RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário

I - O processo de incumprimento das responsabilidades parentais comunga de uma natureza executiva. O mesmo é dizer que, por força do referido art. 33.º, n.º 1, do RGPTC e do art. 551.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, são-lhe aplicáveis as disposições deste código respeitantes ao processo executivo.
II - A falta de citação do requerido no processo principal de regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ser conhecida no incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, processado por apenso.
III - Quando não seja conhecida nenhuma residência do ausente em Portugal, a regular citação edital não compreende a afixação de um édito na porta da (inexistente) sua última residência em Portugal.
IV - No processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais instaurado pelo Ministério Público, deve ser nomeado ao ausente um defensor oficioso, nos termos previstos no n.º 2 do art. 21.º do Cód. Proc. Civil, caso o demandado não ofereça oposição.
V - O incumprimento do disposto no n.º 2 do art. 21.º do Cód. Proc. Civil preenche a hipótese legal do art. 696.º, al. e), subal. i), do Cód. Proc. Civil.
VI - Sendo o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais extinto por força do disposto nos arts. 551.º, n.º 4, 696.º, al. e), subal. i), 729.º, al. d), e 732.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, pode o requerente (Ministério Público), no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão de extinção, requerer no processo principal de regulação do exercício das responsabilidades parentais a renovação da instância declarativa (art. 732.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil).

Texto Integral

Processo 2303/18.9T8VNG-A.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Recorrente(s): AA
Recorrido(a/s): Ministério Público


Sumário
…………………..
…………………..
…………………..

*



Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

Por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais n.º 2303/18.9T8VNG, respeitante à menor BB, veio o Ministério Público deduzir incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra o seu progenitor AA, de nacionalidade argelina.
Para tanto, alegou, em síntese, que o requerido, apesar de obrigado a pagar mensalmente uma pensão de alimentos à sua filha menor, nunca o fez.

O requerido foi notificado editalmente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 41.º, n.º 3, do RGPTC, não tendo intervindo nos autos. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 21.º, do Código de Processo Civil, sendo nomeado defensor oficioso ao ausente.
Pelo patrono nomeado, foi apresentada contestação, sendo nesta alegado que, sendo o requerido “cidadão estrangeiro que nunca morou em Portugal nem domina a língua portuguesa, a citação edital como foi feita nos autos de regulação é ilegal e a falta de defensor oficioso nesses autos de regulação implica também ilegalidade”. Mais alegou que, “durante toda a pendência dos autos de regulação intentados pelo Ministério Público, não foi nomeado defensor oficioso ao ausente para o poder defender”.
Respondeu o Ministério Público, sustentando ter sido corretamente empregue e executada a citação edital feita nos autos principais. Mais sustentou que, sendo a ação principal um processo de jurisdição voluntária, não havia lugar ao cumprimento do disposto no art. 21.º do Cód. Proc. Civil. Acrescenta que, pretendendo-se a comparência do progenitor com vista à obtenção do acordo, a nomeação do defensor seria um ato inútil.
Notificado para se pronunciar, o ora apelante manteve a sua posição.

Seguidamente, o tribunal a quo proferiu sentença, julgando o incidente procedente, e, após decidir que “não se verifica qualquer ilegalidade na citação do requerido nos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais”, concluiu nos seguintes termos:
Nestes termos, julgo procedente o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais quanto a alimentos e, em consequência:
A) – Fixo em €7.344,76, o montante total em dívida relativo às pensões de alimentos devidos à menor BB, condenando o requerido AA, no seu pagamento, correspondente às vencidas e não pagas desde janeiro de 2019, até janeiro de 2023 (data de entrada do requerimento inicial) e bem assim das que, entretanto, se vencerem e não forem pagas.
B) – Condeno o requerido no pagamento das custas devidas pelo presente incidente, com taxa de justiça fixada em ½ de U/C, nos termos do preceituado no artigo 527.º, do Código de Processo Civil e no artigo 7.º, do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado, o requerido apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
1.ª É inconstitucional o art. 21.º do Código de Processo Civil, com a interpretação de que, nos processos de regulação das responsabilidade parentais, aos requeridos ausentes não tenha de ser nomeado defensor oficioso e que o ausente possa ser citado e notificado da decisão final no domicílio da parte contrária onde nunca esteve, por violar o art. 2.º e a parte final do n.º4 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
2.ª A sentença viola o art. 566.º do CPC que ordena ao Juiz, "a quo", o conhecimento oficioso do incumprimento das formalidades de citação quando o citado não deduzir oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo.
3.ª Não estando regularmente citado no processo de regulação nem tendo aí defensor nomeado, o ausente não poderia ser julgado nem contra ele ter sido proferida sentença, sendo nulo todo o aí processado.
4.ª Baseando-se a sentença recorrida no pressuposto da validade e eficácia da sentença no processo de regulação, são as duas ilegais por estarem dependentes entre si.
5.ª O ausente não foi devidamente notificado da decisão final no processo de regulação, tendo-lhe sido a sentença notificada no domicílio da parte contrária, o que acarreta a falta de trânsito em julgado dessa sentença com impossibilidade legal duma sentença de incumprimento como a recorrida que tem como pressuposto necessário o trânsito em julgado da sentença de regulação.
6.ª A sentença aqui em recurso viola o art. 188.º n.º1 alíneas b) e c), do CPC, o n.º2 do art. 240.º do CPC e o n.º1 do art. 239.º do CPC, por haver erro de identidade do citado ao dar-se como sua última morada um lugar onde nunca esteve e que corresponde ao domicílio da parte contrária, por se ter empregue a citação edital quando se trata dum estrangeiro nunca residente em Portugal e por não se respeitar a Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário entre Portugal e a Argélia, país de que o ausente é natural.
7.ª O processo de incumprimento padece dos mesmos vícios de citação do ausente sendo a sua sentença também nula por isso, a única diferença é que neste processo de incumprimento o ausente teve direito ao recurso por lhe haver sido nomeado defensor oficioso e no processo de regulação não.

O Ministério Público não contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

II. Objeto do recurso

É apenas uma a questão a resolver: regularidade do chamamento do réu aos autos principais e aos presentes autos apendiculares incidentais.
*
III. Fundamentação

Factos dados por provados pelo tribunal ‘a quo’

1 – A menor BB, nasceu no dia ../../2012 e é filha de CC e AA.
2 – Por sentença proferida nos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais, ficou o requerido obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos no valor de €125,00 (…), a remeter à progenitora da menor, até ao dia 8 de cada mês, por meio idóneo de pagamento e que será atualizável anualmente, em janeiro, com início em 2019, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo Instituto Nacional de Estatística.
3 – O requerido nunca pagou a pensão de alimentos.

Alteração oficiosa da matéria de facto

Para além dos factos dados por provados, afigura-se-nos que existe um conjunto de factos processuais que devem integrar o leque de factos provados, por serem essenciais à apreciação da exceção dilatória presente na oposição apresentada – a nulidade de todo o processo. Tais factos encontram-se plenamente provados por documento autêntico – os próprios autos – sendo do conhecimento das partes, pelo que não se justifica o oferecimento do contraditório sobre a sua inclusão neste aresto.
Impõe-se, pois, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, alterar a decisão de facto – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.
Em face o exposto, julgam-se ainda provados os seguintes factos:
4 – Em 13 de março de 2018, o Ministério Público instaurou ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos dos artigos 34.º, n.º 2 e 43.º do RGPTC, em representação da menor BB, contra AA e contra CC, vindo esta ação a correr os seus termos com o n.º 2303/18.9T8VNG.
5 – No processo identificado no ponto 4 – factos provados –, foi tentada a citação do requerido na morada indicada pelo requente, sita no Reino Unido (ref. 391012021).
6 – Tendo a carta de citação sido devolvida (ref. 18385001) e não se conseguindo apurar a atual residência do requerido (ref. 391603186 e ref. 391605140), foi ordenada a sua citação edital (ref. 391716593).
7 – Na execução das formalidades da citação edital ordenada, foi afixado um édito na porta da morada da segunda requerida (CC), sem que constasse dos autos que o requerido aí tenha residido (ref. 392130432).
8 – O processo seguiu os seus termos, sem que tenha sido observado o disposto no art. 21.º do Cód. Proc. Civil, vindo, a final, a ser proferida a sentença acima referida no ponto 2 – factos provados (ref. 394640765).
9 – Desta sentença, foi expedida notificação ao requerido para o endereço referido no ponto 7 – factos provados (ref. 394907806).
10 – No prazo de interposição de recurso ordinário, não foi a sentença impugnada.

No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Admissibilidade do fundamento da oposição invocado
2. Regularidade da citação edital
3. Falta de citação do Ministério Público (ou de defensor oficioso)
4. Responsabilidade pelas custas


1. Admissibilidade do fundamento da oposição invocado

Dispõe o n.º 1 do art. 33.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (direito subsidiário), doravante RGPTC, que, “[n]os casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores”.
Dispõe o n.º 4 do art. 10.º do Cód. Proc. Civil (espécies de ações, consoante o seu fim) que se dizem “«ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.
Estabelece no n.º 1 do art. 41.º do RGPTC (incumprimento), no que para o caso importa, que, “[s]e (…) um dos pais (…) não cumprir com o que tiver sido (…) decidido, pode o tribunal, (…) a requerimento do Ministério Público (…), requerer, ao tribunal (…) competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo (…).
Resulta claro do confronto entre estas normas que o processo de incumprimento das responsabilidades parentais comunga de uma natureza executiva. O mesmo é dizer que, por força do referido art. 33.º, n.º 1, do RGPTC e do art. 551.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, lhe são aplicáveis as disposições deste código respeitantes ao processo executivo.
Estabelece o art. 729.º, al. d), do Cód. Proc. Civil (fundamentos de oposição à execução baseada em sentença) que, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento a “[f]alta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º”. É o seguinte o teor deste último dispositivo legal:
Artigo 696.º
Fundamentos do recurso
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…)
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; (…)

Em face do disposto nas subalíneas i) e ii) da al. e) do art. 696.º do Cód. Proc. Civil, a questão suscitada pode ser conhecida no incidente de incumprimento da decisão sobre o exercício das responsabilidades parentais e, consequentemente, pode ser conhecida por este tribunal da Relação, em via de recurso.

2. Regularidade da citação edital

No processo principal (regulação do exercício das responsabilidades parentais), o réu foi citado editalmente. Assim sucedeu por ser desconhecido o seu paradeiro e após ter sido tentada a citação por via postal registada (art. 240.º do Cód. Proc. Civil).
A afixação de um édito à porta de uma residência que não era a sua é irrelevante. Nunca tendo o réu tido residência em Portugal, não tem lugar a afixação de um édito à porta de tal inexistente residência. Tal equivale a dizer não só que o édito afixado é um ato inútil, mas também que é um ato irrelevante, não afetando a validade da citação edital.
Questão diferente desta é a da subsequente falta citação do Ministério Público (ou de defensor oficioso), nos termos previstos no art. 21.º do CPC.

3. Falta de citação do Ministério Público (ou de defensor oficioso)

Dispõe o n.º 1 do art. 21.º do Cód. Proc. Civil (defesa do ausente e do incapaz pelo Ministério Público) que, “[s]e o ausente ou o incapaz (…) não deduzirem oposição, (…) incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado (…)”. Acrescenta o n.º 2 deste artigo que, “quando o Ministério Público represente o autor, é nomeado defensor oficioso”.
No caso dos autos, como resulta da fundamentação de facto supra elencada, não foi observado o disposto nestas normas, tendo o processo corrido os seus termos ulteriores sem que tenha havido qualquer intervenção do requerido. O tribunal a quo entendeu que não tinha de ser observado o prescrito no art. 21.º do Cód. Proc. Civil, por duas ordens de razões:
a) Por um lado, “os autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, são um processo de jurisdição voluntária (artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) em que apenas é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso (artigo 18.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível)”;
b) Por outro lado “o requerido progenitor foi convocado editalmente para a conferência”, pelo que “não foi citado editalmente” – sublinhado nosso –, sendo a “nomeação de defensor ao progenitor ausente (…) um ato inútil”, “pois o que se pretende é a comparência pessoal do progenitor, com vista à obtenção de um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais” – acompanhando aqui o tribunal a quo Tomé d´Almeida Ramião.

Quanto ao primeiro argumento, o mesmo é indiscutivelmente frágil. O facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC) não afasta a aplicação dos n.os 1 e 3 do art. 3.º do CPC e, menos ainda, do art. 21.º, n.º 4, da CRP. A intervenção do Ministério Público (ou de um defensor oficioso) não está prevista apenas para os processos em que é obrigatória a constituição de advogado, como é patente.
Se houver que apresentar defesa – por exemplo, a invocação de uma exceção de prescrição ou de uma exceção de caso julgado –, é irrelevante saber se o processo é, ou não, de constituição obrigatória de advogado. Sustentar o oposto é sugerir o absurdo: nos casos em que não é obrigatória a constituição de advogado, o Ministério Público não tem de ser citado, porque o ausente pode intervir por si no processo.

No que respeita ao segundo argumento, afigura-se-nos que o mesmo assenta num jogo semântico estéril. Efetivamente, os requeridos foram citados para a ação, tendo este ato o fim normal da citação: “A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa” (art. 219.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). O mesmo é dizer que, estando um deles ausente, deveria ter sido nomeado um defensor oficioso (art. 21.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil).
O facto de o legislador, por economia de meios, ter incluído na citação a convocação para um ato não altera a natureza do ato de citação nem a necessidade de representação processual do ausente. Quando muito, poder-se-á entender que, nestes casos, a citação do defensor oficioso não deve ser integrada pela convocação para a conferência prevista no art. 35.º do RGPTC.
Diga-se, a propósito, que esta solução – aproveitamento da citação para convocação para uma primeira audição ou audiência – é usada pelo legislador noutros processos e procedimentos, sem que ninguém defenda que não estamos perante uma citação, mas sim perante uma dita “convocação”. Neste sentido, vejam-se, por exemplo, os arts. 385.º, n.º 1, 389.º, n.º 1, e 931.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil.
Sendo o apelante parte no processo principal, assim devidamente identificado no requerimento inicial, tinha de ser citado para o mesmo e, verificando-se a sua ausência, tinha de lhe ser nomeado um defensor oficioso. Só assim a sua esfera de direitos e de obrigações podia ser regularmente afetada pela decisão do mérito da causa.

A omissão desta formalidade gera uma nulidade processual (art. 187.º, al. b), do Cód. Proc. Civil) e constitui uma” falta de citação”, para os efeitos previstos no art. 696.º, al. e), subal. i), do Cód. Proc. Civil (passível de ser arguida, como no caso o foi, mediante a oposição deduzida ao presente incidente de incumprimento, por força da aplicação supra referida do disposto no art. 729.º, al. d), do Cód. Proc. Civil). Conforme sustentam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “[t]em o mesmo efeito a falta de citação do Ministério Público, quando este representa uma parte principal, autor ou réu”, citando os autores o art. 21.º do Cód. Proc. Civil. – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 362 e 364.
No âmbito deste incidente de natureza (também) executiva, a falta de citação de defensor oficioso a ser nomeado ao ausente, determina, por força das normas acima enunciadas, a total extinção da instância (art. 33.º, n.º 1, do RGPTC e arts. 551.º, n.º 4, e 732.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil). Assim sempre seria, ainda que se considerasse a citação meramente nula, e não em falta.

Por último, importa aqui notar que a solução adotada não conduz a um “nó cego” processual – que poderia ser provocado pelo disposto no art. 697.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil. Com efeito, não só o caso julgado das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária assume contornos especiais (art. 988.º do Cód. Proc. Civil), como permite a norma enunciada no n.º 5 do art. 732.º do Cód. Proc. Civil, aplicada ao caso aqui em discussão, que o Ministério Público, no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da presente decisão, requeira no processo principal de regulação do exercício das responsabilidades parentais a renovação da instância declarativa, de modo a poder aí ainda ser proferida decisão final de mérito, depois de efetuada a citação em falta.

4. Responsabilidade pelas custas

Não há lugar a condenação em custas (na ação e na apelação), por estar o Ministério Público delas isento e por estar o apelante oficiosamente patrocinado.

IV. Dispositivo

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a sentença recorrida e determina-se a extinção do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, com inutilização de todo o processado da instância incidental, nos termos previstos no art. 33.º, n.º 1, do RGPTC e nos arts. 551.º, n.º 4, 696.º, al. e), subal. i) – ex vi 729.º, al. d) –, e 732.º, n.º 4, todos do Cód. Proc. Civil.

Sem custas (na ação e na apelação).

Notifique.
*


Porto, 25 de janeiro de 2024

Ana Luísa Loureiro (1.ª Adjunta, relatora por vencimento)
João Venade (2.ª Adjunto)
Francisca Mota Vieira (Voto vencida o Acórdão nos termos da declaração que junto)
[Declaração de voto:
O presente processo de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constituindo uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destina-se à verificação de uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido e não reveste natureza executória.
E resulta dos artigos 41º e 48 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, (doravante designado RGPTC), que o processo incidental de incumprimento comporta uma fase declarativa referente ao apuramento do incumprimento, na qual o devedor de alimentos é sempre ouvido e a que são aplicáveis subsidiariamente as regras processuais referentes aos incidentes da instância, por força do disposto no art 986º/1 CPC, e uma fase executiva, referente ao decretamento das medidas tendentes ao cumprimento.
Todavia, a via executiva do art 48º do RGTC configura-se como diferente da via executiva normal, na medida em que, ao contrário do que sucede nesta, em que o titulo executivo faz presumir a existência do direito a certa prestação concreta, aqui, em matéria de incumprimento da obrigação alimentar decorrente de responsabilidades parentais, o legislador pretendeu que a execução só se iniciasse depois de confirmada a inexecução.
A implicar que no âmbito deste incidente não pode ser discutida a falta de intervenção do réu no processo principal de regulação das responsabilidades parentais, na hipótese de se verificar alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º CPC, norma que dispõe sobre os fundamentos legais do recurso de revisão.
Nessa medida, considero que ao invés da posição maioritária, a arguida falta de citação do progenitor no âmbito do processo principal de regulação das responsabilidades parentais, bem como a arguida falta de nomeação de defensor ao réu ausente nos termos do art 21º do CPC, não são suscetíveis de serem apreciadas e decididas no âmbito do presente incidente de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais, mas apenas em sede de Recurso de Revisão conforme sustentado no projeto por mim elaborado e no qual, de igual modo, sustentei que a invocação por via incidental nestes autos de incidente de incumprimento da falta de citação do réu nos autos principais de regulação de responsabilidades parentais e da falta de nomeação de defensor ao ausente deveria ser convolada em recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do nº3 do art 193º do CPC .
Assim, não acompanho o Acórdão.]