LESÃO E SEQUELA
CONSEQUÊNCIA DA NÃO ACEITAÇÃO DE INCAPACIDADE NA FASE CONCILIATÓRIA DO PROCESSO
QUESTÃO CONTROVERTIDA NA FASE CONTENCIOSA
LAUDO PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO
Sumário

I – A lesão e sequela não se confundem. A lesão traduz-se na alteração anatómica resultante de ação exógena, que pode curar sem sequelas ou com sequelas. Já a sequela é uma alteração anatómica ou funcional que subsiste, após o acidente. A lesão terá de resultar do evento naturalístico. A sequela terá de resultar da lesão, sendo um seu efeito permanente causador da incapacidade para o trabalho.
II – Numa situação, como in casu, em que na fase conciliatória são aceites as lesões e o nexo de causalidade entre estas e o acidente, mas em que a Sinistrada não aceita a incapacidade para o trabalho fixada no exame do INML e requer junta médica, tal significa que as sequelas descritas nesse exame não são aceites, nem a sua graduação dentro das rubricas e, consequentemente, permaneceram controvertidas na fase contenciosa e sujeitas à avaliação dos senhores peritos médicos em junta médica para efeitos da fixação da incapacidade para o trabalho.
III - O laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil), sem prejuízo, todavia, de a eventual divergência dever ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária por se tratar de matéria em que o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos.
IV – A decisão judicial encontra-se devidamente sustentada quanto à determinação e fixação da incapacidade, com apelo aos laudos periciais das juntas médicas que se perfilam como claros, congruentes, objetivos e fundamentados, e inexistindo elementos probatórios que, por si, conduzissem a distinta conclusão nessa matéria.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 4298/21.2T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 3

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Teresa Sá Lopes
2ª Adjunta: Rita Romeira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Os autos respeitam a uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é autora AA e rés Companhia de Seguros A..., SA e B..., Lda., que se iniciou com base numa participação efetuada pela PSP por acidente de trabalho, ocorrido em 7-03-2021, quando a Sinistrada prestava trabalho no estabelecimento aí identificado.

Na sequência de tal participação foi notificada a entidade Seguradora para vir juntar os elementos documentais a que alude o artigo 99.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, incluindo cópia integral dos registos clínicos da Sinistrada.
A Seguradora respondeu em 14-09-2021, informando que a sinistrada ainda se encontrava a ser assistida nos seus serviços clínicos na situação clínica de ITP de 30% (refª citius 29897290).
Em 28-09-2021 (refª citius 30035837) a Seguradora, entre outros elementos, remeteu:
- Nota discriminativa das incapacidades e indemnizações pagas;
- Ficha de avaliação de incapacidade – Boletim de Alta;
- Diário Médico e Boletim de Exame.
No Boletim de alta/ficha de avaliação de incapacidade da Seguradora consta, para além do mais, o seguinte:
- No item “sequelas resultantes do acidente” – “Sequela de fractura da tacícula radial, com artroplastia da tacícula – rigidez do cotovelo”
- No item “De Alta” - “O sinistrado teve alta em 20/09/2021” e “Atribuição de IPP de 15%”
- No item “Cálculo da Incapacidade” – Capítulo I 5.2.2. alínea d) (0,07-0,10), fator de bonificação 1,5, coeficiente arbitrado 0,1, capacidade restante 1, desvalorização arbitrada 0,1, coeficiente global de incapacidade 15%.
Por requerimento de 6-10-2021 (refª citius 30107536), a Seguradora veio ainda juntar exames complementares efetuados pela Sinistrada, diário clínico da urgência (que integra também a menção a resultados/relatório da TC Cranioencefálica e maxilo-facial e RX).

Na fase conciliatória do processo, foi solicitada a realização de perícia médica à Sinistrada, a qual foi efetuada, constando dos autos o respetivo relatório de exame médico singular da Delegação do Norte do INMLCF, IP, datado de 28-01-2022 (refª citius 31228722 de 1-02-2022).
Nesse relatório consta, para além do mais, o seguinte:
-«[..]
B. DADOS DOCUMENTAIS
Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos do(a) Companhia de Seguros A... da qual se extraiu o seguinte:
A examinada sofreu acidente de trabalho no dia 7-03-2021, com queda de que resultou traumatismo frontal, cotovelo esquerdo, coxa direita e joelho esquerdo. Foi assistida no Centro Hospitalar ..., onde foi identificada fractura da tacícula radial e ferida na região supraciliar esquerda. Efectuou cuidados de penso ao ferimento frontal, com colocação de steristrips por pequena deiscência após remoção de pontos. Foi submetida a artroplastia da tacícula radial.
Realizou depois tratamentos de fisioterapia do cotovelo esquerdo. Anota-se rigidez marcada. Sinistrada com dificuldade em entender o que tem de ser realizado para melhor resultado possível”.
Como sequela está descrita “sequela de fractura da tacícula radial, com artroplastia da tacícula – rigidez do cotovelo”.
Os períodos de incapacidade definidos pela Companhia de Seguros foram os seguintes:
ITA: 08-03-2021 a 23-07-2021;
ITP (35%): 24-07-2021 a 12-08-2021;
ITP (30%): 13-08-2021 a 20-09-2021.
Teve alta definitiva da Companhia de Seguros no dia 20-09-2021, com uma IPP proposta de 15% (10% com bonificação pelo factor 1.5) segundo o(s) artigo(s) I 5.2.2. d) da TNI.
[…]
A. EXAME OBJECTIVO
1. Estado geral
A Examinanda apresenta-se: consciente, orientada, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real.
A Examinanda é dextra e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.
2. Exame físico
A examinanda referencia as seguintes alterações:
− Face: cicatriz superiormente ao supracílio esquerdo, pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento
- Membro superior esquerdo: cicatriz linear, de tipo cirúrgico, na face lateral do terço distal do braço e cotovelo, ligeiramente hipertrófica, com 10 cm;
cotovelo: rigidez articular com flexo nos 40º, permitindo arco de movimento entre os 40º-116º (portanto, incapaz de extensão e flexão completas, impossibilitando a examinada de levar a mão ao ombro homolateral;
dor acentuada referida às tentativas de mobilização e palpação do cotovelo.
B. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
Não se efetuaram exames complementares de diagnóstico.
DISCUSSÃO
1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a pré-existência do dano corporal.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20/09/2021, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões e o tipo de tratamentos efectuados.
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
− Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.
- Os períodos e as incapacidades temporárias parciais são os atribuídos pela companhia seguradora.
4. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 15,00%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado e a idade da vítima à data da consolidação (maior ou igual a cinquenta anos).
Idade 51 anos Profissão: empregada de restaurante

Coeficiente bonificado de incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual: 15,00% [10%x1.5]
CONCLUSÕES
− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20/09/2021.
− Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.
_ Os períodos e as incapacidades temporárias parciais são os atribuídos pela companhia seguradora.
- Incapacidade permanente parcial fixável em 15,00%.
Porto, 28 de janeiro de 2022
A Perita Médica
Drª BB
(…)
Assistente de Medicina …».

Na sequência da realização de tal exame, em 21-04-2022, tevê lugar a tentativa de conciliação da fase conciliatória do processo, conforme auto de não conciliação refª citius 435816171.
Desse auto consta o seguinte:
“Cumpridas que foram as formalidades legais e, a instâncias da Exmª. Procuradora da República, pela Sinistrada foi declarado:
“Que no dia 7-03-2021, quando prestava serviços de natureza profissional na B..., Lda., mediante o salário mensal de € 773,00x14 meses, acrescida de subsídio de alimentação de € 10,00x22x11 meses (tomava 2 refeições na empresa) 107,04 x 1 mês de horas extras+165,00x1 mês de gratificações, que tinha a sua responsabilidade infortunística devidamente transferida para a seguradora acima mencionada, foi vítima de um acidente de trabalho, no Porto, que consistiu em ter dado uma queda abaixo de uma escada, conforme as lesões constantes do auto de exame médico de fls. 87 a 91, pelo que ficou afectada de uma Incapacidade Permanente Parcial de 15%, a partir de 20/09/2021, conforme exame médico efectuado pelo perito médico deste Tribunal, com a qual NÃO CONCORDA.
Declara que não se encontra paga de todas as indemnizações devidas até à data da alta.
Gastou € 16,00 em deslocações ao Tribunal.
Assim em face do exposto RECLAMA:
o pagamento de um capital de remição calculado com base na IPP que lhe for fixada por Junta Médica, a partir de 21/09/2021 (dia seguinte ao da alta), nos termos da Lei 98/2009 de 4/9, artigo 48.º, n.º 3, alínea c, bem como a quantia de € 16,00 em deslocações a Tribunal e IT´s.
Pela Legal Representante da Seguradora foi dito que aceita que a sua representada reconhece o acidente como de trabalho, aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, aceita a transferência pela retribuição de € 773,90 x 14, aceita o resultado do exame médico do INML que lhe atribui uma IPP de 15%. Aceita o pagamento da quantia de € 16,00 em deslocações ao Tribunal.
Pelo Legal Representante da Entidade Patronal foi dito que aceita o acidente como de trabalho, aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, aceita que a sinistrada efetuava 2 refeições por dia na empresa exceptuando dia e meio de folga por semana e auferiu no ano anterior € 165,00 em gratificações + € 107,04 em horas extras. Porém, entende que estas verbas estão transferidas para a seguradora.
Seguidamente, pela Exmª Procuradora da República foi proferido o seguinte
DESPACHO
Dou a presente diligência por encerrada, com as mesmas NÃO CONCILIADAS, devendo os autos aguardar, por vinte dias, nos termos do artº 119º, do Código do Processo de Trabalho, a propositura da acção.”

A Autora apresentou petição inicial, dando assim início à fase contenciosa do processo, demandando as Rés Companhia de Seguros A..., SA e B..., Lda..
Na petição inicial a Autora concluiu nos seguintes termos:
“Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, devendo, em consequência as RR. condenadas a pagar à A., no mínimo, as seguintes importâncias:
I) B..., Unipessoal, Lda.:
- Uma indemnização de € 1.741,20 por ITA de 08.03.2021 a 20.09.2021, referente à parcela da retribuição correspondente às refeições, às gratificações e horas extra, cuja responsabilidade não se encontrava transferida, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde 21.09.2021 até integral e efectivo pagamento;
II) Companhia de Seguros A..., S.A.:
- Uma pensão anual e vitalícia de € 14.032,78 (€ 773,03X14=€ 10.822,42 + € 3.210,36) por IPP, com início em 21.09.2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde 21.09.2021 até integral e efectivo pagamento;
- A quantia de € 296,00 relativa às deslocações ao Tribunal e às consultas médicas de ortopedia e de neurocirurgia realizadas pela A.
Considerando-se a pensão obrigatoriamente remível, pede a condenação das Rés, na proporção correspondente, no pagamento do capital de remição de € 32.946,14, calculado com base na IPP de 25% e no fator de ponderação apurado de acordo com a idade da autora à data do acidente.”
No respetivo articulado, a Autora, invocou, para além do mais, que: no dia 7-03-2021, quando a Autora se encontrava a efetuar serviços de limpeza nos vidros exteriores do restaurante em que trabalha, a escada deslocou-se repentinamente, provocando a sua queda súbita e imprevista para o pavimento da rua; em resultado da queda, sofreu ferimentos graves na cabeça, na parte frontal do lado esquerdo, no sobrolho do lado esquerdo, com sangramento e hematomas graves no nariz, olhos, lábio superior, na perna direita e joelho esquerdo, e, bem assim, uma lesão grave no braço esquerdo em resultado do impacto direto no pavimento; as lesões no rosto foram ainda agravadas pelo facto de usar óculos, cujos vidros das lentes se partiram com o impacto no rosto, com cortes de vidro nos olhos e nariz; em resultado do sinistro, deu entrada de urgência nos serviços de urgência do Hospital ..., onde recebeu tratamento; foi transferida para os serviços clínicos da Ré seguradora, sitos no Hospital 1..., onde lhe foi diagnosticada fratura do cotovelo esquerdo, com imobilização CC e suspensão branquial, além de fraturas no crânio e na face; manteve-se de baixa médica, e em tratamentos, com incapacidade temporária absoluta para o trabalho até 8-08-2021; em 9-08-2021 foi-lhe dada alta para trabalhar com fixação de ITP em 35% que se manteve até 17-08-2021 e ITP de 30% de 18-08-2021 a 20-09-2021, data em que lhe foi dada alta definitiva dos serviços clínicos; ao longo dos meses em que se manteve em tratamento suportava dores agudas muito fortes no braço e cotovelo esquerdo, além de instabilidade de equilíbrio, cefaleias, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações de memória e do humor com perturbação do sono; fez cirurgia ao cotovelo esquerdo, com colocação de placa e parafusos em 24-03-2021, com imobilização total do braço pelo período de 5 meses e incapacidade absoluta para o trabalho; o perito médico do Tribunal fixou à Autora as incapacidades temporárias para o trabalho constantes do relatório de exame médico (coincidentes com as atribuídas pela Seguradora) e uma IPP de 15% de desvalorização por referência ao artigo I 5.2.2.d) da TNI (0,10x1.5 pelo factor de bonificação); realizada a tentativa de conciliação em 21-04-2022, não foi possível obter acordo, porquanto a Autora segundo relatórios médicos, considera ter uma IPP de 25% - sendo 15% de desvalorização com início em 20-09-2021, conforme relatório de ortopedia, Dr. DD e 10% de desvalorização com início em 20-09-2021, conforme relatório médico neurocirurgião, Dr. EE.
Sustenta que pelo perito médico do Tribunal não foram tidas em conta as lesões na cabeça, resultantes do impacto do crânio no pavimento em pedra, que provocou na Autora uma síndrome pós-concussional manifestado por cefaleias, instabilidade de equilíbrio, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações de memória e do humor com perturbação do sono. Mais sustentou que, atenta a idade e as sequelas das lesões sofridas, a sua IPP deverá ser fixada numa percentagem não inferior a 25%, correspondendo 15% de desvalorização em ortopedia, conforme relatório médico do Dr. DD e 10% de desvalorização em neurocirurgia conforme relatório médico de neurocirurgia do Dr. EE.
Com a petição inicial juntou relatório médico subscrito pelo Dr. DD, datado de 4-03-2022, com o seguinte teor: «A Sr D. AA, 51 anos de idade sofreu um acidente de trabalho (queda de uma escada) Daí resultou uma fractura da tacícula radial e traumatismo craniano, sem perda de consciência (7/3/2021). Foi operada ao cotovelo esquerdo. Foi efetuada artroplastia da tacícula radial. Apresenta nesta altura uma rigidez do cotovelo esquerdo e cefaleias frequentes Esta sequelas origina segundo o artigo 5.2.2. d) Cap I uma IPP 0,10 e pode-se aplicar o coeficiente de bonificação.
0,10x1,5 =0,15 – 15%
(…)».
Mais juntou relatório médico, subscrito pelo médico neurocirurgião Dr. EE, datado de 31-03-2022, com o seguinte teor: «AA, com o cartão de cidadão nº ..., nascida a ../../1969, teve acidente de trabalho em 07/03/2021, tendo tido uma síndrome pós-concussional manifestado por cefaleias, instabilidade de equilíbrio, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações de memória e do humor com perturbação do sono.
É atribuída uma I.P.P. de 0,10 segundo a T.N.I.
(…)».
A Autora requereu a realização de junta médica, referindo que lhe deveria ser designado para o efeito perito pelo Tribunal e apresentando quesitos.

Regularmente citadas, as Rés contestaram.
A Ré Seguradora pugnou para que a ação fosse julgada de acordo com a prova a produzir nos autos. Apresentou quesitos para junta médica:
A Ré Entidade Empregadora, por sua vez, concluiu pela total improcedência dos pedidos contra si formulados, referindo entender que tem toda a sua responsabilidade infortunística transferida para a Ré Seguradora.

Foi proferido despacho saneador (refª citius 441448082), no qual se afirmou inexistirem nulidades, exceções ou questões prévias de que cumprisse conhecer.
Na identificada decisão foi enunciada a matéria assente nos termos do artigo 131.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo do Trabalho, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Na decisão em referência foi ainda:
- Fixado o valor da ação em € 49.016,12;
- Determinado o desdobramento do processo, com a organização do apenso para fixação da incapacidade.

Foi organizado apenso de fixação de incapacidade (apenso A), no âmbito do qual foi proferido despacho a designar o dia 16-12-2022 para a realização da junta médica.
Nesse apenso, procedeu-se à nomeação dos peritos, no dia 16-12-2022, conforme termo de nomeação nos termos do artigo 139.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, tendo sido nomeados:
“Perito do sinistrado: Drº FF (nomeado nos termos do artº. 139 nº 5 do C.P.T.
Perito da responsável: Dr.º GG.
Perito do Tribunal: Drº HH.”

No auto de exame por junta médica de 16-12-2022 (refª citius 443332829), na qual intervieram os identificados peritos, consta o seguinte:
“SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos médicos, por unanimidade, após a observação da sinistrada e consulta do processo, respondem aos quesitos em fls 8 e 8v e fls 11v do seguinte modo:
“Fls. 8 e 8 vº
1 – Sofreu como lesões do acidente dos autos traumatismo do cotovelo esquerdo (com fractura cominutiva da tacícula e alterações em RMN de 17-03-2021) que foi operada com colocação de prótese radial, traumatismo crâneo-encefálico com ferida hematoma na região frontal à esquerda e fractura dos ossos próprios do nariz.
2 – Sim, foi operada para exérese da tacícula radial e colocação de prótese.
3 – Sim.
4 e 5 – Sim, conforme relatório do INMLCF
6 – Apresenta rigidez articular na flexão/extensão do cotovelo esquerdo com arco de 30-130 graus, com pronosupinação preservadas. Refere dor à mobilização do acordo do cotovelo, bem como à palpação. Força muscular simétrica, mas diminuída bilateralmente (grau 4 em 5).
7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 – A responder em junta de Neurocirurgia.
14 – Apresenta as limitações acima descritas (resposta ao quesito 6) com limitação na elevação de pesos.
15 – Nesta data não se observam tais alterações.
16 e 17 – Apresenta limitações laborais na proporção da IPP atribuída.
18 – Questionada não mencionou queixas ao nível da perna esquerda.
19 – Não referiu queixas a esse respeito.
20 – Apresenta as sequelas descritas na resposta ao quesito 6.
21 e 22 – Nesta data apresenta IPP conforme quadro anexo. Eventual alteração desse estado deverá ser avaliada em sede própria.
Fls 11 v:
1 – Nesta data não apresenta lesões. As lesões e sequelas foram mencionadas nas respostas aos quesitos anteriores.
2 – Apresenta IPP conforme quadro anexo.”
Analisado o sobredito quadro anexo, verifica-se que os senhores Peritos médicos, no respetivo parecer unânime, enquadraram as sequelas apresentadas pela Sinistrada ao exame objetivo, a que se reportaram, no Capítulo I, 5.2.2. f) da TNI, arbitrando um coeficiente de 0,06, ao qual aplicado o fator de bonificação 1,5, conduziu por sua vez ao coeficiente global de incapacidade de 9% (0,06x1.5).

Foi marcada para o dia 13-01-2023 junta médica da especialidade de neurocirurgia (despacho refª citius 443489036).
Na data designada procedeu-se à nomeação dos peritos, conforme termo de nomeação nos termos do artigo 139.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, tendo sido nomeados:
“Perito do sinistrado: Drº FF - nomeado nos termos do artº. 139 nº 5 do C.P.T.
Perito da responsável: Dr.º II.
Perito do Tribunal: Drª JJ.”
No auto de exame por junta médica de 13-01-2023 (refª citius 444168183), na qual intervieram os identificados peritos, consta o seguinte:
“SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos após observarem a sinistrada e os registos clínicos constantes do processo, constatam que a Sinistrada foi vítima de queda com politraumatismo, ferida supraciliar esquerda sem alterações do estado neurológico e sem perda do conhecimento. Realizou TC crânio-encefálico que não mostrou alterações traumáticas
Os peritos respondem por unanimidade aos quesitos de fls. 8 e verso da seguinte forma:
“7º - Não
8º - Não
9º - Refere dor ocasional referida a cicatriz frontal
10º - Não refere.
11º - Não refere.
12º - Não refere.
13º - Não refere.
Os peritos consideram que não há lugar a atribuição de IPP por esta especialidade.”.

Os autos de exames por juntas médicas anteriormente identificados foram notificados às partes por notificações expedidas com data de certificação citius de 16-01-2023.

Em 7-02-2023 foi proferida a decisão no apenso de fixação de incapacidade (refª citius 444918802) com o seguinte teor:
«Correm os presentes autos de “Fixação da Incapacidade para o Trabalho” por apenso ao processo especial emergente de acidentes de trabalho que AA move a Companhia de Seguros A..., SA e B..., Lda., todos melhor identificados nos autos, é controvertido, para além do mais, o grau de incapacidade parcial permanente de que padece a autora.
Procedeu-se à realização de duas juntas médicas.
Pelos Srs. Peritos daa especialidade de neurocirurgia foi entendido não ser de atribuir qualquer IPP e na outra junta médica os Sr. Peritos entenderam, de forma unânime, que a Autora padece de uma incapacidade parcial permanente de 9% (6% a que foi aplicado o factor de bonificação atenta a idade do sinistrado).
Assim, concordando com o laudo subscrito por unanimidade, decido que a autora apresenta, desde 20/09/21, uma IPP de 9%.
Custas pelos responsáveis.
Notifique e oportunamente, abra conclusão no processo principal.”.

Nos autos principais, em 15-06-2023, realizou-se a audiência de julgamento, constando da respetiva ata refª citius 449461650 o seguinte:
Presentes. A Autora, acompanhada pela sua Ilustre mandatária, Dr.ª KK; a testemunha, LL, arrolada pela Autora; o Ilustre mandatário da Ré Seguradora, Dr. MM, com substabelecimento com poderes especiais junto aos autos; as testemunhas arroladas pela Seguradora; o legal representante da Ré, Entidade Patronal, NN, acompanhado pelo seu Ilustre mandatário, Dr. OO; e as testemunhas arroladas pela Empregadora
Aberta a audiência, à hora designada, pela Sr.ª Juiz foi tentada a conciliação das partes, o que não foi possível.
Seguidamente, as partes pediram a palavra, o que lhes foi concedido tendo:
a) Pelo ilustre Mandatário da Ré Seguradora sido dito que esta aceita o pagamento da quantia de € 16,00 Euros, a título de despesas de deslocação suportadas pela Autora;
b) pelo ilustre Mandatário da Empregadora sido dito que esta aceita que era fornecido à Autora as refeições do almoço e do jantar por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
Mais, declararam todos os ilustres Mandatários prescindir da inquirição das testemunhas e das declarações de parte, bem como de produzir alegações.
Pela Sr.ª Juiz foi então proferido o seguinte
DESPACHO
Oportunamente abra conclusão a fim, de proferir sentença.

*
Seguidamente (14h30) notifiquei todos os presentes os quais disseram ficar bem cientes.
E nada mais foi dito pelo que se lavrou a presente acta”.

Veio a ser proferida sentença, datada de 27-07-2023 (refª citius 450756335), concluída com o dispositivo seguinte (que se transcreve):
“Decisão
Nestes termos e, pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente.
I) Condeno a 1ª ré:
a) a pagar à sinistrada o capital de remição da pensão no montante de 681,81€, devida desde o dia a seguir à data da alta, ou seja, 21/09/21, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde essa data e até efectivo e integral pagamento;
b) a título de indemnização por incapacidade temporária, o montante de 220,18€, acrescido de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
c) a quantia de 16€ a título de despesas de deslocação;
II) Condeno a 2ª ré:
a) a pagar à sinistrada o capital de remição da pensão no montante de 173,81€, devida desde o dia a seguir à data da alta, ou seja, 21/09/21, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde essa data e até efectivo e integral pagamento;
b) a título de indemnização por incapacidade temporária, o montante de 848,39€, acrescido de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
III) no mais absolvo as rés do pedido.
Custas pelo responsável e pela sinistrada, em proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que esta goza.
Notifique.”
*
Não se conformando com a identificada sentença de 27-07-2023, a Autora apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem):
«A) A disparidade de opinião dos Srs. Peritos na junta medica face aos outros peritos médicos que avaliaram a sinistrada que deveria o Tribunal “a quo” ter ponderado e motivado a decisão proferida quanto às incapacidades da sinistrada, por ter ficado com mobilidade significativamente reduzida no membro superior esquerdo e no cotovelo e danos estéticos (cicatrizes na face da sinistrada).
B) Resulta dos relatórios juntos aos autos, na especialidade de ortopedia, o perito médico do IML, Sra. Dra. BB, fixou à A. a IPP de 15%. A Ré seguradora deu alta definitiva à A. fixando à A. a IPP de 15%, incapacidade que aceitou na tentativa de conciliação. O médico ortopedista que examinou a A. em 04.03.2022, Sr. Dr. DD, fixou à A. a IPP de 15%, Os Srs. Peritos no auto de exame por junta médica, fixaram à A., a IPP de 9%.
C) Tendo em conta que todos os anteriores médicos ortopedistas fixaram a IPP de 15%, o Tribunal deveria ter justificado o motivo pelo qual aderia ao parecer da junta médica e justificar o motivo que motivou concordar com a redução da incapacidade para praticamente metade, de 15% para 9%.
D) Por outro lado, o médico neurologista que examinou a A. em 31.03.2022, Sr. Dr. PP, fixou à A. a IPP de 10%, conforme relatório junto com o articulado inicial sob o nº 10, no qual se escreveu: “teve acidente de trabalho em 07.03.2021, tendo tido uma síndrome pós-concussional manifestado por cefaleias, instabilidade de equilíbrio, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações da memória e do humor com perturbações do sono. É atribuído uma IPP de 0,10 segundo a TNI.
E) Tendo em conta o parecer do medico neurocirurgião que atribuiu à recorrente uma IPP de 10%, o Tribunal deveria ter justificado o motivo pelo qual aderia ao parecer da junta médica e justificar o motivo que motivou concordar com a não atribuição de qualquer incapacidade à sinistrada.
F) Na sentença que fixou a incapacidade não houve especificação das lesões e sequelas que decorreram do acidente, nem dos motivos pelos quais se aceitou a IPP de 9% em ortopedia e uma IPP de 0% em neurocirurgia, não só para delas se poder extrair, com segurança, as incapacidades a considerar, mas também para permitir, no futuro, uma análise mais rigorosa de eventuais situações de agravamento ou melhoria.
G) Analisado o auto de tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, verificasse que o Exmo. Magistrado do Ministério Público, ao propor o acordo, afirmou que "o acidente consistiu em a sinistrada ter dado uma queda abaixo de uma escada, da qual resultaram as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 87 a 91, pelo que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 15,00% a partir de 20.09.2021, conforme auto de exame médico efetuado pelo perito medico deste tribunal".
H) O perito médico do INML na fase conciliatória refere no seu relatório que a examinanda apresenta as seguintes sequelas:
“A examinanda referencia as seguintes alterações:
- Face: cicatriz superiormente ao supracilio esquerdo, pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento;
- Membro superior esquerdo: cicatriz linear, de tipo cirúrgico, na face lateral do terço distal do braço e cotovelo, ligeiramente hipertrófica, com 10 cm;
- Cotovelo: rigidez articular, com flexo nos 40º, permitindo arco de movimento entre os 40º-116º (portanto, incapaz de extensão e flexão completas, impossibilitando a examinanda de levar a mão ao ombro homolateral; dor acentuada referida às tentativas de mobilização e palpação do cotovelo.”
I) Do mesmo auto de tentativa de conciliação resulta que a ré, A... e a B..., aceitam a conciliação, nos termos propostos pelo MP e a seguradora reconheceu o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre esse acidente e as lesões dele decorrentes, estando de acordo com a avaliação da incapacidade feita pela perita médica do INML que fixou a incapacidade em 15%.
J) Os factos admitidos por acordo, na tentativa de conciliação, na fase conciliatória, consideram-se assentes na fase contenciosa do processo de acidente de trabalho, estando vedado à Junta Médica pronunciar-se sobre os mesmos e também não podendo a sentença aderir à junta médica.
L) O Tribunal “a quo” aderiu ao parecer dos Srs. Peritos Médicos nos autos de junta médica de ortopedia e de neurocirurgia e fixou uma IPP de 9% em ortopedia.
M) Assim, considerando o teor do auto de conciliação, estava vedado aos Srs. Peritos Médicos, como o fizeram os Srs. Peritos Médicos, a existência de melhorias nas patologias da sinistrada e a inexistência de patologias consideradas pela Sra. Perita do INML, e que, no fim de contas, determinou que não fossem consideradas todas as lesões descritas no exame médico do INML e que tinham sido aceites sem ressalvas e que fixaram a incapacidade em 15%.
N) Do confronto dos artigos 111º e 112º do CPT pode concluir-se que não é possível a posterior discussão de questões acordadas em auto de conciliação, nem o posterior conhecimento de questões não apreciadas nem referidas nesse auto. Os efeitos delimitadores da tentativa de conciliação no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho limitam a reclamação ou a proibição de questões que aí não foram suscitadas.
O) Uma vez que a questão das lesões ou sequelas e nexo de causalidade com o acidente já tinham sido aceite e, por isso, já tinha sido decidida definitivamente na fase conciliatória do processo, não podia a Junta Médica ter-se debruçado sobre essa questão nem, muito menos, concluir sobre inexistência de patologias dadas por assentes, que não fora suscitada na tentativa de conciliação.
P) E a sentença recorrida, ao aderir ao parecer da Junta Médica que conheceu de questões definitivamente assentes, concluindo pela inexistência de patologias fixadas no parecer do perito medico do INML e não suscitadas no lugar próprio, tal repercutiu-se na matéria de facto que foi fixada pelo Tribunal “a quo” no ponto h) determinando a sua insuficiência, ou seja, estamos perante um vício da matéria de facto assente.
Q) Resulta ainda dos autos de junta médica existirem na sinistrada sequelas que não foram valorizadas pelos Srs. Peritos que procederam à junta médica, na incapacidade arbitrada, traduzidas, no cotovelo, na impossibilidade da sinistrada levar a mão ao ombro homolateral e permanência de cicatrizes dolorosas na face e no membro superior esquerdo.
R) Analisados os autos das juntas médicas verifica-se que as lesões e sequelas que devem ser consideradas, admitidas na fase conciliatória, não são exactamente as descritas pelas juntas médicas. Não podiam as juntas médicas não considerar patologias dadas por assentes, considerando apenas as referidas no ponto 6 do auto de 16.12.2021 e não considerando nenhumas no auto de 13.01.2023.
S) Assim, deverá determinar-se a reabertura da Junta Médica para que os Srs. Peritos, em face das lesões e sequelas a considerar, que foram admitidas na fase conciliatória do processo e que constam do relatório do INML, se pronunciem de novo, no sentido de saber se a essas lesões correspondem incapacidades, segundo a TNI, pronunciando-se a final sobre o grau de desvalorização que lhe correspondem.
T) Pode ter havido alteração do estado clínico da sinistrada, divergindo a situação na data da realização dos exames por junta médica daquela que apresentava à data do exame singular, por a sinistrada ter registado melhorias. Todavia, essa alteração·não pode ser considerada na junta médica.
Deverá ser dado provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se sejam anuladas as Junta Médica realizada em 19.12.2022 e em 16.01.2023 e a sentença recorrida, devendo realizar-se novas Juntas Médicas que fixem a incapacidade da Sinistrada e que tenha em consideração que a questão das lesões ou sequelas resultantes do acidente já ficou definitivamente assente na tentativa de conciliação, após o que deverá ser proferida nova sentença, sem prejuízo do disposto no artigo 139º, nº 7 do CPT.
Assim decidindo far-se-á
JUSTIÇA”

As Rés não apresentaram contra-alegações.

Foi proferido despacho a admitir o recurso de apelação com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos (refª 451437544).
Os autos subiram a este Tribunal da Relação.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87º, nº 3, do CPT, pronunciando-se como se segue (transcrição):
«1. Neste processo n.º 4298/21.2T8PRT.P1, emergente de acidente de trabalho, em que é A. AA, e RR, Companhia de Seguros A..., S.A. e B..., Lda., a fls. … foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando as RR nas quantias aí discriminadas.
2. Inconformada dela recorreu a Autora, uma vez que, e em resumo, tendo-lhe sido fixada IPP de 15% no exame realizado no INML e sendo esta IPP aceite pelas RR, na fase conciliatória, não a aceitando apenas a Autora/Recorrente, fixou depois a douta sentença recorrida, definitivamente, em 9 % a IPP que lhe foi fixada no exame por Junta Médica.
3. Foi dada vista ao MP para emissão de parecer, nos termos do art.º 87º, n.º 3 do CPT.
*
4.1. Na jurisprudência tem havido decisões dispares, entendendo que “Se as partes se não se conciliarem, na fase conciliatória do processo, apenas por divergência quanto ao grau de incapacidade do sinistrado fixado no exame médico singular e se só o acidentado requereu o exame por junta médica, despoletando, deste modo a fase contenciosa, fixar incapacidade de acordo com este ultimo exame, onde foi arbitrada uma capacidade menor do que a não aceite na tentativa de conciliação constituiria uma verdadeira reformatio in pejus, rejeitada pelo nosso ordenamento processual. - Ac. da RE, de 30.01.2001, CJ, tomo I, pág. 291.
Mas também que o juiz não está vinculado ao parecer dos peritos constante do auto de Junta Médica ainda que unanime. Na determinação da natureza e do grau de desvalorização a fixar ao sinistrado o juiz recorre a todos os elementos periciais juntos aos autos cuja força provatória lhe cabe fixar. Desde que fundadamente, pode o juiz desviar-se do parecer, ainda que unânime, dos peritos constante do auto de junta médica – v. Ac. da RL, de 26.06.2009, CJ, tomo III, pág. 159.
4.2. Os exames ou perícia médicas, enquanto prova pericial, estão sujeitos ao principio da livre apreciação da prova (artigos 389.º do CC e 607.º do CPC).
As considerações e conclusões deles constantes não vinculam o Juiz.
A decisão a proferir, pode afastar-se das conclusões neles obtidas. Nesta hipótese, de eventual divergência, deve a decisão ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária” - Proc. 1143/21.2T8PNF.P1, TRP, 17.04.2023, Nelson Fernandes.
Neste caso, na verdade, a própria Ré seguradora atribuiu à sinistrada, através dos seus serviços clínicos, uma IPP de 15%.
O parecer de ortopedia bem como o exame feito no INML do mesmo modo atribuiu-lhe a IPP de 15%.
Ambas as RR aceitaram na tentativa de conciliação a IPP de 15%.
Apenas a Autora a não aceitou.
Embora como refere aceitou as sequelas resultantes do acidente.
Com todos estes elementos entende-se que, na verdade, não havendo razões fortes e válidas que expliquem a descida de valor da IPP, esta deveria manter-se nos 15%.
4.3. A razão de ser da redução da IPP parece ter resultado de se não considerarem lesões ou sequelas que foram tidas em conta nos exames e pareceres anteriores.
Sendo a redução resultado de não serem consideradas lesões/sequelas leva-nos para outra questão abordada pela Recorrente.
Como referido, apenas a quantificação do grau de IPP estava em discussão.
E, existindo outras sequelas, deveriam ser consideradas, podendo fazê-lo a douta sentença recorrida.
Na verdade, “admitidas por acordo na tentativa de conciliação a existência das lesões decorrentes do acidente de trabalho, já não há que averiguar e nem podem ser elas averiguadas por Junta Médica. Mesmo que a Junta Médica se pronuncie por essas lesões e o seu nexo de causalidade com o acidente, o seu parecer não tem, nesse aspecto, qualquer validade”, como se decidiu no Ac. da RL, de 14.12.2004, CJ, pág. 162.
Também por esta razão, salvo melhor opinião, deveria a douta sentença recorrida ter valorizado as lesões e sequelas identificadas pelos exames e pareceres realizados antes da junta médica e considerado, também, o grau de IPP por eles fixado de 15%.
Tudo para dizer que se entende que, por estas razões, assiste razão à Recorrente.
*
5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deverá conceder-se provimento ao recurso.»

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
***
II - Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação da Recorrente, acima transcritas, salvo, porém, o que for de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho].
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se as juntas médicas de 16-12-2022 e 13-01-2023 e a sentença (ao aderir ao parecer unânime de tais juntas) conheceram de questões definitivamente assentes na tentativa de conciliação e não suscitadas no lugar próprio, não tendo considerado lesões e sequelas dadas por assentes na fase conciliatória do processo, verificando-se insuficiência da matéria de facto a justificar a anulação de tais atos e a realização de novas juntas médicas para fixação da incapacidade da Autora.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO
Em termos de matéria de facto, desde já se consignam os factos dados por PROVADOS na sentença 1ª instância, e que foram os seguintes (transcrição):
«São os seguintes os factos provados:
A) É aplicável às relações laborais entre autora e 1.ª ré o Contrato Colectivo de Trabalho entre a AHPORT – Associação Portuguesa de Hotelaria e Restauração e Turismo e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo (SITESE) publicado no BTE n.º 47, de 22/12/2018.
B) Em 7/03/21, a autora exercia funções por conta e sob direcção da 2ª ré, auferindo a remuneração mensal de € 773,03, acrescida dos subsídios de Natal e de férias.
C) No dia 07/03/2021, quando exercia as suas funções, a autora deu uma queda abaixo de uma escada.
D) Em resultado do sinistro, a autora deu entrada de urgência nos serviços de urgência do Hospital ..., onde recebeu tratamento.
E) Nessa data, a 1ª ré tinha transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a 2ª ré através do contrato de seguro, pela retribuição anual ilíquida de 10.822,42€ (773,03€ x 14 meses).
F) Foi efectuada a participação do sinistro à 2ª ré, tendo a autora sido transferida para os serviços clínicos da 2ª ré seguradora, sitos no Hospital 1..., Porto, onde lhe foi diagnosticada fractura do cotovelo esquerdo, com imobilização CC e suspensão branquial, além de fracturas no crânio e na face.
G) Com o acidente, a autora sofreu traumatismo do cotovelo esquerdo (com fractura cominutiva da tacícula e alterações em RMN de 17-03-2021) que foi operada com colocação de prótese da tacícula radial, traumatismo crâneo-encefálico com ferida e hematoma na região frontal à esquerda e fractura dos ossos próprios do nariz
H) A autora sofreu incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 15/03/2021 até 08/08/2021, incapacidade temporária parcial para o trabalho de 35% de 9/08/2021 a 17/08/2021, e, de 18/08/2021 até 20/09/2021, incapacidade temporária parcial para o trabalho de 30%, apresentando, desde aquela data, uma incapacidade parcial permanente de 9%.
I) A 2º ré pagou à autora a quantia de 3.107,94€ a título de indemnização por IT. J) A ré fornecia à autora as refeições de almoço e de jantar por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
K) Desde a data do sinistro que a autora despendeu ainda em deslocações ao Tribunal a quantia de 16€.».
A fundamentação constante da sentença no que respeita aos enunciados factos dados como provados é a seguinte:
«Fundamentação:
Os pontos A) a F), H) – com excepção da IPP - e I) foram já dados como assentes no despacho saneador.
Relativamente à IPP constante em H) e ao ponto G) foi considerada a junta médica realizada nos autos, na qual os Srs. Peritos responderam aos quesitos formulados por unanimidade e de forma fundamentada.
O referido em J) foi aceite pela ré empregadora e o referido em K) foi aceite pela ré seguradora.
(…)».
Por outro lado, tem-se como assente o que resulta do relatório que se elaborou (que se encontra documentado nos autos).
*
No recurso apresentado, sustenta, em substância, a Recorrente que as juntas médicas realizadas na fase conciliatória e, subsequentemente a decisão judicial que aderiu ao parecer de tais juntas conheceram de questões definitivamente assentes na tentativa de conciliação, não tendo considerado lesões e sequelas dadas como assentes na fase conciliatória do processo, verificando-se insuficiência da matéria de facto a justificar a anulação de tais atos e a realização de novas juntas médicas para fixação da incapacidade da Autora.
Vejamos então.
Preliminarmente, importa tecer algumas breves considerações que se afiguram essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na decisão do presente recurso.
Do ponto de vista processual, o processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho encontra-se regulado nos artigos 99.º a 150.º do Código de Processo do Trabalho [diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso].
Tal processo compreende duas fases distintas, a saber: uma primeira, denominada fase conciliatória, de realização obrigatória e dirigida pelo Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direção do Juiz.
A fase conciliatória visa, como decorre da sua própria designação, alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente do trabalho para o sinistrado, mediante uma composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos (cfr. artigos 78.º e 12.º da LAT), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos.
A tramitação da fase conciliatória, tendo em vista alcançar o referido objetivo, compreende, por sua vez, três fases, mais precisamente: uma primeira de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo suscetível de ser homologado (artigos 104.º, n.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (artigos 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo suscetível de ser homologado pelo Juiz (artigo 109.º) [conforme se expõe no Acórdão desta Relação e Secção de 17-04-2023 (processo n.º 2040/20.4T8VLG.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, acessível in www.dgsi.pt – site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar), que neste particular seguimos de perto, o qual, por seu turno, apela a João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efetivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e seguintes].
Na fase conciliatória, avultam, pois, a realização de exame médico singular, a realizar por perito do Tribunal (ou do Instituto de Medicina Legal), com vista à determinação das lesões e sequelas e à avaliação da correspondente incapacidade, seguida de tentativa de conciliação, na qual as partes se pronunciam sobre as questões relevantes à determinação da reparação [artigos 105.º e 109.º].
Não sendo obtido o acordo a fase conciliatória, conforme decorre do artigo 112.º, n.º 1, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
O objetivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas.
Na hipótese de frustração do acordo, pode verificar-se uma das seguintes situações: (i) ou as partes, na tentativa de conciliação, acordaram sobre todos os aspetos relevantes, incluindo o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, apenas discordando quanto à incapacidade; (ii) ou a razão da discordância tem por objeto qualquer outra questão que, não apenas, a da incapacidade.
O início da fase contenciosa, como decorre do artigo 117.º, alíneas a) e b), tem por base a apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [que se reporta ao requerimento de perícia por junta médica].
Assim, e na situação referida em (i), o processo segue uma tramitação simplificada, que tem início com o requerimento solicitando exame por junta médica (alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º), prevendo-se a realização da perícia por junta médica – e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste ato, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo – a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do n.º 1 do artigo 140.º [este último normativo dispõe que “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e o grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”].
Já na situação referida em (ii), a fase contenciosa tem início com uma petição inicial (artigo 117.º, n.º 1, alínea a), seguindo-se os demais articulados previstos. Se, para além das demais questões, estiver em causa também a discordância da incapacidade, deverão as partes nos articulados, requerer a perícia por junta médica (cfr. artigo 138.º, n.º 1). Proferido o despacho saneador e selecionada a matéria de facto, se estiver também em causa a fixação da incapacidade, deverá o juiz determinar a abertura de apenso para o efeito, no qual se decidirá a questão da fixação da incapacidade, fixando-se a natureza e grau de desvalorização, mas podendo a decisão ser impugnada no recurso a interpor da sentença final (cfr. artigos 126.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e 140.º, n.º 2). Todas as demais questões são decididas no processo principal, após a tramitação legalmente prevista, que inclui audiência final de julgamento.
Importa sublinhar que no que respeita concretamente ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, tal consubstancia questão que extravasa a mera discordância relativamente à incapacidade a atribuir.
Nesta consonância, havendo, na tentativa de conciliação, acordo das partes quanto ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, tal questão fica assente, não podendo vir a ser posteriormente decidida, sendo certo que, caso não existam outras questões a demandarem o início da fase contenciosa, estando em causa apenas a determinação da incapacidade (natureza e grau), como vimos, o processo prossegue uma tramitação simplificada com a apresentação de requerimento para exame por junta médica (artigo 117.º, n.º 1, alínea b).
No caso de ter havido desacordo das partes quanto ao nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as lesões, já a fase contenciosa tem que prosseguir a tramitação a que se reporta o artigo 117.º, alínea a), com a subsequente tramitação legalmente prevista e já referida.
Importa ainda ter presente que, havendo acordo na tentativa de conciliação quanto ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, essa questão fica, como se disse, assente, não podendo ser suscitada, seja pelas partes (máxime pelas entidades responsáveis pela reparação), seja oficiosamente, na fase contenciosa e tenha esta lugar nos termos da alínea a) ou da alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º.
Refira-se também que, na fase contenciosa, a perícia por junta médica será sempre de realização obrigatória quando a questão da incapacidade esteja em discussão – como in casu -, inscrevendo-se no âmbito da denominada prova pericial – cfr. artigos 139.º e 140º.
A prova pericial tem por objeto, conforme estatuído no artigo 388.º do Código Civil, “a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objeto de inspeção judicial”.
Do transcrito normativo decorre que a prova pericial incide sobre determinados factos e destina-se a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a respetiva natureza e complexidade técnica exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui.
Ora, como constitui entendimento uniforme na jurisprudência, na fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de se servir da prova obtida por meios periciais, isto é, quer o exame feito pela junta médica, quer o exame médico singular.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 185/186].
Com efeito, o laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil), sem prejuízo, todavia, de a eventual divergência dever ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária por se tratar de matéria em que o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos.
Porém, quer adira ou quer se desvie, para que decida de acordo com a sua livre convicção, em qualquer caso é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado. O laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Revertendo ao caso em apreço, relembre-se que o processo prosseguiu para a fase contenciosa em virtude da discordância expressa pela Sinistrada quanto à incapacidade permanente parcial de 15% que lhe foi atribuída no exame médico singular realizado pelo INML e, bem assim, por estar controvertida desde logo a questão da retribuição transferida pelo contrato de seguro. Porque estava controvertida esta última questão da transferência da responsabilidade, é que os autos tiveram que prosseguir para a fase contenciosa com apresentação de petição inicial, sendo certo que tendo a Sinistrada discordado também do resultado do exame médico singular quanto à fixação de incapacidade permanente para o trabalho (IPP) foi também requerida pela mesma a realização de junta médica com apresentação de quesitos nos termos do artigo 138.º, n.º 1.
Acresce que na fase conciliatória dos autos e tendo em consideração as posições manifestadas no auto de não conciliação, ficou logo assente que: o acidente subjacente a este processo ocorreu no dia 7 de março de 2021, quando a Sinistrada prestava, mediante retribuição, funções profissionais para a Ré B..., Lda., sendo que tal acidente consistiu em a Sinistrada “ter dado uma queda abaixo de uma escada”; como consequência desse evento resultaram para a Sinistrada as lesões constantes do exame médico singular do INML.
De facto, na tentativa de conciliação a Sinistrada descreveu que o acidente nesses termos, referindo ainda “conforme as lesões constantes do auto de exame médico de fls. 87 a 91”, referindo, no entanto, não concordar com a IPP de 15% que lhe foi fixada nesse exame.
Já a Seguradora e a Entidade Empregadora referiram expressamente aceitar o acidente como de trabalho e, bem assim, aceitar o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente. A Seguradora declarou ainda aceitar o resultado do exame médico do INML que atribuiu uma IPP de 15% à Autora.
Daqui resulta que, no caso, não está em causa a questão do nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, sendo certo que as partes aceitaram na fase conciliatória o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.
Saliente-se que lesão e sequela não se confundem.
Segundo Francisco Manuel Lucas [médico ortopedista e perito médico, in Avaliação das Sequelas em Direito Civil, Coimbra, 2005, a páginas 35 e 36] as definições apresentadas são as seguintes:
“LESÃO – perda ou alteração parcial ou total do órgão (definição médica). As alterações anatómicas ou biológica no órgão são causadas por agentes internos ou externos, As alterações físicas ou psíquicas por agentes mecânicos, físicos, químicos ou biológicos, Resultam de acções exógenas com carácter doloso ou não (definição médico-legal).” e,
“SEQUELAS – manifestações anatómicas, funcionais, estéticas, psíquicas e morais permanentes, que menosprezam ou modificam o património biológico dos indivíduos (Pérez Garcia).”
A lesão traduz-se na alteração anatómica resultante de ação exógena, que pode curar sem sequelas ou com sequelas. Ou seja, a lesão pode deixar, ou não, sequelas.
A lesão é o efeito imediato causado pelo acidente (evento). Já a sequela é uma alteração anatómica ou funcional que subsiste, após o acidente.
A lesão terá de resultar do evento naturalístico. A sequela terá de resultar da lesão, sendo um seu efeito permanente causador da incapacidade para o trabalho.
Quanto às lesões, resulta da análise do referido exame médico singular do INML que as lesões constantes do mesmo e que, portanto, foram aceites em sede de tentativa de conciliação como tendo resultado da queda em questão, são as que se mostram registadas nesse exame no item dados documentais [traumatismo frontal (com ferida na região supraciliar esquerda), traumatismo do cotovelo esquerdo (com fratura da tacícula radial), traumatismo da coxa direita e joelho esquerdo].
O que está, aliás, em consonância com o que resulta dos registos clínicos juntos aos autos pela Seguradora, nos quais consta o seguinte:
- No diário clínico (médico) de urgência do Centro Hospitalar ... relativo à assistência do dia 7-01-2023 em que se menciona “Queda de escadote, 3 degraus de altura (…) Queda para a frente com lesão corto contusa na região frontal esquerda. Dor no MSE impossibilita a movimentação. Dor nos joelhos bilateralmente. (…) RX fratura do cotovelo esquerdo. Imobiliza-se com CC e suspensão braquial. Para seguimento em companhia de seguros.
- No registo da consulta de 12-03-2021 (1ª registo no diário médico da Seguradora) “AT a 7 3 2021. Queda com traumatismo frontal, cotovelo esquerdo, coxa direita e joelho esquerdo. Tem informação do Centro Hospitalar ... fratura do cotovelo esq. Radiografia fractura da tacícula radial. Penso e ferida supraciliar esquerda – cerca de 4 cm. Peço TAC do cotovelo (…)”.
Por seu turno, em termos de sequelas constam do exame singular do INML as seguintes sequelas (no item exame objetivo/físico):
“- Face: cicatriz superiormente ao supracílio esquerdo, pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento;
- Membro superior esquerdo: cicatriz linear, de tipo cirúrgico, na face lateral do terço distal do braço e cotovelo, ligeiramente hipertrófica, com 10 cm;
cotovelo: rigidez articular com flexo nos 40º, permitindo arco de movimento entre os 40º-116º (portanto, incapaz de extensão e flexão completas, impossibilitando a examinada de levar a mão ao ombro homolateral;
dor acentuada referida às tentativas de mobilização e palpação do cotovelo.”
Sucede que, como se alcança do «auto de não conciliação» [elaborado em 21-04-2022] e já se referiu, existiu discordância da Autora quanto à IPP atribuída por sequelas decorrentes do acidente de trabalho sofrido [aceitando expressamente até a Seguradora a IPP de 15% atribuída no exame médico realizado, discordando, por sua vez, da mesma a Sinistrada que considerou dever ter lugar junta médica], sendo que a «fase contenciosa» do processo não teve início pela apresentação do requerimento a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, alínea b) e 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, porque existia também divergência quanto à retribuição transferida.
Em sede de tentativa de conciliação pode aceitar-se a lesão em sentido amplo e que esta decorre do acidente (causalidade) e, simultaneamente, não aceitar a sequela, sendo certo que esta última está mais intimamente ligada à fixação da incapacidade para o trabalho.
Com efeito, não se perfila como possível cindir a avaliação da incapacidade (se existe e qual o grau) da definição da(s) sequela(s). O conceito da sequela está, pois, interligado com a fixação da incapacidade.
Se assim não fosse, isso significaria que os senhores peritos médicos veriam o seu campo de intervenção drasticamente diminuído e reduzido à tarefa de atribuição de um concreto coeficiente de desvalorização dentro das rubricas da TNI (atente-se que na TNI as sequelas estão identificadas por rubricas com percentagens mínimas e máximas de incapacidade passíveis de serem atribuídas).
Assim, como acontece no caso dos autos, em que são aceites as lesões e o nexo de causalidade entre estas e o acidente, mas em que a Sinistrada não aceita a incapacidade para o trabalho e requer junta médica, tal significa que as sequelas não são aceites, nem a sua graduação dentro das rubricas.
Em suma, no presente caso, as sequelas descritas no exame singular do INML não foram aceites e, consequentemente, permaneceram controvertidas na fase contenciosa e sujeitas à avaliação dos senhores peritos médicos em junta médica para efeitos da fixação da incapacidade para o trabalho.
Ora, como vimos, os fundamentos da anulação da sentença requerida pela Recorrente reconduzem-se, em substância, à invocação de uma situação de insuficiência da matéria de facto para a decisão sobre o grau de incapacidade permanente para o trabalho e apelo ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, com o argumento que as juntas médicas ignoraram lesões e sequelas admitidas na fase conciliatória, não considerando patologias dadas por assentes.
O artigo 662.º versa sobre a modificabilidade da decisão de facto, decorrendo do seu n.º 2 alínea c), que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do n.º anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”].
Diremos, desde já adiantando a conclusão, e sempre ressalvando o devido respeito por opinião divergente, que se considera inexistir fundamento para a pretendida anulação das juntas médicas e da decisão proferida em 1ª instância, não verificando qualquer situação de insuficiência da matéria de facto para a decisão sobre o grau de incapacidade permanente para o trabalho.
Esta conclusão alicerça-se nas razões infra a referenciar.
Por um lado, e ao contrário do sustentado pela Recorrente, resultam da decisão recorrida as lesões e sequelas que decorreram do acidente e que justificaram a decisão de fixação do grau de incapacidade permanente para o trabalho em 9% (decisão que, aliás, foi proferida no apenso de fixação da incapacidade para o trabalho).
Quanto às lesões, as mesmas mostram-se expressamente enunciadas nas alíneas F) e G) dos factos provados que, aliás, não foram objeto de qualquer impugnação.
Já quanto às sequelas causadoras da incapacidade permanente para o trabalho fixada, as mesmas estão consideradas e subjacentes à decisão de fixação da IPP em 9% proferida no apenso da incapacidade para o trabalho (com apelo e adesão ao parecer unânime das juntas médicas realizadas nesse apenso, onde constam descritas as sequelas que a Autora apresenta em consequência do acidente, máxime as que estiveram na base da atribuição do coeficiente de incapacidade permanente parcial), e, bem assim, à parte final da alínea H) dos factos provados (onde se refere que a Autora apresenta uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 9%, integrando assim a decisão de fixação da incapacidade para o trabalho proferida no apenso de fixação de incapacidade). A decisão recorrida tem, pois, subjacente as sequelas descritas na prova pericial por junta médica produzida no apenso de fixação de incapacidade, mais precisamente as sequelas descritas no auto de junta médica realizada em 16-12-2022.
Por outro lado, e ao contrário também do sustentado pela Recorrente, as juntas médicas realizadas no apenso de fixação de incapacidade e a decisão recorrida não desconsideraram lesões, sequelas nem patologias já dadas por assentes na fase conciliatória.
No que se refere às lesões, é certo as juntas médicas realizadas no apenso de fixação da incapacidade se pronunciaram sobre as lesões sofridas em consequência do acidente dos autos. Tal aconteceu porque a própria Autora apresentou quesitos a submeter à junta médica em que questionava as lesões sofridas em consequência do acidente (veja-se o quesito 1.º apresentado pela Autora na petição inicial para submeter à prova pericial por junta médica). A resposta à questão das lesões sofridas no acidente dada pelos senhores peritos médicos não desconsiderou lesões já assentes, sendo que se algo fez foi até pormenorizar as lesões sofridas em sede de queda com politraumatismo. De facto, em resposta ao quesito apresentado pela Autora os senhores peritos médicos da junta realizada em 16-12-2022 até especificaram traumatismo cranioencefálico com hematoma da região frontal à esquerda (a ferida na região supraciliar esquerda já estava mencionada no exame do INML) e a fratura dos ossos próprios do nariz, o que não estava especificado como lesão no exame médico do INML, apesar de se considerar ainda inserido no traumatismo frontal aceite na fase conciliatória. Do mesmo passo, os senhores peritos médicos da junta médica de 13-01-2023 referiram “queda com politraumatismo”, o que pressupõe múltiplas lesões corporais.
Quanto às sequelas, como decorre do supra expendido, as mesmas permaneceram controvertidas e sujeitas à avaliação dos senhores peritos médicos em junta médica para efeitos da fixação da incapacidade para o trabalho.
Seja como for, os senhores peritos médicos em junta médica não desconsideraram sequelas nem patologias consideradas no exame singular do INML.
Relembrem-se as sequelas descritas no exame singular do INML:
Face: cicatriz superiormente ao supracílio esquerdo, pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento
- Membro superior esquerdo: cicatriz linear, de tipo cirúrgico, na face lateral do terço distal do braço e cotovelo, ligeiramente hipertrófica, com 10 cm;
cotovelo: rigidez articular com flexo nos 40º, permitindo arco de movimento entre os 40º-116º (portanto, incapaz de extensão e flexão completas, impossibilitando a examinada de levar a mão ao ombro homolateral;
dor acentuada referida às tentativas de mobilização e palpação do cotovelo.”
Em termos de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência do acidente, com redução da capacidade de ganho, foi considerada em termos de desvalorização pelo INML a sequela (disfunção) ao nível do cotovelo consistente em limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão, com enquadramento na TNI no capítulo I, rubrica 5.2.2. (Capítulo I – Aparelho Locomotor; rubrica 5- Cotovelo, 5.2.2. Limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão), integrando-a na alínea d) prevista para as situações de mobilidade mantida entre 60º e 100º (ângulo favorável). O INML atribuiu o coeficiente de desvalorização de 0,10 (coeficiente máximo previsto na alínea em causa, lado passivo – na tabela prevê-se o intervalo de 0,07-0,10), que multiplicado pelo fator 1,5 conduziu ao coeficiente global de IPP de 15% atribuído no exame singular do INML.
Atente-se que no exame do INML não foi descrita qualquer sequela da lesão inicial ao nível do traumatismo cranioencefálico, mormente sequelas encefálicas traduzidas em síndrome pós-traumática (cfr. Capítulo III, rubrica 2.2. da TNI). Do mesmo passo, não foram descritas quaisquer sequelas decorrentes do traumatismo sofrido ao nível dos membros inferiores.
Por sua vez, os senhores peritos médicos em junta médica de 16-12-2022, responderam positivamente aos quesitos 4.º e 5.º formulados pela Autora (4º A Autora apresenta cicatriz superior ao supracílio esquerdo de 4,5 cm?; 5º A Autora apresenta cicatriz de 10 cm de comprimento no membro superior esquerdo?), explicitando ainda “conforme relatório do INMLCF). Ou seja, os senhores peritos médicos da junta médica não ignoraram as cicatrizes descritas no exame do INML, antes as reconheceram nos mesmos termos descritos naquele exame (ou seja, na face - cicatriz superiormente ao supracílio esquerdo, pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento; no membro superior esquerdo: cicatriz linear, de tipo cirúrgico, na face lateral do terço distal do braço e cotovelo, ligeiramente hipertrófica, com 10 cm).
Os senhores peritos em junta médica de 16-12-2022 também não desconsideraram a sequela (disfunção) ao nível do cotovelo consistente em limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão, prevista no capítulo I, rubrica 5.2.2. da TNI (Capítulo I – Aparelho Locomotor; rubrica 5- Cotovelo, 5.2.2. Limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão). Tal sequela foi reconhecida e valorizada pelos senhores peritos médicos na junta em causa, integrando-a na alínea f) prevista para as situações de mobilidade mantida entre 5º e 45º até à flexão completa, isto é a extensão tem o seu limite entre 45º e 5º e atribuindo o coeficiente de desvalorização de 0,6 (na tabela prevê-se o intervalo de 0,00-0,07 para o lado passivo), que multiplicado pelo fator 1,5 conduziu ao coeficiente global de IPP de 9% atribuído por tal junta.
Refira-se que em sede de prova pericial por juntas médicas realizadas, e tal como no exame singular do INML, não foi descrita a existência de quaisquer sequelas decorrentes do traumatismo cranioencefálico e do traumatismo dos membros inferiores.
Importa também salientar que, apesar de não estar descrita no exame singular do INML a existência de qualquer sequela enquadrável no capítulo da neurologia e neurocirurgia da TNI, tendo em consideração que houve discordância quanto à questão da fixação da incapacidade para o trabalho e, portanto, não estando assentes as sequelas, foi determinada a realização de junta da especialidade de neurocirurgia, que respondeu aos quesitos apresentados pela Autora relacionados com sequelas dessa especialidade e emitiu parecer unânime no sentido de não haver lugar a atribuição de IPP pela referida especialidade.
Em suma, quer o exame singular do INML da fase conciliatória, quer a prova pericial por junta médica realizada em sede de apenso para a fixação para a fixação da incapacidade, em termos de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência do acidente de trabalho dos autos, com redução da capacidade de trabalho, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho, consideraram a sequela (disfunção) ao nível do cotovelo consistente em limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão, prevista no capítulo I, rubrica 5.2.2. da TNI (Capítulo I – Aparelho Locomotor; rubrica 5- Cotovelo, 5.2.2. Limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão), ainda que com integração em distintas alíneas dessa rubrica 5.2.2. – o exame singular na alínea d), o exame por junta médica na alínea f) [atente-se que, como decorre do ponto 2 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais (TNI) – Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro – as sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no número anterior, são designados na TNI em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos].
Por outro lado, ainda, considera-se que se encontra devidamente justificada a posição assumida pelos peritos médicos nas juntas médicas realizadas no apenso de fixação de incapacidade quanto à determinação e fixação da incapacidade da Recorrente e, consequentemente, devidamente sustentada a decisão proferida pela 1ª instância nessa matéria alicerçada nesses laudos periciais.
Quanto ao auto de junta médica de 16-12-2022, da respetiva interpretação e valoração no seu conjunto, forçoso é concluir que do mesmo se retiram cabalmente as razões da integração da sequela de limitações da mobilidade (rigidez) do cotovelo na flexão-extensão na alínea f) da rubrica 5.2.2. do Capítulo I da TNI (ao invés da alínea d) dessa mesma rubrica e capítulo, como sucedeu no exame singular) e, consequentemente, do diverso coeficiente atribuído, tendo em conta desde logo o exame físico efetuado à data da junta médica.
Não se olvide que que a junta médica é constituída por três peritos médicos, sendo certo que a perícia por junta médica visa precisamente sindicar o exame médico singular, levado a cabo apenas por um perito médico [cfr. artigo 487.º, n.º 3, do Código de Processo Civil].
Recorde-se que, quer os Peritos médicos da junta médica de 16-12-2022, quer a Perita do INML que realizou o exame singular, para efeitos de atribuição da IPP, valorizaram as sequelas consistentes em limitações da mobilidade (rigidez) na flexão-extensão do cotovelo (lado passivo), com enquadramento na rubrica 5.2.2. do Capítulo I da TNI, sendo que no exame por junta médica se integraram essas limitações na alínea f) de tal rubrica [mobilidade mantida, entre 5º e 45º até flexão completa, isto é, a extensão tem o seu limite entre 45º e 5º] e já não na alínea d) como fez o exame médico singular [mobilidade mantida, entre 60º e 100º (ângulo favorável)].
A razão da divergência em termos de integração nas alíneas da referida rubrica e distinto coeficiente arbitrado encontra fundamento no constatado pelos Peritos médicos na junta médica realizada em 16-12-2022, em termos de verificação pelo exame físico da mobilidade e da patologia osteoarticular, sendo certo que ao nível do cotovelo a flexão-extensão é o principal movimento [cfr. instruções específicas da rubrica 5 (cotovelo) do Capítulo I da TNI], mas considerando também o facto de na avaliação dos coeficientes de incapacidade a atribuir nunca dever ser esquecido o estudo da potência muscular [cfr. instruções específicas do Capítulo I (Aparelho Locomotor) da TNI, onde consta que na avaliação dos coeficientes de incapacidade a atribuir nunca deve ser esquecido o estudo da potência muscular, universalmente classificada em seis grupos: 0) não se verifica qualquer contracção muscular; 1) verifica-se contracção muscular mas esta anula a acção da gravidade; 2) Verifica-se contracção muscular que anula mas não ultrapassa a força da gravidade (sem movimento possível); 3) A força da contracção muscular já consegue vencer a força da gravidade; 4) A força da contracção muscular já consegue vencer a resistência do médico; 5) Verifica-se força muscular normal]. Na junta médica os Peritos médicos, ao exame físico (em que tiveram oportunidade de realizar as manobras clínicas adequadas, tendentes a aferir nomeadamente da mobilidade e força muscular), identificaram rigidez articular na flexão/extensão do cotovelo esquerdo com arco de 30-130 graus, com pronosupinação preservadas, e força muscular simétrica, mas diminuída bilateralmente – grau 4 em 5. O que significa que os Peritos médicos em junta médica avaliaram, como se impunha, não só o movimento principal flexão-extensão (que identificaram com diferente arco em relação ao registado no exame singular – arco de 30-130 graus, quando o exame singular tinha identificado um arco de 40-116 graus) como também os chamados movimentos de pronação e supinação (que identificaram como estando preservadas) e, bem assim, a potência muscular (identificando-a como simétrica, mas diminuída – grau 4 em 5).
A junta médica de 16-12-2022 fundamentou a sua posição, de forma clara e objetiva, permitindo captar as razões e o processo lógico que conduziu à integração em distinta alínea da rubrica 5.2.2. as limitações da mobilidade (rigidez) na flexão extensão do cotovelo e, consequentemente, o distinto coeficiente de desvalorização arbitrado quanto à sequela de limitações de mobilidade (rigidez) na flexão-extensão do cotovelo em relação ao exame singular [refira-se que o relatório médico junto pela Autora com a petição, datado de 4-03-2022, nem sequer descreve quaisquer elementos do resultado do exame físico da Sinistrada que tenha sido realizado, limitando-se a dizer que apresenta rigidez do cotovelo esquerdo que origina segundo o artigo 5.2.2. d) Cap I uma IPP de 0,10 à qual se pode aplicar o fator de bonificação].
Tenha-se em conta que, estando controvertida a fixação da incapacidade para o trabalho, os Senhores peritos da junta médica na sua avaliação são livres, cabendo-lhe a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade.
Relativamente às cicatrizes que a Autora apresenta na face e membro superior esquerdo – como descrito no exame médico singular e reconhecido no auto de junta médica de 16-12-2022 em resposta aos quesitos 4º e 5º apresentados pela Autora -, nem o exame médico singular nem a prova pericial por junta médica atribuiu qualquer notação autónoma às mesmas em termos de prejuízo funcional com redução da capacidade de ganho [analisado o já referido relatório médico de 4-03-2022 junto pela Autora com a petição inicial, verifica-se que no mesmo também não é atribuído qualquer coeficiente autónomo às cicatrizes]. Considerando a descrição das cicatrizes em causa, e os critérios constantes da TNI [instruções gerais, instruções específicas do Capítulo I - aparelho locomotor, instruções específicas da rubrica 5 Cotovelo, ponto 5.1.1 e instruções do Capítulo II rubrica 1 Cicatrizes – não se olvide que a cicatriz na face superiormente ao supracílio esquerdo, foi descrita como «pouco notória a distância social, sem repercussões sobre a mímica facial, com 4,5 cm de comprimento], não se vislumbra fundamento para divergir da posição unânime assumida pelos peritos médicos em junta médica e pela perita médica no exame singular nesta matéria.
Quanto ao parecer unânime emitido pela junta médica de neurocirurgia, verifica-se que tal parecer se mostra também devidamente fundamentado pelas respostas dadas aos quesitos apresentados pela Sinistrada e respondidos por tal junta, no sentido da inexistência de sequelas decorrentes do acidente e no âmbito da especialidade em causa e que eram questionadas – máxime uma síndrome pós-concussional/síndrome pós-traumática manifestada por instabilidade de equilíbrio, cefaleias, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações de memória e humor, perturbação de sono (segundo a junta médica a Sinistrada não referiu queixas de cefaleias, dificuldade de concentração, fadiga intelectual, alterações de memória e do humor, e de perturbação do sono). Os peritos médicos responderam por unanimidade que a Sinistrada não apresenta uma síndrome pós-concussional, nem apresenta instabilidade de equilíbrio e, bem assim, consideraram não haver lugar a atribuição de IPP pela especialidade de neurocirurgia.
O exame médico singular da fase conciliatória também não descreveu a existência de quaisquer sequelas dessa natureza, nem, aliás, estão sequer registadas nesse exame esse tipo de queixas por parte da Sinistrada. Nos registos constantes dos autos de consulta (diário médico) nos serviços clínicos da Seguradora, para onde a Sinistrada foi encaminhada depois da assistência hospitalar, não estão também registadas quaisquer queixas dessa natureza por parte da mesma.
Analisados os registos clínicos constantes dos autos, nomeadamente o diário clínico (médico) de urgência do Centro Hospitalar ... relativo à assistência do dia 7-01-2023 verifica-se que não estão registadas alterações do estado neurológico nem perda de consciência e, bem assim, o resultado do TC cranioencefálico não identificou seguras lesões traumáticas endocranianas agudas, intra ou extra axiais.
Ponderando o atrás exposto, e tendo em conta os laudos unânimes dos Peritos médicos em junta médica realizados no apenso de fixação de incapacidade para o trabalho, forçoso é concluir que inexistem fundamentos para questionar a avaliação e os pareceres unânimes emitidos pelas juntas médicas.
Refira-se que o relatório médico datado de 31-03-2022 junto pela Autora com a petição inicial não consubstancia elemento probatório que, por si, permita questionar o laudo pericial unânime e fundamentado da junta médica na especialidade de neurocirurgia realizada no apenso de fixação da incapacidade (atente-se que o relatório em causa é um mero relatório médico particular, que não consubstancia nenhuma perícia legalmente prevista no artigo 139.º e pressuposta no artigo 140.º (não é uma junta médica, não é um exame ou parecer complementar ou parecer técnico que tenha sido determinado), nem tem a virtualidade de colocar em crise a perícia por junta médica da especialidade de neurocirurgia realizada nos termos previstos naqueles normativos.
A decisão judicial encontra-se, pois, devidamente sustentada quanto à determinação e fixação da incapacidade da Recorrente, com apelo aos laudos periciais das juntas médicas que se perfilam como claros, congruentes, objetivos e fundamentados, sendo ainda certo que inexistiam elementos probatórios que, por si, conduzissem a distinta conclusão nessa matéria.
Por último, resta referir que inexiste qualquer impedimento legal a que no termo da fase contenciosa o juiz fixe um grau de incapacidade ao sinistrado inferior àquele que havia sido fixado no exame médico realizado na fase conciliatória, e de que apenas ele havia discordado.
Sobre esta questão se pronunciou o Acórdão desta Relação e Secção de 28-11-2022 [processo 5434/16.6T8VIS.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão], cuja posição sufragada merece a nossa adesão, e se mostra sumariada nos seguintes termos:
“I – Tendo na «tentativa de conciliação» realizada na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, o sinistrado discordado do grau de incapacidade fixado por exame médico (singular), e requerido a realização de junta médica, tal significa que foi relegada para a fase contenciosa a fixação da incapacidade;
II – Nesta, o juiz decide de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta os elementos (periciais e outros) recolhidos, não se encontrando balizado na sua decisão pelo resultado do exame médico realizado na fase conciliatória.
III – Daí que nada impeça que no termo da fase contenciosa o juiz fixe um grau de incapacidade ao sinistrado inferior àquele que havia sido fixado no exame médico realizado na fase conciliatória, e de que apenas ele havia discordado”.
Em conclusão, inexiste fundamento para a pretendida anulação das juntas médicas e da sentença recorrida, improcedendo totalmente o recurso e mantendo-se a sentença recorrida.
Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido (refª citius 35350281 de 13-04-2023).
***
IV – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique e registe.
*
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 29 de janeiro de 2024
Germana Ferreira Lopes
Teresa Sá Lopes
Rita Romeira