LETRA DE CÂMBIO
LETRA EM BRANCO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - A letra em branco é a letra a que falta algum dos requisitos prescritos no art.º 1.º da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária.
II - A sua admissibilidade resulta do art.º 10.º da mesma lei, passando o respetivo documento, desde que posteriormente preenchido nos termos do aludido art.º 1.º, a produzir todos os efeitos próprios da letra.
III - A assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que no documento vier a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória.
IV - O valor probatório da letra que foi subscrita em branco terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, demonstrando que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o que ajustou com o respetivo portador.
V - Cabendo a alegação e o ónus da prova de tal facto impeditivo do exercício do direito do alegado credor ao obrigado cambiário - art.º 342.º, no 2 do CC.

Texto Integral

Processo: 1199/20.5T8AGD-A.P2
Origem:Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Execução de Águeda


Relator: Francisca da Mota Vieira
1º Adjunto:Isabel Peixoto Pereira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva



Acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto


I. RELATÓRIO
1. AA, casado, reformado, contribuinte fiscal nº ...23, residente na Rua ..., ... ..., Águeda, veio propor execução ordinária para pagamento de quantia certa,contra BB, casado, contribuinte fiscal nº ...50, residente na Rua ..., ..., ..., fracção K, ... ..., nos termos e com os fundamentos seguintes:
1ºO exequente é portador legítimo de uma letra de câmbio, por ele próprio sacada e aceite pelo executado, no montante de 62.500,00€ (sessenta e dois mil e quinhentos euros), datada de 11/01/2007 e com vencimento em 15/12/2019, cf. doc. 1, que se junta, e aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
2º O montante dessa letra destinava-se ao pagamento de um empréstimo particular, efectuado pelo exequente ao executado, tendo em vista a entrada deste no capital social de uma sociedade comercial.
3º Essa letra não foi paga na data do respectivo vencimento.
4ºApesar de por diversas vezes instado a proceder ao respectivo pagamento, reparando as suas faltas, nunca o executado se dispôs a fazê-lo, nomeadamente após ter alienado a sua participação social e créditos na sobredita sociedade comercial, em finais de 2019.
5º Nos termos e para os efeitos do disposto no art.703º,nº1, al.c)CPC, a letra é um título de crédito que serve de base à presente execução, consubstanciando título executivo válido e bastante.
6º A dívida, além de devidamente titulada, é certa, líquida e exigível desde já.
7ºAlém do montante titulado pela letra constante desta peça – 62.500,00€ - é o executado ainda responsável, nos termos dos arts. 47º e segs. da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, pelo pagamento de juros vencidos à taxa legal, o que, à data da propositura desta acção, se liquida em 1.232,88 €, bem como pelo pagamento das despesas em que fez o Exequente incorrer por via desse comportamento, designadamente o pagamento do imposto de selo que ascendeu ao valor de 312,50 €. (doc. 2)
8ºO executado é, finalmente, ainda responsável pelo pagamento dos juros que se vencerem até integral pagamento, o que aqui também se reclama.
.Nestes termos, Requer-se que D. e A. se digne mandar citar o executado para no prazo de 20 dias pagar ao exequente a importância de sessenta e dois mil e quinhentos euros, acrescida de mil duzentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos de juros vencidos contados à taxa legal, bem como dos juros vincendos até integral reembolso e, ainda, o montante de trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos referente ao imposto de selo ou, querendo, opor-se à execução, nos termos e para os efeitos previstos no art. 728º do C.P.C. e sgs., seguindo-se os demais termos até final.

2. Citado, o executado deduziu embargos de executado.
No essencial, alegou :
- que nunca declarou nem pretendeu declarar dever a quantia inscrita na letra dada à execução, a qual nunca preencheu nem deu autorização para preencher, nem viu preenchida, a não ser quando foi citado para a execução.
- desconhece se a letra foi assinada pelo exequente.
- o que pode ter conexão, ainda que indireta, com a letra foi que o embargante, juntamente como o filho do exequente, no ano de 2006, constituiu uma sociedade, inicialmente denominada A..., Lda, posteriormente alterada para B..., Lda.
- o filho do exequente, CC, namorava a irmã do executado, com quem acabou por casar. Com o estreitar das relações familiares e sendo o exequente pessoa com meios financeiros e experiência no ramo, sendo ele próprio, também com um cunhado, sócio de uma outra sociedade do mesmo ramo, acabou por se interessar e acompanhar o início da sociedade constituída, querendo ajudar a mesma, admitindo até a possibilidade de para ela entrar.
- contudo não o podia fazer às claras, já que estava sujeito a limitações proibições de intervir noutras sociedades de atividade similar ou conexa, como era o caso da B....
- assim, injetou dinheiro nesta sociedade, através do filho e do ora embargante, que para o efeito foram meros testas de ferro, pensando o embargante que nada lhe devia.
.o exequente entendeu, e o embargante achou razoável que reconhecesse que aquele entrou com dinheiro para a B... e que esta lho devida, tendo sido acordado entre todos documentar a situação com a assinatura de uma letra absolutamente em branco, que serviria apenas para garantir o acordo de todos, pelo que reconhece como sua a assinatura aposta na letra, no local destinado ao aceite.
.no entanto, não aceitou dever ou assumir a obrigação de pagar o que quer que fosse ao exequente.
.à data, o embargante não sabia sequer o que era uma letra, ou uma livrança e qual o significado de se assinar a mesma num ou noutro local, mas sabe que nunca pretendeu reconhecer dever o que quer fosse ao exequente.
.na B... era o CC, filho do exequente, quem se ocupava, em exclusivo, da parte administrativa, financeira e comercial da sociedade e mais tarde ficou esclarecido que o exequente não entraria para a sociedade, devendo esta restituir-lhe os montantes financiados, do que ficou encarregado o referido CC.
.o ora embargante desempenhava atividade técnica de preparação dos materiais na oficina e direção do pessoal, colocação do material em obra, direção e execução das obras nos respetivos locais das mesmas.
.no escritório da B... trabalhava a mulher do embargante, como trabalhadora subordinada, e apercebeu-se de que, pelo menos desde 2015, o CC passou a praticar descontos de 3% às sociedades C... e D..., apesar de estas empresas efetuarem os pagamentos a 30 e 60 dias.
.os descontos não iam indicados nas faturas, sendo estas sociedades quem, unilateralmente, o deduziam no documento representativo do pagamento.
.a B..., mediante notas de credito, passou a conceder à C... e à D..., por cada período de 3 meses de faturação, descontos (rappel) também não inferiores a 3%.
.durante o período em que DD foi gerente da B..., com o consentimento do CC, foi prática corrente a sobrefaturação da B... àquelas sociedades, com transferências destas para pagamento de faturas emitidas pela B..., mas que não correspondiam a qualquer fornecimento ou prestação de serviços, sendo aquelas quantias devolvidas em dinheiro ao Sr. DD. As saídas de caixa da B... iam mascaradas com o pagamento de falsas faturas emitidas por terceiro à B..., criando a falsa aparência de um aumento de faturação a favor da C... e da D..., quando na verdade se travava de operações tendentes à saída de valores de circuito contabilístico e financeiro daquelas sociedades.
.por indicação destas sociedades, a B... efetuou a favor delas descontos nunca inferiores a 3% sobre saldos devedores ou sobre faturas inseridas em contas correntes pendentes entre aquelas empresas.
.estes factos foram trazidos para a ação declarativa de anulação de deliberações sociais, com o n.º 285/19.8T8AVR que correu termos no Juízo do Comércio de Aveiro – Juiz 2, que terminou por transação.
.o exequente afirmava perante amigos e familiares de uns e outros que o embargante nada lhe devia.
.acresce que a B... pagou ao embargado tudo o que lhe devia, através da atuação do CC, que passava pela utilização de uma conta no Banco 1..., a que só este tinha acesso e que só ele movimentava.
.o embargante saiu da B..., vendendo a sua quota, tendo o exequente deixado de falar consigo nessa altura e intentado a presente execução.. .A data aposta na letra no campo destinado ao seu vencimento é de 15.12.2007, quase 1 anos após a sua emissão, data coincidente com a venda da quota do embargante.
.o exequente nunca interpelou o embargante.
. a letra exequenda e falsa, não sendo título executivo válido, sendo a execução infundada e resultando de um comportamento abusivo do exequente, já que o embargante não deu autorização para o seu preenchimento.
.acresce que o contrato de mútuo subjacente à emissão da letra é nulo por falta de forma.

3. Admitidos liminarmente os embargos de executado, foi notificado o exequente para deduzir contestação.

4. O embargado na contestação alegou, em síntese:
. Que a sociedade atualmente designada por B..., Lda. foi constituída em 2006 entre o embargante e o seu filho, CC.
.À época, o embargante trabalhava numa empresa criada por alguns ex-trabalhadores de uma outra empresa que falira, auferindo um salário baixo.
Vivia na altura com a sua companheira, a sua atual esposa, que se encontrava desempregada, e o embargante possuía um clube de vídeo, que não estava a correr bem, tendo contraído encargos junto da banca, que estavam em incumprimento.
O filho do exequente, CC, à data namorava com a irmã do embargante, com a qual viria a casar, e sabia da sua situação económica, mostrando-se disponível para ajudar, embora não dispusesse de meios financeiros para tal.
O embargante e o CC constituíram a empresa B..., Lda, tendo o projeto sido ideia do ora embargante.
Como não dispunham de capital suficiente para lançar a empresa, tentaram obter financiamento bancário, o que se frustrou, pelo que procuraram financiamento junto do exequente, que acabou por ceder, deixando claras as condições para lhes conceder um empréstimo.
Em 2007, comunicaram ao exequente o valor exato de que necessitavam para o arranque da empresa, a saber, 125.000,00€, e o exequente procedeu à transferência bancária de 62.500,00€ para a conta de cada um (embargante e CC), em 11.01.2007.
Em consonância com o que havia sido acordado, o embargante entregou-lhe a letra de câmbio dada à execução, devidamente assinada por si, parcial e previamente preenchida pela sua companheira e atual mulher, nomeadamente no que concerne aos itens da importância, nome, n.º de contribuinte e morada do sacado.
A letra destinava-se a ser substituída à medida que fossem ocorrendo pagamentos da mesma no futuro ou a ser completado o seu preenchimento pelo exequente e posta a circular ou ser executada, caso o embargante não procedesse ao pagamento.
Tanto assim, que os mutuários daqueles empréstimos transferiram para a sociedade B..., Lda. as quantias que receberam do exequente, a título de suprimentos, que enquanto sócios lhe fizeram, celebrando os respetivos contratos em 11.01.2007.
Cerca de um ano depois, a B..., Lda. decidiu adquirir um pavilhão, financiando-se na banca para esse efeito, tendo ficado como garantia do empréstimo concedido pelo Banco 2..., SA para esse efeito, depósitos a prazo de que o exequente era titular, no valor de 150.000,00€.
Por essa ocasião, o embargante e o CC reuniram com o exequente, pedindo que o prazo para o inicio do pagamento dos empréstimos pessoais fosse prorrogado em 4, 5 anos, pois pretendiam afetar todos os recursos no pagamento do financiamento do pavilhão, ao que acedeu.
Mais alega que o objeto social da B..., Lda. não é coincidente com o da E... e que nunca teve interesse em ser sócio da B....
Até 2017, o seu filho CC trabalhou ininterruptamente na E..., deslocando-se à B..., Lda em regime pós-laboral, de forma descontinuada e esporádica ou quando era chamado para assinar alguma documentação enquanto gerente, sendo, até ali, a administração da mesma assegurada pelo embargante e a sua mulher.
Nega ter recebido o pagamento da quantia titulada pela letra dada à execução, fosse diretamente pelo embargante ou por um terceiro, não resultando dos e-mails juntos aos autos que o embargante nada lhe devia.
Quando o seu filho CC foi trabalhar a tempo inteiro para a B..., a relação entre os sócios crispou-se, tendo o exequente intervindo para apaziguar a situação, daí a troca de correspondência junta com o articulado de embargos de executado, junta como doc. 7, não resultando daí que nada lhe fosse devido.
Acresce que interpelou o embargante por várias vezes, verbalmente, recebendo a invariável resposta de que a empresa passava por dificuldades, para aguentar mais uns tempos, até que teve conhecimento de que alienou a sua quota na sociedade B... por cerca de 60.000,00€, e em que lhe teriam sido restituídas as quantias entregues a título de suprimentos, enviou interpelação por carta registada em 20.11.2019, recebendo como resposta que nada lhe era devido.
Mais alega que nulidade do contrato de mútuo por falta de forma não afeta a obrigação cambiária, pelo que dispõe de título executivo válido.

5. Findos os articulados, findo o período de confinamento do ano de 2021, foi identificado o objeto do litígio, identificados os temas da prova e designada data para a realização da audiência de julgamento.

6. Procedeu-se à realização de julgamento e foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.

7. Depois de proferida, a sentença foi revogada pela decisão singular do Tribunal da Relação do Porto proferida no recurso de apelação em separado, que correu termos no apenso G, tendo ali sido determinada a reabertura da audiência de julgamento com vista à produção de declarações de parte por parte do embargante.

8. Procedeu-se como superiormente determinado, tendo sido reaberta a audiência de julgamento, realizando-se a produção de declarações de parte, com observância do legal formalismo e foi proferida de novo sentença que julgou os embargos de executado improcedentes.

9. Inconformado, o embargante interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos que se reproduzem:
I. Com o presente recurso pretende o Recorrente impugnar a douta Decisão de Facto, no que respeita aos factos provados, quanto aos factos considerados provados nas alíneas J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA) e AD).
II. No que se refere à douta enunciação dos factos não provados, o Recorrente impugna a douta Decisão de considerar não provados os factos discriminados sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 10.
III. Assim, e no que respeita à impugnação dos Factos Provados, , deve a douta Decisão de Facto ser alterada em termos de que
a) Quanto ao facto da alínea J) — se considere provado apenas que “Dado que nem o embargante nem o filho do exequente dispunham do capital suficiente para lançar a empresa, tentaram primeiro obter financiamento bancário para a mesma, não tendo dado seguimento a esse pedido”.
b) Quanto aos factos das alíneas K), L), M), N), O), P), Q), T), U), V), W), X), Y), Z) e AA) — sejam os mesmos considerados não provados.
c) Quanto ao facto da alínea R) — se considere como provado apenas que “O embargante e o filho do exequente transferiram, cada um, para a sociedade B..., a quantia de 62.500,00€ acto contínuo à transferência daquela importância para a conta bancária de cada um deles”.
d) Quanto ao facto da alínea S) — se considere provado que «Posteriormente, para justificação contabilística daquelas entradas de dinheiro na sociedade, a contabilidade desta elaborou e entraram para a escrituração da sociedade contratos de igual teor relativos ao filho do exequente e ao embargante, dizendo que “o embargante emprestou à sociedade ... [ficando a constar até final da alínea em apreço o seu texto inicial]».
e) Quanto ao facto da alínea AD) — se considere provado apenas que “Após a cessão pelo embargante da sua posição na sociedade B... em finais de 2019, sendo-lhe pago o montante acordado para a cessão, o exequente interpelou-o por carta registada com aviso de recepção, da-tada de 20/11/2019”.
IV. Relativamente à impugnação do acervo dos Factos Não Provados, deve a douta Sentença ser alterada, passando a considerar-se provado que
1- O embargante nunca deu autorização para o preenchimento da letra dada à execução.
2- O embargante nunca viu a letra preenchida a não ser quando foi citado para os termos da execução.
3- O exequente chegou a admitir a possibilidade de entrar para a sociedade B....
4- O exequente injectou dinheiro na sociedade B..., Lda. através do filho e do ora embargante.
5- À época, o embargante não sabia o que era uma letra ou uma livrança e qual o significado de assinar num ou noutro local.
6- Posteriormente, ficou esclarecido que o exequente não entraria para a sociedade, devendo esta restituir-lhe os montantes financiados.
7- E foi o CC quem ficou encarregado desse pagamento. 8- Que realizou da seguinte forma:
• passou a praticar descontos, que não concedia a nenhum outro cliente, não inferiores a 3% nos fornecimentos efectuados quer à C..., que à D..., apesar de estas empresas, que nunca pagaram a pronto pagamento, efectuarem os pagamentos a 30 e a 60 dias;
• eram a C... e D... quem, unilateralmente, mencionavam o desconto e o deduziam no documento representativo do pagamento;
• a B..., Lda, mediante notas de crédito, passou a conceder à C... e à D..., por cada período de 3 meses de facturação, descontos, designados por rappel, também não inferiores a 3%, apesar de todas as facturas serem pagas a 30 e a 60 dias;
•no período em que o Sr. DD foi gerente da sociedade B..., Lda., no interessa dele e concertado e com aquiescência de CC, foi prática corrente a sobre facturação da sociedade B..., Lda. à C... e D..., com transferências destas para pagamento de facturas emitidas pela B..., Lda., mas que não correspondiam a qualquer fornecimento ou prestação de serviços, sendo aquelas quantias seguidamente devolvidas em dinheiro ao Sr. DD. As saídas da caixa social da B... eram mascaradas por pagamento de facturas emitidas por terceiros a favor da B..., criando a falsa aparência de um aumento de facturação/venda de bens ou serviços da B... a favor da C... e da D..., com a correspondente falsa aparência de um aumento de facturação/venda de bens ou serviços da B... a favor daquelas sociedades por produtos ou serviços desta, tratando-se de saída de valores do circuito contabilístico e financeiro da C... e D...;
• através do benefício emergente do pagamento das obras de construção, materiais e equipamentos aplicado numa casa em construção pelo sócio CC, filho do Exequente, sendo as respectivas facturas emitidas pelos respectivos empreiteiros e fornecedores em noma da B... e entrando respectiva contabilidade.
V.A douta Sentença recorrida, naquelas partes ora impugnadas da sua Decisão de Facto, padece de erro na apreciação crítica das provas, assim estando violado o estabelecido no n.º 4 do Artigo 607.º do CPC, deste modo se impugnando igualmente a apreciação crítica das provas que nela é efetuada, por padecer do mesmo vício.
VI. As pretendidas alterações da douta Decisão de Facto resultam da requerida reapreciação da prova gravada, cujos segmentos antecedentemente transcritos, individualizados e localizados nos termos determinados na alínea a) do n.º 2 do Artigo 640.º do CPC impõe por si só, a pretendida alteração da Decisão de Facto nos termos precedentemente enunciados,
VII.E também da análise crítica dos documentos antecedentemente discriminados, designadamente,
• a certidão da acção anteriormente proposta pelo Recorrente e respectivos articulados e documentos que integram a certidão junta com o requerimento inicial destes embargos;
• o documento n.º 7, junto co aquele articulado;
• o documento n.º 14, junto com a douta contestação;
• o documento n.º 16, junto pelo Exequente com a sua douta contestação;
• o documento n.º 19, junto pelo Exequente com a sua douta contestação;
• o documento n.º 20, junto pelo Exequente com a sua douta contestação;
• o documento n.º 21, junto pelo Exequente com a sua douta contestação;
• o documento n.º 22, junto pelo Exequente com a sua douta contestação;
• todos os demais documentos juntos aos Autos pelo Recorrente e que foram especificadamente enumerados e objecto dos transcritos depoimentos prestados pelo Recorrente, pela sua mulher EE e pelo filho do Exequente, CC;
VIII. Da análise dos factos demonstrados ou apenas indiciados por aqueles depoimentos decorre a obrigação do Tribunal de comunicar a sua ocorrência ao MP e à Autoridade Tributária para que instaurem os devidos procedimentos criminais, por se tratar de factos previstos e punidos criminalmente pelas normas tributárias — o que, todavia, foi omitido.
IX. Caso proceda a impugnação da douta Decisão de Facto deve igualmente ser revogada a douta Decisão de Direito, julgando-se procedentes os presentes embargos de executado.
X. Mas, mesmo que assim não venha a ser decidido, igualmente deverão ser julgados procedentes os embargos em sede de revogação da douta Decisão de Direito, pois
XI. No caso destes Autos, está-se perante uma letra em branco que não foi emitida em meios onde habitualmente se praticasse o uso daquele instrumento e no qual os agentes e utilizadores tivessem conhecimento dos respectivos riscos e do significado e consequências dos actos praticados,
XII. E o subscritor da letra e ora Recorrente não tinha conhecimento nem experiência da utilização daquele meio de pagamento, naturalmente ignorando de forma não censurável que a mera assinatura da letra em branco e a sua entrega ao credor implicava a obrigação de pagamento emergente da autorização de o credor, com a simples entrega da letra por preencher, proceder ao seu preenchimento e exigir ao subscritor pagamentos a que este, no caso destes Autos, nunca imaginou estar a obrigar-se.
XIII. Assim, no presente caso, o Recorrente, ao praticar aquele acto, não teve consciência de estar a assumir uma obrigação, assim e nos termos previstos no Artigo 246.º do C.Civil não tendo qualquer validade a aposição da sua assinatura no título dado à execução nos Autos Principais, assim inexistindo qualquer acordo de preenchimento.
XIV. Além disso, a letra ajuizada é também inválida por ter sido abusivamente preenchida, por ter sido extinta pelo pagamento a respectiva relação subjacente — como resulta da matéria de facto demonstrada nos Autos.
XV. Mas, mesmo que assim não se entenda, está formalmente provada a inexistência de qualquer dívida por força da prova plena emergente dos documentos da autoria do Recorrente, e que, sem os impugnar, o próprio Exequente juntou aos Autos com a sua douta contestação sob os números 20 e 22.
XVI. Assim e nos termos do disposto nos Artigos 376.º, n.ºs 1 e 2, e 360.º, ambos do C.Civil, está plenamente provado o teor daqueles documentos, dos quais resulta a inexistência da relação subjacente invocada pelo Exequente, o que não foi nem podia ser contrariado por prova testemunhal, não admitida pelo disposto no n.º 2 do Artigo 393.º do C.Civil, nem resultou contrariado por confissão, pois o Recorrente nunca confessou tal facto.
XVII. Por consequência, está plenamente provado por documento que, pelo menos à data daqueles documentos n.ºs 20 e 22 — 28 de Novembro de 2019 e 03 de Dezembro de 2019 — a dívida invocada pelo Exequente já estava extinta, assim inexistindo fundamento para o preenchimento da letra dada à execução, que foi abusivo, bem como inexistia fundamento para a sua utilização como título executivo, nem para a execução dos Autos Principais.
XVIII. Assim não se entendendo, na douta Sentença recorrida violaram-se as citadas normas e princípios legais.
Termos em que, e melhores de direito, que desde já se consideram proficientemente supridos, pede seja o presente recurso julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida e declarando-se os presentes embargos procedentes e provados.
10. Não foram apresentadas contra-alegações.
11. Colhidos os vistos cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
As questões suscitadas pelo recurso de apelação são as seguintes:
. Apreciar e decidir se a impugnação da decisão de facto observa os requisitos legais.
. Na hipótese afirmativa, apreciar e decidir o recurso sobre a matéria de facto.
. Do Mérito da sentença.

Questão Prévia.
Por ser relevante, impõe-se assinalar que contrariamente ao entendimento do recorrente vertido em sede apenas de alegações, o recurso não é o meio processual idóneo para apontar qualquer eventual irregularidade que enferme a redução a escrito da assentada com referência ao depoimento de parte prestado pelo recorrente que ficou a constar da ata da sessão de julgamento realizada a 21.02.2022.
Dispõem sobre a confissão como meio de prova os artºs. 452º e segs.do CPC, resultando da conjugação do nº. 1 desse artigo, com o nº. 1 do artº. 454º, que o depoimento de parte incidirá sobre factos que, sendo pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, interessam à decisão da causa.
Interessa essencialmente ao caso o disposto no artº. 463º CPC que dispõe quando à redução a escrito do depoimento na parte que importe confissão, regulando o modo como se processa a assentada, a confissão obtida através de depoimento de parte terá de ser reduzida a escrito no momento em que é prestado e na presença do depoente e dos mandatários presentes, elaborando-se a assentada.
Ora, sendo o depoimento prestado em audiência de julgamento (cfr. artº. 604º, nº. 3, a), do C.P.C.), caso a parte representada no ato por mandatário entenda que ocorre alguma irregularidade na prestação do depoimento ou na sua redução a escrito (ou falta dela) deve arguir tal irregularidade no ato, invocando a sua influência no exame ou decisão da causa –artºs. 195º, nº. 1, 197º, nº. 1, e 199º, todos do C.P.C..
A revelar que não pode ser invocada em recurso, por intempestiva, qualquer reclamação apontada à ata, pelo que invocá-lo nesta fase é extemporâneo., estando por isso precludida a possibilidade de aqui se arguir eventual irregularidade de que enferme a assentada , não podendo ser apreciada nem decidida neste recurso a alegada irregularidade imputada à dita assentada.
De qualquer modo, porque essa questão não foi vertida nas conclusões recursórias sempre estaria este excluída do objecto deste recurso.

III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1.1. Na sentença da 1ª instância consta o seguinte enunciado de factos provados e não provados:
Fundamentação de facto:
Factos Provados:
A) Foi dada a execução a letra, cujo original se encontra junto aos autos principais.
B) A letra tem como local de emissão Águeda, data de emissão 11.01.2007, data de vencimento 15.12.2019, o valor de 62.500,00€, figurando como sacador AA e como sacado e aceitante BB.
C) A sociedade B...., Lda foi constituída em 14.11.2006, pelo embargante e o filho do exequente, CC.
D) Inicialmente era denominada de A..., Lda.
E) Naquela data o CC namorava com a irmã do embargante, com quem veio a casar.
F) O exequente tinha recursos financeiros e experiência no mesmo ramo e atividade.
G) O embargante era técnico em máquinas quinadoras e guilhotinas e tinha uma relação privilegiada com o proprietário de uma empresa sediada em Albergaria-a-Velha, denominada F..., Lda, que o incentivou a criar a sua própria empresa, garantindo-lhe que se o fizesse lhe encomendaria trabalhos e serviços mais do que suficientes para lhe permitirem ter sucesso empresarial e pessoal.
H) O CC, na divisão de pelouros na B..., era quem se ocupava da parte administrativa, financeira e comercial da sociedade.
I) O ora embargante desempenhava atividade técnica de preparação dos materiais na oficina e direção do pessoal, colocação do material em obra, direção e execução das obras nos respetivos locais das mesmas.
J) Dado que nem o embargante nem o filho do exequente dispunham do capital suficiente para lançar a empresa, tentaram primeiro obter financiamento bancário para a mesma e, face ao respetivo insucesso, decidiram tentar contrair um empréstimo junto de particulares, concretamente o exequente.
K) Em encontro solicitado por aqueles com o embargado e em que lhe foi apresentado o projeto empresarial daqueles, o embargado recusou emprestar-lhes o dinheiro que lhe pediram para o mesmo (cerca de 125 mil euros para a aquisição de maquinaria), sobretudo por não desejar que o seu filho deixasse de trabalhar na E... e abandonasse essa empresa.
L) Sucede que, uns tempos depois, o embargante e o filho do embargado voltaram a procurá-lo, dizendo já ter visto um armazém que poderiam arrendar para montar o negócio, tinham um cliente que lhes assegurava um montante de encomendas que lhes garantia o sucesso empresarial, que o filho do embargado, embora fosse sócio e gerente, não iria trabalhar na empresa, sendo a gestão assegurada pelo embargante e companheira, pelo que insistiram muito junto do embargado para que lhes emprestasse o dinheiro que nenhum dos dois dispunha (125 mil euros) para iniciarem o projeto.
M) O exequente, em finais de 2006, decidiu emprestar o dinheiro que eles lhe solicitaram.
N) O embargado impôs as seguintes condições para emprestar o dinheiro, que ambos aceitaram:
- Deveriam informá-lo do valor exato e estritamente necessário para o início da laboração da empresa;
- Emprestaria a quantia necessária não à sociedade, mas a cada um deles pessoalmente, metade a cada um;
-Tal empréstimo seria feito gratuitamente, ou seja, não venceria juros, mas deveria começar a ser-lhe pago dois anos após a consumação dos dois empréstimos, à medida que a empresa começasse a distribuir entre eles lucros ou eles obtivessem por outras vias condições para tal;
- Cada um deles aceitaria uma letra sacada pelo embargado, no valor do empréstimo feito a cada um deles, destinada ou a ser substituída à medida que fossem liquidando a dívida inicial ou a ser livremente completado o seu preenchimento pelo embargado e eventualmente por si executada em caso de incumprimento por algum deles.
O) Algum tempo depois, o embargante e o filho do embargado comunicaram-lhe o valor exato que precisavam para o arranque da empresa (125 mil euros) e este concretizou, em 11/1/2007, a partir de uma conta de que era titular na Banco 3..., dois empréstimos, por transferências bancárias, cada um no valor de 62.500,00€, um para conta bancária e a favor do embargante e outro também para conta bancária e a favor do seu filho CC.
P) Em data não concretamente apurada, o embargante entregou-lhe a letra de câmbio dada à execução nos autos principais.
Q) Tal letra de câmbio foi entregue assinada pelo embargante, parcial e previamente preenchida, nomeadamente no que concerne aos itens da importância, nome e morada do sacado e, finalmente, nº de contribuinte do sacado pela mulher daquele, EE.
R) Os mutuários daqueles empréstimos transferiram, ato contínuo, paras a sociedade B..., Lda, as quantias que receberam do exequente, a título de suprimentos que, enquanto sócios dessa sociedade lhe fizeram, celebrando, com data de 11/1/2007, os respetivos contratos de suprimento.
S) Ficou a constar daquele contrato que o embargante emprestou à sociedade ficando esta obrigada a restituir, sem juros a quantia mutuada (cl. 1ª); que o embargante procedeu ao pagamento de um conjunto de montantes em dívida pela sociedade e da exclusiva responsabilidade desta (cl. 2ª); que o montante mutuado pelo embargante à sociedade ascendeu ao valor de 62.500,00€ e foi entregue à sociedade por transferência bancária diretamente efetuada por ele (cl. 2ª); e declarando ainda a sociedade que se financiou junto do embargante, tendo aceite as quantias que recebeu e lhe foram entregues por ele, confessando-se devedora dessa mesma quantia ao embargante o que, tudo, este último aceitou (cl. 3ª).
T) Cerca de um ano depois do início da laboração da sociedade B..., Lda, os respetivos sócios confidenciaram ao embargado que estavam a enfrentar algumas dificuldades e que, designadamente, a renda do pavilhão arrendado para o seu funcionamento representava um peso excessivo que sufocava a empresa.
U) O que o embargado concordou, sugerindo até que o embargante e o seu filho CC indagassem junto da banca da possibilidade da sociedade contrair um empréstimo para comprarem tal pavilhão (no valor aproximado de 150 mil euros) pois certamente o valor da prestação que ficariam a pagar ao banco seria bem menor do que a renda que vinham pagando, além de incrementarem o património da sociedade.
V) Na sequência dessas conversas, já em 2008, o embargante e o CC voltaram a falar com o embargado dizendo-lhe ter encontrado condições favoráveis para tal financiamento junto do Banco 2..., SA, mas que o banco estava a exigir garantias para tal empréstimo que eles não podiam suportar, solicitando a sua ajuda.
W) Na sequência das negociações havidas, o embargado acabou por aceitar intervir como garante do empréstimo que iria ser pedido àquele banco, utilizando para o efeito depósitos a prazo de que era titular naquele banco, no valor de 150 mil euros, que ficaram a caucionar o referido empréstimo.
X) Por ocasião da concretização do mencionado empréstimo, o embargante e o CC reuniram com o embargado, tendo-lhe pedido que o prazo previsto para o início do pagamento dos empréstimos pessoais que este lhes fizera (dois anos) fosse prorrogado em 4 ou 5 anos.
Y) Uma vez que o embargado também tinha interesse próprio no pagamento do empréstimo bancário, acabou por anuir ao pedido que lhe foi feito pelo embargante e pelo filho.
Z) Posteriormente a essa data, sempre que o embargado interpelava verbalmente os devedores, nomeadamente o embargado, em vista do início do pagamento da quantia mutuada, recebia a resposta que a empresa estava em dificuldades ou que não estava a libertar lucros para distribuir aos sócios, de tal forma que ainda não tinha completado o pagamento do empréstimo ao banco referente à aquisição do pavilhão ou pedidos e súplicas para que aguentasse mais uns tempos.
AA) No que o embargado foi condescendo - por cortesia ou favor e também até por razões familiares.
AB) Em 2019 o embargante moveu contra a sociedade B..., Lda. a ação declarativa de anulação de deliberações sociais, com o n.º 285/19.8T8AVR que correu termos no Juízo do Comércio de Aveiro – Juiz 2.
AC) Tal ação terminou com celebração de transação entre as partes.
AD) No momento em que soube que o embargante cedeu a sua posição na sociedade B..., Lda, em finais de 2019, por uma avultada quantia e em que lhe terão sido restituídas, pelo menos nessa ocasião, todas as quantias entregues à sociedade a título de suprimentos, interpelou-o por carta registada, com aviso de receção, datada de 20.11.2019.
AE) Nessa carta, o exequente dizia o seguinte:“(…)
Em janeiro de 2007, fui contactado por si, informando-me que gostava de se estabelecer como industrial, juntamente com outra pessoa. Tinham ambos muita vontade, mas um problema que era a falta de capital e se eu poderia financiar este projeto.
Na sequência deste contacto, resgatei no dia 11 de janeiro de 2007 um depósito a prazo de 165.000 euros que tinha na Banco 3.... Neste mesmo dia transferi para a conta indicada por si, com o numero ...30 da Banco 3... a importância de 62.500,00 euros (sessenta e dois mil e quinhentos euros), e um montante de igual valor para o seu sócio.
Este empréstimo foi titulado por uma letra assinada por si e devidamente aceite, com o valor igual ao empréstimo, a qual está em meu poder.
Ora, acontece que, tendo já efetuado várias tentativas para receber este valor, não me foi entregue absolutamente nada a título de amortização ou de qualquer outra espécie.
É neste sentido que venho por este meio informar que vou aguardar mais oito dias para que a dívida seja paga. Se tal não se verificar, iniciarei de imediato todas as diligências necessárias, incluindo as judiciais, com vista a ser reembolsado do empréstimo que lhe efetuei.
(…)”
AF) O embargante respondeu por carta registada com aviso de receção, nos seguintes termos:
“(…)
Fiquei extremamente chocado com a S/ Carta em referência, desde logo, pela diferença de tratamento, pois sempre me tratou amistosa e paternalmente por "tu", invocando e colocando (até por escrito) acima de tudo a preservação da amizade e os valores do bom relacionamento familiar - para agora, ao invés e inexplicavelmente, me tratar por "você" e ao meu ex-consócio por "outra pessoa", quando se trata do seu estimado Filho e meu prezado Cunhado CC, uma vez que é casado com a minha irmã.
Além disso, postergando toda a amizade e concórdia familiar que sempre enfatizou, explicita agora pretensão e intenções que bem sabe não corresponderem à verdade e carecerem de qualquer fundamento.
Finalmente, logo em seguida à solução consensual de todos os dissídios que ocorreram no âmbito da "B...", vem colocar seriamente em risco os valores da estabilidade e paz familiares, o que também faz muito perigosamente, pois, fruto da sua experiência empresarial, sabe perfeitamente que deste modo pode provocar a necessidade de voltar a remexer-se no pó e ressuscitar questões que ficaram enterradas, mas que continuam a ser de fácil prova documental, testemunhal e pericial- o que, de todo, cumpre evitar, também para preservação da situação de outras pessoas inseridas num âmbito mais alargado de "familla".
Com todo o respeito: o Sr. AA sabe perfeitamente que não tem razão.
Fico muito crente e na muito forte expectativa de que a experiência pessoal e profissional do Sr. AA vai sobrepor-se e vencer alguma réstia de azedume ainda emergente da conflitualidade que antecedeu a solução consensual do dissídio anterior, para que todos (em que se incluem, além dos demais intervenientes e interessados, o seu estimado Filho e eu próprio) possam prosseguir o seu caminho no maior respeito pelos compromissos de confidencialidade formalmente assumidos e que só poderão ceder para defesa de valores e interesses mais altos - como será o caso de eu ser forçado a defender-me de ofensas graves, injustas e infundadas.(…).”
AG) O exequente respondeu ao embargante através de carta registada com aviso de receção datada de 03.12.2019, nos seguintes termos:
(…)
Acuso a recepção da sua carta de 28/11/2019. Sobre a mesma, apenas posso estranhar os argumentos que evoca, citando que o meu pedido não tinha qualquer fundamento e por isso não tinha razão em pedir o resgate do empréstimo que lhe efetuei.
Como bem sabe, fiz várias tentativas para que a dívida fosse paga. Nunca tive qualquer sucesso, porque sempre argumentava que não tinha ainda disponibilidade financeira.
Agora, que tive conhecimento da venda da sua quota, este argumento já não serve.
Por isso, irei hoje mesmo contactar um advogado, para que inicie de imediato todas as diligências necessárias para que a dívida seja paga.
(…).”
AH) O embargante, enviou carta ao exequente, registada e com aviso de receção, datada de 09.12.2019, dizendo o seguinte:
“(…) De posse da referenciada carta do Sr. AA, mantenho o teor da minha carta anterior.
A persistência do Sr. AA, que não pode ignorar a falta de fundamento para aquilo que escreve, designadamente, pela proximidade e íntimo relacionamento com o Seu Filho/meu Cunhado e ex-consócia, no par de próximo e íntimo relacionamento do Sr. AA com outros seus parentes e afins, radica em mim a convicção de que tudo isto estará inserido uma estratégia com pluralidade de interessados, porventura mal contentes com a solução consensual a que se chegou e que augurava possibilitava um promissor futuro profissional e empresarial para todos.
Oxalá me engane, mas afigura-se-me que não será bom levantar novamente a poeira que, julgava eu (pelo menos, na parte que me toca) estava definitivamente assente.
Mas sou muito novo e inexperiente, quando comparado com a Sr. AA, na mão de quem tudo fica, sendo o Sr. AA quem vai dizer como será o futuro.
Reafirmo estar muito crente e na muito forte expectativa de que a experiência pessoal e profissional do Sr. AA vai sobrepor-se e vencer alguma réstia de azedume ainda emergente da conflitualidade que antecede a solução consensual do dissidio anterior.
(…).”
II - Factos Não Provados:
1 – O embargante nunca deu autorização para o preenchimento da letra dada execução.
2 – O embargante nunca viu a letra preenchida a não ser quando foi citado para os termos da execução.
3 – O exequente chegou a admitir a possibilidade de entrar para a sociedade B....
4 – O exequente injetou dinheiro na sociedade B..., Lda. através do filho e do ora embargante.
5 – À época o embargante não sabia o que era uma letra ou uma livrança e qual o significado de assinar num ou noutro local.
6 – Posteriormente ficou esclarecido que o exequente não entraria para a sociedade, devendo esta restituir-lhe os montantes financiados.
7 – E foi o CC quem ficou encarregado desse pagamento.
8 – Que realizou da seguinte forma:
- passou a praticar descontos, que não concedia a nenhum outro cliente, não inferiores a 3% nos fornecimentos efetuados quer à C..., quer à D..., apesar de estas empresas, que nunca pagaram a pronto pagamento, efetuarem os pagamentos a 30 e a 60 dias;
- eram a C... e a D... quem, unilateralmente mencionavam o desconto e o deduziam no documento representativo do pagamento;
- a B..., Lda, mediante notas de crédito, passou a conceder à C... e à D..., por cada período de 3 meses de faturação, descontos, designados por rappel, também não inferiores a 3%, apesar de todas as faturas serem pagas a 30 e a 60 dias;
- no período em que o Sr. DD foi gerente da sociedade B..., Lda., no interesse dele e concertado e com a aquiescência de CC, foi prática corrente a sobrefaturação da sociedade B..., Lda. à C... e D..., com transferências destas para pagamento de faturas emitidas pela B..., LDA, mas que não correspondiam a qualquer fornecimento ou prestação de serviços, sendo aquelas quantias seguidamente devolvidas em dinheiro ao Sr. DD. As saídas da caixa social da B... eram mascaradas por pagamento de faturas falsas emitidas por terceiros a favor da B..., criando a falsa aparência de um aumento de faturação/venda de bens ou serviços da B... a favor da C... e da D..., com a correspondente falsa aparência de um aumento de faturação/venda de bens ou serviços da B... a favor daquelas sociedades por produtos ou serviços desta, tratando-se de saída de valores do circuito contabilístico e financeiro da C... e da D....
9 – O exequente afirmou perante amigos e familiares que o embargante nada lhe devia.
10 – A sociedade procedeu ao pagamento ao exequente da quantia titulada pela letra dada à execução da forma descrita no facto não provado 8 e através de uma conta no Banco 1... a que só o CC tinha acesso e era por si movimentada.
Não se responde à demais matéria, por ser conclusiva, de direito ou não ter relevância para a boa decisão da causa.

3.1.2 Por revelar uma motivação exaustiva dos concretos factos julgados provados e não provados vertidos na decisão de facto, reproduz-se aqui a motivação da decisão de facto contida na sentença recorrida:
Análise Crítica das Provas:
Factos Provados:
A resposta positiva aos factos A) e B) tem por base a letra dada à execução como título executivo, cujo original consta dos autos principais.
Para responder positivamente aos factos C) e D), o Tribunal atendeu à certidão permanecente relativa à sociedade B..., Lda, junta aos autos com o articulado de embargos de executado.
No que toca ao facto E), o Tribunal atendeu ao depoimento da testemunha EE, mulher do embargante e da testemunha CC, que confirmaram a relação familiar existente entre o embargante e o referido CC.
A resposta aos factos F) a Q) fundou-se nos depoimentos das testemunhas CC e FF, aliados aos documentos juntos com a contestação aos embargos de executado como documentos 1 a 5 – comprovativos das transferências bancárias para as contas bancárias tituladas pelo embargante e pelo filho do exequente, no valor de 62.500,00€ cada e ainda nas declarações de parte do exequente.
As testemunhas indicadas são, respetivamente, o filho e a mulher do exequente e não obstante a proximidade familiar entre si, os seus depoimentos mereceram a credibilidade do Tribunal pela forma espontânea e clara com que os prestaram.
Com efeito, resultou do depoimento da testemunha CC que foi ele quem, primeiramente, procurou o pai, solicitando-lhe dinheiro emprestado para que pudesse adquirir equipamento para a sociedade B..., dado que tentou obter financiamento bancário para o efeito, o que não conseguiu.
Referiu, ainda, que o pai começou por recusar emprestar o dinheiro, pois queria que se mantivesse a trabalhar na sociedade E..., e só depois da intervenção da mãe, é que acedeu ao pedido que lhe fez.
O mesmo referiu a testemunha FF, mulher do exequente, que referiu que falou com o marido, dizendo-lhe que seria preferível ser ele a emprestar do que o filho recorrer a terceiros e só depois da sua intervenção é que o marido concordou em ajudar o filho e o embargante.
Depois do exequente ter acedido em fazer o empréstimo, e uma vez que o filho iria manter o seu trabalho na sociedade E..., reuniram-se os três, a saber, o embargante, a testemunha e o exequente, para acordarem o valor do empréstimo, as condições de reembolso e as garantias do mesmo, tendo fixado o montante do mesmo no valor global de 125.000,00€, sendo dividido em partes iguais pelos dois sócios, no montante de 62.500,00€. O empréstimo não vencia juros e seria reembolsado assim que a sociedade começasse a distribuir lucros pelos sócios, e seria garantido por duas letras, aceites por cada um dos sócios, no valor de 62.500,00€ cada.
Acrescentou que depois de o pai proceder às transferências do valor de 62.500,00€ para a sua conta e outro tanto para a conta do embargante, entregaram-lhe, cada um, uma letra, assinadas por cada um dos sócios e totalmente preenchidas, com exceção da data de vencimento das mesmas, precisando que foi a EE, mulher do embargante, à data sua namorada, quem comprou as letras e as preencheu.
O mesmo resultou das declarações de parte do exequente, que referiu que foi o embargante e a mulher quem lhe entregou a letra assinada e preenchida no seu escritório na E....
O Tribunal considerou ainda a confissão parcial dos factos em causa, que resultou do depoimento de parte prestado pelo embargante na sessão de julgamento datada de 21.02.2022 e constante da ata a ela referente.
A resposta aos factos R) e S) teve por fundamento a cópia do contrato de suprimento junto com a contestação como documento 10.
Para responder aos factos T) a W), o Tribunal considerou, mais uma vez, o depoimento da testemunha CC aliado ao documento 11 junto com a contestação aos embargos de executado, que explicou a forma como o exequente se envolveu na compra, pela sociedade B..., Lda., do pavilhão onde labora.
Mais foi considerado o depoimento de parte do embargante quanto a esta matéria, que embora dizendo desconhecer as garantias prestadas pelo exequente quanto à compra do pavilhão da B..., admitiu que de facto o mesmo ajudou-os na concretização do empréstimo bancário para esse efeito.
A resposta aos factos X) a AA) teve por base o depoimento prestado pela testemunha CC, aliado às declarações de parte do embargante, coordenado com os depoimentos das testemunhas FF e GG, esta última filha do exequente.
Com efeito, a testemunha CC referiu que o exequente seu pai, por força do seu envolvimento, como garante, no contrato de compra e venda do pavilhão da sociedade B..., Lda, deu prioridade ao pagamento deste financiamento bancário, de forma a libertar as suas contas bancárias de tal garantia, o que contribuiu para o protelamento do pedido de pagamento da quantia exequenda, sendo certo que, quanto à testemunha CC, o exequente perdoou a dívida, entregando igual valor à sua outra filha, GG, médica dentista, que na altura precisava de ajuda financeira para criar a sua clínica médica dentária em ....
O mesmo foi dito pelas testemunhas FF, GG e pelo exequente, em sede de declarações de parte.
A prova dos factos AB) e AC) ficou a dever-se aos documentos 2 e 3 juntos aos autos com o articulado de embargos de executado.
A resposta aos factos AD) a AH) teve por fundamento as cartas juntas aos autos como documentos 19 a 22 da contestação aos embargos de executado, aliadas às declarações de parte do exequente, que disse que interpelou por escrito o embargante depois de saber da venda da sua quota na sociedade B..., Lda. e do pagamento de suprimentos que a sociedade lhe fez, suprimentos esses realizados com o valor que lhe emprestou e que se encontra titulado pela letra dada à execução.
*
Factos Não Provados:
A resposta negativa aos factos 1, 2 e 5 prende-se com a ausência de prova relativamente a estes factos.
Com efeito, o embargante admite que a assinatura aposta na letra dada à execução, no local destinado ao aceite, foi por si realizada, mas que não autorizou o seu preenchimento, nem nunca viu a letra preenchida, a não ser com a citação para a execução, nem sabia o que era uma letra e as consequências da assinatura da mesma.
O embargante manteve esta versão dos factos em sede de depoimento de parte que prestou, conforme resulta da ata da sessão de julgamento supra referenciada, mais tendo esclarecido, nesta sede, que nunca teve qualquer reunião com o exequente a respeito deste assunto, que foi sempre a testemunha CC que tratou diretamente com o exequente, por ser seu pai, e que posteriormente lhe transmitia o que seria necessário para que se concretizasse o empréstimo a realizar pelo exequente.
E referiu o mesmo em sede de produção de declarações de parte.
Sucede, que nenhuma das testemunhas por si arroladas demonstrou ter conhecimento direto sobre esta matéria, e a testemunha EE, sua mulher, referiu que não participou nas negociações.
Acresce que o referido pelo embargante, no sentido de nunca ter tido qualquer reunião com o exequente, é contrariado pelo documento que o mesmo juntou com o articulado de embargos de executado, como documento 7, referente ao e-mail enviado pelo exequente ao embargante em 29.07.2019, em que a segunda frase que aí consta é referida uma reunião que tiveram e ainda pelo depoimento da testemunha CC e pelas declarações de parte do exequente, nos termos já supra expostos.
Por tudo isto, ficou o Tribunal convicto de que o embargante reuniu com o exequente para acordarem nos termos do empréstimo a conceder pelo exequente e de que sabia o que significativa a emissão da letra dada à execução.
É certo que a mulher do embargante negou ter comprado e preenchido a letra exequenda que foi entregue ao exequente e agora dada à execução, mas mais uma vez o depoimento da mesma, deveras comprometido pelo interesse que tem na execução e das contradições que dele resultaram, não mereceu a credibilidade do Tribunal, dada a assertividade e clareza com que foi prestado o depoimento da testemunha CC.
E as declarações de parte prestadas pelo embargante, no sentido da matéria vertida nos factos não provados a que se responde, não alteraram a convicção do Tribunal quanto à falta de prova dos mesmos.
Com efeito, a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se quanto à valoração das declarações de parte no sentido de que as declarações de parte ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova dos factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova – Ac. da Relação do Porto de 20.11.2014, relatado por Pedro Martins.
No mesmo sentido podem ver-se os Acórdãos da mesma Relação de 23.03.2015 e 23.04.2018, relatado por José Eusébio Almeida e Ana Paula Amorim respetivamente, disponíveis em www.dgsi.pt, entre outros.
Assim, as declarações de parte do embargante, desacompanhadas de qualquer outra prova que sustente a versão dos factos por si apresentadas, não podem ser valoradas como meio de prova capaz de convencer o Tribunal da prova destes factos, razão pela qual se consideram não provados os factos supra indicados.
A resposta negativa aos factos 3, 4 e 6 prende-se com a ausência de prova quanto aos mesmos.
Nenhuma das testemunhas inquiridas referiu que o exequente alguma vez tivesse manifestado interesse em entrar para a sociedade B..., nem que o exequente injetou dinheiro na mesma, através do embargante e do seu filho, que atuavam como testas de ferro.
Com efeito, as negociações do empréstimo concedido pelo exequente ao embargante e ao seu filho CC realizaram-se entre os três, não tendo sido assistidas por qualquer outra testemunha, razão pela qual nenhuma demonstrou ter conhecimento direto sobre tais factos.
Acresce que nenhuma das testemunhas inquiridas demonstrou ter conhecimento de quaisquer esclarecimentos prestados ao embargante de que seria a sociedade B... a restituir ao exequente os montantes mutuados.
O depoimento da testemunha HH não se revelou nada esclarecedor quanto a essa matéria.
Esta testemunha foi consultora da B..., Lda. no período compreendido entre 2012 e 2018 e referiu que, em algumas reuniões em que participou, onde se discutiam as contas do exercício da sociedade, era referido o valor das dívidas aos credores, onde se incluíam bancos e o exequente, tendo o valor da dívida, relativamente ao Sr. AA, sido reduzido de 48.000,00€ em 104/2015 para 28.000,00€ em 2016.
No entanto, não soube precisar que dívida seria esta da sociedade B... perante o ora exequente, se se trataria da maneira como era tratado o empréstimo bancário para a aquisição do pavilhão, ou se seria alguma dívida da sociedade ao exequente, nem demonstrou conhecimento sobre o valor inicial da mesma, nem possuindo qualquer documento que documentasse a sua existência, nem o embargante juntou aos autos qualquer documento que comprovasse a sua existência.
E ouvida a testemunha II, contabilista da sociedade B..., Lda, referiu, de forma perentória e assertiva, que a sociedade não é devedora de qualquer quantia ao ora exequente, nada constando nesse sentido.
Também a resposta negativa aos factos 7, 8 e 10 resultam da ausência de prova quanto aos mesmos.
Com efeito, nenhuma testemunha, para além de EE, mulher do embargante e este, em sede de depoimento de parte, demonstrou conhecimento sobre tais factos, mais concretamente, que seria CC que faria pagamentos ao exequente, através da sociedade, e da forma descrita nos factos 8 e 10.
A extensa documentação junta aos autos pelo embargante em 26.04.2021 não comprova qualquer pagamento efetuado ao embargante, nem da troca de e-mails entre a testemunha CC e EE se extrai qualquer pagamento ao exequente.
Aliás, o que é alegado pelo embargante em sede de articulado de embargos de executado, ao remeter para o que foi alegado na ação de anulação de deliberações sociais n.º 285/19.8T8AVR que correu termos no Juízo do Comércio de Aveiro – Juiz 2, entra em contradição com a prova que pretendeu fazer em sede de audiência de julgamento, já que ali alegou que foram emitidas faturas falsas pela B..., Lda, a C... e a D... para benefício do então gerente da B..., Lda, DD, quando nos presentes autos, alega os mesmos factos para benefício do exequente, mais concretamente, para o pagamento da quantia exequenda.
Aliás, a própria testemunha EE, quando confrontada com os documentos 77 a 81, juntos em 26.04.2021, perdeu o controlo sobre o seu depoimento. Quando questionada como retirava dos mesmos a prova de qualquer pagamento realizado ao exequente, revelou-se hesitante, titubeante, perturbada e sem qualquer discurso escorreito.
Aliás, o rapel de 3% referenciado no facto não provado 8, como benefício às sociedades já indicadas, no dizer da testemunha EE referia-se a juros a pagar ao exequente, não conseguindo justificar qualquer pagamento que daí sairia para o exequente e contradizendo o que o próprio embargante, seu marido, alegou nos presentes embargos.
A testemunha DD, que foi gerente da sociedade B... a partir do ano de 2018 referiu que tanto o CC com o embargante utilizavam dinheiro da empresa para pagamento de despesas pessoais, mais concretamente, a testemunha CC pagou vários trabalhos necessários à construção da sua casa através da sociedade em causa, o que também foi admitido pela referida testemunha, mas negou, de forma perentória, que tivessem sido emitidas faturas pela B..., de serviços que não prestou, nem tenham sido emitidas faturas pelas sociedades C..., D..., G... e H... por serviços que não solicitaram à B..., LDA.
E as testemunhas JJ, que trabalha na sociedade G..., KK, legal representante da H..., negaram, de forma convincente, a alegada emissão de faturas falsas, dizendo que a o que era faturado era o comercializado, mostrando-se surpresos com tal imputação.
Acresce que da documentação junta aos autos pelo Banco 1... em 17.11.2021, não resulta qualquer pagamento ou transferência bancária realizada para o exequente, que indicie ou prove o pagamento da quantia exequenda pela sociedade B..., Lda ao exequente, razão pela qual são dados como não provados tais factos.
Quanto a esta matéria, as declarações de parte do embargante foram bastante genéricas. O mesmo referiu que o conhecimento que teve sobre os alegados pagamentos ao exequente foi através do Sr. CC, não tendo procedido a nenhuma análise contabilística ou financeira das faturas relativas às suprarreferidas sociedades.
Não concretizou as datas nem os montantes dos pagamentos alegadamente feitos da forma por si indicada em sede de embargos de executado, não demonstrando ter conhecimento direto, profundo e fundado sobre os factos a que se responde.
E conforme já referido, a testemunha CC negou que tivesse sido dado pagamento ao exequente pela forma alegada pelo embargante nos factos não provados a que se responde.
Assim, as declarações de parte do embargante desacompanhadas de qualquer outra prova que sustente a versão dos factos por si apresentadas, não podem ser valoradas como meio de prova capaz de convencer o Tribunal da prova destes factos, nos termos supra expostos.
***

3.2. Da Impugnação da decisão sobre a questão de facto.
3.2.1. Do cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão sobre a questão de facto:
O artº 640º regula especialmente os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de julgar provados ou não provados certos pontos da matéria de facto.
Podem estes assim esquematizar-se:
- especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria ;
- especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração;
- no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso;
- isto sem prejuízo da possibilidade de o recorrente proceder à transcrição (fiel) dos excertos que considere relevantes;
- especificação inequívoca (que pode ser feita apenas nas alegações, conforme AUF proferido no dia 17.10.2023 no Processo nº 8344/17.6T8STB.E1.A.S1 -Recurso para Uniformização de Jurisprudência) da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida.
Tais requisitos devem ser observados pontual e rigorosamente, por forma a evidenciar os pretensos erros, respectivos fundamentos e a possibilitar a apreciação destes e eventual correcção daqueles (sempre tendo presentes as contingências decorrentes dos princípios da oralidade e da imediação e da liberdade de apreciação da prova e de formação da convicção do julgador de 1ª instância.
Por tudo isso é que a violação daqueles apontados ónus, conduz, nos termos expressos da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da falha.
E conforme refere Abrantes Geraldes[1] : “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Irrelevando, pois, uma simples manifestação de discordância ou de inconformismo em relação à decisão proferida.
Assim, a alegação e as conclusões devem identificar e localizar com evidência, clareza e de forma sintética, o erro de julgamento em que o tribunal recorrido laborou, ou a invalidade que cometeu – justificativos da pretensão recursiva e da visada modificação da decisão – ao apreciar livremente as provas e ao decidir segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artº 607º, nº 5).
E, acolhendo o entendimento do Ac. desta Relação de 12-05-2014, relatado por Manuel Domingos Fernandes e do Ac da Relação de Guimarães de 18.12.21017, relatado por Jose Cardoso Amaral, também se nos afigura, no que concerne à impugnação da matéria de facto, que o recorrente deve apresentar um discurso argumentativo onde explicite as concretas razões dos vícios que aponta a esse segmento da sentença recorrida, elencando aí os concretos meios de prova que suportam a sua versão dos factos oposta àquela do tribunal recorrido e fazendo uma análise critica dos mesmos por forma a permitir que o Tribunal da Relação seja colocado perante uma questão a resolver, avaliar a razão do inconformismo manifestado e o mérito da alteração pretendida pelo recorrente e, por fim, decidir sobre esta
No que particularmente respeita à indicação exacta das passagens da gravação, aceitando-se que basta fazê-la no corpo das alegações, considera-se, porém, que não satisfaz minimamente tal exigência a indicação apenas do seu início, tal como a do início e do fim de todo o depoimento (por referência horária), nem a substitui a transcrição respectiva, maxime quando, como já tem sucedido, feita em simples notas de rodapé.
De resto, tal indicação deve ser conexionada com o ponto de facto impugnado visado e com o erro detectado, de forma a impulsionar e a facilitar não só o contraditório pela parte contrária como a reapreciação dos pretensos vícios e subsequente decisão pelo tribunal.

3.2.2. Descendo ao caso dos autos, relativamente à individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria, resulta que nas conclusões recursórias o recorrente procedeu à individualização dos concretos factos provados e não provados vertidos na decisão sobre a matéria de facto que pretende impugnar.
Considera-se, assim, que a recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC desde logo porque indicou nas suas alegações de recurso (corpo e conclusões) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados.
Considera-se, assim, que o recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC.
Assim, os pontos da decisão sobre a matéria de facto com os quais o Apelante não se conforma e pretende ver alterados são os seguintes:
.do elenco dos factos provados: factos das alíneas J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X),Y), Z), AA) e AD) [salvo o segmento final — “interpelou-o por carta registada, com aviso de recepção, datada de 20.11.2019”],
.do elenco dos factos não provados: factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.
Prosseguindo.
Como resulta da peça recursória, no que particularmente respeita à indicação exacta das passagens da gravação dos meios de prova gravados afigura-se-nos que o recorrente deu satisfação a esse ónus procedendo à transcrição de longos segmentos de gravação dos meios de prova gravados que convocou.
E indicou a decisão para cada facto impugnado que na sua perspectiva deve ser proferida por este Tribunal da Relação.
Todavia, o recorrente não cumpriu o disposto na al. b) do nº 1 do citado art. 640º, ( indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre cada um dos concretos pontos da matéria de facto impugnados), a qual, impõe que esta concretização dos meios de prova convocados para reapreciação pelo Tribunal da Relação seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
Efectivamente, nas alegações o apelante limita-se a fazer transcrição parcial de múltiplos meios de prova gravados e formular afirmações genéricas, designadamente:

“7. A favor do entendimento do Recorrente quanto a estas matérias, de forma decisiva justificando e impondo esse seu entendimento, além dos documentos existentes nos Autos, são decisivos os pontos seguidamente transcritos dos depoimentos e declarações prestadas em audiência, quer pelo Embargante e ora Recorrente, quer pelo Exequente e pelas testemunhas ouvidas, todos eles gravados no sistema/aplicação áudio “H@bilus Media Studio”, nos tempos registados na referida Acta e que seguidamente se especificam para cada depoente, declarante ou testemunha e para cada passagem concretamente transcrita: (…)
Prossegue e convoca no pontos 8 a 8.8 das alegações uma série de documentos que identifica para serem reapreciados, o que faz, omitindo qualquer referência aos concretos factos impugnados que visa impugnar com cada um dos concretos documentos.
De seguida escreveu nas alegações:
“9. Sendo estes (todos) os elementos probatórios que o Tribunal tinha à sua disposição e que obrigatoriamente tinha de apreciar criticamente, segundo as regras da experiência, a fim de ser proferida decisão de facto, a verdade é que, no modesto entender do Recorrente, e salvo sempre o devido e maior respeito, a douta Decisão de Facto ora impugnada foi fruto de erro.
Com efeito,
9.1. Conforme alegado nas peças escritas do processo e afirmado pelo Recorrente e pela Esposa nos seus depoimentos e declarações anteriormente transcritos, o Recorrente (e a mulher) nunca reuniram com o Exequente, tudo sendo tratado e acordado entre o Recorrente e o Sr. CC, Filho do Exequente;
9.2. Foi a este que foi entregue a letra ajuizada, completamente em branco, apenas assinada pelo Recorrente, nunca tendo sido preenchida pela mulher do Recorrente — sendo de observar, aliás, que sempre foi recusada e nunca se realizou a perícia requerida pelo Recorrente, para demonstrar que a letra não foi preenchida nem por ele, Recorrente, nem pela mulher, apesar de nem sequer estar onerado com a prova desse facto, e a parte a quem incumbia a prova da autoria da letra do preenchimento da letra (o Exequente), não apenas se opôs como nunca requereu, como lhe competia, a produção daquele meio de prova; acresce que ninguém viu a mulher do Recorrente preencher a letra, acrescendo que tando o Recorrente como a mulher sempre recusaram que esta tivesse preenchido pelo seu punho a letra em questão;
9.3. Foi afirmado claramente pelo Recorrente e pela mulher deste que o montante entrado na B... e provindo do Exequente não foi qualquer empréstimo aos sócios (o Recorrente e o referido CC), mas o início da participação deste para o arranque daquela sociedade da qual, inicialmente, mas não lhe convindo aparecer às claras, nessa altura admitia vir fazer parte;
9.4. Os termos exactos do acordo estabelecido entre o Exequente e o Recorrente e o Filho não tiveram, confessadamente, o presenciamento e conhecimento directo de mais ninguém, sendo que o Recorrente não admite que as coisas tenham acontecido tal como o Exequente narra na douta versão por ele trazida aos Autos,
9.5. Acrescendo que nem entre o Exequente e o seu Filho CC existe total coincidência.
9.6. A isto, juntam-se terceiras pessoas, como sejam a Esposa do Exequente, a Filha destes, e o cunhado de ambos, Sr. DD, todos eles pessoas inquestionavelmente interessadas no desfecho desta acção favoravelmente ao Exequente e em prejuízo do Recorrente e da sua mulher, por quem todos eles (sem esquecer o acompanhamento solidário do Sr. CC, filho, irmão ou sobrinho predilecto de todos eles) nutrem forte e indisfarçável inimizade, azedume e e propósito revanchista, sobretudo relativamente à mulher do Recorrente, que consideram a alma negra de tudo isto e a causadora de todos os males, como se extrai dos seus transcritos depoimentos.
9.7. Para a sustentação da sua narrativa, o Exequente vai ao ponto de alegar que o Recorrente e a sua mulher, à época, estavam numa situação financeira desastrosa, vivendo mal, e com situações passivas na banca em incumprimento e em mora — mas, questionadas as pessoas e ele próprio mais esmiuçadamente sobre isso, todos acabaram por dizer que não sabiam em concreto como era, nem tinham obrigação de saber, nem podiam saber, vertendo aquelas conclusões por lhes ser dito (sem esclarecerem - por quem...)
9.8. Questionados sobre os conhecimentos do Recorrente (rapaz novo e em começo de vida, à época) sobre letras (subentendendo-se, em primeira linha, sobre a complexa natureza, regime e efeitos da letra em branco), invariavelmente disseram não poder pronunciar-se sobre a matéria, mas que o Recorrente ou sabia ou devia saber o que era aquilo!...
9.9. Na parte da douta Sentença recorrida subordinada à epígrafe “Análise Crítica das Provas”, valorizam-se os depoimentos, declarações e testemunhos das pessoas ouvidas favoráveis à tese do Exequente, em desfavor das pessoas ouvidas e que falaram favoravelmente ao Recorrente, mas, salvo sempre o devido respeito, em erro notório, pois, se de uma parte, o Recorrente e a mulher nunca mostraram qualquer inimizade contra o Exequente e o seu núcleo de familiares e amigos que depuseram a favor do Exequente, de outra parte é chocante a menorização do Recorrente e da mulher, e, mesmo, a ostensiva contradição valorativa e comportamental das respectivas mundividências, pois,
9.10. De um lado, o Exequente, a Esposa, a Filha dentista, o Filho CC (é melhor chamá-lo assim, apenas CC, para não pecar) e o seriíssimo empresário e cunhado DD, menorizam ostensivamente e sem razão plausível o Recorrente e a Esposa, em contraponto se apresentado eles (elementos daquele núcleo duro familiar) como símbolos da honestidade pessoal e empresarial!
9.11. Mas o CC estragou tudo, e, no seu depoimento, não conseguiu disfarçar o fel e vinagre (a roçar o ódio) relativamente à mulher do Recorrente,
9.12. E dizendo despudoradamente que sim senhora, era a B... que pagava as obras e materiais da casa que ele, CC, estava a construir para si próprio, que sabia que isso era ilegal, mas que o podia fazer e fazia, e, ainda por cima (ouvida a gravação áudio, é melhor a percepção deste aspecto) dizendo e redizendo e afirmando e reafirmando estas coisas, fazendo-o em tom (de voz) de gozo, de arrogância e pesporrência difícil de ver nesta época de endeusamento da cidadania e do estado de direito.
9.13. Por sua vez, o Exequente e a Esposa alinharam pelo mesmo diapasão (embora com menos vivacidade),
9.14. E o empresário (da C...) Sr. DD, foi mais comedido (um empresário nunca sabe quando ou por onde é que a humidade entra), não criticando, por notória cumplicidade, aquele comportamento e locupletamento do sobrinho CC à custa da B..., mas refugiando-se no “eu não vi”, pois, ridiculamente, o empresário Sr. DD afirmou que quando entrou para a B... apenas se preocupou em olhar para a frente, não indagando o que estava para trás, como se fosse um carro sem retrovisor!
9.15. A questão é que aquela (confessada) matéria é matéria criminal tributária, como toda a gente sabe.
9.16. Na sua simplicidade e alguma ignorância à mistura, os empresários confundem isso com a prescrição da liquidação dos impostos — mas a responsabilidade criminal tributária é diferente e os prazos de instauração dos respectivos procedimentos são substancialmente superiores.
9.17. O mesmo se diga dos factos apontados nestes Autos a outras empresas nos mesmos identificadas.
9.18. Perante isto, o Tribunal (sendo certo que de todo lhe falecia a competência material) apenas cuidou de se pronunciar sobre a concreta questão de direito privado que lhe era colocada (como se num serviço de urgência hospitalar apenas se tratasse de extrair a bala, sem comunicar às autoridades que havia um ferido por disparo de arma de fogo, para efeitos criminais), omitindo em absoluto a (obrigatória) comunicação daqueles factos ao MP e à Autoridade Tributária.
9.19. Aliás, questão similar foi suscitada na acção anteriormente proposta pelo ora Recorrente e documentada, considerada provada nos Autos pela certidão junta como doc.º n.º 1 com a petição inicial — que (ajuizadamente) terminou por transacção ainda na fase de articulados.
9.20. Mas, dessa acção (leia-se o teor dos seus articulados) ficou a ferida e há quem não perdoe.
9.21. Daí a mudança de tom nas comunicações escritas do Exequente enviadas ao Recorrente (cfr. documentos n.ºs 14, 16 e 19, 20 e 21 supra discriminados).
9.22. E apareceu a presente execução e uma letra de que o Recorrente já nem se lembrava, que não preenchera (nem ele nem a mulher) que nunca vira preenchida e cujo pagamento nunca lhe fora solicitado,
9.23. Pois o crédito do Exequente foi integralmente pago através dos meios enunciados nos depoimentos supra transcritos do Recorrente, da mulher e do Sr. CC.
9.24. Aliás, no seu depoimento, o Sr. DD, cunhado do Exequente e sabedor de todas as coisas por força das reuniões de família, e, assim, segundo disse no seu depoimento, sabedor da (pretensa) dívida do Recorrente ao Exequente, apesar disso de nada avisou o Exequente, seu cunhado, ainda antes da celebração da escritura de cessão de quotas,
9.25. Aviso igualmente omitido pelo Sr. CC, filho do Exequente, sócio da B... e interveniente obrigatório na negociação e cessão da quota do Recorrente ao seu tio DD,
9.26. Acrescendo (cereja em cima do bolo) o que, se fosse verdade a tese do Exequente, constituiria uma inverosímil idiotice do Recorrente, que iria (no entender do Exequente) ceder a quota ao cunhado dele, Exequente, na presença e com conhecimento do filho do Exequente, solertamente crente (o Recorrente) de que (caso efectivamente devesse alguma coisa ao Exequente) passaria despercebido!
9.27. O débito ao Exequente foi pago pelos meios alegados pelo Recorrente e suficientemente demonstrados nos Autos.
9.28. A execução foi proposta, foi embargada e as questões nela vertidas profusamente discutidas entre as Partes.
9.29. Nunca ninguém – judicial ou extrajudicialmente – referiu, comunicou ou alegou que a dívida do Sr. CC lhe fora perdoada pelo Pai e ora Exequente no Natal de 2010!
9.30. E que a letra dele lhe fora entregue.
9.31. Colocada a questão “que é feito da letra”, uns dizem que ele a rasgou logo, outros, que não sabem o que lhe fez nem o que é feito dela (neste grupo se inclui o próprio CC!) — mas a verdade é que a letra não aparece, nem pode aparecer, porque nunca existiu,
9.32. Porquanto sempre houve uma única letra, que foi aquela que o Recorrente assinou em branco e que só após os sarilhos que levaram o Recorrente a ceder a sua quota ao Sr. DD foi preenchida, após aquela cessão de quota, paga pelo preço ajustado entre as parte, e da documentada mudança de tom das cartas do Exequente enviadas ao Recorrente, para dar a este a tareia que, no enviesado entender do Exequente e do núcleo duro do seus familiares intervenientes neste processo, o Recorrente e a mulher merecem!
9.33. Tudo isto resulta dos documentos existentes nos Autos e da gravação dos depoimentos e declarações prestados em audiência, nos excertos que supra se individualizaram e transcreveram.
9.34. Acresce que nada justifica que, na douta motivação da Decisão de Facto, se dê prevalência aos depoimentos de determinadas pessoas — sempre em prejuízo dos depoimentos quer do Recorrente, quer da mulher.
9.35. São partes interessadas — pois são!
9.36. Mas o Sr. CC, a Mãe, a Irmã e o Tio DD também são (este último de forma acrescida, pois defende o cunhado Exequente, a B..., em que tem interesses, e a C... e a D..., que lhe pertencem).
9.37. Ora, salvo sempre o devido respeito, nenhum elemento objectivo foi explicitado na douta Sentença recorrida que permita a quem a lê concluir (pela sua própria cabeça) como nela se concluíu que os depoimentos do núcleo duro do Exequente são mais credíveis que os depoimentos do Recorrente e da mulher.
9.38. É certo que esta última, em determinada altura (perto do fim) do seu depoimento (o mais longo de todos os que foram prestados) se emocionou e bloqueou, mas recuperando rapidamente após beber água, continuando a depor com grande objectividade, respeito, seriedade e credibilidade.
9.39. Contrariamente, os depoimentos da Esposa do Exequente e do Filho deste, Senhor CC, são um monumental monumento do desdém, agressividade, animosidade e intuito de prejudicar relativamente ao Recorrente e à sua mulher, como se extrai das transcrições feitas supra.
9.40. Aliás (custa dizer, mas é verdade) aqueles depoimentos (sobretudo o do Sr. CC) provocam vómitos, pela maneira desenvergonhada como neles se referem, descrevem e aceitam e se contemporiza com os elevados desvios do Sr. CC da B... em proveito próprio e em prejuízo das obrigações e princípios fiscais — e que até nestes Autos ficaram impunes, pois não foi ordenado que se oficiasse ao MP e à AT.
10. Por estas razões, como já dito, entende o Recorrente que, por erro na apreciação da respectiva matéria, deve ser revogada e alterada a douta Decisão de Facto, e provido o presente recurso nesse peculiar, em substituição da douta Decisão de Facto ora impugnada se considerando provados os factos supra enunciados.”
11. Caso assim venha a acontecer, deverá ser igualmente revogada a douta Decisão de Direito, julgando-se procedentes e provados os presentes embargos, com as legais consequências.”

Aqui chegados , resulta manifesto que das afirmações genéricas feitas pelo Apelante não resulta para nós quais os concretos vícios que relativamente a cada um dos concretos factos impugnados o apelante imputa à decisão de facto, omitindo o apelante relativamente a cada um dos factos impugnados uma análise critica da motivação da decisão de facto vertida na decisão recorrida, a qual, como vimos, prima pelo rigor e clareza, indicando e justificando o juízo de prova formulado relativamente a cada facto julgado provado e não provado, ou, relativamente a cada conjunto de factos vertidos na decisão de facto.
Acresce que o apelante transcreveu segmentos parciais de meios de prova gravados desacompanhados de qualquer critica que a propósito a decisão recorrida é suscetível de merecer, o que, significa remeter o tribunal da Relação a uma reapreciação de todos os meios de prova orais produzidas, o que, como sabemos não está em conformidade com os objectivos legais que a lei adjectiva visa obter.
De resto, a análise critica da prova não é satisfeita pela apresentação nas alegações da versão do apelante sobre os factos que terão ocorrido, como é o caso em apreço em que o apelante refere genericamente àquilo que terá sido dito por ele, pela sua mulher e por uma outra testemunha, que, na óptica do apelante devem ser valorizadas.
Sempre se dirá que nos itens 9. , 9.1 a 9.40, o apelante limitou-se a verter a sua versão dos factos, a qual, segundo ele, foi confirmada pelo recorrente e esposa e tecendo comentários relativamente ao exequente, filha deste e cunhado de ambos, sem contudo referenciar esses comentários a concretos segmentos das gravações e a concretos factos impugnados nem a segmentos da motivação da decisão fáctica recorrida por forma a revelar a este Tribunal da Relação os concretos erros de julgamento de que na sua tese a decisão de facto encerra.
Assim, o recorrente, pela forma como alegou e que acima já deixámos referida, não formula um juízo crítico circunstanciado e concreto sobre a prova produzida e sobre a valoração da mesma por parte do tribunal a quo que permita a este Tribunal da Relação concluir pela violação pelo tribunal recorrido das regras da lógica ou da experiência, sendo que esta análise crítica da prova produzida é uma exigência que tem vindo a ser reconhecida quer pela doutrina quer pela jurisprudência[2]
O apelante limitou-se invocar de forma genérica e global depoimentos testemunhais e documentos, sem efetuar qualquer análise crítica justificativa de uma decisão diversa da seguida pelo tribunal recorrido.
E a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a assinalar que não é suficiente para o cumprimento do disposto da al. b) do nº1 do art. 640.º, n.º 1 do CPC a transcrição feita pelo apelante de múltiplos meios de prova gravados e a genérica afirmação de que foi feita pela sentença recorrida um erróneo julgamento o da matéria de facto.[3]
E nessa medida tão pouco cumpriu o recorrente o ónus de justificar por que os meios probatórios que em abstrato e de forma genérica invocou impunham decisão diversa, como também o exige a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
A justificar também por esta via a rejeição da reapreciação da decisão de facto no que aos factos provados e não provados respeita.
Acresce que o apelante na parte em que convoca para reapreciação meios de prova documentais juntos aos autos e que identifica, incorre na mesma técnica, isto é, convoca genericamente esses documentos sem os referenciar a cada um dos concretos factos impugnados.
Mais. No ponto 8.9 das alegações o apelante remete este colectivo de juízes para a tarefa de descobrir e identificar os “demais (e numerosos) documentos juntos aos autos por ele e que terão, passamos a citar: “sido enumerados e objecto dos depoimentos prestados por ele, sua esposa e apelado:
A revelar que também nesta parte, no que concerne à prova documental a reapreciar o apelante não identifica todos os concretos documentos que convoca para reapreciação.
Concluindo.
O apelante limitou-se fazer uma impugnação em bloco, não conexionando cada facto individualizadamente (ou, pelo menos, grupos de factos que estejam em intimamente relacionados) com os concretos meios de prova que aduz, não dando satisfação aos ónus de especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dela, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração.
Pelo que, assim sendo, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto.

3.3 Do Mérito da Decisão.
3.3.1. Como emerge do regime plasmado nos arts. 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nº 1, da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.
No caso, retira-se das conclusões do recurso, que a pretensão do Recorrente encontrava-se essencialmente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto por si apresentada, a qual, não mereceu provimento.
Todavia, sempre cabe fazer as considerações que se seguem:
Os factos provados que no essencial relevam são os seguintes:

B) A letra tem como local de emissão Águeda, data de emissão 11.01.2007, data de vencimento 15.12.2019, o valor de 62.500,00€, figurando como sacador AA e como sacado e aceitante BB.
M) O exequente, em finais de 2006, decidiu emprestar o dinheiro que eles lhe solicitaram.
N) O embargado impôs as seguintes condições para emprestar o dinheiro, que ambos aceitaram:
- Deveriam informá-lo do valor exato e estritamente necessário para o início da laboração da empresa;
- Emprestaria a quantia necessária não à sociedade, mas a cada um deles pessoalmente, metade a cada um;
- Tal empréstimo seria feito gratuitamente, ou seja, não venceria juros, mas deveria começar a ser-lhe pago dois anos após a consumação dos dois empréstimos, à medida que a empresa começasse a distribuir entre eles lucros ou eles obtivessem por outras vias condições para tal;
- Cada um deles aceitaria uma letra sacada pelo embargado, no valor do empréstimo feito a cada um deles, destinada ou a ser substituída à medida que fossem liquidando a dívida inicial ou a ser livremente completado o seu preenchimento pelo embargado e eventualmente por si executada em caso de incumprimento por algum deles.
O) Algum tempo depois, o embargante e o filho do embargado comunicaram-lhe o valor exato que precisavam para o arranque da empresa (125 mil euros) e este concretizou, em 11/1/2007, a partir de uma conta de que era titular na Banco 3..., dois empréstimos, por transferências bancárias, cada um no valor de 62.500,00€, um para conta bancária e a favor do embargante e outro também para conta bancária e a favor do seu filho CC.
P) Em data não concretamente apurada, o embargante entregou-lhe a letra de câmbio dada à execução nos autos principais.
Q) Tal letra de câmbio foi entregue assinada pelo embargante, parcial e previamente preenchida, nomeadamente no que concerne aos itens da importância, nome e morada do sacado e, finalmente, nº de contribuinte do sacado pela mulher daquele, EE.
R) Os mutuários daqueles empréstimos transferiram, ato contínuo, paras a sociedade B..., Lda, as quantias que receberam do exequente, a título de suprimentos que, enquanto sócios dessa sociedade lhe fizeram, celebrando, com data de 11/1/2007, os respetivos contratos de suprimento.
S)Ficou a constar daquele contrato que o embargante emprestou à sociedade ficando esta obrigada a restituir, sem juros a quantia mutuada (cl. 1ª); que o embargante procedeu ao pagamento de um conjunto de montantes em dívida pela sociedade e da exclusiva responsabilidade desta (cl. 2ª); que o montante mutuado pelo embargante à sociedade ascendeu ao valor de 62.500,00€ e foi entregue à sociedade por transferência bancária diretamente efetuada por ele (cl. 2ª); e declarando ainda a sociedade que se financiou junto do embargante, tendo aceite as quantias que recebeu e lhe foram entregues por ele, confessando-se devedora dessa mesma quantia ao embargante o que, tudo, este último aceitou (cl. 3ª).
X) Por ocasião da concretização do mencionado empréstimo, o embargante e o CC reuniram com o embargado, tendo-lhe pedido que o prazo previsto para o início do pagamento dos empréstimos pessoais que este lhes fizera (dois anos) fosse prorrogado em 4 ou 5 anos.
Y) Uma vez que o embargado também tinha interesse próprio no pagamento do empréstimo bancário, acabou por anuir ao pedido que lhe foi feito pelo embargante e pelo filho.
Z) Posteriormente a essa data, sempre que o embargado interpelava verbalmente os devedores, nomeadamente o embargado, em vista do início do pagamento da quantia mutuada, recebia a resposta que a empresa estava em dificuldades ou que não estava a libertar lucros para distribuir aos sócios, de tal forma que ainda não tinha completado o pagamento do empréstimo ao banco referente à aquisição do pavilhão ou pedidos e súplicas para que aguentasse mais uns tempos.
AA) No que o embargado foi condescendo - por cortesia ou favor e também até por razões familiares.
AB) Em 2019 o embargante moveu contra a sociedade B..., Lda. a ação declarativa de anulação de deliberações sociais, com o n.º 285/19.8T8AVR que correu termos no Juízo do Comércio de Aveiro – Juiz 2.
AC) Tal ação terminou com celebração de transação entre as partes.
AD) No momento em que soube que o embargante cedeu a sua posição na sociedade B..., Lda, em finais de 2019, por uma avultada quantia e em que lhe terão sido restituídas, pelo menos nessa ocasião, todas as quantias entregues à sociedade a título de suprimentos, interpelou-o por carta registada, com aviso de receção, datada de 20.11.2019.
AE) Nessa carta, o exequente, entre o mais, escreveu: “É neste sentido que venho por este meio informar este meio informar que vou aguardar mais oito dias para que a dívida seja paga. Se tal não se verificar, iniciarei de imediato todas as diligências necessárias, incluindo as judiciais, com vista a ser reembolsado do empréstimo que lhe efetuei ”

3.3.2.
E dos factos provados resulta que o documento que serve de suporte à ação executiva principal reveste natureza cambiária e é legalmente qualificado como letra de câmbio (cfr. artigo 1º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças – doravante, abreviadamente, LULL.).
A letra de câmbio integra-se na categoria dos títulos de crédito e como tal constitui indiscutivelmente título executivo nos termos do art. 703º, al. c) do CPC.
Trata-se de um título de crédito à ordem, sujeito a determinadas formalidades, enunciadas no art. 1º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças (doravante LULL), pelo qual uma pessoa (sacadora) ordena a outra (sacado) que pague a si ou a terceiro (tomador) uma determinada importância em dinheiro.
Pinto Furtado, in “Títulos de Crédito”, Almedina, págs. 107, define a letra como “o escrito datado e assinado, que leva a denominação de “letra”, através do qual uma pessoa ordena incondicionalmente a outra que pague, em dado momento, a si ou à sua ordem, determinada quantia”, acrescentando a fls. 109, que “a letra não é, porém, um simples escrito vulgar: é um título de crédito, na mais estrita e genuína aceção da palavra, podendo mesmo ser apontado como o seu arquétipo, porque constitui o mais evoluído e completo dos títulos de crédito, extremamente adequado à circulação, que fazendo-se por endosso, pois é, naturalmente, um título à ordem, vai inscrevendo no seu texto os nomes de sucessivos transmissários a transmitentes”.
Trata-se de um título de crédito dotado das características da incorporação, literalidade, abstração e autonomia. O crédito cambiário está compenetrado com o documento, sendo a titularidade deste que decide a titularidade daquele, decorrendo do princípio da abstração que a relação cartular se distingue da relação jurídica fundamental, de tal modo que a assunção da obrigação cartular não determina a novação da obrigação subjacente, que não se presume, devendo ser demonstrada, funcionando, portanto, como datio pro solvendo [4]
O título abstrai da obrigação subjacente, tal não significa, porém, que a obrigação cambiária exista sem causa: a obrigação abstrata significa apenas uma obrigação cuja causa não está determinada ou não é necessário determinar; apesar de abstratos os títulos de crédito têm uma causa, mas, ao contrário do que acontece nos títulos causais a causa não exerce uma influência decisiva, direta e imediata na vida do título[5]
A letra de crédito nasce com o “saque”, o qual traduz uma declaração unilateral e abstrata, feita pelo emitente do título (o sacador), declaração essa que corporiza ao mesmo tempo uma ordem de pagamento dirigida ao sacado, para que este pague uma determinada quantia ao tomador ou à ordem deste e, implicitamente, uma promessa de pagamento do próprio sacador perante o tomador e os sucessivos portadores da letra, de que o sacado aceitará e pagará aquela letra e, ainda, que caso tal não aconteça, que ele próprio, sacador, honrará esse pagamento (art. 9º da LULL).
Por sua vez, o aceite é o negócio jurídico cambiário, de natureza unilateral e abstrato, pelo qual o sacador aceita a ordem de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e se obriga a pagar a letra no seu vencimento ao tomador ou à ordem deste.
A revelar que o sacado não fica obrigado a pagar a quantia titulada pela letra com o saque, só porque o sacador lhe deu essa ordem e prometeu ao tomador que este iria aceitar essa ordem.
O sacado só fica vinculado cambiariamente e, consequentemente, obrigado a pagar a quantia titulada pela letra na data do respetivo vencimento perante o tomador ou os sucessivos portadores da letra a quem esta venha a ser endossada, pelo aceite, como resulta do disposto no art. 28º da LULL “o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento (n.º 1) e que caso não a venha a pagar na data do respetivo vencimento, o portador, mesmo no caso de ser ele o sacador, tem contra o aceitante um direito de ação resultante da letra em relação a tudo o que poder ser exigido nos termos dos arts. 48º e 49º (n.º 2).
E porque releva para o caso, impõe-se assinalar, que embora o direito cartular pressuponha uma relação jurídica prévia – a relação subjacente ou fundamental, que justifica a emissão do título -, os títulos de créditos, caracterizam-se por uma disciplina jurídica própria, destinada a promover a respetiva circulação e a tutelar os terceiros, portadores desses títulos, de boa-fé que, em consequência dessa circulação, venham a entrar na posse do título cambiário.[6]
Os títulos de crédito caracterizam-se pelo princípio da incorporação da obrigação no título, o que significa que o título (o documento) tem uma função constitutiva do direito cartular que incorpora, sendo o documento (o título) necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado – o título representa o direito, sendo a titularidade do documento que decide a titularidade do direito nele mencionado; o documento é o principal, sendo o direito seu acessório.
E o direito incorporado no título é um direito literal, uma vez que o conteúdo e a extensão do direito cambiário é definido pelo texto do título.
Pelo princípio da literalidade, põe-se, assim, em relevo que a existência, validade e persistência da obrigação cambiária não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título e que o conteúdo, extensão e modalidade da obrigação cartular são os que a declaração objetivamente define a revela [7]
E o direito cambiário é um direito autónomo e abstrato, o que significa que o possuidor do título adquire o direito que o título incorpora, independentemente da relação jurídica fundamental ou subjacente, em relação à qual é autónomo e independentemente, não lhe sendo, por isso, oponíveis os vícios que porventura existam e que emirjam da relação subjacente ou fundamental.
A causa ou relação fundamental ou subjacente é separada do negócio cambiário (abstração) e este é vinculante para os obrigados cambiários independentemente dos possíveis vícios da sua causa e, por isso, se tornem inoponíveis ao portador mediato e de boa-fé as exceções cambiais: falta, nulidade ou ilicitude da relação fundamental, exceptio inadimplenti contractus, etc., porque decorrem de uma convenção extra-cartular, exterior ao negócio cambiário [8]
No entanto, como é sabido, os princípios da incorporação, da literalidade, da autonomia e da abstração que vimos enunciando apenas são válidos nas denominadas relações mediatas, mas já não nas relações imediatas.
E as relações imediatas, são aquelas em que o credor e o devedor do título são igualmente os sujeitos da relação subjacente[9], o título cambiário não chegou a entrar em circulação, no âmbito das quais, não existem razões para se proteger a circulação do título, a revelar que no domínio das relações imediatas, o título cambiário perde as suas características de literalidade, autonomia e abstração, podendo qualquer das partes apelar às relações extra-cartulares que estiverem na origem do título cambiário e invocar contra o portador do título que contra ele pretenda exercer o direito cambiário, eventuais exceções resultantes da relação causal que tenha por sujeito aqueles sujeitos cartulares que concomitantemente o são da relação subjacente ou fundamental .[10]
Pelo contrário, nas relações mediatas, isto é, naquelas em o título está na posse de pessoas estranhas às convenções extra-cartulares, porque existem interesses de terceiro em jogo, que importa tutelar, prevalecem os enunciados princípios da autonomia, da abstração e da literalidade da relação cambiária, não podendo os obrigados cambiários invocar exceções fundadas nas extra-cartulares emergentes de relações causais estranhas ao portador do título, exceto se estes terceiros tiverem agido conscientemente em detrimento do devedor, conforme resulta do disposto no art. 17º da LULL que estatui que “as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.

3.3.3. Reportando estas considerações ao caso e apreço, resulta estarmos no domínio das relações imediatas .
E no que releva para o presente recurso resulta que o embargante excecionou que nunca declarou nem pretendeu declarar dever a quantia inscrita na letra dada à execução e excecionou o abuso de preenchimento da livrança exequenda.

1.Relativamente à alegada:Falta de consciência na declaração por parte do ora embargante ao apor a sua assinatura na letra exequenda, cumpre-nos apenas reafirmar o seguinte:
Das conclusões recursórias X a XIV,
Como emerge das conclusões recursórias X a XIV, o apelante continua a repetir de forma conclusiva o que já tinha alegado em sede de petição de embargos : que está-se perante uma letra em branco que não foi emitida em meios onde habitualmente se praticasse o uso daquele instrumento e no qual os agentes e utilizadores tivessem conhecimento dos respectivos riscos e do significado e consequências dos actos praticados, que subscritor da letra e ora Recorrente não tinha conhecimento nem experiência da utilização daquele meio de pagamento, naturalmente ignorando de forma não censurável que a mera assinatura da letra em branco e a sua entrega ao credor implicava a obrigação de pagamento emergente da autorização de o credor, com a simples entrega da letra por preencher, proceder ao seu preenchimento e exigir ao subscritor pagamentos a que este, no caso destes Autos, nunca imaginou estar a obrigar-se, que o Recorrente, ao praticar aquele acto, não teve consciência de estar a assumir uma obrigação.
Ora, como resulta da fundamentação fáctico e jurídica da sentença recorrida o tribunal a quo com apelo aos factos julgados provados e convocando normas legais e argumentação jurídica consistente justificou a improcedência dos presentes embargos de executado nesta parte.
E o recorrente perante essa fundamentação não esgrimiu no recurso argumentos jurídicos contra essa fundamentação. A revelar que nesta parte, apenas nos cumpre aderir ao entendimento vertido na sentença recorrida, o qual, não foi colocado em crise por forma válida pelo recorrente e que aqui se reproduz.
“Por isso, é o opoente quem tem o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2. do C.C., dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através da oposição adianta contra o exequente e que este dirige contra o executado e pretende fazer valer através do título que traz à execução.
O embargante começa por alegar que nunca declarou nem pretendeu declarar dever a quantia inscrita na letra dada à execução.
No que toca à falta de consciência na declaração, prescreve o artigo 246/1 do Código Civil que “A declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial (…).”
Heinrich Ewald Horster na “Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral de Direito Civil”, 1992, pág. 551, refere que “A falta de consciência na declaração não é voluntária”, e continua na pág. 552 dizendo o seguinte: “À falta de consciência de fazer uma declaração correspondem duas alternativas: na primeira há falta de vontade de ação; na segunda há vontade de ação, mas falta consciência de fazer uma declaração negocial.
Uma ação em sentido jurídico apenas existe quando for comandada pela vontade. Partindo desta premissa, não há vontade nenhuma e, consequentemente, também não há ação nenhuma quando se trata de movimentos inconscientes ou de reflexos. Aqui a falta a vontade de ação por completo. Não há o propósito de emitir declaração alguma. É esta a primeira das alternativas referidas.
No entanto, pode existir o propósito de emitir uma declaração, pode haver uma vontade de ação, embora não haja uma vontade de emitir aquela declaração como declaração negocial, mas apenas como, p. ex. declaração de ciência. A este propósito escreveu Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Almedina 1974, 4ª reimpressão: “Uma pessoa a quem outra propõe um negócio, pode acenar ou dizer que sim distraidamente, estando a pensar noutra coisa e sem sequer se apercebendo do ato que pratica ou da palavra que profere… O declarante pode ter realizado consciente e voluntariamente o comportamento declarativo, mas sem lhe ter atribuído um tal significado, isto é, sem com isso ter querido emitir uma declaração de vontade negocial ou até sem se ter apercebido da possibilidade daquele significado. Aqui falta a vontade do declarante em se querer vincular juridicamente. É esta situação a segunda das alternativas referidas.”
No caso dos autos, percorrendo a factualidade dada como provada, dela resulta que o embargante não logrou fazer prova de que ao assinar a letra dada à execução não sabia que se obrigava perante o exequente.
Em face do exposto, improcedem os embargos de executado quanto a esta questão.
Concluindo:
Quanto às Conclusões XI a XIV as afirmações aí vertidas não relevam como argumentos na medida em que aqui o apelante limita-se a repetir que estamos perante uma letra em branco, que nunca declarou nem pretendeu declarar dever a quantia inscrita na letra, que nunca deu autorização para o preenchimento da mesma, que desconhecia o que era uma letra e o seu significado, que foi usado, sem esgrimir fundamentos jurídicos consistentes suscetíveis de permitir a argumentação técnico-jurídica da sentença recorrida.
Percorrendo a factualidade dada como provada, dela resulta que o embargante não logrou fazer prova de que ao assinar a letra dada à execução não sabia que se obrigava perante o exequente.
Em face do exposto, improcedem os embargos de executado quanto a esta questão.

2. Relativamente ao alegado abuso de preenchimento da livrança exequenda, diremos o seguinte.
Das Conclusões X a XIV:
Alega o embargante que o preenchimento da letra dada à execução é abusivo porquanto não autorizou nem consentiu no seu preenchimento e porque se encontra paga a quantia exequenda ao exequente, por pagamentos efetuados pela B..., Lda.
Todavia, considerando que não foi alterada a decisão de facto vertida na sentença recorrida, que não são esgrimidos pelo apelante argumentos distintos daqueles que verteu na petição inicial de embargos afigura-se-nos ser adequado o entendimento jurídico vertido na sentença recorrida nesta parte, no qual, foi convocado o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 18.12.2013, relatado por Barateiro Martins e disponível em www.dgsi.pt, e foi citada Carolina Cunha, in “Letras e Livranças Paradigmas Atuais e Recompreensão de um Regime”, Almedina, pág.580, ob. cit., pág. 545 e in “Letras e Livranças Paradigmas Atuais e Recompreensão de um Regime”, Almedina, pág.580.
Dispõe o artigo 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) que se o título que está incompleto no momento da sua emissão tiver sido completado “contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Resulta desse preceito legal que a obrigação cambiária se constitui mesmo antes do total preenchimento da letra ou, no limite, aquando do preenchimento.
A letra em branco é admissível.
O contrato - ou pacto - de preenchimento é o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc. Acordo, que pode ser expresso ou tácito, que se reporta à obrigação cartular em si mesma, e que pode ou não coincidir com a obrigação que garante e que daquela é causal ou subjacente.
E conforme vem sendo defendido[11], nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respetivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efetivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do ato de pagamento voluntário.
E, como deriva do art. 378º do Cód. Civil, a assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que na livrança vier a ser escrito – vontade confessória – beneficiando tal presunção o apresentante do título.
Também FERRER CORREIA salienta[12] que quem emite uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos, isto é, o subscritor atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento.
Nunca sendo supérfluo assinalar que a este propósito a doutrina vem advogando que a autorização para a letra em branco ser completada pode ser expressa ou mesmo ser conferida tacitamente, sendo de presumir que exista.
E o próprio acordo de preenchimento pode ser ou não expresso[13]. Será expresso, quando as partes estipulam certos termos concretos; tácito, no caso de estar implícito nas cláusulas do negócio determinante da emissão do título.
Provado que o oponente/recorrido aceitou a letra , ao invocar a exceptio, competia-lhe alegar e provar que a letra foi assinada em branco e que o seu preenchimento foi abusivo.
E como concluiu o tribunal recorrido, reportando essas considerações aos factos provados, resulta manifesto que o embargante não logrou provar a falta de autorização ou de consentimento para o preenchimento, por parte do exequente, do campo destinado ao vencimento da letra, único campo que havia ficado por preencher aquando da entrega da letra àquele.
Assim, o embargante não logrou provar que a letra ao ser preenchida pela exequente violou os termos do pacto de preenchimento a ela subjacente.
De resto, nem é aceitável que não existisse um pacto de preenchimento, ainda que meramente verbal, subjacente à letra dada à execução.
Como resulta do requerimento inicial executivo o montante da letra dado à execução destinava-se ao pagamento de um empréstimo particular efectuado pelo exequente ao executado, tendo em vista a entrada deste no capital social de uma sociedade comercial e foi alegado que essa letra não foi paga na data do respectivo vencimento, apesar de por diversas vezes instado a proceder ao respectivo pagamento, reparando as suas faltas, nunca o executado se dispôs a fazê-lo, nomeadamente após ter alienado a sua participação social e créditos na sobredita sociedade comercial, em finais de 2019.
E na petição de embargos o embargante, para tanto, invocou.
“1.o exequente nunca interpelou o embargante.
2. a letra exequenda e falsa, não sendo título executivo válido, sendo a execução infundada e resultando de um comportamento abusivo do exequente, já que o embargante não deu autorização para o seu preenchimento, excecionando ainda a nulidade do contrato de mútuo subjacente à letra dada à execução.”
Quid iuris?
Apelando à materialidade de facto apurada resulta que o embargante aceitou a letra dada à execução para pagar um empréstimo que o embargado lhe fez, revelando aqui os factos provados vertidos nas alíneas M) a S).
E resulta assim dos factos apurados que o montante dessa letra destinava-se ao pagamento de um empréstimo particular, efectuado pelo exequente ao executado, tendo em vista a entrada deste no capital social de uma sociedade comercial e que a letra poderia ser preenchida -completada pelo embargado em caso de incumprimento pelo executado.
Mais resulta dos factos provados que o exequente-embargado logrou provar o incumprimento pelo executado da obrigação de restituir o montante recebido a título de mútuo, isto é, que o executado não pagou o valor que lhe foi entregue pelo exequente a título de mútuo, tendo recebido do exequente uma missiva que o interpelava para pagar o empréstimo que foi titulado por uma letra assinada aquele aceite, com o valor igual ao empréstimo, informando o embargado que iria aguardar mais oito dias para que a dívida seja paga e que se tal não se verificasse iniciaria de imediato todas as diligências necessárias, incluindo as judiciais, com vista a ser reembolsado do empréstimo que lhe efetuei.
E porque releva, importa assinalar que o recorrente não impugna o segmento da sentença recorrida no qual o tribunal recorrido em face da nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo subjacente à letra exequenda, concluiu que o exequente dispõe de título executivo para a restituição do capital mutuado, atento a obrigação de restituição do capital mutuado decorrente do artigo 289/1 do Código Civil, mais referindo que sendo o contrato de mútuo nulo por falta de forma este não produz qualquer efeito, pelo que a exequente apenas tem direito à restituição do capital mutuado, que foi de 62.500,00€, e não ao pagamento de quaisquer juros de mora, sendo estes apenas devidos a partir da citação para a ação executiva – vide exemplificativamente os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.09.2003, relatado por Ferreira de Almeida e o Acórdão da Relação do Porto de 24.02.2015, relatado por Fernando Samões disponíveis em www.dgsi.pt.
Pelo que, na medida em que é pacífico o entendimento que, nessas circunstâncias, o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, ( mostrando este que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o ajustado entre o respetivo portador e o seu subscritor, ou seja, a eficácia dessa exceção perentória depende de se trazerem ao processo factos que demonstrem o abuso do preenchimento), porque o embargante não logrou provar a alegada falta de interpelação, nem o invocado pagamento da mútuo subjacente à letra dada à execução, não existe fundamento para julgar verificada a invocada exceção de preenchimento abusivo da letra dada à execução.
Improcede, assim, nesta parte o recurso.

Conclusões XV a XVII.
Nestas conclusões, o apelante ensaiou a seguinte argumentação:
“ porque o embargado juntou com a contestação correspondência trocada entre as partes, designadamente os documentos nºs 20 e 22, os quais, corporizam cópias de cartas remetidas pelo executado-embargado ao exequente-embargado, como resposta à interpelação que este lhe fez para lhe pagar o valor que veio a ser cobrado na execução principal”, - cartas a que se referem as alíneas AF e AH dos factos provados-porque estas cartas incorporam uma negação pelo executado da dívida que lhe estava a ser cobrada e porque as cartas contém afirmações que favorecem o embargante a junção desses documentos com a contestação , desacompanhada da arguição de falsidade faz prova plena das declarações aí prestadas.”
Conclui assim o apelante que essas cartas fazem prova plena que pelo menos “desde à data daquelas cartas -28.11.2019 e 3.12.2019- a dívida invocada pelo exequente estava extinta e convoca os artigos 376º, nºs 1 e 3 e 393º, nº2 , ambos do C.Civil.”
Quid Iuris?
Sem necessidade de grandes considerações jurídicas adiantamos desde já que a tese apresentada nestas conclusões carece de qualquer fundamento legal, afigurando-se que as normas convocadas não sustentam de forma alguma a pretensão do recorrente.
Os documentos nºs 20 e 22 , cujo teor está reproduzido nas alíneas AF e AH dos factos provados corporizam uma negação pelo executado da dívida cujo pagamento lhe estava a ser cobrada pelo exequente-embargado através da missiva a que aludem as als Ad) e AE) dos factos provados, a revelar que pode legitimamente questionar-se a técnica adoptada pelo Tribunal a quo, de incluir na descrição da matéria de facto apurada factos que, mais do que instrumentais, se limitam a descrever meios de prova, sem prejuízo , naturalmente, de não ter sido questionado pelo embargante que remeteu ao embargado as cartas a que se referem as als AF) e AH) dos factos provados.
E como resulta do teor dessas missivas nelas o embargado não afirmou factos contrários ao seu interesse.
Limitou-se a rejeitar qualquer responsabilidade pelo pagamento da quantia que lhe estava a ser cobrada.
Assim, não alcançamos a argumentação do recorrente, afigurando-se que a argumentação veiculada nesta parte não tem qualquer suporte legal.
Em suma, pode legitimamente questionar-se a técnica adoptada pelo Tribunal a quo, de incluir na descrição da matéria de facto apurada factos que, mais do que instrumentais, se limitam a descrever meios de prova. O que não se pode questionar é a veracidade dos factos assim descritos, ou seja, o envio/recebimento da correspondência electrónica ali descrita.
De resto, sempre diremos que tais documentos-cartas se enquadram na categoria residual de documentos particulares, prevista na parte final do artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil (CC), por não terem sido exarados por qualquer autoridade pública, notário ou outro oficial público.
Nos termos do artigo 374.º, n.º 1, do CC, «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras» (por via do incidente previsto no artigo no artigo 444.º do CPC).
Dispõe o artigo 376.º, do Código Civil, que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.(n.º1), estatuindo o seu n.º2 que “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.”.
Assim, decorre, do artigo 376.º, n.º 1, do CC, que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos da norma antes citada (bem como da norma do artigo 375.º do CC) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
O n.º 2, do mesmo artigo 376.º, acrescenta que «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão».
Todavia, conforme tem sido assinalado pela doutrina e jurisprudência maioritária[14], de acordo com este regime legal, o valor probatório dos documentos particulares cuja letra e/ou assinatura sejam reconhecidas pela contraparte, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 1, do CC, releva em duas vertentes ou dimensões distintas, ainda que complementares, e com alcances diferenciados.
O seu valor probatório formal, regulado no artigo 376.º, n.º 1, do CC, diz respeito ao conteúdo extrínseco do documento, isto é, à proveniência ou autoria do mesmo e, por conseguinte, à materialidade das declarações nele vertidas.
O seu valor probatório material, regulado no n.º 2, do mesmo artigo 376.º, embora seja consequente ao referido valor probatório formal, diz respeito ao conteúdo intrínseco do documento, isto é, ao valor ou veracidade das referidas declarações. Como é fácil de ver, é este valor probatório material que se relaciona directamente com o thema probandum.
Ainda de acordo com o regime legal em análise, a força probatória plena (no sentido de que cede apenas mediante a prova do contrário, nos termos previstos no artigo 347.º do CC, por contraposição à prova bastante, que cede mediante contraprova, nos termos previstos no artigo 346.º do mesmo código, e à prova pleníssima, que não cede sequer perante a prova do contrário) dos documentos particulares, consagrada no artigo 376.º, n.º 1, do CC, opera apenas quanto o seu conteúdo extrínseco, só podendo ser contrariada pela arguição e prova da falsidade do documento, por via do incidente previsto no artigo 446.º do CPC.[15]
Relativamente ao alcance deste preceito, particularmente do seu n.º2, como refere o acórdão do STJ de 12-02-2019 (882/14.9TJVNF-H.G1.S), mostra-se nele estabelecido o mesmo princípio que está na base do instituto da confissão.
O artº. 352º do C.C. diz-nos que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Os artºs. 353º e 354º do C.C. regulam, respetivamente a capacidade e legitimação para confessar –destacando-se o nº. 1 quando diz que a confissão só é eficaz quando feita com pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira-, e a os casos em que a confissão é inadmissível.
Dispõe o artº. 355º do C.C. quanto às modalidades da confissão: judicial ou extrajudicial, sendo a primeira a que é feita em juízo, e a outra a que é feita de um modo diferente desse. Por sua vez a judicial pode ser espontânea quando feita nos articulados ou qualquer outro ato do processo, ou provocada quando é feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal –artº. 356º do mesmo.
A lei não exige forma escrita para a confissão, mas exige-a para que adquira força probatória plena – cfr. artº. 358º, nºs. 1 e 2, do C.C.. Dispõe o mesmo artigo no seu nº. 4 que a confissão judicial que não seja escrita (…) é apreciada livremente pelo Tribunal. E diz ainda o artº. 361º que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o Tribunal apreciará livremente.
É verdade que a confissão repousa na regra da experiência segundo a qual ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro e a força vinculativa da confissão só regula para as relações entre o confitente e a pessoa a quem é dirigida a confissão (a parte contrária de que fala o art. 352.º do CCivil), posto que esta última saia efetivamente favorecida. Em relação a terceiros não há, por definição, qualquer confissão que se lhes possa opor obrigatoriamente, pois que eles não são a parte contrária do confitente. Quanto aos terceiros apenas se concebe a confissão extrajudicial que lhes seja feita, mas neste caso é a confissão apreciada livremente pelo tribunal, como, de resto, é regra que se pode extrair do n.º 3 do art. 358.º do CCivil.

Feitas estas considerações, reportando-nos ao caso em apreço, resulta manifesto que os factos julgados provados nas als AF) e AH) da decisão de facto na medida em que não corporizam qualquer confissão de factos desfavoráveis ao executado-embargante, traduzindo-se apenas em factos instrumentais relativos ao envio e receção das ditas missivas não faz prova plena da veracidade do conteúdo declarações aí prestadas pelo executado-embargante.
De resto, os autos prosseguiram para julgamento para apreciar e decidir sobre a realidade dos factos com base nos quais o embargante entende não dever ser responsabilizado pelo pagamento da quantia titulada pela letra dada à execução.
Pelo que, improcedem estas conclusões .
E tendo por referência as considerações expostas, concluímos pela improcedência do recurso de apelação interposto.
Sumário.
A assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que no documento vier a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória.
O valor probatório da letra que foi subscrita em branco terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, demonstrando que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o que ajustou com o respetivo portador.


IV. DELIBERAÇÃO:
Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).



Porto, 25.01.2024
Francisca da Mota Vieira
Isabel Peixoto Pereira
Paulo Dias da Silva
_______________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 124 e seguintes.
[2] Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 595 afirma “tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas) … também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos…” e Acs. do STJ de 22.10.2015 nº de processo 212/06.3TBSBG.C2.S1; Ac. do STJ de 2.12.2013 nº de processo 34/11.0TBPNI.L1.S1; Ac. do STJ de 15.09.2011, nº de processo 455/07.2TBCCH.E1.S1 todos in www.dgsi.pt. (igualmente citados no Ac. desta Relação proferido em 08/02/2021 no processo 9977/20.9T8PRT.P1).
[3] Entre outros, citam-se os seguintes acórdãos do STJ, referidos também no Ac. deste TRPorto de 08.03.2021, proc nº 16/19.3T8PRD.P1, reproduzindo as conclusões que relevam:
Ac. do STJ de 19.02.2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza); in dgsi.pt.”
“(…) II- A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado.
IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013).
V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento.”.
Ac. do STJ de 20-12-2017 (relator: Ribeiro Cardoso), cuja conclusão se reproduz:
“I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
Ac. do STJ 1.3.2018 (relator: Júlio Gomes):
“Não pode ser suficiente para o cumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC a transcrição de múltiplos depoimentos de testemunhas e a genérica afirmação de que foi feita pela sentença recorrida “uma errónea aplicação da matéria de facto e de direito”, já que de afirmações tão genéricas não resulta com qualquer grau de segurança quais os concretos pontos da matéria de facto que são impugnados, nem muito menos quais os meios de prova que em relação a cada um deles deveriam levar a decisão diversa”.
Ac. do STJ 11.4.2018 (relator: Chambel Mourisco):
“I. A exigência, imposta pelo artigo 640.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou”.
Ac. do STJ de 05.09.2018 (relator: Gonçalves Rocha):
“I. A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.»
Ac .do STJ de 20.2.2019 (relator: Chambel Mourisco) refere-se que:
“I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.´
Ac. do STJ de 3.11.2020 (relatora Maria João Tomé):
“I - De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com fundamento em incumprimento do ónus do art. 640.º do CPC, pode, se tal rejeição for injustificada, configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada ao Tribunal da Relação, descaracteriza a dupla conforme entre as decisões das instâncias enquanto obstáculo à admissibilidade da revista.
II - Para efeitos do disposto nos arts. 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art. 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art. 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art. 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação. Enquanto a inobservância das primeiras (art. 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art. 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.
III - Na apreciação da (in)observância dos ónus previstos no art. 640.º do CPC, há que levar em devida linha de conta que a impugnação da matéria de facto não se destina a reiterar um julgamento na sua totalidade, mas antes a corrigir determinados aspetos que o recorrente entenda não terem merecido um tratamento adequado por parte do tribunal a quo.
IV - O que cabe impugnar é a decisão da matéria de facto e não meros quesitos formulados aquando da elaboração da base instrutória (na altura existente), dado que estes não se consubstanciam em qualquer decisão, de um lado e, de outro, uma impugnação genérica, por rubricas/temas, equivale a que nenhum concreto/especificado ponto de facto acabe por ser impugnado nas conclusões do recurso de apelação.
V - Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que o recorrente tenha de propor ou indicar o sentido correto da resposta, que na sua perspetiva, se impõe seja dada a tais pontos de facto impugnados - especificando quais dos factos impugnados considera não provados na totalidade ou provados parcialmente, restritiva ou explicativamente, explicitando-o claramente.
VI - Perante uma convicção do julgador de facto baseada em múltiplos elementos probatórios documentais, os recorrentes não podem fundar a sua impugnação numa afirmação genérica, não concretizada e desrespeitadora do ónus de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
VII - No caso sub judice, afigura-se totalmente irrelevante considerar que os recorrentes observaram o ónus secundário previsto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC, quando o incumprimento dos ónus primários estabelecidos no n.º 1 do mesmo preceito conduz inexoravelmente à rejeição do pedido de impugnação da decisão de facto”.
[4] Neste sentido, Abel Delgado, Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças Anotada.
[5] Pinto Coelho/Guilherme Moreira, Letras, Volume II, p.46.
[6] Neste sentido, Ac. TRGuimarães, proferido A 18.12.2017 , processo nº 67/14.4TBVVD-B.G1
[7] Pinto Furtado, in “Títulos de Crédito”, Almedina, págs. 162.
[8] Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio”, vol. III, págs. 40, 47, 48 e 65.
[9] Pinto Furtado, ob cit., pág. 191.
[10] Ac. STJ. de 13/04/2011, Proc. 2093/04.2TBSTB-A.L1.S1; RL de 12/01/2012, Proc. 8318/05.0TBCSC-A.L1.6, sendo que já no Assento do STJ. de 27/11/1964, DR, Iª Série, de 19/12/1964, já se fixara jurisprudência no sentido de que “no domínio das relações imediatas, pode-se discutir se as obrigações cambiárias, como a resultante do aval, teria ou não natureza comercial”.
[11] Cfr., por todos, PINTO COELHO, As letras, vol. II, pág. 30 e seguintes, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, vol. III, pág. 83, VAZ SERRA, BMJ nº 61º, pág. 264 e OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, vol. III, pág. 116 citados no Ac Rel Porto de 11.04.2018, in proc nº 10888/14.2T8PRT-A.P1 .
[12] Ob. citada, pág. 128.
[13] Cfr., inter alia, PAULO SENDIM, Letra de Câmbio, vol. I, pág. 190 e seguintes.
[14] Entre outros, Ac desta Relação do Porto de 28.03.2023, in proc nº 28-03-2023.
[15] Neste sentido, escreve-se o seguinte no sumário do ac. do STJ, de 23.11.2005 (proc. n.º 05B3318, rel. Araújo de Barros, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada): «1. A força ou eficácia probatória plena atribuída pelo n.º 1 do artigo 376.º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. 2. Ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova».