiva em apreço é do seguinte teor:



Estando ainda juntos dois talões dos CTT de correio registado simples.
Aquando da junção de tais documentos, o requerido alegou, além do mais, que: “(…), vêm os Requerentes trazer à colação a ocorrência dada aquando da vistoria do imóvel;
67.º Propedeuticamente, importa descortinar que terá sido remetida uma epístola pelo Requerido aos Requerentes, anteriormente à deslocação dos seus representantes ao imóvel, na qualidade de pré-aviso da dita inspeção;
68.º Sendo certa que a mesma era de caráter urgente e perentório, conforme a necessidade de verificação do estado de salubridade e conservação do imóvel, como poderão comprovar os técnicos da Câmara Municipal ..., que aqui se arrolam na qualidade de testemunhas.
69.º A supramencionada missiva junta-se, integral e fielmente à presente peça, como Documento n.º 18 (…)”.
À junção de tal documento responderam os requerentes/apelantes, nos termos acima transcritos.
Também se insurgem os requerentes/apelantes quanto aos factos n.ºs 1 e 2 julgados provados em 1.ª instância, ou seja: “Os requerentes residem no primeiro andar do prédio com entrada pelo n.º ... da Rua ..., Porto. 2. A ocupação dos demais pisos do imóvel, por parte dos requerentes, não ocorre há mais de três anos”.
Pretendendo que se julgue provado que os requerentes/apelantes têm feito uma utilização constante de todo o imóvel, há vários anos, e não apenas do primeiro andar - têm utilizado o rés-do-chão como oficina e armazém de computadores, e segundo e terceiro andares para efetuar reparações no edifício e armazenar bens.
Para tanto, os apelantes chamam à colação os depoimentos das testemunhas
DD, FF e GG e as declarações de parte do requerido/apelado CC.
Finalmente, também se insurgem os requerentes/apelantes contra o facto de o tribunal não ter julgado provado que o requerido arrombou a porta de entrada do edifício, pelo que pedem que tal facto seja aditado ao elenco factual provado nos autos.
Para tanto, chamam os apelantes à colação o teor do depoimento da testemunha DD e das declarações de parte do requerido.

1.2. - Da reapreciação da prova.
Como é sabido e no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil. referindo F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, que resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta exceções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o tribunal da Relação deve alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Todavia, não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”.
Decorre também do preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais – e seguramente excecionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”. E resulta ainda desse mesmo preâmbulo que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal e pericial não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória, os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no art.º e 396.º, do C.Civil.
Tendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
i) especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
ii) indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto;
iii) indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição;
iv) devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável e,
v) indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Em suma, é dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
No caso em apreço, consideramos que os requerentes/apelantes cumpriram, minimamente, aqueles ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil.

No que concerne aos factos n.ºs 1 e 2 julgados provados em 1.ª instância, atento o teor da decisão recorrida, tal decisão foi assim fundamentada: “(…) O Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como indiciariamente provada e não provada, na análise conjugada e crítica da totalidade da prova produzida, tendo sempre presente que nos encontramos no domínio da prova indiciária.
O Tribunal atendeu aos elementos decorrentes da prova documental constante dos presentes autos, complementado pelo teor das declarações prestadas pelas várias testemunhas arroladas pelo Requerido:
A testemunha GG, engenheiro civil, participou numa visita ao imóvel, a pedido do Requerido, que referiu ser o proprietário do imóvel, recordando-se que essa visita ocorreu em JUN/JUL2021 no contexto de uma vistoria da Câmara Municipal .... Percorreu todo o imóvel – salvo a habitação do 1.º piso, porque os seus habitantes não consentiram –, constatando as inúmeras patologias que apresenta e que referiu em audiência: madeiras degradadas, paredes com fungos, guardas metálicas (existentes nas varandas) podres, com graves riscos, pois podem cair a qualquer momento, baldes para água espalhados por diversos locais do imóvel, muito lixo acumulado e infiltrações generalizadas, tanto assim que, em seu entender, o 2.º e o 3.º andar não possuem condições de habitabilidade.
Depoimento coerente e convincente.
A testemunha FF, arquiteto, e que foi contratado pelo Requerido para levar a cabo um projeto de arquitetura, visitou o imóvel em NOV2021. Afirmou que o mesmo se encontra em más condições e, adicionalmente, guardava memória de baldes espalhados pelo chão, lixo acumulado, objetos partidos, roupa espalhada pelo chão e paredes com verdete, com vestígios de humidade existentes há vários anos. Percorreu o imóvel na íntegra, salvo a habitação do 1.º andar, e foi perentório em dizer que o imóvel que viu não reúne condições de habitabilidade. Depoimento coerente e convincente.
A testemunha HH não guardava memória de qualquer facto com relevo para a matéria a decidir.
O Tribunal analisou e considerou ainda a documentação apresentada com a oposição, que aponta no sentido da verificação dos factos aí invocados e que acabaram por resultar demonstrados.
Relativamente à restante matéria alegada, entende o Tribunal ser irrelevante para a decisão da causa, na medida em que se reporta a factos que não dizem respeito ao pedido ou causa de pedir da presente providência, quer porque dizem respeito meras conclusões, juízos de valor ou questões de direito”.

Depois de ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência, designadamente os chamados à colação pelos requerentes/apelantes e, intuindo dos silêncios, das frases incompletas, das contradições, das imprecisões da exposição e mesmo dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis, tudo devidamente analisado e interpretado à luz da plausibilidade e razoabilidade das coisas e da experiência da vida comum e ainda com o teor dos documentos juntos aos autos, não se encontram razões que permitam concluir que a decisão sobre a matéria de facto ora em apreço se encontre eivada de erro e, menos ainda, de erro manifesto ou grosseiro.
Não se pode olvidar, no que concerne à ocupação do prédio em apreço pelos requerentes/apelantes, que como os mesmos alegam em sede de p. inicial da presente providência cautelar, os mesmos são arrendatários do 1.º andar do dito imóvel, sendo, segundo os mesmos, por mero acordo entre eles e o anterior senhorio e proprietário do imóvel – EE – passaram, há anos, a ocupar o resto do imóvel, por mera condescendência daquele.
Assim sendo, manifesto é de concluir que os apelantes, nenhum título legítimo, possuíam para a ocupação do restante imóvel, para além do 1.º andar de que eram arrendatários, pois que, como é evidente, o aventado acordo tido entre os mesmos e o anterior senhorio não vinculava, de forma alguma, o atual proprietário do imóvel, ou seja, o requerido. Aliás nem os requerentes alegaram sequer que o requerido conhecia a existência do alegado acordo.
Na verdade, depois de ouvida a prova produzida nos autos – os depoimentos das testemunhas DD (filho dos requerentes/apelantes), FF e GG e do requerido/apelado CC, do global de tal prova, considerando o estado de degradação dos pisos, das paredes com imensas infiltrações e até fungos, das madeiras todas partidas e caídas pelo chão e do muito lixo existente em todos os pisos do edifício, à exceção do 1.º piso (onde residirão os requerentes e cujo acesso ao seu interior não foi permitido a quem quer que fosse) que por todos foi de forma segura, isenta e convicta bem relatada, considerando ainda a normalidade da vida e a plausibilidade das coisas, é nossa segura convicção da realidade do facto provado e elencado sob o n.º1, todavia o mesmo já não sucede relativamente à dita ocupação dos restantes pisos do edifício por parte dos requerentes.
Na realidade, sob o facto provado e elencado sob o n.º 2 deu-se por provado que a ocupação dos demais pisos do imóvel, por parte dos requerentes, não ocorre há mais de três anos”, todavia não se pode aceitar tal realidade como fáctica, antes verificamos que a mesma funda-se numa conclusão, não estribada faticamente, ou seja, “a ocupação” é uma conclusão. E como se sabe, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. Estaremos numa situação da segunda hipótese. E nestes casos, entende-se que tudo depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.
Dentro deste raciocínio uma vez que o juízo de facto poderá traduzir uma resposta antecipada à questão de direito – mormente a abrangência do objeto da providência cautelar – pelo que, sem necessidade de outros considerandos, há que eliminar o facto n.º 2 do elenco factual provado nos autos, por conter um juízo conclusivo de facto relevante em termos de Direito. E por outro lado, é para nós manifesto que nenhuma prova se fez de que os requerentes utilizassem e fruíssem de todos os pisos do imóvel, como está provado em sede de decisão que decretou a providência apenas há 3 anos a esta parte.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece o facto julgado provado em 1.ª instância e elencado sobre o n.º 1, todavia, por conclusivo, ordena-se a eliminação do referido elenco factual do que consta sob o n.º 2.

No que respeita ao facto n.º 4 julgado provado em 1.ª instância, dir-se-á que relativamente ao mesmo depôs de forma isenta, segura e convincente o próprio requerido. em termos de declarações de parte, que espontaneamente referiu que tais missivas foram enviadas, a seu pedido, pela D. II aos requerentes, sendo tal depoimento corroborado pelo teor do doc. n.º 18, junto pelo requerido aos autos com a sua oposição e acima vertido.
Na realidade, o defendido pelos requerentes quanto à alegada falsidade do mesmo, não é mais do que meras conjeturas não minimamente comprovadas e fundadas em alegados conhecimentos da atividade postal não comprovada.
Aliás a prova de veracidade das missivas a que se reportam o doc. 18, é evidente se atentarmos na cronologia dos factos relatados nos autos, ou seja, aos factos provados aquando da decisão que decretou a providência cautelar, resulta que a determinada ocasião “o requerido tentou tomar posse do imóvel antes de os requerentes o conhecerem, (isto é antes de terem tido qualquer contacto pessoal com ele) arrombando a porta do mesmo”. Tal terá sucedido, provavelmente, em maio de 2021 e na sequência do envio da missiva em apreço (datada de 3.05.2021), onde se disse:


e, posteriormente “em finais de MAI2021/inícios de JUN2021, os Requerentes expuseram ao Requerido que ocupavam o imóvel na sua totalidade, da seguinte forma: quartos, cozinha e sala no primeiro andar e loja e arrecadação do rés-do-chão, na qual armazenam os seus bens, nomeadamente o equipamento eletrónico que o filho dos Requerentes repara e comercializa em segunda mão, bem como ferramentas e materiais de construção civil com que foram, ao longo dos anos, reparando o imóvel”.
Finalmente, sempre se dirá ainda que o que constitui o doc. 18 é qualificável como documento particular e, enquanto meio de prova, o conteúdo do documento é formado pelos factos que se destina a provar, sujeito à livre apreciação do tribunal, de onde decorre que é juridicamente descabida a alegação de falsidade do mesmo, cfr. art.º 372.º do C.Civil.
Finalmente sempre se dirá que, seguindo a tese dos requerentes – ou seja, de que tais missivas e respetivos talões de registo foram forjados para fazer crer da veracidade do envio de tais missivas aos requerentes – nesse caso não se percebe como não terão sido “bem forjados”, pois como se verifica pelos ditos talões de registo, porventura por mero erro da dita D. II, se encontram as duas cartas (uma dirigida ao requerente marido e outra à requente mulher) com talões de recibo destinados ambos à requerente mulher….
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, concluímos que nenhuma censura nos merece o facto elencado sob o n.º 4 do elenco factual julgado provado que assim se mantém inalterado.
Improcedem, assim, nos termos supra expostos, as respetivas conclusões dos apelantes.

1.3. – Da ampliação da matéria de facto
Como é sabido também, a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento da prova produzida. Com efeito, o conteúdo da decisão de facto pode apresentar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais ou complementares e concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art.º 5.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, mas também pode ainda, o conteúdo da mesma decisão traduzir-se na integração nos factos provados ou não provados de pura e inequívoca matéria de direito. E finalmente podem ainda evidenciar-se decisões, total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultantes da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladoras de incongruências, de modo que, conjugadamente, se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso em análise.
Nestas situações, a lei confere ao Tribunal da Relação o dever de, por um lado, deles conhecer oficiosamente, (independentemente da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.
Na verdade, além do mais, pode a decisão de facto com que é confrontado o Tribunal da Relação revelar-se deficiente, exigindo a sua ampliação, por terem sido desconsiderados nos temas de prova factos alegados pelas partes e essenciais para a resolução do litígio ou, ainda, por terem sido desconsiderados na decisão factos que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem um enquadramento ou fundamentação jurídica diverso do que foi suposto pela 1.ª instância.
Nessa caso, preceitua a al. c) do n.º2 do art.º 662.º do C.P.Civil, que: “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta“. Mas se, à partida, a consequência deverá ser a anulação da sentença, essa medida deve ser tomada em último recurso, ou seja, apenas quando de outro modo não seja possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que essa anulação determina ao nível da celeridade e da eficácia.
Neste sentido refere A. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, vol. I, pág. 251-255, “a anulação da decisão de 1.ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas “e “Deparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, obscuridade ou a contradição, a Relação fá-lo-á sem necessidade de reenviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite. No caso inverso, cabe-lhe assinalar as referidas nulidades, determinar a anulação (parcial) do julgamento e ordenar que o tribunal a quo as superar“.

Como acima se deixou consignado, os requerentes/apelantes também se insurgem contra o facto de o tribunal não ter julgado provado que o requerido arrombou a porta de entrada do edifício, pedindo que pedem que tal facto seja agora julgado provado e aditado ao elenco factual provado nos autos.
Para tanto, chamam os apelantes à colação o teor do depoimento da testemunha DD, seu filho, e as declarações de parte do requerido.
Do global depoimento dos referidos indivíduos, não podemos deixar de apontar que o filho dos requerentes, declarou que não se encontrava em casa quando o requerido e o serralheiro que o acompanhava chegou ao edifício em apreço e, aí compareceu algum tempo depois, depois de ter sido convocado para tal pelos seus pais. Mais a testemunha DD referiu ainda que quando chegou ao edifício o requerido e o outro homem (o serralheiro já se encontravam no interior do prédio, logo, o mesmo desconhece, por não ter presenciado o que sucedeu antes da sua chegada. Finalmente, não podemos ignorar que a testemunha DD, filho dos requerentes, prestou um depoimento assaz emocionado, e assaz comprometido com o sentido da decisão favorável aos interesses dos seus pais.
Por seu turno, o requerido produziu um depoimento isento, distante, não só geograficamente, mas também emocionalmente da situação em litígio, relatando de forma espontânea os factos que presenciou e onde esteve envolvido e por isso convincente.
E assim enquanto que o filho dos requerentes disse que os pais lhe telefonaram a dizer que estava alguém a arrombar a porta do prédio, o requerido disse que chegou ao edifício acompanhado do serralheiro e tocaram às campainhas e, depois de algum tempo, como ninguém abriu a porta, o serralheiro retirou a fechadura antiga da porta de entrado do prédio, com a porta já aberta, apareceu um senhor de idade e ele (requerido) apresentou-se e disse o que ia fazer – trocar a fechadura de entrada do prédio – o que não foi do agrado do dito senhor, mas a fechadura da porta exterior do edifício foi trocada por uma nova.
Da realidade assim transmitida ao tribunal é nossa segura convicção de que não ocorreu qualquer “arrombamento”, - derrube da porta pelo uso da força - mas tão só uma troca de fechadura da porta exterior do prédio, propriedade do requerido, sem que tivesse sido sequer alegado pelo requerente que o requerido não cumpriu o que lhe disse na supra referida missiva, ou seja, que lhes facultaria a chave da nova fechadura. Não se pode olvidar, como resulta do complexo fáctico apurado nos autos, os requerentes/apelantes são tão só arrendatários do 1.º piso do dito edifício, e estando os restantes pisos do mesmo edifício devolutos, é direito do seu proprietário, que não pode ser escamoteado, ter livre acesso aos mesmos, evidentemente, desde que não impeça o uso normal do arrendado pelos seus arrendatários, o que se não verificou “in casu” até porque estes negaram ao requerido o acesso ao 1.º piso, onde residem, o que foi acatado sem qualquer problema.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, é nossa segura convicção de que não ocorreu qualquer ato de “arrombamento” da porta de entrada ou porta exterior do edifício em apreço, mas tão só a substituição da fechadura do mesmo.
Mas não s pode olvidar que na decisão que decretou a providência está provado o tal “arrombamento”, que entendemos como uma mera conclusão não concretizada em factos de onde possa resultar tal juízo valorativo. Contudo, o requerido logrou provar faticamente em que consistiu tal juízo de valor, que quanto a nós agora se pode julgar manifestamente empolado. E assim, com vista a se esclarecer e mesmo desmontar faticamente tal juízo valorativo, entende-se que se deve aditar ao complexo factual provado nos autos que:
7. Após o referido em 4., o requerido, acompanhado por um serralheiro, deslocou-se ao prédio e, depois de tocar às diversas campainhas do mesmo e ninguém ter aberto a porta exterior, procedeu à substituição da respetiva fechadura por uma outra.
Em suma e, pelo que se deixa consignado, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, e como é sabido, devendo o juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso terá de se manter inalterada que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura, à exceção do facto julgado provado e elencado sob o n.º2 que, pelas razões acima expostas, é eliminado desse elenco factual e do aditamento do facto n.º 7 acima referido.
Improcedem as respetivas conclusões dos réus/apelantes.

2.questão - Da oposição ao decretamento da providência cautelar.
Compulsados os autos, deles resulta que o requerido da providência cautelar quando notificado da decisão que decretou que se abstivesse de quaisquer atos que possam ofender os direitos dos requerentes/apelantes, enquanto arrendatários do imóvel sito na rua ..., Porto, inscrito na matriz predial urbana pelo artigo ... da União de Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, nomeadamente introduzir-se e permanecer no imóvel, por si ou por terceiro que o represente, remover do imóvel quaisquer bens e proceder a qualquer obra ou alteração do imóvel, designadamente removendo portas ou alterando fechaduras, sem a sua audição prévia, e tendo por si o disposto no art.º 372.º do C.P.Civil, teve de optar (“em alternativa” e não cumulativamente) por um dos dois meios de defesa assim postos ao seu alcance:
- Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, se a discordância se fundamentar em razões puramente jurídicas (por exemplo “quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida”, isto é, o recurso tem que respeitar à integração jurídica dos factos que o tribunal deu como provados ou à decisão da matéria de facto, mas apenas a partir das provas já produzidas);
- Deduzir oposição, quando pretenda alegar ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e suscetíveis de infirmar os fundamentos da providência decretada ou determinar a sua redução (ou seja, o incidente de oposição tem que se reportar à alegação de factos novos ou à produção de novos meios de prova não considerados antes pelo tribunal).
Pelo que são assim diversas as finalidades que se pretendem alcançar com a interposição de recurso ou com a dedução de oposição, já que com o primeiro pretender-se-á pôr em causa a legalidade da decisão por falta dos necessários requisitos legais, enquanto com o segundo se pretenderá invalidar os fundamentos de facto com base nos quais foi determinado o decretamento da providência ou obter a redução da providência aos justos limites.
No caso dos autos, o requerido optou por deduzir oposição, pelo que o contraditório que assim se abriu não pôs em causa a anterior fixação da matéria de facto, tendo essa dedução superveniente da defesa por finalidade trazer “à colação novos factos ou meios de prova não valorados pelo tribunal, tendentes a afastar os fundamentos da providência ou a determinar a sua redução aos “justos limites””.
E como ensina Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, págs. 356, 357 “(...) Daí que, verificando-se os fundamentos de oposição, traduzidos na invocação de matéria nova, deva a parte começar por deduzi-la, aguardando a prolação da decisão que a aprecie, que se considera “complemento e parte integrante” da sentença inicialmente proferida: e abrindo-se, só neste momento, a via do recurso, relativamente a todas as questões suscitadas, quer pela decisão originária, quer pela que a completa ou altera”.
E assim sendo, não se pode ignorar que estava indiciariamente provado nos autos, por via da decisão que decretou a providência, que:
1. Os Requerentes AA e BB residem no imóvel sito na rua ..., Porto, inscrito na matriz predial urbana pelo artigo ... da União de Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.
2. Inicialmente, os Requerentes começaram por residir no primeiro andar do referido imóvel, ao abrigo de contrato de arrendamento celebrado a 1DEZ1973.
3. Posteriormente, acordaram com o senhorio EE a ocupação do resto do imóvel.
4. O que sucede há anos.
5. Por execução movida contra o referido EE, o imóvel foi adjudicado ao “Banco 2...”, tendo sido posteriormente integrado no património do “Banco 3...”, que, depois, o vendeu a “A..., Lda.”, sendo que esta última vendeu ao Requerido CC o referido imóvel.
6. O Requerido tentou tomar posse do imóvel antes de os Requerentes o conhecerem, arrombando a porta do mesmo.
7. Em finais de MAI2021/inícios de JUN2021, os Requerentes expuseram ao Requerido que ocupavam o imóvel na sua totalidade, da seguinte forma: quartos, cozinha e sala no primeiro andar e loja e arrecadação do rés-do-chão, na qual armazenam os seus bens, nomeadamente o equipamento eletrónico que o filho dos Requerentes repara e comercializa em segunda mão, bem como ferramentas e materiais de construção civil com que foram, ao longo dos anos, reparando o imóvel.
8. Os Requerentes e o filho também utilizam os referidos espaços ao nível do rés-do-chão para repararem os seus próprios bens.
9. Esta utilização do imóvel foi igualmente explicada aos representantes do Requerido.
10. O segundo e o terceiro andar do imóvel estão também ocupados com ferramentas e materiais de construção civil, que foram sendo usados para fazer as reparações que permitiram um mínimo de condições do imóvel.
11. O segundo e o terceiro andar do imóvel também estão ocupados com escombros dos danos provocados no terceiro piso, em decorrência de infiltrações que o imóvel sofreu ao longo dos anos, o que foi reportado aos anteriores proprietários do imóvel, ou seja, “Banco 3...” e “A...”.
12. Os Requerentes prestaram esclarecimentos a respeito do imóvel sempre que interpelados para tal.
13. O sucedido em 6) originou uma queixa crime, que corre termos no DIAP – Porto sob o nº 6327/21.0 T9PRT, da autoria dos Requerentes, bem como uma queixa crime, que corre igualmente termos no DIAP – Porto sob o nº 10870/21.3 T9PRT, da autoria do Requerido.
14. Entre a aquisição do imóvel pelo Requerido, em 28ABR2021, e a data em que este procedimento cautelar foi instaurado, a 13DEZ2021, o imóvel foi visitado em três ocasiões pelo Requerido (ou seus representantes), com a justificação de que seria necessário conhecer os defeitos do imóvel.
15. Teve lugar uma vistoria do imóvel por parte de técnicos da Câmara Municipal ..., para verificação do seu estado de salubridade e do estado de conservação do telhado.
16. Foram os Requerentes quem procedeu, ao longo dos anos, às reparações possíveis no telhado, na claraboia, nas caleiras, nas portas e paredes do imóvel, com recurso a meios próprios.
17. Os Requerentes receberam as missivas juntas aos autos como documentos n.º 4 e n.º 5, nas quais o Requerido interpela os Requerentes para vagarem todo o espaço do prédio que não corresponda ao primeiro andar onde se situam os quartos, cozinha e sala da sua habitação.
18. O imóvel não tem separação física entre os vários pisos e o contacto entre a sala, a cozinha e os quartos faz-se através do patamar do primeiro andar.
19. Para além disso, os móveis e tapetes dos Requerentes sempre ocuparam a escadaria do imóvel e o principal corredor de acesso ao mesmo.
20. Os bens que se encontram na arrecadação e loja do prédio ocupam mais espaço do que o disponível no primeiro andar.
21. O material de construção civil que se encontra na arrecadação, pátio e segundo andar do imóvel não é comportável no primeiro andar.
22. Há vários anos que os Requerentes ocupam a totalidade do imóvel, sempre sem qualquer oposição por parte dos seus proprietários.
23. Os quais, inclusivamente, beneficiaram da manutenção que aqueles fizeram.
24. O Requerido alega, junto dos Requerentes, que pretende iniciar obras no imóvel, para justificar a remoção dos bens, e que o faz em cumprimento de despacho camarário que o obriga a tal, mas nunca apresentou aos Requerentes qualquer documento.
25. Usando essa justificação, o Requerido promoveu uma visita ao imóvel, no passado mês de NOV2021, sem qualquer oposição dos Requerentes, por forma a que um técnico vistoriasse o local e preparasse as obras necessárias.
26. No dia em causa – 11NOV2021 – o Requerido e várias pessoas limitaram-se a ver o prédio, desde o piso de cima até ao rés-do-chão.
27. Sendo que uma senhora que integrava esse grupo proferiu comentários quanto ao imóvel e às condições em que os Requerentes viviam, em termos que estes reputaram ofensivos.
28. Os Requerentes solicitaram alguma previsibilidade quanto às visitas do Requerido.
29. Os Requerentes são pessoas idosas, ambos reformados por invalidez, com problemas cardíacos e, nos últimos anos, têm sido interpelados por vários indivíduos representantes dos diversos proprietários do imóvel.
30. Sendo que nos últimos seis meses foram arrombadas portas, já foi necessário recorrer às autoridades policiais e deambularam pelo imóvel mais de meia dúzia de pessoas, apresentadas aos Requerentes como sendo arquitetos e técnicos de obras.
31. O imóvel não tem condições físicas para que estas entradas e saídas se façam sem prejudicar a privacidade e o sossego dos Requerentes.
32. O Requerido bate na porta dos quartos dos Requerentes, obriga-os a recolherem-se num só espaço (quartos ou sala/cozinha), exibindo a todos os visitantes do imóvel os pertences dos Requerentes.
33. Os Requerentes instauraram ação de preferência contra o, aqui Requerido, o “Banco 3...” e “A..., Lda.”, autuada em 27NOV2021 sob o n.º 19595/21.9 T8PRT”.

Perante toda esta factologia, é evidente que o requerido trouxe e, fazer prova dos autos, de factos aptos a afastar os fundamentos da providência ou a determinar a sua redução aos “justos limites”.
Na realidade, apenas logrou o requerido/apelado alegar e provar que se os requerentes ocupavam, como alegaram a ocupação da totalidade do edifício, tal ocorreria por mera tolerância do anterior proprietário, não tendo os mesmos qualquer título que legitimasse tal ocupação. Todavia, o requerido não logrou afastar a realidade fáctica já provada nos autos, ou seja: (Os requerentes) Posteriormente, acordaram com o senhorio EE a ocupação do resto do imóvel. O que sucede há anos. Os Requerentes e o filho também utilizam os referidos espaços ao nível do rés-do-chão para repararem os seus próprios bem. O segundo e o terceiro andar do imóvel estão também ocupados com ferramentas e materiais de construção civil, que foram sendo usados para fazer as reparações que permitiram um mínimo de condições do imóvel. Para além disso, os móveis e tapetes dos Requerentes sempre ocuparam a escadaria do imóvel e o principal corredor de acesso ao mesmo. Os bens que se encontram na arrecadação e loja do prédio ocupam mais espaço do que o disponível no primeiro andar. O material de construção civil que se encontra na arrecadação, pátio e segundo andar do imóvel não é comportável no primeiro andar. Há vários anos que os Requerentes ocupam a totalidade do imóvel, sempre sem qualquer oposição por parte dos seus proprietários.
In casu” o requerido/ apelado para afastar a providência decretada, apenas logrou fazer prova, esclarecendo o que já estava provado, ou seja - O Requerido tentou tomar posse do imóvel antes de os Requerentes o conhecerem, arrombando a porta do mesmo. E assim, logrou o requerido/apelado fazer prova de visitou o imóvel e fez-se acompanhar de um engenheiro e de um advogado, mas não visitou o 1.º andar, que corresponde ao locado e à habitação dos requerentes. As visitas tiveram com fim a averiguação dos defeitos do imóvel e da necessidade de obras profundas do mesmo. O imóvel encontra-se muito degradado e padece de diversas patologias, sendo evidentes os sinais de infiltrações, chove no seu interior, o chão está levantado e as paredes estão muito danificadas.
Ou seja, logrou o requerido provar que as visitas que fez ao prédio em apreço contrariamente ao indiciado, não tiveram qualquer intuito de assediar os requerentes para, em último caso, abandonarem a sua residência e o imóvel em apreço, mas tão só para se inteirar do estado do prédio e se tomarem medidas quanto ao necessário restauro das condições de habitabilidade do imóvel. E mais logrou provar ainda o requerido/apelado que o indiciado “arrombamento” da porta exterior do prédio consistiu tão só na substituição da fechadura da porta exterior do prédio, ou seja, quando se deslocou ao prédio, pela 1.ª vez, acompanhado por um serralheiro e, depois de tocar às diversas campainhas do mesmo e ninguém ter aberto a porta exterior, procedeu à substituição da respetiva fechadura por uma outra e, mais provou ainda que tal sucedeu depois de ter enviado uma missiva aos requerentes, que a receberam, em momento anterior à deslocação dos seus representantes ao imóvel – doc. 18. – de onde constava a sua intenção expressa de trocar a fechadura do prédio e entregar a respetiva chave aos requerentes.

Como resultou também indiciado dos autos, existe pendente uma ação intentada pelos requerentes contra o requerido com vista a ser-lhes reconhecido o direito de preferência na aquisição do imóvel em apreço. Não se desconhece as situações que têm gerado os negócios imobiliários de compra de edifícios antigos em grandes centros urbanos, tais como a cidade do Porto, e as consequências que desses negócios advém para os que ainda neles mantém a sua residência.
O decretamento duma providência cautelar comum, cfr. art.ºs 2.º n.º 2; 362.º n.ºs 1 e 2; 365.º n.º1 e 368.ºn.º2, todos do C.P.Civil e art.º 20.º, n.º 5, da C.R.Portuguesa, depende da conjugação dos seguintes requisitos:
i) Probabilidade séria da existência do direito invocado (e deduzido em ação proposta ou a propor, exceto no caso de ser decretada inversão do contencioso);
ii) Fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito ou “periculum in mora”;
iii) Não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e
iv) A não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito.
Entende-se que a “probabilidade séria da existência do direito invocado” que se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária; outro tanto não acontece com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso, ou seja, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, o requerente tem que alegar e depois provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.

A este propósito escreveu-se na decisão recorrida que: “(…) resultou agora demonstrado que os Requerentes ocupam apenas a habitação no 1.º andar, que os demais pisos não se reúnem condições de habitabilidade, que o Requerido enviou aos Requerentes uma missiva a anunciar a sua visita, que as visitas ocorridas visavam averiguar das condições do imóvel, por referência a um projeto futuro de reconstrução/reabilitação, que em momento algum o locado foi devassado e que os Requerentes foram importunados. Ou seja, a matéria de facto carreada para os autos pela oposição deduzida e que foi indiciariamente provada, foi de molde a abalar a indiciação de factos que conduziu à decisão inicialmente tomada.
Por outro lado, convém não esquecer que o Requerido é o proprietário do imóvel e, por isso, dispõe dos poderes inerentes a esse direito. E a atuação que agora ficou demonstrada, em sede de oposição, move-se, sem qualquer reparo, no âmbito dos seus poderes, sem que se mostre violado qualquer direito dos Requerentes.
Paralelamente, cabe aqui referir que de acordo com o artigo 362.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para que se determine uma providência cautelar, é necessário demonstrar fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito.
Após audição do Requerido e considerando a factualidade que este logrou provar, é forçoso concluir que não ficou demonstrado o mencionado requisito. Bem pelo contrário, o direito do Requerido, desde logo o seu direito de propriedade, refletido no artigo 1305.º do Código Civil, é que ficará afetado caso se mantenha a decisão tomada, que lhe limita o seu direito, como se vê agora de forma injustificável.
Naturalmente que os Requerentes, na sede própria, poderão ver reconhecidos os direitos de que se arrogam.
Convém não esquecer, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21SET2017, acessível em www.dgsi.pt com o nº 1483/17.5T8BCL.G1, citado pelo Requerido, que: “O procedimento cautelar não se confunde, quanto à sua natureza, regras e objeto, com a ação adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente”.
Por conseguinte e sem necessidade de mais considerandos, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, julga-se a oposição procedente, determinando-se a revogação e o levantamento da providência inicialmente decretada.

Concordamos com a apreciação feita em 1.ª instância sobre a realidade alcançada e firmada nos autos.
Como refere Marco Carvalho Gonçalves, in “Providências Cautelares”, pág. 214 “o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos. (…) o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica”
E segundo Abrantes Geraldes, in “Temas Da Reforma Do Processo Civil”, vol. III, pág. 83, apenas de devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis” Ou seja, “Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade”.
A este propósito, escreveu no Ac. do STJ de 2.12.2020, in www.dgsi.pt que ““para se considerar verificado o requisito das providências cautelares não especificadas relativo ao receio de lesão grave e difícil reparação do direito, não basta a prova da existência de tal receio por parte dos requerentes da providência, sendo ainda necessário que tal receio seja fundado, ou que resulte, objetivamente, de factos que o justifiquem”.
É certo que o ato de substituição da fechadura da porta exterior do prédio por parte do seu legítimo proprietário, contra a vontade dos requerentes/apelantes – arrendatários do 1.º piso do dito prédio – por hipótese a ser qualificado como um ato de violência sobre coisa, só teria relevância se com ele se pretendesse intimidar, direta ou indiretamente, os requerentes, o que o requerido/apelado, como se viu, logrou infirmar.
Em suma, pela análise do elenco factual dos autos, podemos, em segurança afirmar que não ocorreu qualquer lesão grave, nem dificilmente reparável, do direito de arrendatários dos apelantes do 1.º piso do imóvel em apreço nos autos. Logo, afastado está o requisito – de verificação do “periculum in mora” – necessário à manutenção da providência decretada
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece a decisão que ordenou o levantamento da providência cautelar comum em apreço.
Improcedem as respetivas conclusões dos apelantes.

3.ªquestão - Da litigância de má-fé.
Defendem, por fim, os requerentes/apelantes que o requerido litigou de má-fé, pelo que pedem que o mesmo seja condenado como tal.
Para tanto, defenderam os requerentes/apelantes que “(…) na prolixidade da sua Oposição, o Requerido pratica atos incompatíveis com a boa-fé processual. Desde logo junta aos autos documentos que se reputam como falsos – doc. 18 – e sobre os quais os Requerentes pretendem debruçar-se face à prova a requerer. Nega factos que são do seu perfeito conhecimento, como o arrombamento da porta do imóvel, factos que foram assumidos pelo mesmo aquando da intervenção policial que o próprio convocou e mais tarde autuou por Denúncia no DIAP. Alega ter enviado cartas – novamente documento 18 – para intervenções céleres e necessárias das quais só veio a ter conhecimento meses após as referidas, quando confrontado com a vistoria da câmara. Nega o pagamento das rendas por parte dos Requerentes – vide art.º 88º - quando as mesmas estão a ser pagas para a conta do Banco 1... indicada para esse efeito pelo próprio. E mantem o justificativo para as suas ações num imperativo camarário que, no entanto, mantém incumprido há meses. Simplificando, o despacho da câmara municipal serve para entrar no imóvel, para o querer fazer repetidamente, mas não para melhorar as condições do mesmo; Sendo de evidenciar que ao longo dos meses em que os Requerentes o impediram de entrar no imóvel, aquilo que mais fez foi visitar inutilmente o mesmo sem nunca ter apresentado aos Requerentes o documento pelo qual justificava as referidas deslocações. Tal foi a má-fé dos inquilinos. Ora, pela fundamentação torpe, contraditória e assente na deturpação dos factos que o próprio traz ao processo, encontram-se ultrapassados os limites da lide ousada ou temerária. Pela aparente junção de documentos falsos nos autos, essa ultrapassagem vai muito além no terreno da litigância de má-fé, devendo o Requerido ser condenado como tal, e a final, ao ressarcimento dos prejuízos que os Requerentes venham a demonstrar ter com a presente lide, nomeadamente custas judiciais, despesas documentais e honorários do seu mandatário”.
Ora, não resultou provado nos autos, por se não ter feito a mínima prova de tal realidade, que:
1. Que o requerido tenha apresentado nos autos documentos falsos;
2. Que o requerido negue factos que são do seu conhecimento, como o arrombamento da porta do imóvel, que foi assumido pelo mesmo aquando da intervenção policial que o mesmo solicitou e que mais tarde autuou por denúncia no DIAP;
3. Que o requerido alegou ter enviado cartas (documento 18) para intervenções céleres e necessárias, que só teve conhecimento meses após as referidas, quando confrontado com a vistoria da Câmara;
4. Que o requerido nega o pagamento das rendas por parte dos requerentes, quando as mesmas estão a ser pagas para a conta do Banco 1... indicada para o efeito pelo próprio;
5. Que o requerido mantém o justificativo para as suas ações num imperativo camarário que mantém incumprido há meses;
6. Que ao longo dos meses em que os requerentes o impediram de entrar no imóvel, o que o requerido mais fez foi visitar inutilmente o mesmo e que nunca apresentou aos requerentes o documento pelo qual justificava as referidas deslocações.

Preceitua o art.º 542.º, n.º1 do C.P.Civil, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
E como dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Ora, enquanto as als. a) e b) do citado preceito legal se reportam à chamada má-fé material/substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas têm a ver com a má-fé processual/instrumental.
E assim, pode-se assentar que de tal normativo legal resulta que a litigância de má-fé pressupõe, uma atuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide - consubstanciada, objetivamente, na ocorrência de alguma das situações, atrás transcritas, previstas nas diversas alíneas do seu n.º 2. Pelo que e em suma, se pode dizer que a má-fé se traduz na violação dos deveres da cooperação e da boa-fé processual que os art.ºs 7.º e 8.º do C.P.Civil impõem às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.
Como é sabido e diversamente do que se verificava anteriormente ao que se preceitua no atual quadro processual civil, é atualmente sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro. Referem a este propósito Menezes Cordeiro, in “Litigância de Má-Fé abuso do Direito de Ação e Culpa”, pág. 26 que se alargou a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo. Dolo, esse, que supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida - dolo substancial direto - ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial - dolo substancial indireto, podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais, e ainda Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 62, dizendo que a infração do “dever honeste procedere” pode resultar de uma má-fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis.
É também bem incisivo o que se consignou no Ac. do STJ de 6.12.2001, in www.dgsi.pt, ou seja, que a negligência grave é caracterizada como a imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um. Sem se olvidar que a condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, face ao uso que possa ter feito dos mecanismos legais postos ao seu dispor, com o marcado intuito de moralizar a atividade judiciária, vem sendo amplamente entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má-fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do C.P.Civil, tendo-se referido acertadamente a esse propósito, além do mais, no Ac. do STJ de 11.12.2003, in www.dgsi.pt que “…a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art.º 456.º, do CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b) do n.º 2”, (atual art.º 542.º do C.P.Civil).
Em suma, a afirmação da litigância de má-fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objetiva, e por vezes serena, da respetiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé, vide Acs. do STJ de 14.03.2002 e 15.10.2002, ambos in www.dgsi.pt.
In casu” manifesto é de concluir que inexiste a mínima prova, ou mesmo indício, de que o requerido/apelado tenha litigado de má-fé, quer material quer processual, ou seja, inexiste o mínimo indício de que, mormente, deduziu oposição que sabia não ter fundamento, e também não se provou que o mesmo alterou a verdade dos factos que trouxe aos autos para obter uma decisão que sabia não ser a justa e devida.
Pelo que sem necessidade de outros considerandos, confirma-se também nesta parte a decisão recorrida.
Improcedem, assim, as derradeiras conclusões dos requerentes/apelantes.

4.ªquestão – Da alegada violação do caso julgado formal.
Como se viu começaram os requerentes/apelantes por defender que: “O aresto recorrido é a sentença datada de 14.07.2023, a qual indeferiu a pretensão de condenação de litigância de má fé e ordenou o levantamento da providência cautelar. A decisão de que se recorre é, em si mesma, a reformulação de sentença anterior, entretanto anulada. Ordenou a Relação que fosse proferida uma decisão final que analisasse em simultâneo os fundamentos da oposição à providência cautelar em simultâneo com os fundamentos litigância de má fé; Porquanto a análise dos últimos fundamentos influencia os primeiros – designadamente porque importantes para a verificação do pressuposto do periculum in mora. E, se a Relação pretendia que fosse efetuada uma análise conjunta e global dos factos em causa, não foi isso, mais uma vez, que o tribunal a quo entendeu fazer”.
Intencionalmente deixámos a decisão desta questão para este final, pois assim sendo, decorre de tudo o que acima se deixou consignado que inexiste qualquer razão aos requerentes/apelantes no assim alegado.
No que concerne à questão do caso julgado formal e à devida obediência às decisões dos tribunais superiores pelos de nível inferior, dir-se-á como já se referiu no nosso anterior acórdão que “a nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão – despacho, sentença ou acórdão – decorrente do seu trânsito em julgado, cfr. art.º 628.º do C.P.Civil.
O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
A partir do âmbito da sua eficácia, há que fazer a distinção entre o caso julgado formal e o caso julgado material: o primeiro tem um valor estritamente intraprocessual, dado que só vincula no próprio processo em que a decisão que o adquiriu foi proferida; o segundo é sempre vinculativo no processo em que foi proferida a decisão, mas também pode sê-lo em processo distinto, cfr. art.ºs 619.º e 620.º do C.P.Civil.
O caso julgado resolve-se na inadmissibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal – mesmo por aquele que proferiu a decisão.
Todavia, o caso julgado não se limita a produzir um efeito processual negativo – traduzido na insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo também daquele que é o autor da decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão. Ao caso julgado deve também associar-se um efeito processual positivo: a vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal, ou seja, ao conteúdo da decisão desse mesmo tribunal.
Tanto o caso julgado material como o caso julgado formal pressupõem o trânsito em julgado da decisão. No entanto, enquanto o caso julgado formal tem apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida, o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como, principalmente, fora dele, cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 308.
Relativamente ao caso julgado formal preceitua o art.º 620.º do C.P.Civil, que:
“1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força, obrigatória dentro do processo.
2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630”.
Sendo certo que reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
No caso dos autos, como é evidente, os autos após terem sido neles proferidos os anteriores acórdãos, os autos retornaram à 1.ª instância para se reabrir a audiência de produção de prova, em sede de oposição à providência cautelar decretada, para produção de prova relativamente à invocada litigância de má-fé de ambas as partes e depois, do conjunto dessa prova com a demais já produzida relativamente aos factos alegados na oposição, se decidir da referida oposição e da litigância de má-fé.
Vistos os autos, foi exatamente esse o processado realizado em 1.ª instância, sem olvidar que aí, reaberta a audiência para produção de prova, as partes prescindiram da produção de qualquer outra prova, o que nos leva a conjeturar da atuação boa-fé da atuação processual dos requerentes, apelantes também nos anteriores recursos de apelação, pois, como se vê, dessa atuação resultou, pura e simplesmente um “delay” processual e da decisão anteriormente tomada.
Ora, se nenhuma outra prova foi produzida, nenhuma censura nos merece o facto de a 1.ª instância tenha julgado não provados os factos alegados pelos requerentes/apelantes como fundamento da invocada má-fé do requerido e consequentemente tenha proferido decisão idêntica no que concerne à sorte da oposição ao procedimento cautelar.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos improcedem também tais conclusões dos apelantes.

Sumário: I -O decretamento duma providência cautelar comum, depende da conjugação dos seguintes requisitos:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se decisão recorrida.
Custas pelos requerentes/apelantes.

Porto, 2024.01.30
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires