IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO DA MORTE DA VÍTIMA
Sumário

I - A impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a mera convicção subjetiva da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).
II - Não pode o recorrente despejar num enunciado a referência a diversos meios de prova produzidos, em toda a sua amplitude, e adjudicar ao tribunal a tarefa de encontrar o segmento no qual, porventura, o impugnante pretende suportar a sua impugnação. Este procedimento não satisfaz os ónus previstos nos n.os 1, al. b), e 2, al. a), do art. 640.º do Cód. Proc. Civil, pelo que se rejeita, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
III - Só através da casuística enfrentada pela nossa jurisprudência se logrará um razoável grau de uniformização de critérios na avaliação deste dano. O padrão jurisprudencialmente adotado deverá ser seguido, com um progressivo, mas equilibrado, aumento dos valores fixados, de modo a refletir a progressiva inflação/desvalorização monetária.
IV - Nos últimos anos, o dano da morte ou da perda da vida tem sido avaliado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em média, em cerca de € 82.500,00. Verifica-se existir uma relativa estabilidade nos valores fixados, sendo o dano avaliado em montantes mais elevados quando a idade da vítima é mais baixa.
V - Na avaliação do dano da morte ou da perda da vida é especialmente relevante a idade da vítima. É apropriado fixar a compensação pela morte de uma pessoa de 19 anos em € 100.000,00.

Texto Integral

Processo 579/22.6T8VFR.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3
Recorrente(s) AA
BB
Recorrido(a/s) A..., S.A.
Recorrente(s) A..., S.A.
Recorrido(a/s) AA
BB

Sumário
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Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

AA e BB instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra A..., S.A., pedindo a sua condenação no pagamento das quantias de “€ 244.508,99, a que deverão acrescer juros moratórios desde a citação”, e “ao autor AA, (…) de € 9.490,00, e ainda (…) € 10,00 por dia, (…) desde a data de 16 de fevereiro de 2021 e até à data do pagamento da quantia necessária para a reparação do veículo (…), a que deverão acrescer juros moratórios à taxa legal contados desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
Para tanto, alegaram que ocorreu um acidente rodoviário envolvendo o motociclo de matrícula AB-..-IR, pertencente ao autor e conduzido por seu filho, CC, por culpa da condutora daquele primeiro veículo, cuja responsabilidade civil, à data do sinistro, se encontrava transferida, por contrato de seguro, para a ré. Deste acidente resultou a morte de CC, para além de outros danos patrimoniais e não patrimoniais.

Citada, a ré apresentou contestação, impugnando a dinâmica do acidente e o valor dos danos.

Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, concluindo nos seguintes termos (na parte ainda em litígio):
(…) condena-se a ré a pagar:
a) A ambos os autores, em conjunto, a quantia de € 9.600,00 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de danos não patrimoniais próprios da vítima mortal (…);
b) A ambos os autores, em conjunto, a quantia de € 64.000,00 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de dano pela perda do direito à vida (…);
c) Ao autor AA, a quantia de € 24.000,00 (…), acrescida de juros de mora, (…) título de danos não patrimoniais sofridos (…);
d) À autora BB, a quantia de € 24.000,00 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de danos não patrimoniais sofridos (…);
e) Aos autores, a quantia de € 1.802,43 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de despesas de funeral (…);
f) Aos autores, a quantia de € 1.399,92 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de indemnização pelos objetos destruídos;
g) Ao autor AA, a quantia de € 7.565,42 (…), acrescida de juros de mora, (…) a título de indemnização pela reparação do veículo;
h) Ao autor AA, a quantia diária de € 8,00 (…), a título de privação do uso do veículo”, até ao “pagamento da quantia fixada em g), (…) acrescida de juros de mora (…);

Inconformados, os autores apelaram desta decisão, concluindo, no essencial:
1.ª – Vem o presente recurso impugnar:
– O apuramento da responsabilidade pela ocorrência do sinistro;
– A determinação do quantum e natureza do montante indemnizatório atribuído aos aqui recorrentes.
2.ª – O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto relativamente ao facto provado e constante do 21 da matéria de facto provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento, pelo que urge ser alterada a decisão da matéria de facto, nos moldes infra expostos.
3.ª - PONTO DA MATÉRIA DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADO:
21. Na altura, o “IR” circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms./hora;
4.ª - O Tribunal recorrido considerou que a velocidade do IR seria sempre superior a 50 Kms, embora em concreto não fosse possível apurá-la, pelas seguintes ordens de razões:
- Relatório do NICAV;
- Danos sofridos nos veículos e projeção dos veículos;
- Do relatório de autópsia;
- Do depoimento da testemunha DD, perito averiguador, referiu que as fotos juntas pela Ré confirmou que o embate ocorreu com bastante violência, daí com velocidade;
5.ª - Diga-se que desde já e sobre esta questão, nenhuma prova testemunhal ou pericial foi produzida nos autos para que, de forma clara, se pudesse avaliar, com alguma clareza e certeza, a velocidade com que seguia o motociclo tripulado pela infeliz vítima. (…)
20.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto:
21. Na altura, o “IR” circulava a velocidade não concretamente apurada; (…)
Sem conceder e para o caso de assim se não entender,
24.ª – Mesmo considerando que o condutor do motociclo circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms./hora, a ocorrência do sinistro deve ser totalmente imputada à condutora do veículo seguro. Vejamos:
25.ª - De acordo com a matéria de facto apurada, não vemos como censurar o comportamento do condutor do motociclo, uma vez que a manobra causal do acidente foi a manobra empreendida pela condutora do veículo seguro nas condições já descritas. (…)
28.ª - De facto, não se encontra comprovado nos presentes autos que a inobservância do limite de velocidade também interferiu em termos causais no acidente e suas consequências.
29.ª - Não vemos como admitir que esse facto possa estar ligado ao nexo de causalidade adequada.
30.ª - Ou seja, esse facto assim apurado não permite designadamente estabelecer o nexo de causalidade adequada entre a atuação da vítima (velocidade não apurada mas superior a 50 km./h.) e o acidente.
31.ª - Na verdade a conduta causal do acidente foi a invasão, pela condutora do veículo seguro, da meia faixa de rodagem contrária onde já circulava a infeliz vítima. (…)
35.ª – Pensamos ser ponderado, justo e adequado fixar a indemnização pela perda do direito à vida do CC em 125.000,00 € (tal como vem peticionado), em vez dos 80.000,00 fixados pelo tribunal recorrido, sendo devidos juros a partir da citação. (…)
Sem conceder,
Quanto ao montante indemnizatório fixado:
C. Da Perda do Direito à vida; (…)
35.ª - Pensamos ser ponderado, justo e adequado fixar a indemnização pela perda do direito à vida do CC em 125.000,00 € (tal como vem peticionado), em vez dos 80.000,00 fixados pelo Tribunal recorrido, sendo devidos juros a partir da citação.
43.ª – (…) julga-se adequado fixar, tendo por referência a presente data, o montante de € 50.000,00 a favor de cada um dos progenitores, ao invés dos 30.000,00 euros fixados na sentença recorrida.

Igualmente inconformada, também a ré apelou da sentença, concluindo, no essencial:
I. Por se tratar de conclusões o constante sob os nºs 19 e 20 dos factos provados deverá ser dado como não escrito.
II. Por não ter ficado provado que a condutora do ligeiro não olhou para trás, como se imporia para extrair aquelas ditas conclusões 19 e 20, sempre estas (…) deverão sempre, ao menos, ser dadas como não provadas.
III. Deverá ser alterada a decisão sobre os nºs 15, 16, 19 e 20 dos factos provados, dando-os agora como não provados, e a decisão sobre os factos das alíneas c), d), e), f) g), h), i) dos factos não provados, dando-os agora como provados, com base nos seguintes meios de prova: i- do depoimento da testemunha EE, prestado em 02.02.2023, 9h30,tendo o seu depoimento, que todo terá que ser ouvido, ficado registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Habilus Média Studio", com início às 11:05 horas e fim às 11:53, que expressamente negou aqueles pontos 15, 16, 19 e 20, declarando o contrário deles, e afirmou antes expressamente o constante daquelas alíneas c), d), e), f) g), h), i); ii- do relatório do NICAV e do relatório e despacho de arquivamento do processo crime juntos em 18.04.2022; iii- do auto de notícia e do auto de participação de acidente de viação.
IV. Com base na factualidade assim apurada deverá a responsabilidade exclusiva na produção do acidente ser imputada ao malogrado condutor do motociclo (…).
V. Se, porém, assim se não entender (…) sempre se dirá que, mesmo assim, e com base na factualidade já dada como provada, o tribunal recorrido deveria antes (…) ter concluído, como este deverá agora concluir, pela imputação de culpas iguais a ambos os condutores. (…)
VII. No entanto, os factos centrais para explicar o sinistro, em que ambas aquelas manobras se apresentam como quase simultâneas, são os de saber (i) qual foi iniciada antes da outra (ii) mas em termos de poder ser percepcionada atempadamente pelo outro condutor, por só assim se poder concluir que este podia e devia ter agido de outro modo. Sendo que esta percepção, para a condutora do ligeiro, só pode ser dada pelo tempo ou distância percorridos pelo motociclo, em ultrapassagem, na hemifaixas esquerda antes do embate.
VIII. Sobre o tempo que o motociclo circulou na dita hemi-faixa de rodagem ou a distância que aquele percorreu nessa hemi-faixa antes de o ligeiro virar à esquerda, NADA FICOU, porém, PROVADO!!
IX. Sem se saber tais factos não é possível concluir pelo grau de culpa de qualquer dos condutores intervenientes, o que, nos termos do artº 506º/2 do CC, deverá então levar a que a mesma seja imputada, de forma igual, a ambos, absolvendo-se a ré em conformidade.

II. Objeto do recurso

As questões de facto a decidir são: - alteração do ponto 21.º da matéria de facto provada; - exclusão dos pontos 19.º e 20.º da decisão de facto por constituírem conclusões, ou, pelo menos, serem dados como não provados; - alteração da decisão sobre os pontos 15.º, 16.º, 19.º e 20.º dos factos provados, dando-os como não provados, e da decisão sobre os factos das alíneas c), d), e), f) g), h), i) dos factos não provados, dando-os como provados.
As questões de direito a tratar respeitam ao nexo de nexo de adequação causal da conduta dos intervenientes no acidente para a ocorrência deste e na avaliação dos danos.

III. Fundamentação

A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto provada, que se passa a transcrever (inserindo-se, para melhor apreensão, a identificação do tema da factualidade em causa).

Factos provados

1. Dinâmica do acidente

1. No dia 21 de Agosto de 2021, pelas 20h45m, na Avenida ..., ..., Oliveira de Azeméis, ocorreu um sinistro no qual foram intervenientes:
– O veículo ligeiro de passageiros, da marca Audi, modelo ..., com a matrícula “..-..-MP” conduzido por EE; e
– O motociclo da marca Yamaha, do ano de 2019, com a matrícula “AB-..-IR”, propriedade do autor AA e conduzido por CC;
2. No local onde ocorreu o sinistro, a estrada apresenta-se em recta em patamar, é asfaltada, com o piso em bom estado conservação, medindo 5,50 m de largura, com duas vias de trânsito, cada uma destinada a sentidos de marcha opostos, e, na zona da colisão, divididos por linha longitudinal descontínua de cor branca;
3. A faixa de rodagem no local é marginada por casas de habitação e situa-se dentro do aglomerado urbano da freguesia ...;
4. O piso estava seco e limpo e estava bom tempo;

2. Legitimidade substantiva

5. O proprietário do veículo com a matrícula ..-..-MP transferiu para a aqui ré A..., através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º ..., a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo, o qual se encontrava válido e eficaz na data em que ocorreu o acidente;
6. O CC nasceu em ../../2001, sendo filho dos autores AA e esposa BB;
7. O CC faleceu devido às lesões sofridas em consequência do sinistro;
8. O CC faleceu em 21 de agosto de 2021, no estado de solteiro, sem ter feito qualquer testamento ou qualquer outra disposição de última vontade;
9. Os autores AA e esposa BB são os únicos e universais herdeiros do CC;
10. (…);
11. (…);
12. (…);

3. Dinâmica do acidente (continuação)

13. O “MP” e o “IR” circulavam no sentido de marcha ...-...;
14. O “MP” circulava a velocidade inferior a 40 Kms./hora, pela faixa direita da via, atento o seu sentido de marcha;
15. Como o “MP” circulava a velocidade inferior, o condutor do “IR” decidiu proceder à sua ultrapassagem, ligou o sinal luminoso da esquerda e iniciou tal manobra, passando a circular pela metade esquerda da via, atento o seu sentido de trânsito;
16. A condutora do “MP” virou, então, à esquerda, com intenção de aceder à sua residência – número de porta ... -, invadindo a metade esquerda da via, cortando a linha de marcha do “IR”;
17. Acabando por ocorrer o embate na faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha dos veículos, entre a parte frontal e lateral direita do “IR” e a parte lateral esquerda, entre a porta da frente e a roda desse lado, do “MP”;
18. Quando a condutora do “MP” virou à esquerda accionou o sinal luminoso de mudança de direcção à esquerda, vulgo pisca esquerdo;
19. Quando a condutora do “MP” virou à esquerda não atentou na aproximação e na manobra de ultrapassagem realizada pelo condutor do “IR”;
20. Se tivesse olhado pelo retrovisor antes de virar à esquerda, teria visto o “IR” em manobra de ultrapassagem;
21. Na altura, o “IR” circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms./hora;
22. Com o embate, o condutor do “IR” foi projectado pelo ar a uma distância de cerca de 10,80 metros, vindo a cair na berma em terra do lado esquerdo;
23. Após o embate, o Audi ficou imobilizado parcialmente na berma e rampa e o motociclo ficou tombado na mesma berma e rampa, ao lado daquele;
24. O local do sinistro situa-se dentro da localidade e vila ...;

4. Danos não patrimoniais sofridos

25. Em consequência do sinistro, o CC sofreu lesões graves e irreversíveis tendo sido assistido medicamente no local pelos Bombeiros Voluntários ..., que chegou às 20h54m, pois já se encontrava em paragem respiratória aquando da chegada da assistência;
26. Foi utilizado ritmo desfibrilhável, realizado 13 minutos SBD + DAE, com ritmos seguintes não desfibrilháveis, SIV realizou 3 ciclos de SAV em assitolia e VMER 2 ciclos com administração 2 ampolas adrenalina;
27. Em consequência do sinistro, o CC sofreu lesões múltiplas nos seus membros inferiores e superiores, bem como lesões torácicas, cervicais e cranianas graves que foram a causa adequada da sua morte e que se encontram descritas no relatório de autópsia e que aqui se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
28. Aquando das lesões, o CC sofreu dores e dor e angústia pela antevisão da morte;
29. Face à gravidade das lesões, o CC veio a falecer;
30. O CC não faleceu imediatamente após o acidente, tendo o óbito vindo a verificar-se pelas 21h 19m;
31. Após as lesões e até o óbito, o CC manteve-se inconsciente;

5. Outros factos

32. O CC fez toda a formação do Ensino Secundário na Escola ..., em ...;
33. Desde muito jovem, o CC sabia o que queria para a sua vida profissional: Investigação criminal ao nível da criminalidade violenta;
34. E, nessa perspetiva, foi ele que escolheu o curso – Criminologia – o País – Inglaterra – e a Universidade – ..., porque entendia ser a mais prestigiada e com mais reconhecimento no mercado de trabalho, tendo sido ele que, de modo próprio, concorreu a essa Universidade.
35. Era um rapaz muito ligado às novas tecnologias e apaixonado pela investigação criminal, especialmente na área de crimes violentos;
36. Pretendia seguir uma carreia profissional, primeiro na Inglaterra e depois, nos Estados Unidos;
37. Para a concretização desse objectivo, e porque entendia que lhe dava valências na sua futura actividade profissional, o CC, ainda menor, praticou Kick Boxing;
38. Tendo sido campeão nacional, na sua classe, nos anos de 2017 e 2018;
39. O CC, após concluir o Ensino Secundário com a média de 15 valores, ingressou na Universidade ..., na Inglaterra;
40. Tendo frequentado, com aproveitamento e distinção, o 1.º e 2.º ano do Curso de Criminologia;
41. O CC frequentou a Universidade desde 16 de Setembro de 2019 e ficou a viver permanentemente em ...;
42. À altura do falecimento, ele tinha concluído, com aproveitamento, o 2.ª ano e encontrava-se de férias em casa dos seus pais;
43. A intenção do CC era terminar o curso, após estágio obrigatório, e pretendia concorrer à B..., sem prejuízo da intenção de aperfeiçoar a sua formação nos Estados Unidos;
44. O CC era um jovem forte, robusto e saudável, estudante dedicado e jovial;
45. O CC era um jovem muito ligado à família, especialmente aos pais e irmã, e constituíam uma família unida, harmoniosa e feliz.
46. O CC era um filho e irmão dotado de bons sentimentos, dócil e carinhoso para a sua família;
[46-A.] Quando em ..., o CC ligava todos para os autores que, por seu turno, igualmente dedicavam ao falecido profundo afecto e amor;
47. Prestavam-se, mutuamente, consolo e apoio moral nas horas mais difíceis da vida;
48. Os autores tinham muito orgulho no seu filho e perspectivavam uma vida longa e brilhante para este;
49. O CC tinha uma vida alegre e vivia a vida de forma intensa e tinha uma expectativa longa de vida, quer do ponto de vista pessoal quer profissional;
50. Projectava constituir família, casar, ter filhos;
51. Os autores, sempre que falam do filho, choram;
52. Com a morte do CC ficou um vazio para os autores, que ninguém pode preencher e que lhes causa e causará sempre sofrimento.
53. O falecido, quando em Portugal – o que acontecia sempre nas interrupções lectivas – ajudava os aqui autores na actividade comercial de fabrico de pão e na padaria, sendo que, à data do sinistro, os autores. tinham dois estabelecimentos comerciais, possuindo agora um;
54. Trabalhava juntamente com o pai, durante a noite, no fabrico de pão e produtos de pastelaria, e durante o dia no atendimento ao balcão.
55. O CC demonstrava grande dinamismo e alegria de viver, cultivava a amizade com os colegas, gozava também de boa reputação no meio social e na comunidade onde estava inserido e estava cheio de projetos de vida e de sonhos pela frente;

6. Danos não patrimoniais sofridos (continuação)

56. Os autores. sofreram profunda dor e angústia com a morte do CC, com sequelas para toda a vida;
57. Com a perda do filho, caíram mesmo numa depressão nervosa;
58. Com a convicção de que, sem aquele ente querido, a vida perdia todo o sentido, faltando-lhe o incentivo, a alegria e a confiança no futuro;
59. Os autores ficaram muito abalados e em grande sofrimento com a morte do CC, de forma tão trágica e inesperada;
60. Os autores não dormem e sofrem pesadelos constantes desde a morte do filho, não tendo vontade de trabalhar, perdendo todo o incentivo que tinham;
61. O falecimento do CC causou aos autores uma profunda dor, grande saudade e desgosto;
62. Vivendo aqueles agora em permanente estado de luto e submersos numa tristeza inconsolável, facto que os irá acompanhar durante todos os dias da sua vida;
63. O falecido tinha uma grande ligação afectiva com os seus pais;
64. Era um filho afável, meigo, respeitador e nutria grande afecto e carinho pelos pais;
65. Os autores deslocam-se ao cemitério todas as semanas para rezar e para colocar flores no túmulo deste;
66. O CC era o principal conselheiro e confidente dos autores e de sua irmã, tinha uma vida de muita ligação aos pais e irmã e desempenhava uma função de ligação entre todos os membros da família;
67. O falecido tinha para com os pais um comportamento correcto, evitando angustiá-los ou provocar-lhes desgostos e tinham uma relação de grande companheirismo, não conseguindo aqueles falar do filho, depois da morte deste, sem se comoverem profundamente;
68. Os autores andam abatidos, tristes e depressivos;
69. Esta depressão ainda não se encontra ultrapassada;
70. Passaram de pessoas comunicativas, extrovertidas com alegria de viver, para pessoas mais tristes e sem alegria de viver;
71. O presente sinistro mereceu cobertura mediática;
72. Os autores evidenciaram e evidenciam um quadro depressivo, com uma profunda tristeza pautada por momentos de revolta, labilidade emocional, necessidade de isolamento, ansiedade e questionamento constante sobre as razões do sucedido;

7. Danos patrimoniais sofridos

73. Os autores gastaram em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não inferior a € 300,00;
74. Com ornamentações e velas a quantia de € 200,00;
75. Suportaram a quantia de € 2.473,00 a título de despesas de funeral;
76. Tendo sido já reembolsados € 219,96 euros pela Segurança Social;
77. Ainda em consequência do presente sinistro, o CC viu completamente danificadas as peças de vestuário, de calçado e de uso pessoal que usava, nomeadamente, um blusão, um par de sapatos, uma camisa, roupa interior, no valor de cerca de € 170,00, € 59,90, € 30,00 e € 40,00, respetivamente, no total de € 299,90;
78. Do sinistro resultou ainda totalmente danificado um telemóvel de marca IPhone 11, no valor de cerca de € 1.150,00, e despareceu um relógio que o CC possuía, no valor de cerca de € 300,00;
79. O motociclo da marca Yamaha, modelo ..., do ano de 2020, com 689 cm3 de cilindrada, com a matrícula AB-..-IR, pertence ao autor AA;
80. Para a reparação do veículo é necessário despender a quantia de € 9.456,77;
81. O autor pretende a reparação do motociclo, até por todas as memórias que o mesmo encerra para si;
82. A reparação do veículo “IR” é tecnicamente viável;
83. Pouco tempo antes do acidente, o autor tinha adquirido um escape e piscas especiais,
84. O autor não tinha intenção de o colocar à venda;
85. O motociclo ainda hoje se encontra por reparar e em consequência do sinistro ficou impedido de circular;
86. O motociclo era utilizado, por vezes, pelo autor para actividades de lazer e recreio;
87. Por carta datada de 20/09/2021, junta como doc. 13 com a p.i. e aqui dada por reproduzida, a ré comunicou ao autor que:
“No seguimento da vistoria efetuada constatámos que a viatura de V. Exª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente.
Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação 9.456,77€ na oficina (…), a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (800,00 €), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (7.000,00 €) e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 6.200,00€ (…)”;
88. Antes do sinistro, o “IR” tinha o valor venal de cerca de € 7.000,00;
89. Após o sinistro, os salvados tinham um valor de cerca de € 800,00;

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

1. Impugnação da decisão de facto pelos apelantes autores

Alegaram os autores apelantes ter ocorrido erro de julgamento do ponto 21 da decisão de facto, sustentando que deveria ter sido dado por provado que “Na altura, o IR circulava a velocidade não concretamente apurada”. Recorde-se que, no referido ponto 21 da decisão de facto, o tribunal a quo deu por provado que, “Na altura, o IR circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms./hora”.
O tribunal a quo motivou a sua convicção, no que respeita à velocidade do motociclo IR, nos seguintes termos:
Relativamente à velocidade do IR, o tribunal considerou que excedia os 50 Km/hora, embora em concreto não fosse possível apurá-la, tendo em consideração, para além do relatório do NICAV, os danos sofridos nos veículos e a projeção do condutor do motociclo, da qual veio a ocorrer a morte deste, como resulta daquelas fotos, dos relatórios juntos pela ré e do relatório de autópsia, sendo certo que a condutora do MP seguia a menos de 40 Km/hora (ponto 14.). A testemunha DD, perito averiguador, referiu que as fotos juntas pela ré confirmam que o embate ocorreu com bastante violência, daí com velocidade.

À luz desta motivação, os autores apelantes concluem que os meios de prova invocados pelo tribunal não permitem, com segurança, considerar provado que o motociclo IR circulava a uma velocidade superior a 50 km/h. Importa, no entanto, ter presente que a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).
Ora, os apelantes não invocam outros meios de prova que imponham decisão diferente sobre o pronto 21 da decisão de facto. E os meios indicados pelo tribunal a que fazem referência não impõem outra decisão, sendo perfeitamente compatíveis com a que foi proferida.
Veja-se, a título de exemplo, o relatório do NICAV (Núcleo de Investigação de Crimes em Acidentes de Viação da Guarda Nacional Republicana):
[É] parecer do instrutor que CC conduzia o motociclo com velocidade excessiva, imprudente perante as características do local e imposições legais para o mesmo. A avenida ..., embora sendo uma reta longa, é uma zona de velocidade limitada a 50 Km/h, sendo, portanto, um local onde é previsível que ocorram entrada e saída das habitações, seja de veículos, seja de pessoas.
O facto de o motociclo ter adotado a sua posição final junto do ligeiro significa que após embate com a frente e lateral direita no ligeiro, na lateral esquerda do mesmo, acatou par ser o direcionado, embatendo no muro. Desse embate o condutor foi projetado para a frente, cerca de 10 metros, tendo na fase descendente embatido numa saliência/falha/pilar do muro longitudinal que ladeia a valeta. Esse embate violento no pilar, foi o suficiente para terminar o trajeto, ficando o mesmo imobilizado na valeta. Com as lesões graves ao nível do crânio e não sendo o capacete suficiente para as evitar, tais lesões são compatíveis com o diagnóstico de morte conforme relatório de autópsia, fls. 57.

Também a convocação dos estragos patenteados pelo motociclo e da projeção do motociclista é apropriada. Para que se tenha um termo de comparação, de modo a se poder apurar a probabilidade prevalecente, os estudos da International Association of Athletics Federations, atualmente ... – como o «Biomechanics Report WC Berlin 2009 Long Jump» ou «Men's high jump – 2017 IAAF World Championships Biomechanical report», disponíveis em <https://worldathletics.org/about-iaaf/documents/research-centre> – revelam que os melhores saltadores em comprimento atingem velocidades terminais, no momento da chamada, de cerca de 40 km/h, atingindo distâncias, depois de perdida a energia cinética que os animava, de cerca de 8,5 metros – para uma análise destes dados, vejam-se, por exemplo Catherine B Tucker et al, «Biomechanical Report for the IAAF World Championships 2017: Long Jump Men's», julho de 2018, e Ratko Pavlović et al, «Differences in Kinematic Parameters of the Long Jump between Male and Female Finalists of World Championships – Berlin 2009», dezembro de 2016, ambos em <https://www.researchgate.net/>.
No caso dos autos, com a súbita imobilização do motociclo, o condutor deste é projetado por 10,8 metros, não vindo a imobilizar-se por gradual perda da energia cinética, mas sim por embater numa “saliência/falha/pilar do muro longitudinal que ladeia a valeta” – elemento assim apelidado no relatório do NICAV – o que permite concluir que a distância que, de outro modo, percorreria até se imobilizar seria relevantemente superior. Os casos não são totalmente equiparáveis, como é óbvio, existindo inúmeras variáveis não homogéneas. Mas o exemplo do salto em comprimento permite-nos reconhecer que a energia cinética que animava o motociclista é compatível com uma velocidade no momento do embate no muro superior a 50 km/h – sendo, ainda, certo que, entretanto, o motociclo já teria perdido velocidade, em resultado do embate na viatura automóvel.
Finalmente, devemos notar que a violência do embate foi tal que a parte mais pesada do automóvel – o popular modelo Audi ... –, contendo o seu motor, foi lateralmente arrastada por 1,8 metros, conforme consta do relatório do NICAV, reinterpretando o significado dos rastos de pneumáticos registados no croqui. Estamos perante um motociclo de alta cilindrada (689 cc), que a vítima mortal insistiu para que os pais comprassem, fazendo com ele habilidades (“cavalinhos”).

Em suma, a conclusão a que o tribunal a quo chega é lógica, não contrariando as regras da experiência nem da física – desde logo, tendo em consideração a cilindrada do motociclo, as condições de tráfego e as características da via. Devemos, pois, aceitar como adequado o juízo do tribunal a quo no sentido de que, no instante em que inicia a travagem que antecede o embate na viatura automóvel, o motociclo vinha animado por uma velocidade não inferior a 50 km/h.
Improcede a impugnação da decisão de facto pelos apelantes autores

2. Impugnação da decisão de facto pela apelante ré

Sustenta a ré apelante que:
I. Por se tratar de conclusões o constante sob os nºs 19 e 20 dos factos provados deverá ser dado como não escrito.
II. Por não ter ficado provado que a condutora do ligeiro não olhou para trás, como se imporia para extrair aquelas ditas conclusões 19 e 20, sempre estas (…) deverão sempre, ao menos, ser dadas como não provadas.
III. Deverá ser alterada a decisão sobre os nºs 15, 16, 19 e 20 dos factos provados, dando-os agora como não provados, e a decisão sobre os factos das alíneas c), d), e), f) g), h), i) dos factos não provados, dando-os agora como provados (…).
Vejamos se tem razão.

2.1. Pontos 19.º e 20.º da fundamentação de facto

O tribunal a quo deu por provado, além do mais, que;
19. Quando a condutora do “MP” virou à esquerda não atentou na aproximação e na manobra de ultrapassagem realizada pelo condutor do “IR”.
20. Se tivesse olhado pelo retrovisor antes de virar à esquerda, teria visto o “IR” em manobra de ultrapassagem.

O primeiro enunciado (ponto 19.º) é um puro dado de facto, nada tendo de conclusivo. O segundo enunciado (ponto 20.º) é uma conclusão de facto, e não uma pura conclusão insuscetível de sobre ela se lançar um juízo probatório.
É certo, no entanto, que é uma conclusão de facto temerária. Seria, porventura, mais seguro concluir que, “…teria podido ver o IR em manobra de ultrapassagem”. No entanto, a impugnação ora analisada assenta no putativo conteúdo puramente conclusivo deste ponto, como sendo insuscetível de um julgamento de provado (ou não), o que não é o caso.
Entende, ainda, a ré apelante que, “por não ter ficado provado que a condutora do ligeiro não olhou para trás”, estes dois factos não podem ser julgados provados. No entender da apelante, o facto relevante seria: “a condutora do MP, ao virar à esquerda, não olhou para trás, nem pelo retrovisor”. É este, efetivamente, um dado de facto mais simples. No entanto, ele só seria verdadeiramente relevante se se discutisse a negligência consciente ou o dolo da condutora. Não é o caso.
Neste sentido, também seria relevante o facto: “a condutora, não obstante ter olhado pelo retrovisor, por o ter feito mecanicamente e desconcentrada, não viu o motociclo”. Assim como o facto: “não obstante ter visto o motociclo, a condutora ficou convencida de que poderia efetuar a manobra de virar à esquerda em segurança”.
No entanto, o que se discute é a mera violação do dever de cuidado (ou omissão do cuidado devido), isto é, a negligência simples. E para a demonstração desta basta a afirmação do facto descrito no ponto 20.º da fundamentação de facto. Só se exigiria o aprofundamento das precisas circunstâncias descritas nos factos hipotéticos acima exemplificados (ou invocado pela ré apelante) se outra, e mais gravosa, tivesse sido a alegação dos autores apelados.
Improcede, assim, esta linha impugnatória.

Questiona a ré apelante: se “como provado nos factos 15 e 16, ambas as invasões da hemifaixa de rodagem – a do motociclo, para ultrapassagem, e a do ligeiro, para mudança de direção à esquerda – foram simultâneas, como é que a condutora do ligeiro, ANTES [maiúsculas no original] de iniciar a sua manobra de mudança de direção, podia ter visto o motociclo na hemifaixa esquerda?” [seguem-se mais quatro pontos de interrogação]. A resposta a esta questão é dada pela própria apelante. Está ela no ponto 15.º da decisão de facto. O motociclo não se teletransporta da hemifaixa de rodagem direita para a hemifaixa de rodagem esquerda: “o condutor do IR decidiu proceder à (…) ultrapassagem, ligou o sinal luminoso da esquerda e iniciou tal manobra…”. Olhando pelo retrovisor, antes de virar à esquerda, a condutora do automóvel teria visto o motociclo em rápida aproximação, abeirando-se do eixo da via e com “o sinal luminoso da esquerda” ligado, isto é, teria visto o início da “manobra de ultrapassagem”.

Sustenta, por último, a ré apelante que devem os “n.os 19 e 20 dos factos provados (…) por não assentarem em factos provados e ainda pelo a seguir explanado, que aqui se dá por reproduzido, ser dados como não provados.” Segue-se a impugnação das decisões respeitantes a outros pontos de facto, na qual, são invocados, em bloco, pareceres emitidos, o auto de notícia e o depoimento de uma testemunha: naqueles, não é indicada nenhum excerto em concreto; neste, não é indicada a concreta passagem do testemunho que impõe decisão diversa.
Não pode o recorrente despejar num enunciado a referência a diversos meios de prova produzidos, em toda a sua amplitude, e adjudicar ao tribunal a tarefa de encontrar o segmento no qual, porventura, o impugnante pretende suportar a sua impugnação. Este procedimento não satisfaz os ónus previstos nos n.os 1, al. b), e 2, al. a), do art. 640.º do Cód. Proc. Civil, pelo que se rejeita, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.

2.2. Pontos 15.º, 16.º, 19.º e 20.º da fundamentação de facto

Insurge-se a ré apelante contra a circunstância de o tribunal a quo ter julgado os pontos 15.º, 16.º, 19.º e 20.º da fundamentação de facto e as alíneas c), d), e), f) g), h), i) dos factos não provados, não com base “em qualquer testemunha que tivesse visto o acidente, mas tão só, como ele o admite”, no seguinte raciocínio probatório:
No fundo, tendo em consideração a configuração do local (recta), os pontos de embate entre as viaturas (entre a parte frontal e lateral direita do IR e a parte lateral esquerda, entre a porta da frente e a roda desse lado, do MP), o local onde ocorreu o sinistro (já junto à berma/rampa de acesso à habitação da condutora do MP) e a sinalização das manobras (por ambos os condutores), como resulta de todos aqueles elementos, o Tribunal ficou com a convicção que o IR já estava a ultrapassar o MP, quando a condutora deste último, pretendendo aceder à sua habitação, limitou-se a ligar o respetivo pisca e a realizar a manobra, sem cuidar de averiguar de algum veículo a ultrapassá-la, cortando a marcha daquele.

O raciocínio probatório apresentado pelo tribunal a quo é absolutamente coerente e justificador da decisão tomada. É incontroverso que os dois veículos circulavam sobre a faixa de rodagem, na mesma ocasião e no mesmo sentido. Assim, se a condutora do MP olhou para trás, certificando-se, diligentemente, que nenhuma viatura se encontrava no “ângulo cego” dos seus espelhos retrovisores, viu necessariamente o motociclo. Se não o viu é porque assim não procedeu: tertium non datur (a não ser que a apelante sugira que o motociclo se materializou no local apenas no instante do acidente).
A apelante não indica a concreta passagem do depoimento da condutora suscetível de abalar esta insofismável conclusão – nem se vê como seria possível existir tal passagem –, pelo que incumpriu o ónus previsto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil. No entanto, sempre se diga que, logo a partir dos dois minutos do registo da prova, sensivelmente, a testemunha afirma ter confirmado que ninguém seguia à sua retaguarda. Repete esta declaração ao longo do seu depoimento.
Nesse momento, não viu o outro condutor nem o seu motociclo: “não vi, ele não estava”. Só viu o motociclo já no chão, depois de sair da viatura, após o embate. Noutros momentos do seu depoimento, declara, em aparente contradição, estar convencida de que a mota “estava a circular há muito na faixa da esquerda”. No entanto, também afirma que, quando olhou pelo retrovisor, não vinha ninguém na hemifaixa esquerda.
Declarou que não parou antes de virar à esquerda. Foi abrandando até virar para sua casa. Acionou o comando de abertura do portão com antecedência. A sua viatura já estava com a roda nos paralelos na entrada da sua casa, quando o embate se dá.
Disse que sentiu o barulho da mota a acelerar (em crescendo e constante) até ao embate. Não notou nenhum som de travagem. Admitiu que o local é perigoso, não podendo ali “facilitar”.
Em face do raciocínio já expendido, é seguro que o relatado por esta testemunha não tem adesão à realidade. Se é certo que as duas viaturas se encontravam naquele local, à mesma hora, a testemunha, assegurando-se de que podia efetuar a manobra, não podia deixar de ter visto o motociclo, seja na hemifaixa da direita, seja na da esquerda; seja mais longe, seja mais perto. Mas tal falta de adesão do relatado pela testemunha à realidade não significa que esteja a mentir. Se o estudo das falsas memórias ao longo das últimas décadas nos ensinou algo, foi isto: só porque alguém faz uma afirmação de ciência, e o faz com confiança, com muito detalhe ou manifestando genuína emoção, tal não significa que os factos relatados tenham, efetivamente, ocorrido – cfr. Helena Mendes Oliveira et al, «O Estudo das falsas memórias: reflexão histórica», Trends in Psychology / Temas em Psicologia, vol. 26, n.º 4, 2018, disponível em <pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2018000400003>, bem como o matricial de Elizabeth F Loftus, «Leading questions and the eyewitness report», Cognitive Psychology, vol. 7, n.º 4, 1975, pp. 560-572

Quanto aos demais meios de prova indicados, deve notar-se que o auto de notícia não incide sobre a dinâmica do acidente, sendo que o croqui é totalmente conciliável com a decisão proferida. O despacho de arquivamento não constitui meio de prova dos factos nele relatados. O relatório do NICAV pode conter raciocínios probatórios úteis, resultante da perceção direta do local e dos salvados, designadamente, mas, no caso, não reporta nenhum dado de facto que permita afirmar que a condutora do MP se certificou que podia efetuar a manobra em segurança – também aqui, não se vê como o poderia fazer.
Improcede, também nesta parte, a impugnação da matéria de facto feita pela ré apelante.

2.3. Matéria de facto dada por não provada

O tribunal a quo deu por não provados os seguintes factos:
a O condutor do motociclo circulava a uma velocidade não superior a 50 Kms horários;
b Quando a condutora do “MP” virou à esquerda, cortou a linha de marcha do “IR” a menos de 5 metros deste;
c A condutora do “MP” accionou o pisca esquerdo a cerca de 50 metros do portão de entrada da casa;
d Aproximou-se do eixo da via e abrandou progressivamente a velocidade que levava até atingir menos de 5 Kms./hora;
e E, quando chegou em frente do portão de entrada da casa, olhou para a sua frente e para a sua retaguarda;
f E, como nesse momento não circulasse qualquer veículo pela hemifaixa de rodagem esquerda, nem a sinalizar qualquer intenção de ultrapassagem, virou para a respectiva esquerda, invadindo perpendicularmente essa hemifaixa;
g Quando se encontrava nessa posição, ou seja, com as suas rodas fronteiras na berma e rampa, em paralelepípedo, e as suas rodas traseiras ainda na hemifaixa esquerda, em asfalto, o “MP” foi embatido pelo “IR”;
h O condutor do IR” não se apercebeu da manobra do “MP” por circular distraído e desatento ao tráfego à sua frente;
i E tentou ultrapassar o “MP” pela esquerda, invadindo a hemifaixa esquerda, quando este já estava em plena execução da manobra;
j Foi já na referida berma e rampa em paralelepípedo o local do embate do motociclo no Audi;
k Desde o momento em que sofreu as lesões e fracturas até ao momento do seu efectivo falecimento, o CC sofreu intensas dores psíquicas, desgostos, ansiedades…
l O CC pressentiu a chegada da morte ao se aperceber da inevitabilidade do embate;
m Além disso, o CC, nos instantes que precederam o sinistro sofreu um grande susto e abalo psicológico, sentindo medo de morrer, acabando por ter a percepção que a sua morte ocorreria necessariamente;
n Consciente de que a morte se aproximava e que não mais regressaria ao convívio dos seus familiares;
o Os autores. deixaram de conviver socialmente;
p A excessiva mediatização do acidente provocou um grande sentimento de consternação nos autores.;
q O autor consegue reparar o veículo pelo valor de € 8.000,00;
r O veículo estava em perfeito estado de conservação, pois poucos dias antes do acidente, tinha sido sujeita a uma revisão geral de mecânica e pintura;
s O escape e piscas especiais custaram cerca de € 1.000,00;
t O motociclo tinha um valor de mercado não inferior a € 8.000,00;
u O motociclo era, muitas vezes, utilizado pelo autor diariamente para as suas deslocações;
v O autor cedia o motociclo a terceiros e a familiares (para além do filho);
w Em virtude de ficar privado do motociclo, o autor tem recorrido a empréstimos ficando a dever os inerentes favores.
Estão agora questionadas as decisões respeitantes às alíneas c), d), e), f) g), h), i) dos factos não provados. A impugnação da apelante ré é aqui decalcada da impugnação dos pontos já analisados. Vale, pois, para a sua análise o que já se deixou escrito sobre as restantes impugnações. E vale o que já se concluiu: improcede, também nesta parte, a impugnação da matéria de facto feita pela ré apelante.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Da apelação dos autores
1.1. Contributo causal para o sinistro
1.2. Avaliação dos danos
1.2.1. Violação negligente do direito à vida
1.2.2. Danos não patrimoniais diretamente sofridos pelos autores
2. Da apelação da ré
3. Responsabilidade pelas custas

1. Da apelação dos autores

No que respeita ao enquadramento dos factos nos pressupostos legais da responsabilidade aquiliana, os autores centram a sua apelação no nexo de adequação causal – sustentando inexistir contributo causal da vítima mortal – e no dano – sustentando serem insuficientes as avaliações do dano da morte e dos danos não patrimoniais (ditos) indiretos sofridos imediatamente pelos mesmos.

1.1. Contributo causal para o sinistro

Insurgem-se os autores contra a decisão do tribunal recorrido no sentido de considerar que a vítima mortal teve um contributo causal de 20% para a ocorrência do sinistro. Sem razão. A decisão do tribunal a quo é aqui especialmente judiciosa.
Deixando de lado o acessório, e entrando diretamente no cerne do litígio, resulta dos factos provados que o acidente dos autos é fisicamente causado porque a condutora do automóvel MP mudou de direção à esquerda, invadindo a hemifaixa contrária, e porque o condutor do motociclo IR iniciou uma manobra de ultrapassagem, invadindo também a hemifaixa contrária. Sabemos também que, se aquela condutora “tivesse olhado pelo retrovisor antes de virar à esquerda, teria visto o IR em manobra de ultrapassagem”.
Este comportamento da condutora do automóvel MP encerra um perigo evitável, que se concretizou no caso dos autos, sendo, pois, censurável. É, ainda, um comportamento ilícito − cfr. o n.º 1 do art. 35.º do Código da Estrada: “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”.
Note-se, no entanto, que, mesmo que, por hipótese, não tivesse sido sinalizada a manobra do automóvel MP – e resulta provado que foi –, não podia o condutor do motociclo presumir a causa do abrandamento do automóvel – podendo ela, entre outras, ser a mudança de direção à esquerda, para acesso ao n.º 873 de polícia, assim como podia ser a mudança de direção à direita (para acesso ao n.º 870 de polícia) ou o estacionamento. O abrandamento do automóvel MP, mesmo que não tivesse sido sinalizada a sua causa, desaconselhava, pois, a realização de uma manobra que envolvia algum perigo, como é a manobra de ultrapassagem. Justificava-se que o condutor do motociclo IR tivesse assinalado a sua presença com um sinal luminoso (um brevíssimo flash com as luzes de estrada (“máximos”)), tanto mais que local existem diversas entradas para residências. A condução do falecido filho dos autores revela, pois, alguma desatenção e incúria do condutor.
Pelo exposto, o acidente não se encontra suficientemente caracterizado nos factos provados para se poder concluir pela culpa exclusiva da condutora do automóvel MP, nem pela responsabilidade causal exclusiva do condutor do motociclo IR. No entanto, a maior perigosidade (para terceiros) do veículo automóvel, considerando a sua massa, justifica uma distribuição da responsabilidade causal na proporção de 80% para este e de 20% para o motociclo.

1.2. Avaliação dos danos

1.2.1. Violação negligente do direito à vida

Peticionaram os autores € 125.000,00 de indemnização pela perda do direito à vida do seu filho, CC. O tribunal a quo fixou a indemnização pela perda do direito à vida em € 80.000,00, condenando a ré a pagar aos autores, a este título, a quantia de € 64.000,00 (€ 80.000,00 x 80%). No recurso interposto pugnam os autores pela fixação desta indemnização no valor de € 125.000,00 peticionado.
O dever de indemnização pela perda da vida é atualmente inquestionável, estando abrangido pelo regime contido no art. 496.º do Cód. Civil – cfr. o Ac. do STJ de 03-11-2016, proc. n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1, bem como a jurisprudência no mesmo citada.
Não sendo possível atribuir um preço à vida, só através da casuística enfrentada pela nossa jurisprudência se logrará um razoável grau de uniformização de critérios na avaliação deste dano. É aqui especialmente relevante a idade da vítima. Só um grosseiro farisaísmo pode levar a diferente entendimento. Não é igual uma criança de dois anos perder a visão, perdendo uma vida inteira de experiências visuais e das faculdades inerentes, a uma pessoa de 90 anos ficar cega, depois de já ter usufruído de tais experiências e faculdades durante uma vida. O mesmo se diga da função sexual, por exemplo. E o mesmo se diga do direito à vida.
Por assim ser, conhecida a idade da vítima – morreu no ano em que completaria 20 anos (não lhe sendo conhecidas morbidades) – resta-nos confirmar o recente padrão adotado nas decisões do nosso mais alto tribunal nesta matéria. Este padrão deverá ser seguido, com um progressivo, mas equilibrado, aumento dos valores fixados, de modo a refletir a progressiva inflação/desvalorização monetária.
Nos anos mais recentes (e até ao verão passado), podemos encontrar as seguintes decisões, publicadas em «O dano morte na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de Acórdãos de 2016 a dezembro de 2021)», documento elaborado pelo Gabinete de Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça, Assessoria Cível <stj.pt/wp-content/uploads/2022/03/danomorte.pdf>, em dgsi.pt/ ou em jurisprudencia.csm.org.pt/:
##IdadeDano morteAcórdãoData
1 1980000,00294/07.0TBPCV.C1.S116-03-2017
2 -65000,00370/12.8TBOFR.C1.S205-06-2018
3 7270000,001580/16.4T8AVR.S123-05-2019
4 2985000,00952/06.7TBMTA.L1.S107-05-2020
5 17 120000,0016/15.2GTCBR.C1.S128-05-2020
6 4495000,0016/15.2GTCBR.C1.S128-05-2020
7 5660000,0043/16.2GTBJA.E1.S104-06-2020
8 7100000,00625/18.8T8AGH.L1.S111-02-2021
9 5380000,004086/18.3T8FAR.E1.S125-02-2021
10 -80000,003710/18.2T8FAR.E1.S103-03-2021
11 4580000,0010157/16.3T8LRS.L1.S113-05-2021
12 3385000,002374/20.8T8PNF.P1.S115-09-2022
13 41 95000,00253/17.5T8PRT-A.P1.S127-09-2022
14 6370000,00239/20.2T8VRL.G1.S110-11-2022
15 -60000,001896/20.5T8FNC.L1.S130-11-2022
16 2995000,003437/21.8T8PNF.P1.S119-01-2023
Média82500,00
Conseguimos, pois, perceber que o dano que nos ocupa tem sido, em média, avaliado em € 82.500,00. Importa agora compreender as linhas de tendência, quer a respeitante à sua evolução plurianual, quer a respeitante à progressão em função da idade.
São elas as seguintes:


Desta breve análise da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça retiramos, por um lado, existir uma relativa estabilidade, ao longo dos últimos anos, nos valores fixados e, por outro lado, ser o dano avaliado em montantes mais elevados quando a idade da vítima é mais baixa.
Face a tal análise, consideramos ser de fixar o valor da compensação a atribuir no caso dos autos, atenta a idade do falecido, em € 100.000,00 − quantia calculada (atualizada) por referência à presente data, deferindo parcialmente, nesta parte, ao recurso interposto (sendo a ré responsável pelo pagamento € 80.000,00 – 80% de € 100.000,00).

1.2.2. Danos não patrimoniais diretamente sofridos pelos autores

Peticionaram os autores € 100.000,00 pelos danos não patrimoniais por si sofridos com a perda do filho CC, sendo € 50.000,00 para cada um dos demandantes. O tribunal a quo fixou a indemnização pela perda do direito à vida em € 30.000,00, a favor de cada um dos progenitores, condenando a ré a pagar aos autores, a este título, a cada um deles a quantia de € 24.000,00 (€ 30.000,00 x 80%). No recurso interposto pugnam os autores pela fixação dessa indemnização no valor peticionado de € 50.000,00 para cada um.
É hoje amplamente aceite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais causados a uma pessoa em consequência da lesão de outra pessoa. Na jurisprudência, é incontornável o AUJ do STJ 6/2014, de 9 de janeiro de 2014: “Os artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”. Na doutrina, veja-se Rute Teixeira Pedro, «Os danos não patrimoniais (ditos) indiretos: uma reflexão ratione personae sobre a sua ressarcibilidade», in Responsabilidade Civil: Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil, 2017, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 239 e segs., e Maria Manuel Veloso, «Danos não patrimoniais», in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 495 e segs.. Está aqui em causa, por exemplo, não apenas o sofrimento de uma pessoa com a morte de outra, mas também o sofrimento daquela por ver uma pessoa à qual está profundamente ligada (a que sofreu a lesão corporal) sofrer intensamente em resultado do facto ilícito – é o caso dos pais que sofrem ao verem o filho profundamente angustiado e deprimido depois de perder a visão, em resultado do sinistro.
A análise dos arestos do Supremo Tribunal de Justiça citados permite, sem dificuldade, concluir que são ajustados os valores arbitrados pelo tribunal a quo relativamente aos danos não patrimoniais próprios sofridos pelos autores. Impõe-se assim, sem necessidade de outras considerações, a confirmação da decisão recorrida quanto a esta indemnização.

2. Da apelação da ré

Defende a ré na sua apelação que apenas o condutor do motociclo causou o acidente. Ainda que assim não se entenda, sempre seria de ficar em metade o contributo causal de cada um dos condutores (art. 506.º, n.º 2, do Cód. Civil).
Neste sentido, sustenta que a perceção da manobra de ultrapassagem efetuada pelo motociclo, por parte da condutora do automóvel, só pode ser afirmada (só é exigível) com base no conhecimento do “tempo ou distância percorridos pelo motociclo, [já] em ultrapassagem, na hemifaixa esquerda, antes do embate”. Ora, esta factualidade não foi apurada.
Já acima recolhemos subsídios para o tratamento desta questão: por um lado, olhando pelo retrovisor, antes de virar à esquerda, a condutora do automóvel teria visto o motociclo em rápida aproximação, abeirando-se do eixo da via e com “o sinal luminoso da esquerda” ligado, isto é, teria visto o início da “manobra de ultrapassagem”; por outro lado, o apurado comportamento da condutora do automóvel MP encerra um perigo evitável, que se concretizou no caso dos autos, sendo, pois, censurável.
Valem aqui as considerações acima expendidas na apreciação da simétrica questão suscitada pelos autores na sua apelação. Conclui-se, assim, pela improcedência dos fundamentos do recurso da ré.

3. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.).
A responsabilidade pelas custas da apelação dos autores cabe a ambas as partes, na proporção do decaimento (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
A responsabilidade pelas custas da apelação da ré a esta cabe, por ter ficado totalmente vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV. Dispositivo

Pelo exposto, na parcial procedência da apelação dos autores, acorda-se em alterar a al. b) do segmento decisório da sentença recorrida, decidindo-se:
1.º Condenar a ré, A..., S.A., a pagar aos autores, AA e BB, em conjunto [al. b)], a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros contados desde a data de prolação deste acórdão e até efetivo pagamento, à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil.
2.º No mais, mantém-se o decidido pelo tribunal a quo.
Na total improcedência da apelação da ré, acorda-se em manter a sentença recorrida, com a alteração acima decidida.

Custas da apelação dos autores na proporção do decaimento, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Custas da apelação da ré a cargo desta.
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Notifique.

Porto, 25 de janeiro de 2024
Ana Luísa Loureiro
Paulo Dias da Silva
Carlos Portela