DESCARATERIZAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA GRAVE
CAUSA JUSTIFICATIVA
PRESSUPOSTOS DO AGRAVAMENTO DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Sumário

I - A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na violação pelo sinistrado das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, a que se reporta a 2ª parte da alínea a) do nº1 do art. 14º da LAT é afastada quando ocorre causa justificativa, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, e pressupõe uma actuação / omissão do sinistrado com culpa grave.
II - A habitualidade ao perigo e o excesso de confiança na experiência profissional por parte do sinistrado são factores a considerar na apreciação da gravidade da respectiva conduta violadora das condições de segurança e mitigam a sua culpa.
III - O agravamento da responsabilidade do empregador, nos termos do art. 18º da LAT, por incumprimento do dever de observância das regras de segurança e saúde no trabalho exige cumulativamente a existência de um nexo de causalidade adequada entre a omissão verificada e a ocorrência do acidente.

Texto Integral

Processo: 967/21.5T8AVR.P1
Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

AA, viúva, nascida em ../../1965, beneficiária da Segurança Social com o n.º ..., residente na Rua ..., ... Aveiro, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, instaurou contra:
A... – Companhia de Seguros ..., S.A., com sede na Rua ..., ..., 3º dt, 1070-040 Lisboa, e
B..., Ld.ª, com sede na Travessa ..., ..., ... Aveiro, a presente acção declarativa com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo:
I - Que se reconheça à A. a qualidade de única beneficiária legal do sinistrado;
II - Que se declare que o acidente de trabalho se deveu a violação de normas de segurança no trabalho por parte da R. Empregadora;
III - Que, em consequência, seja a R. Empregadora condenada a pagar-lhe:
a) A pensão anual e vitalícia de € 11.577,80, com início no dia 20 de Março de 2021, agravada por força da actuação culposa - cabendo à R. Seguradora o pagamento da pensão (normal) de € 3.473,34, até perfazer a idade da reforma, e de € 4.631,12, a partir daí, sem prejuízo do direito de regresso sobre a R. Empregadora;
b) € 35.000,00, a título de indemnização/compensação por prejuízos não patrimoniais;
c) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações.
IV - Que seja condenada a R. Seguradora a pagar-lhe, sem prejuízo do direito de regresso sobre a R. Empregadora:
a) O subsídio por morte, no montante de € 5.792,29, acrescido dos juros de mora legais;
b) O subsídio de despesas de funeral, no valor de € 1.930,76;
c) € 120,00, a título de título de reembolso pelas despesas que suportou com consultas de psicologia;
d) € 10,00, a título de despesas com as deslocações ao Tribunal; e) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações.
V - Subsidiariamente, caso não resulte provada a responsabilidade agravada da R. Empregadora, que seja a R. Seguradora condenada a pagar à A.:
a) A pensão anual, obrigatoriamente remível, de € 3.473,34, até perfazer a idade da reforma; e a pensão anual de € 4.631,12, após a idade da reforma;
b) O subsídio por morte, no montante de € 5.792,29, acrescido dos juros de mora legais;
c) O subsídio de despesas de funeral, no valor de € 1.930,76;
d) € 120,00, a título de título de reembolso pelas despesas que suportou com as consultas de psicologia;
e) € 10,00, a título de despesas com as deslocações ao Tribunal; f) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações.
A fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese:
É viúva do sinistrado BB que, no dia 19 de Março de 2021, em ..., Aveiro, foi vítima de um acidente de trabalho mortal, quando trabalhava como Pedreiro, sob as ordens, direcção, fiscalização da R. Empregadora, numa obra de recuperação, remodelação e alteração de uma moradia.
O acidente ficou a dever-se à violação de regras de segurança no trabalho por parte da R. Empregadora que não diligenciou pela avaliação de riscos para a específica actividade de remoção/demolição de telhados que o sinistrado executava, não lhe proporcionou formação específica adequada para a levar a cabo, não implementou na obra as medidas de segurança adequadas e necessárias, como a colocação de escoras e não forneceu ao sinistrado os meios de protecção necessários para prevenir as quedas em altura.
À data do acidente, o sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de € 11.577,80, com base na qual se encontrava transferida para a R. Seguradora a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho.
Na sequência do acidente sofrido pelo sinistrado e da morte deste, sofreu danos de natureza não patrimonial e necessitou de acompanhamento psicológico, tendo comparecido a três consultas de psicologia, pelas quais despendeu a quantia global de € 120,00.
Pagou € 2.086,00, pelo funeral do sinistrado e despendeu em deslocações obrigatórias ao tribunal, na fase conciliatória dos autos, a quantia de € 10,00.
Requerendo a fixação de pensão provisória a cargo do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), nos termos do disposto no artigo 122.º do Código de Processo do Trabalho.
Efectuada a citação, ambas as RR contestaram.
A R. Seguradora alegou, no essencial, que:
O acidente resultou exclusivamente da falta de cuidado, grave e indesculpável, do sinistrado, uma vez que, com negligência grosseira, desrespeitando as indicações que lhe foram dadas e sem qualquer justificação, caminhou directamente sobre uma parede, altamente instável, insegura e com evidente risco de queda, tendo perfeito conhecimento dos perigos daí decorrentes e de que a sua actuação era proibida. Parede essa que colapsou, provocando-lhe a queda de uma altura aproximada de 3 metros, causando-lhe a morte.
O acidente mostra-se descaracterizado, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o acidente ficou a dever-se à violação de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da R. Entidade Empregadora, que não diligenciou pela avaliação de riscos específica para a actividade de remoção/demolição de telhados, não proporcionou ao sinistrado a formação específica adequada para a realização dessa actividade, não implementou na obra as medidas de segurança adequadas e necessárias, como a colocação e escoras, e não forneceu ao sinistrado os meios de protecção necessários para prevenir as quedas em altura.
Concluindo que a acção deve ser julgada improcedente, no que a si respeita.
E caso assim não se entenda, que deve ser condenada a R. Empregadora, nos termos do art. 18º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, sendo a R. Seguradora condenada nos termos do disposto no art. 79º, n.º 3 da mesma lei, com direito de regresso.
A R. Empregadora aduzindo, em suma, que:
Empregou todas as providências necessárias a prevenir o risco de acidentes e o PSS que elaborou e que o sinistrado conhecia, cumpre todos os requisitos legais.
Disponibilizou aos trabalhadores envolvidos nos trabalhos, equipamentos de protecção individual.
O sinistrado teve culpa grave na decisão de reiniciar os trabalhos nas concretas circunstâncias em que o fez, porque estava física e psicologicamente mal, cansado e com dor de dentes.
O sinistrado disse ao colega para se afastar, porque a empena do telhado poderia cair, o que significa que avaliou o risco em que se colocou a si próprio, mas apesar disso, permaneceu no local até à queda da parede.
Os barrotes já estavam todos cortados, pelo que o sinistrado não tinha necessidade nem devia ter subido à parede, mas sim iniciar a segunda tarefa que lhe tinha sido solicitada (destelhar a divisão contigua).
O sinistrado teve consulta de saúde agendada na empresa, a que não compareceu, o mesmo sucedendo às acções de formação a que era chamado.
Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, mesmo que o acidente fosse imputável a omissão da R. Empregadora, deve ser reduzida por equidade, na medida em que a vítima contribuiu significativamente para o resultado.
Além disso, deve sempre abater-se o que a A. recebeu de subsídio de funeral, pago pela Segurança Social.
Concluiu, sustentando que a acção deve ser julgada improcedente, considerando-se o acidente descaracterizado, com a consequente absolvição do pedido.

A R. Empregadora respondeu à contestação da R. Seguradora, impugnando o alegado por esta, para fundamentar a existência de responsabilidade agravada da empregadora na produção do sinistro.

Foi deferida pensão provisória à A. no valor anual de € 3.473,34, a adiantar pelo FAT, até ao momento da fixação da pensão definitiva e da definição da responsabilidade pela reparação.
Foi proferido despacho saneador, onde se reconheceu a regularidade da instância, fixando-se os factos assentes, o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se audiência final, com observância do formalismo legal, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte
Dispositivo
Em face de todo o exposto e na parcial procedência da acção, decide-se:
I. Condenar a R. Seguradora a pagar à A.:
a) O capital de remição da pensão anual de € 3.473,34 (três mil, quatrocentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), com efeitos desde 20/03/2021 - deduzido, porém, do que a A. já recebeu do FAT a título de pensão provisória.
b) € 5.792,29 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos), a título de subsídio por morte.
c) € 769,57 (setecentos e sessenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de subsídio por despesas de funeral.
d) € 120,00 (cento e vinte euros), de reembolso por despesas suportadas com consultas de psicologia.
e) € 10,00 (dez euros), de reembolso de despesas com deslocações ao Tribunal.
f) Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral pagamento, contados desde 20/03/2021, no que se refere às prestações referidas nas als. a) e b); e desde a citação da R. Seguradora, no que concerne às mencionadas nas als. c), d) e e).
II. No mais, absolver a R. Seguradora dos pedidos formulados pela A..
III. Absolver do pedido a R. Empregadora.
IV. Condenar a R. Seguradora a reembolsar o FAT da quantia por este paga à A. a título de pensão provisória.
Custas a cargo da A. e da R. Seguradora, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil) sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A..
Valor da acção: € 54.430,85 – art. 120º do Cód. de Processo de Trabalho.
Registe e notifique.”

Inconformada com a decisão, a R. Seguradora apresentou o presente recurso, finalizando a sua alegação com as conclusões que se transcrevem:

“1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida que, apurando a responsabilidade da seguradora, julgou parcialmente procedente a ação, condenando a seguradora nas quantias referidas na sentença, assim como a consideração do montante transferido.

2.ª - Provou-se que no dia do acidente, de manhã, o gerente da R. Empregadora disse ao Sinistrado para cortar os restantes barrotes de madeira que sustentavam a cobertura do compartimento, que não tinham sido cortados na véspera, e ao CC para remover o entulho para um contentor, devendo ambos, de seguida, retirar as telhas do telhado adjacente.

3.ª - E que no dia 19 de Março de 2021, em ..., Aveiro, quando trabalhava como Pedreiro, sob as ordens, direcção, fiscalização da R. Empregadora, em obras que decorriam numa moradia unifamiliar, o Sinistrado estava em cima de uma parede, mais precisamente, com um pé em cada uma das paredes que faziam esquina, a cortar os barrotes que sustentavam o telhado, tendo uma dessas paredes ruído, provocando a queda do Sinistrado ao solo, de uma altura de cerca de 2,8 metros, causando-lhe lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no próprio dia do acidente.

4.ª - Conforme se refere na sentença recorrida, pode-se seguramente afirmar que o Sinistrado agiu de forma negligente e descuidada, quando para cortar ou retirar um barrote que tinha ficado preso, avançou de gatas em cima de uma parede com cerca de 40 centímetros de largura, até ao lado oposto, pondo-se de pé, na esquina formada pela parede que atravessou de gatas, com aquela que veio a ruir.

5.ª - E nem se diga, como faz a sentença recorrida, que importa, porém, ter em conta que o acidente não se deu enquanto o Sinistrado caminhou de gatas ao longo do topo da parede com 40 cm de largura, até atingir a esquina formada com a parede que veio a ruir e que não é propriamente esse o comportamento que para o caso mais releva, mas sim a circunstância de, chegado à esquina, se ter levantado, ficando com um pé em cima de cada uma das paredes - pois foi nessa ocasião, quando o Sinistrado pediu ajuda ao colega CC para retirar o barrote, que a parede ruiu.

6.ª - A tarefa executada pelo sinistrado tem que ser vista como um todo e não de forma parcelar, como a sentença parece fazer.

7.º - A negligência e falta de cuidado do Sinistrado é acentuada pelo facto da parede/empena que ruiu ser já antiga, constituída por adobe e estar fragilizada em consequência dos trabalhos de remoção do telhado, iniciados no dia anterior.

8.ª - E o Sinistrado bem sabia o risco que corria – o facto da parede em causa cair -, visto que quando pediu ajuda ao colega CC, disse-lhe para se afastar dela, porque poderia cair.

9.ª - E, assim sendo, é enorme o grau de descuido e negligência com que o Sinistrado actuou, atingindo, na nossa opinião, o nível pressuposto pelo art. 14º n.º 3, al. b), de negligência grosseira, traduzida num comportamento temerário em alto e relevante grau, não reconduzível a acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

10.ª - É evidente e muito criticável e merecedor de juízo de censura, a negligência e descuido patentes na atuação do sinistrado, ao caminhar sobre a parede na forma descrita e ao colocar-se de pé em cima das paredes, nas já descritas circunstâncias.

11.ª - Assim sendo, é firme convicção da Ré, que o acidente resultou exclusivamente da falta de cuidado, grave e indesculpável do aqui sinistrado, uma vez que, desrespeitando as indicações que lhe foram dadas e sem qualquer justificação, caminhou diretamente sobre uma parede, altamente instável, insegura e com evidente risco de queda;

12.ª - Entende a ora Recorrente que o acidente encontra-se descaraterizado devido à violação das normas de segurança por parte do Sinistrado, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro:

13.ª - O Sinistrado tinha perfeito conhecimento dos perigos decorrentes do seu comportamento e bem sabia que era proibida essa atuação;

14.º - Caso o Sinistrado tivesse utilizado o andaime em obra e os meios de proteção adequados, o acidente não teria ocorrido.

15.º - O sinistrado era uma pessoa experiente e com formação para este tipo de trabalhos, bem sabendo do perigo e da ilicitude da sua atuação, expondo-se, assim, a um risco acrescido e desnecessário.
Tal comportamento e conduta de violação das regras e condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, exclusiva do Sinistrado, foi a causa direta e necessária para a ocorrência do sinistro.

16.ª - Ora, nos termos do art. 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não dá direito a reparação o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei, ou quando provier de negligencia grosseira do sinistrado.

17.ª - Estando preenchidos os requisitos para a descaracterização do acidente de trabalho no art. 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro: No presente acidente estamos perante uma conduta do Sinistrado qualificável como inútil, indesculpável, reprovada pelo mais elementar sentido de prudência, para o acidente de trabalho excluir a responsabilidade.

18.ª - Assim, o sinistro aqui em causa deveu-se ao comportamento voluntario e violador das condições de segurança por parte do Sinistrado, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser assacada à ora Ré.

19.ª - Porquanto foi esta falta grave e indesculpável por parte do Sinistrado, ao desrespeitar as mais elementares regras de segurança, que causou o sinistro dos autos.

20.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no art.º 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:

Sem conceder, e para o caso de assim se não entender,

21.ª - Deste modo, a obra em questão tinha Plano de Segurança e Saúde (PSS), com referência aos riscos gerais existentes por equipamento e por atividade, mas desse PSS não constava, alegadamente e de forma clara, uma secção destinada às prescrições e medidas de segurança a implementar para a específica tarefa de remoção/demolição de telhados.

22.ª - Desse PSS também não constavam quaisquer cálculos de estabilidade das paredes e de empenas que pudesse determinar a necessidade de escoramento e de contenção das mesmas, de modo a prevenir a sua derrocada no decurso do processo de demolição/remodelação (cfr. PSS junto aos autos a fls. 64 a 110).

23.ª - A Ré empregadora, sendo conhecedora das características da moradia intervencionada, designadamente o tipo de material, frágil, utilizado na construção das paredes, não diligenciou pela prévia colocação de escoras, nem de andaimes na zona interior da divisão, amarrados à laje existente e não determinou a aplicação de linha de vida em volta dos andaimes, pelo seu interior, e a utilização de arnês com corda de ligação com comprimento de 1,5 metros.

24.ª - Por sua vez, a R. Entidade Empregadora também não havia prestado formação ao sinistrado para a específica atividade de remoção/demolição de telhados (cfr. Inquérito de acidente de trabalho, elaborado pela ACT, junto a fls. 56/63 dos autos).

25.ª - Não dispondo de meios de proteção/segurança adequados para realizar a específica tarefa que lhe estava atribuída, o sinistrado utilizou a escada de alumínio fornecida pela R. Entidade Empregadora para subir ao topo da parede e dali aceder aos barrotes que devia cortar e foi desse local que acabou por cair juntamente com a parede.

26.ª - Caso se considere que o acidente que vitimou o sinistrado só ocorreu porque aquele desempenhava a sua atividade laboral sem que existissem as condições de segurança necessárias para o efeito, o que se deveu ao incumprimento por parte da R. Empregadora das medidas preventivas legalmente exigidas para este tipo de tarefas.

27.ª - Para o caso de entender que o acidente ficou a dever-se à violação de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da R. Entidade Empregadora, que não diligenciou pela avaliação de riscos específica para a atividade de remoção/demolição de telhados, não proporcionou ao sinistrado a formação específica adequada para a realização daquela atividade e não implementou na obra as medidas de segurança adequadas e necessárias, como a colocação e escoras e não forneceu ao sinistrado os meios de proteção necessários para prevenir as quedas em altura, então resultará na culpa da entidade patronal.

28.ª - Ora, também de acordo com o PSS, no âmbito dos referidos trabalhos, era necessário observar determinadas medidas de proteção, tais como:
- devem ser escorados, entivados e/ou saneados os elementos construtivos que apresentem instabilidade ou falta de resistência antes de iniciar os trabalhos de demolição;
- devem ser escorados e/ou entivadas as paredes mestras das edificações adjacentes até uma altura que garanta a solidez das mesmas;
- os trabalhadores não se devem apoiar nas paredes mestras que não apresentem estabilidade e solidez adequadas devendo executar o seu trabalho a partir de plataformas ou andaimes externos.
Tal significa que:
- as paredes deveriam ser entivadas/escoroadas, o que garantiria que não desmoronassem durante os trabalhos de demolição – tal não foi executado;
- o entulho deveria ser retirado do interior da divisão, de forma gradual, de forma a permitir montar andaimes ou colocar escadas, equipamentos que iriam permitir, em segurança, aceder aos pontos mais altos (neste caso 3m) da construção – tal não foi executado;
- no caso dos trabalhos terem que ser executados em altura, competia ao TS/entidade patronal, implementar linha de vida (fixa, por exemplo, através de espigões às paredes do edifício) – o que também, não foi executado.

29.ª - Assim, tem que se concluir que o acidente se ficou a dever ao não cumprimento das regras de segurança por parte da entidade patronal, em clara violação das condições de segurança na prestação de trabalho. E não por um acaso fortuito.

30.ª - Pelo que, em virtude do acidente resultar de culpa de identidade patronal, por falta de observância das disposições legais sobre higiene e segurança no local de trabalho, responderá a entidade empregadora.
Ainda,
31.ª - Resultou provado que:
À data do acidente, o sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de € 11.577,80, repartida pelos seguintes valores:
- 725,00€ x 14 meses, a título de vencimento base (10.150,00€);
- 5,90€ x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação (1.427,80€).
-A responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho encontrava-se transferida, à data do acidente, para a R. A... – Companhia de Seguros ..., S.A.6, pela R. Entidade Empregadora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., na modalidade de prémio fixo.

32.ª - No entanto, compulsada a Apólice, da mesma resulta que a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho encontrava-se transferida, à data do acidente, para a R. Seguradora, pela R. Entidade Empregadora através da apólice n.º ..., na modalidade de prémio fixo (cfr. apólice de seguro junta a fls. 12/17), mediante a remuneração mensal de 665,00 € x 14 meses + 110,00€ x 11 meses. – Doc. 1 junto com a contestação;

33.ª - Acontece que o Tribunal recorrido, por mero lapso, para apuramento dos valores indemnizatórios, considerou não o salário transferido - 665,00 € x 14 meses + 110,00€ x 11 meses, mas sim os seguintes valores:
- 725,00€ x 14 meses, a título de vencimento base (10.150,00€);
- 5,90€ x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação (1.427,80€).

34.ª - Pelo que urge reformular a sentença, considerando os montantes transferidos e documentados na Apólice.

35.ª - Pelo que, nos termos expostos, a sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e, consequentemente, uma incorreta aplicação do direito aos mesmos, designadamente dos artigo art.º 14.º n.º 2 al. a) e b) , art.º 17.º da Lei 98/2009, e do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, devendo, assim, ser revogada.

Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!!”

A R. empregadora contra-alegou, formulando as conclusões que se transcrevem:
“1. A recorrente suscita a apreciação das questões seguintes:
a) Se estamos perante uma situação de culpa do trabalhador e consequente descaracterização do acidente, nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
b) Subsidiariamente, se o acidente se ficou a dever pelo incumprimento das regras de segurança por parte da entidade patronal, em clara violação das condições de segurança na prestação de trabalho;
c) Deverão ser corrigidos os montantes do salário transferidos à data do sinistro.
2. O recurso versa apenas sobre matéria de direito, uma vez que a recorrente não impugna a matéria de facto, apenas faz uma interpretação dos factos parcialmente diversa da efectuada pelo Tribunal a quo e, consequente, errada aplicação do direito.

3. Da matéria de facto dada como provada e como não provada, dever-se-ia ter decidido que o sinistro se deveu, por um lado, à actuação voluntária e sem qualquer justificação por parte do sinistrado contra as regras de segurança legais ou impostas pela sua entidade empregadora e, por outro lado, que o acidente se deu por responsabilidade única do sinistrado, pela sua conduta temerária e em alto e relevante grau.

4. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e como não provados e, consequentemente, uma incorreta aplicação do direito aos mesmos, designadamente dos artigo art.º 14.º n.º 2 al. a) e b) , art.º 17.º da Lei 98/2009, e do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, devendo, assim, ser revogada nesta parte.

5. Já quanto à responsabilização da ré empregadora pelo alegado incumprimento das regras de segurança por parte da entidade patronal (matéria constante nas conclusões da recorrente nos pontos 21 a 30), deverá improceder, por evidente contradição argumentativa, o recurso nesta parte, uma vez que não se pode invocar a existência de condições ou regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei e a violação destas por parte do sinistrado e em caso de improcedência da descaracterização, considerar a entidade empregadora responsável pelo sinistro.

6. Para além disso, a recorrente não impugnar a matéria de facto em causa que considera inexistir fundamento bastante para responsabilizar a ré empregadora pela reparação do sinistro, nos termos do art.18º.

7. Relativamente à correcção dos valores determinados na sentença a quo, caso improceda o recurso de apelação, sempre deverá ser a sentença corrigida, dado que os valores determinados não são coincidentes com os constantes na apólice e com o salário do sinistrado à data do sinistro.
Termos em que se requer a V. Exas. façam a habitual e necessária JUSTIÇA!

A Autora patrocinada pelo Ministério Público também apresentou contra-alegações, finalizando com as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. O sinistrado limitou-se a diligenciar pela realização da tarefa que lhe tinha sido cometida – retirar um barrote que sustentava o telhado.

II. O gerente da R. Empregadora não disse ao sinistrado de que forma deveria realizar tal tarefa e os cuidados a ter, tendo aliás resultado não provado que o sinistrado recebeu instruções daquele gerente para utilizar um andaime.

III. Para a realização daquela tarefa o sinistrado caminhou de gatas em cima de uma parede, que sabia ser frágil, com cerca de 40 centímetros de largura, até ao lado oposto, onde se encontrava o barrote, colocando-se de pé, entre a esquina da parede que tinha atravessado e aquela que veio a ruir.

IV. Ainda que revelando excesso de voluntarismo ou falta de cuidado, atento o estado da parede, tal comportamento, face às concretas circunstâncias apuradas, não é suficiente para integrar o conceito de negligência grosseira.

V. Na verdade, a conduta do sinistrado, trabalhador da construção civil há cerca de 40 anos, não se mostra ostensivamente indesculpável, de modo a ofender as mais elementares regras de senso comum.

VI. A R. Empregadora não prestou formação ao sinistrado para a realização do trabalho em causa, nem diligenciou pela colocação de escoras nem andaimes no local e o PSS não fazia referência a medidas de segurança a implementar para a realização daquele trabalho.

VII. Não obstante, tais omissões não constituíram a causa do acidente.

VIII. A sentença recorrida não padece de qualquer lapso, no que respeita ao apuramento dos valores indemnizatórios.

IX. Não existe qualquer lapso ao considerar-se 725,00 €x 14 meses (10.150,00 €), a título de vencimento base, + 5,90 € x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação, (1.427,80 €).

X. Na verdade, essa remuneração encontra respaldo nos recibos de vencimento do sinistrado (fls. 47) e foi tida em conta, desde logo, no auto de não conciliação (cf. fls. 123 a 127) com a qual a R. Seguradora concordou, sendo também essa a remuneração que consta no despacho saneador (fls. 252 a 253), no elenco dos factos assentes.
Terminou preconizando a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

Foi proferido despacho de admissão do recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação entendeu não haver lugar à emissão de parecer, nos termos do art. 87º, nº3 do C.Proc. Trabalho, em virtude da A. ser patrocinada pelo Ministério Público.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir:

II. Delimitação do objecto do recurso / questões a decidir
Como se extrai do nº 3 do art.º 635º e também dos arts. 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 todos do Código do processo Civil, aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não se mostrem precludidas.
Assim, face às conclusões da Recorrente as questões a apreciar e decidir são:
- Saber face ao quadro factual provado se estamos perante uma situação de descaracterização do acidente, nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
- Subsidiariamente, saber se o acidente se ficou a dever ao incumprimento das regras de segurança por parte da entidade patronal, nos termos do art. 18º da mesma Lei.
- Saber se a remuneração do sinistrado se encontrava ou não totalmente transferida.

III. Fundamentação
O Tribunal a quo decidiu assim a matéria de facto, que não foi objecto de impugnação.
Factos Provados
1. A A. AA é viúva do sinistrado BB.
2. No dia 19 de Março de 2021, em ..., Aveiro, o Sinistrado trabalhava como Pedreiro, sob as ordens, direcção, fiscalização e mediante instruções da R. B..., Ld.ª (R. Empregadora), numa obra de recuperação, remodelação e alteração de uma moradia unifamiliar, de construção antiga, com paredes de adobe, tectos de madeira e telhados assentes em barrotes e traves de madeira.
3. Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, no decurso de trabalhos de remoção/demolição do telhado de um compartimento/divisão da casa, o Sinistrado encontrava-se em cima de uma parede/empena, a cortar os barrotes que sustentavam o telhado, quando essa parede ruiu, tendo o Sinistrado, em consequência, sofrido queda no solo, de uma altura de cerca de 2,8 metros.
4. Mais concretamente, a determinada altura, para cortar/retirar um barrote que tinha ficado preso, o Sinistrado avançou de gatas em cima de uma parede com cerca de 40 centímetros de largura, até chegar ao lado oposto, onde se pôs de pé, na esquina formada pela parede que atravessou de gatas, com a parede que veio a ruir, com um pé em cada uma das paredes.
5. Aí, o Sinistrado pediu ajuda ao colega CC para retirar o barrote, tendo sido nessa altura que a parede ruiu.
6. Quando pediu ajuda ao colega CC, o Sinistrado disse-lhe para se afastar da parede em causa, porque esta poderia cair.
7. A parede/empena que ruiu era antiga e constituída por adobe, estando fragilizada em consequência dos trabalhos de remoção do telhado, que se iniciaram no dia anterior ao do acidente.
8. Aquando do acidente, só estavam na obra o Sinistrado e o colega de trabalho, CC.
9. A mãe da dona da obra, que mora na casa ao lado e na altura ia a passar, viu o Sinistrado a andar de gatas em cima da parede e disse-lhe para ter cuidado, para não cair de lá abaixo, tendo-lhe o Sinistrado respondido que não se preocupasse, porque estava habituado a isso.
10. No dia anterior ao do acidente, tinham sido retiradas pelo Sinistrado e pelo gerente da R. Empregadora as telhas que compunham a cobertura do telhado do compartimento em questão, usando para o efeito um andaime montado no exterior do compartimento, e foram cortadas parte das traves e barrotes de madeira que sustentavam as telhas e demolida a empena do telhado, no lado do corredor existente entre o compartimento e a parede da casa ao lado.
11. No dia seguinte (o do acidente) a obra foi retomada pela manhã, tendo o Sinistrado sido incumbido pelo gerente da R. Empregadora de cortar os restantes barrotes e o CC de remover o entulho do interior da divisão e depositá-lo num contentor da via pública, para posteriormente prosseguirem ambos com a retirada das telhas do telhado adjacente.
12. No dia do acidente, o andaime referido no n.º 10 dos factos provados estava no mesmo sítio do dia anterior e encontrava-se também no local uma escada em alumínio com nove degraus, cuja extremidade superior não ultrapassava a altura da parede do compartimento.
13. O Sinistrado utilizou a referida escada para subir ao topo da parede e dali aceder aos barrotes que devia cortar.
14. No dia do acidente, o Sinistrado queixou-se de dores de dentes, tendo-se ausentado durante cerca de 10 minutos para uma consulta no dentista, que acabou por não se concretizar.
15. O Sinistrado já trabalhava na construção civil há cerca de 40 anos, tendo começado a trabalhar para a R. Empregadora há cerca de 10 anos.
16. A obra em questão tinha Plano de Segurança e Saúde (PSS), com referência aos riscos gerais existentes, por equipamento e por actividade.
17. Desse PSS não constava, de forma clara, uma secção destinada às medidas de segurança a implementar para a específica tarefa de remoção/demolição de telhados - embora constassem “Fichas de avaliação e controlo de riscos” para a utilização de escadotes e andaimes e para a realização de trabalhos em altura.
18. Desse PSS não constavam cálculos de estabilidade das paredes e de empenas que pudesse determinar a necessidade do respectivo escoramento e contenção, no âmbito do processo de demolição/remodelação.
19. A R. Empregadora não diligenciou pela prévia colocação de escoras nem de andaimes na zona interior da divisão em causa, amarrados à laje existente, pela aplicação de linha de vida em volta dos andaimes, pelo seu interior, para utilização de arnês com corda de ligação.
20. Do acidente resultaram para o Sinistrado lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no próprio dia do acidente.
21. À data do acidente, o Sinistrado tinha 56 anos (visto que nasceu em ../../1964) e a sua morte causou à A. perturbação psicológica, tristeza e desgosto.
22. Na sequência do acidente sofrido pelo Sinistrado e da morte deste, a A. necessitou de acompanhamento psicológico, tendo comparecido a três consultas de psicologia (04/02/2022, 19/05/2022 e 02/06/2022), pelas quais despendeu a quantia global de € 120,00.
23. De acordo com o “Relatório Psicológico” elaborado na sequência dessas consultas, foi diagnosticado à A. um quadro de “Perturbação de Luto Prolongado”, sendo recomendado apoio especializado e intervenção psicológica, como suporte terapêutico.
24. Do casamento da A. com o Sinistrado nasceu uma única filha, já maior de idade, que reside no Luxemburgo.
25. A A. é trabalhadora de serviço doméstico, em residências particulares, tendo a falta de contributo do salário do Sinistrado como consequência a diminuição da qualidade de vida da A., que aufere apenas cerca de € 260,00 por mês de rendimentos de trabalho e uma pensão de sobrevivência por morte do sinistrado, no montante mensal de € 241,39.
26. A R. Empregadora é uma sociedade por quotas com o NIPC ... e o CAE principal ... para “projectos, construção, remodelação, reconstrução e reabilitação de edifícios”.
27. A R. Empregadora tem um quadro de trabalhadores ao seu serviço e mantém actividade regular.
28. A R. Empregadora é uma empresa bem considerada junto dos seus clientes e fornecedores.
29. A A. pagou € 2.086,00, pelo funeral do Sinistrado.
30. O instituto da Segurança Social, I.P. reembolsou à A. a quantia de € 1.316,43, a título de subsídio de funeral.
31. A A. despendeu em deslocações obrigatórias ao tribunal, na fase conciliatória dos autos, a quantia de € 10,00.
32. À data do acidente, o sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de € 11.577,80, repartida pelos seguintes valores:
- 725,00€ x 14 meses, a título de vencimento base (10.150,00€);
- 5,90€ x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação (1.427,80€).
33. A responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho encontrava-se transferida, à data do acidente, para a R. A... – Companhia de Seguros ..., S.A.6, pela R. Entidade Empregadora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., na modalidade de prémio fixo.

*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestações, nomeadamente:
- Que o A. estava a cortar os barrotes com o auxílio de uma serra eléctrica;
- Que o colega de trabalho, CC, alertou o Sinistrado para a fragilidade da parede e para colocar a escada na extremidade oposta e a partir da mesma aceder ao local;
- Que a parede ruiu quando o Sinistrado caminhava em cima dela;
- Que o Sinistrado tinha recebido expressas indicações do gerente da R. Empregadora para utilizar o andaime para realizar o trabalho que executava aquando do acidente;
- Que o Sinistrado tinha passado mal durante a noite, tendo-se automedicado, pelo que no dia do acidente se encontrava física e psicologicamente mal, cansado e sem estado de saúde que lhe permitisse cumprir com as suas funções;
- Que aquando do acidente e inclusivamente antes do Sinistrado ter ido ao dentista, já estavam cortados todos os barrotes;
- Que aquando do acidente, existia na obra outra escada, para além daquela que o Sinistrado usou para subir à parede;
- Que a mãe da dona da obra pediu ao Sinistrado para sair de cima da parede, por ser perigoso;
- Que o Sinistrado teve consulta de saúde agendada na empresa, a que não compareceu, o mesmo sucedendo às acções de formação a que era chamado;
- Que a R. Empregadora não prestou formação ao Sinistrado para a específica actividade de remoção/demolição de telhados;
- Que o Sinistrado conhecia o PSS ou as “fichas de avaliação e controlo de riscos”;
- Que o Sinistrado e o colega CC tinham os EPI’s disponíveis e utilizavam-nos.

- O Direito
Questão prévia
Como vimos, a decisão da matéria de facto não foi impugnada. Porém, sendo relevante para a decidir a terceira questão enunciada e não constando do nº 33 dos factos provados, ao abrigo do disposto nos arts 607º, nº4 e 662º, nº1 do C.P.Civil, impõe-se aditar aos factos provados o teor da apólice do contrato de seguro celebrado entre as RR., no que concerne à remuneração do sinistrado, documento não impugnado, inserto a 195 e 196 dos autos.
Assim, adita-se o seguinte facto à matéria de facto provada:
34- A remuneração mensal do sinistrado declarada pela R. Empregadora à R. Seguradora, constante das condições particulares da apólice nº ... é € 665,00 de salário base e de €110,00 de outras prestações.
Destarte, o quadro factual a considerar é a fixado pelo tribunal a quo acrescido do facto ora aditado.
- Da descaracterização do acidente
Da sentença recorrida consta a propósito desta questão o seguinte (transcrição):
«Defendem ambas as RR. que o acidente se deve considerar descaracterizado, nos termos do art. 4º, defendendo a R. Seguradora que resultou exclusivamente da falta de cuidado, grave e indesculpável, do Sinistrado, uma vez que, com negligência grosseira, desrespeitando as indicações que lhe foram dadas e sem qualquer justificação, caminhou directamente sobre uma parede, altamente instável, insegura e com evidente risco de queda, tendo perfeito conhecimento dos perigos daí decorrentes e de que a sua actuação era proibida.
Sustentando por seu turno a R. Empregadora que o Sinistrado teve culpa grave na decisão de reiniciar os trabalhos nas concretas circunstâncias em que o fez, porque estava física e psicologicamente mal, cansado e com dor de dentes; que o Sinistrado avaliou o risco em que se colocou a si próprio, mas apesar disso, permaneceu no local até à queda da parede; e que os barrotes já estavam todos cortados, pelo que o Sinistrado não tinha necessidade nem devia ter subido à parede, mas sim iniciar a segunda tarefa que lhe tinha sido solicitada, que era destelhar a divisão contígua.
Está em causa a denominada descaracterização do acidente de trabalho, que conduz à exclusão da responsabilidade pela reparação, pressupondo, nos termos do art. 14º n.º 1 (no que para o caso releva):
- Que o acidente provenha de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei – cfr. al. a).
O que implica que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: 1. Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, com exclusão das chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco; 2. Que a violação das condições de segurança não tenham causa justificativa – considerando-se no n.º 2 do art. 14º que existe causa justificativa da violação das condições de segurança “(…) se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”; 3. Que as condições de segurança sejam estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; 4. Que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado.
- E/ou que o acidente provenha exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado [cfr. al. b)], entendida como “comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão” – vd. n.º 3 do art. 14º.
Cabendo a quem invoca a descaracterização do sinistro (neste caso, às RR.) o ónus de demonstrar a verificação em concreto dos factos que a sustentam, visto estar em causa matéria de excepção – cfr. art. 342º n.º 2 do Cód. Civil.
No caso, provou-se que no dia do acidente de manhã, o gerente da R. Empregadora disse ao Sinistrado para cortar os restantes barrotes de madeira que sustentavam a cobertura do compartimento, que não tinham sido cortados na véspera, e ao CC para remover o entulho para um contentor, devendo ambos, de seguida, retirar as telhas do telhado adjacente.
Porém, não se demonstrou que o gerente da R. Empregadora tenha transmitido ao Sinistrado de que forma deveria realizar a tarefa de que o incumbiu, de cortar os barrotes de madeira, ou que cuidados deveria em concreto ter, para a desempenhar em segurança.
Razão pela qual não pode concluir-se que na génese do acidente esteve a desobediência do Sinistrado a ordens do empregador em matéria de segurança no trabalho, cuja observância seria causalmente adequada a evitar o acidente.
Não podendo igualmente afirmar-se que com a sua conduta, o Sinistrado violou normas legais em matéria de segurança no trabalho que se saiba que lhe foram efectivamente transmitidas ou que eram do seu conhecimento - nenhuma tendo sido, de resto, concretamente invocada pelas RR..
O que pode seguramente afirmar-se, perante a factualidade apurada, é que o Sinistrado agiu de forma negligente e descuidada, quando para cortar ou retirar um barrote que tinha ficado preso, avançou de gatas em cima de uma parede com cerca de 40 centímetros de largura, até ao lado oposto, pondo-se de pé, na esquina formada pela parede que atravessou de gatas, com aquela que veio a ruir.
Importa, porém, ter em conta que o acidente não se deu enquanto o Sinistrado caminhou de gatas ao longo do topo da parede com 40 cm de largura, até atingir a esquina formada com a parede que veio a ruir.
Pelo que não é propriamente esse o comportamento que para o caso mais releva, mas sim a circunstância de, chegado à esquina, se ter levantado, ficando com um pé em cima de cada uma das paredes - pois foi nessa ocasião, quando o Sinistrado pediu ajuda ao colega CC para retirar o barrote, que a parede ruiu.
A negligência e falta de cuidado do Sinistrado é acentuada pelo facto da parede/empena que ruiu ser já antiga, constituída por adobe e estar fragilizada em consequência dos trabalhos de remoção do telhado, iniciados no dia anterior.
Sabendo o Sinistrado que existia o risco da parede em causa cair, visto que quando pediu ajuda ao colega CC, disse-lhe para se afastar dela, porque poderia cair.
O que não nos parece é que o grau de descuido e negligência com que o Sinistrado actuou atinja o nível pressuposto pelo art. 14º n.º 3, al. b), de negligência grosseira, traduzida num comportamento temerário em alto e relevante grau, não reconduzível a acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Com efeito, o Sinistrado já trabalhava na construção civil há cerca de 40 anos e quando a mãe da dona da obra lhe disse para ter cuidado, para não cair abaixo da parede, respondeu-lhe para não se preocupar, porque estava habituado a isso.
Podendo concluir-se, nessa medida, que o manifesto excesso de voluntarismo e a negligência e descuido patentes na actuação do sinistrado, ao colocar-se de pé em cima das paredes, nas já descritas circunstâncias, encontra explicação na habitualidade ao risco, que é própria do trabalho da construção civil, que o Sinistrado já desempenhava há largos anos.
Sem que se tenha demonstrado o alegado pela R. Empregadora, no sentido de que os barrotes já estavam todos cortados e de que o Sinistrado não se encontrava física e psicologicamente em condições de executar o trabalho, em consequência da dor de dentes e de não ter conseguido a consulta no dentista - pese embora seja de admitir que essa dor de dentes o incomodasse. Em suma, não existe, a nosso ver, fundamento bastante para considerar descaracterizado o acidente, à luz do disposto no art. 14º n.ºs 1 e 2, als. a) e b).»

A R. Seguradora, recorrente, insurge-se contra o decidido e alegando erro na aplicação do direito aos factos, diz que a conduta do sinistrado tem de ser vista como um todo e não de forma parcelar como a sentença parece fazer. Defende que os factos provados mostram que o sinistrado agiu intencionalmente e violou, sem qualquer justificação as regras de segurança impostas pela entidade empregadora, caminhando diretamente sobre uma parede altamente instável, insegura e com evidente risco de queda, sabendo o perigo que corria, sendo que, se tivesse usado o andaime existente em obra o acidente não teria ocorrido, sendo o seu comportamento temerário em alto grau, inútil e indesculpável. Considera verificados todos os requisitos previstos no art. 14º, nº1 da LAT e, consequentemente, excluído o direito à reparação.
E, caso assim não se entenda, sustenta que o acidente resultou do não cumprimento pela entidade empregadora, nos termos do art. 18º da LAT.
A R. Empregadora corrobora a posição da recorrente quanto à descaracterização do acidente, dizendo ainda que, apesar de não se ter provado que o sinistrado havia recebido indicações expressas do seu gerente para utilizar o andaime existente na obra, face à sua longa experiência profissional devia tê-lo utilizado, tendo violando as condições/ regras de segurança, ao caminhar de gatas sobre uma parede até atingir a parede/empena onde se encontrava o barrote preso colocando-se aí de pé, sabendo que existia o risco desta ruir, como veio a suceder. Mais sustenta que a conduta do sinistrado traduz um comportamento temerário em alto e relevante grau, não justificável pela habitualidade ao risco e que foi a causa exclusiva o acidente.
A A., pronunciou-se pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
Apreciando
Entraremos directamente na questão em apreço, assinalando apenas que o acidente ocorreu no tempo e local de trabalho, consubstanciando um acidente de trabalho, à luz da definição constante do n.º1 do art.º 8.º, da Lei 98/2009 de 4.9 (doravante LAT) que actualmente regulamenta o regime de reparação de acidente de trabalho e doenças profissionais, sendo que, quando a lei se reporta à sua “descaracterização”, está a referir-se à exclusão do direito à reparação infortunística.
Sob a epígrafe “descaracterização do acidente, preceitua o art.º 14º da LAT:
1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
c)(…)
2. Para efeitos do disposto na al. a) do número anterior , considera-se que existe causa justificativa da violação das regras de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação dificilmente teria conhecimento ou, tendo, lhe fosse manifestamente entendê-la.
3. Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Este normativo teve como antecedentes na Lei 2121, a Base VI e o art. 18.º do respectivo regulamento e na Lei 100/97 de 13.9 o art. 7.º, conjuntamente com o art. 8.º do D.L.143/99 de 39 que a regulamentou, sendo que o actual art. 14º não introduziu alterações de relevo procurou essencialmente integrar os contributos que foram sendo desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência a partir dos preceitos anteriores. Por isso, mantêm validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais decorrentes da interpretação e aplicação de tais preceitos.
Comecemos por averiguar se o acidente proveio de acto ou omissão do sinistrado que tenha violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei-
Para tal face ao disposto no citado art. 14, nº 1, al. a) é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; (b) violação, por acção ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; (c) que a actuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; (d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Como vimos, na sentença recorrida considerou-se que não tendo ficado demonstrado que o gerente da entidade empregadora quando, na manhã do acidente, disse ao sinistrado para cortar os restantes barrotes de madeira da cobertura que não tinham sido cortados na véspera, lhe tivesse transmitido a forma como devia executar a tarefa de que o incumbiu e que cuidados devia ter para a desempenhar em segurança, não pode concluir-se que na génese do acidente esteve a desobediência do sinistrado a ordens do empregador em matéria de segurança no trabalho, cuja observância seria causalmente adequada a evitar o acidente, afastando assim a aplicação da al.a) do nº1 do art. 14º
As RR. sustentam o contrário, dizendo que o sinistrado devia ter usado o andaime que se encontrava na obra para cortar o barrote que ficara preso na parede que servia de empena e não subir e caminhar de gatas por uma parede até chegar à esquina com a parede/empena para cortar/ retirar o barrote.
Recordemos os factos provados:
O acidente ocorreu no decurso dos trabalhos de recuperação, remodelação e alteração de uma moradia unifamiliar, de construção antiga, com paredes de adobe, tectos de madeira e telhados assentos em barrotes e traves de madeira- nº1
No dia anterior ao do acidente, tinham sido retiradas pelo Sinistrado e pelo gerente da R. Empregadora as telhas que compunham a cobertura do telhado do compartimento em questão, usando para o efeito um andaime montado no exterior do compartimento, e foram cortadas parte das traves e barrotes de madeira que sustentavam as telhas e demolida a empena do telhado, no lado do corredor existente entre o compartimento e a parede da casa ao lado- nº10
No dia do acidente (19.3.2021) a obra foi retomada pela manhã, tendo o Sinistrado sido incumbido pelo gerente da R. Empregadora de cortar os restantes barrotes e o trabalhador CC de remover o entulho do interior da divisão e depositá-lo num contentor da via pública, para posteriormente prosseguirem ambos com a retirada das telhas do telhado adjacente- nº11
Nesse dia, o andaime usado no dia anterior estava no mesmo sítio e encontrava-se também no local uma escada em alumínio com nove degraus, cuja extremidade superior não ultrapassava a altura da parede do compartimento- nº12
O Sinistrado utilizou a referida escada para subir ao topo da parede e dali aceder aos barrotes que devia cortar- nº13
Mais concretamente, a determinada altura, para cortar/retirar um barrote que tinha ficado preso, o Sinistrado avançou de gatas em cima de uma parede com cerca de 40 centímetros de largura, até chegar ao lado oposto, onde se pôs de pé, na esquina formada pela parede que atravessou de gatas, com a parede que veio a ruir, com um pé em cada uma das paredes- nº4
Aí, o Sinistrado pediu ajuda ao colega CC para retirar o barrote, tendo sido nessa altura que a parede ruiu, provocando a queda do sinistrado no solo, de uma altura de cerca de cerca de 2,8 metros – nºs 3 e 5
Quando pediu ajuda ao colega CC, o Sinistrado disse-lhe para se afastar da parede em causa, porque esta poderia cair- nº 6
A mãe da dona da obra, que mora na casa ao lado e na altura ia a passar, viu o Sinistrado a andar de gatas em cima da parede e disse-lhe para ter cuidado, para não cair de lá abaixo, tendo-lhe o Sinistrado respondido que não se preocupasse, porque estava habituado a isso- nº9
O Sinistrado já trabalhava na construção civil há cerca de 40 anos, tendo começado a trabalhar para a R. Empregadora há cerca de 10 anos- nº15
A parede/empena que ruiu era antiga e constituída por adobe, estando fragilizada em consequência dos trabalhos de remoção do telhado, que se iniciaram no dia anterior ao do acidente- nº7
Aquando do acidente, só estavam na obra o Sinistrado e o colega de trabalho, CC. nº8

Ante este quadro factual, reconhecemos que, como refere o Mmo Juiz a quo, o sinistrado no dia do acidente não recebeu instruções expressas sobre a forma como devia executar a tarefa de que foi incumbido, nem sobre os cuidados que deveria ter para a desempenhar em segurança.
E a aplicação deste normativo pressupõe efectivamente, por regra, a violação por parte do trabalhador de ordens expressas do empregador relacionadas com as condições de segurança na execução do trabalho, não bastando avisos genéricos ou avisos provenientes de terceiros, por não configurarem a ponderabilidade com que devem ser estabelecidas e recebidas as condições de segurança, como refere, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., p. 61, em anotação ao artigo 7º da Lei 100/97, o que continua a ser válido face à redacção do actual art. 14º.
Porém, aí explicita também o mesmo autor que “A ordem ou proibição, não terá assim, que ser expressa, se o perfeito conhecimento dela resultar tacitamente por outros meios”.
Ora, neste caso, se no dia anterior o sinistrado e o gerente da R. empregadora já haviam iniciado os trabalhos, retirando as telhas que compunham a cobertura do telhado do compartimento em questão e cortado parte das traves e barrotes de madeira que sustentavam as telhas, com o recurso a um andaime montado no exterior do compartimento, tratando-se da continuação do mesmo trabalho, entendemos que eram dispensáveis novas instruções, pois o trabalhador já sabia como o devia fazer, devia continuar a cortar os barrotes com o recurso ao andaime que estava na obra, colocando-o no local onde fosse necessário para aceder aos mesmos.
Trabalhando o sinistrado há cerca de 40 anos na construção civil, 10 dos quais ao serviço da R. Empregadora, já tinha muita experiência profissional, presume-se que sabia que os trabalhos em altura exigem e adopção de medidas de segurança e possuía os conhecimentos para continuar o trabalho iniciado no dia anterior, sendo normal e exigível que o fizesse da mesma forma, ou seja, com recurso ao andaime.
E cremos ser de concluir que ao subir à parede, com cerca 2,80 m de altura e caminhar de gatas até ao lado oposto para aceder à parede/ empena onde se encontrava preso o barrote a cortar / retirar, o sinistrado não podia ignorar que estava a infringir as condições de segurança, sendo que, como decorre do art. 17º, nº1 da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, constituem obrigação do trabalhador, entre outras, cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e as instruções determinadas pelo empregador com esse fim, bem como zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e saúde das pessoas que possam ser afetadas pelas suas ações ou omissões no trabalho.
Em suma, consideramos que o empregador determinou no primeiro dia em que participou no trabalho o procedimento de segurança a adoptar, uso do andaime, que o sinistrado devia ter observado no dia seguinte na continuação do trabalho, pelo que não o tendo feito, infringiu as condições de segurança estabelecidas por aquele.
Porém, tal infracção só determina a descaracterização do acidente se não existir causa justificativa, sendo que, nos termos do nº2 do art. 14º «considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.»
Ora, atentando na factualidade provada, dela não resulta que a conduta do sinistrado possa considerar-se justificada com base nas circunstâncias enunciadas neste normativo.
Mas determinará qualquer infracção das regras de segurança a descaracterização do acidente?
A questão não é pacífica. O acórdão do STJ de 11.05.2017, proferido no Proc. 1205/10.1TTLSB.L1, S1, de que foi relator o Conselheiro Chambel Mourisco, tratou-a de forma detalhada e proficiente, pelo que passamos a transcrever, o que aí consta, inserindo-se no texto, o teor das notas de rodapé:
«O Professor Pedro Romano Martinez, in Direito, 2013, 6ª ed. Almedina, pag. 819 e segs, quando analisa as causas de exclusão e de redução da responsabilidade emergente de acidente de trabalho, a propósito da culpa do trabalhador, refere que a “exclusão ou a redução da responsabilidade por acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima. Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta”, mas “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”
O mesmo Professor, ainda no âmbito das causas de exclusão, quando se pronuncia sobre a violação das condições de segurança sem causa justificativa, referida no art.º 14.º, n.º 1, alínea a), do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, sublinha “Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1, do art.º 14.º, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.
As condições de segurança, quando estabelecidas pela entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa, de ordem de serviço ou de aviso afixado em local apropriado na empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros sectores, nomeadamente na circulação rodoviária.
Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”
O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, in O acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, pág. 2223 e segs, refletindo sobre a posição assumida pelo Professor Pedro Romano Martinez, aprofunda a questão, fazendo uma incursão pelos antecedentes da atual legislação, concluindo que “Parece-nos, com efeito, que, tanto pelas razões históricas já atrás aduzidas, como para garantir a coerência do sistema face às consequências extremamente severas da descaracterização - com a exclusão de todas as prestações, ressalvando-se apenas o dever de prestar primeiros socorros e pedir auxílio – não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras «justificações» poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho.”
Quanto à apreciação da culpa, o citado Professor aponta que a mesma “deverá ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a eventual passividade do empregador perante condutas similares no passado – até porque muitos especialistas sublinham que o desrespeito por regras de segurança resulta, muitas vezes, de o trabalhador tentar encontrar «atalhos» para produzir mais rapidamente, sobretudo quando lhe são impostos ritmos de produção muito elevados ou de o trabalho ter sido, anteriormente, elogiado ou apreciado, apesar de o empregador bem saber que tinha sido prestado com violação das condições de segurança – e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais, como o cansaço, o calor ou o ruído existentes no local de trabalho”.
A posição defendida pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes parece-nos bem conforme com os objetivos de uma lei que se pretende que seja o mais amplamente reparadora dos acidentes de trabalho, daí que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.» (sublinhado nosso)
E no seguimento de tal posicionamento nesse mesmo aresto decidiu-se que «a habitualidade ao perigo e o excesso de confiança na experiência profissional podem determinar, da parte dos trabalhadores, um aligeiramento das condições de segurança e levar à prática de atos imprudentes no decurso da execução de certos trabalhos, que não integram o conceito de negligência grosseira»
Mais recentemente, o STJ reiterou tal entendimento, no Ac. de 1.02.2023, Proc. 9573/18.0T8PRT.P1.S1, de que foi relator o Conselheiro Júlio Gomes, constando no respectivo sumário:
«I. Para que o acidente de trabalho possa ser descaracterizado por violação de regras de segurança exige-se culpa grave do trabalhador nessa violação.
II. Age sem culpa grave o trabalhador que, confiando na sua experiência profissional e habituado ao perigo, sobe a um telhado, do qual veio a cair, queda que resultou na sua morte, sem adotar medidas especiais de segurança, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo e antes da execução de qualquer obra.»
Igual posição foi adoptada no Ac. desta Secção Social de 14-07-2021, relatado pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho, no qual depois de enunciadas as posições dos Professores Pedro Romano Martinez e Júlio Gomes se concluiu: «Seja como for, em ambas as posições doutrinais acima referidas, e assim também o consideramos, se entende que não será toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, sendo certo que também na posição do Professor Pedro Romano Martinez “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”
Com efeito, diga-se que, a nosso ver, a par da intensidade da culpa, também a própria gravidade da infracção é susceptível de gradação [assim, e tomando como exemplo, a segurança rodoviária, o excesso de velocidade será tanto mais grave quanto maior for o excesso], a essa gravidade se devendo e podendo atender no âmbito da al. a), 2ª parte, do art. 14º.
E, por outro lado, afiguram-se-nos na verdade redutoras as causas justificativas da violação referidas no nº 2 do art.14º, sendo que se acompanha o entendimento do mencionado Acórdão do STJ de 11.05.2017».
Acompanhando-se tal entendimento, vejamos se a violação das condições de segurança no presente caso é de tal modo grave e indesculpável que deva conduzir à descaracterização do acidente.
Como vimos, o sinistrado em vez de colocar o andaime para cortar o barrote que ficara preso, subiu para uma parede, com cerca de 40 cm de largura e de 2,80 m. de altura, e caminhou sobre ela de gatas até à esquina com a parede/empena onde tinha ficado um barrote preso e aí levantou-se, ficando com um pé em cada uma das paredes, e pediu ajuda ao colega CC para retirar o barrote, tendo sido nessa altura que a parede caiu.
A infracção das condições de segurança cometida pelo trabalhador não pode deixar de ser considerada objectivamente grave, pois este subiu e caminhou sobre uma parede com 2,80 m de altura sem qualquer equipamento de segurança que pudesse acautelar o perigo de queda.
No entanto, tal comportamento resultou seguramente da habitualidade do trabalhador ao perigo e da confiança na sua experiência profissional, pois, quando a mãe da dona da obra o viu a andar de gatas sobre a parede e lhe disse para ter cuidado, para não cair de lá abaixo, ele respondeu-lhe que não se preocupasse, porque estava habituado (nº 9 dos factos provados).
Ora, como se decidiu no citado acórdão do S.T.J de 1.2.2023, a habitualidade ao perigo e a confiança na experiência profissional, além de excluírem a negligência grosseira, nos termos do nº 3 do art. 14º, também afastam a culpa grave no caso da conduta do trabalhador configurar a violação de regras de segurança.
Destarte, face ao concreto circunstancialismo apurado, cremos que o comportamento do trabalhador, sendo claramente imprudente e censurável, não se apresenta suficientemente grave para justificar a “descaracterização”, isto é, a perda total do direito à reparação ou, de dito de outra forma, tal circunstancialismo consubstancia causa que torna justificável ou aceitável o incumprimento verificado.
Concluímos, assim, que não deve o acidente de trabalho ser descaracterizado ao abrigo do art. 14º, nº 1, al. a), 2ª parte e al. b) improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

- Do incumprimento das regras de segurança por parte da entidade empregadora

Na sentença recorrida decidiu-se que o acidente não resultou da inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho, com a seguinte argumentação:
“Estabelece o art. 18º, na parte que para o caso releva, que “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. (…)
4 – No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; (…)».
Consagra o transcrito normativo, na esteira do que já anteriormente previa o art. 18º n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13/09, aquilo que vulgarmente se designa por “agravação da reparação” por parte da entidade empregadora, estabelecendo-se no art. 79º n.º 3 que nesses casos de reparação agravada, “(…) a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Em consonância, a parte uniforme da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem em vigor à data do sinistro, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, preceitua na sua cláusula 28º, sob a epígrafe “Direito de regresso do segurador”, que “1 – Após a ocorrência de um acidente de trabalho, o segurador tem direito de regresso contra o tomador do seguro, relativamente à quantia despendida: a) Quando o acidente tiver sido provocado pelo tomador do seguro, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observância, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, ou aqueles tenham lesado dolosamente o segurador após o sinistro. (…)
2. – Nos casos previstos nas 1.ª e 2.ª partes da alínea a) do número anterior, o segurador satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Para que se possa concluir pela verificação em concreto da responsabilidade agravada do empregador, nos termos do citado art. 18º n.º 1 e à semelhança do que sucedia à luz do regime pretérito (cfr. art. 18º n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13/09) é necessário:
- Que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cujo acatamento, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do acidente;
- Que a entidade empregadora (ou seu representante) não tenha observado essas regras, não agindo dessa forma com o cuidado exigível a um empregador normalmente prudente, colocado em idêntica situação;
- Que entre a sua conduta incumpridora e o acidente exista um nexo de causalidade adequada, em termos de se poder afirmar que tal conduta é uma condição sem a qual o sinistro não se tinha verificado e constitui, em geral e abstracto, uma causa adequada a provocá-lo.
Sendo que, atentas as regras plasmadas no art. 342º do Cód. Civil, cabe a quem invoca a inobservância das regras de segurança pela entidade patronal – in casu, à A. e à R. Seguradora – o ónus da prova dos factos demonstrativos dos enunciados requisitos.
No caso, tanto o A. como a R. Seguradora fundamentam a responsabilização da R. Empregadora, na alegação de que esta não diligenciou pela avaliação de riscos para a específica actividade de remoção/demolição de telhados que o Sinistrado executava, não lhe proporcionou formação específica adequada para a levar a cabo, não implementou na obra as medidas de segurança adequadas e necessárias, como a colocação de escoras e não forneceu ao Sinistrado os meios de protecção necessários para prevenir as quedas em altura.
Quanto a tal argumentação, não se provou que a R. Empregadora não prestou formação ao Sinistrado para a específica actividade de remoção/demolição de telhados.
Tendo-se provado que o PSS existente para a obra em questão (de que se encontra junta cópia a fls. 64 a 93 dos autos) fazia referência aos riscos gerais existentes, por equipamento e por actividade, e integrava “Fichas de avaliação e controlo de riscos” para a utilização de escadotes e andaimes e para a realização de trabalhos em altura.
Dele não constando, de forma clara, uma secção destinada às medidas de segurança a implementar para a específica tarefa de remoção/demolição de telhados, nem cálculos de estabilidade das paredes e de empenas que pudesse determinar a necessidade do respectivo escoramento e contenção.
Tendo-se demonstrado que a R. Empregadora não diligenciou pela prévia colocação de escoras nem de andaimes na zona interior da divisão em causa.
Sucede que, como já acima se disse, as ordens que o Sinistrado tinha recebido do gerente da R. Empregadora eram para cortar os barrotes que ainda não tinham sido cortados no dia anterior.
E embora não se tenha provado que tenha dito ao Sinistrado para usar para o efeito um andaime, a verdade é que o A. tem 40 anos de experiência na construção civil e existia no local um andaime, que o A. podia porventura ter usado para realizar essa tarefa, mudando-o do local onde tinha ficado montado no dia anterior, conforme as necessidades.
O que o Sinistrado não devia ter feito, para cortar ou retirar um barrote que tinha ficado preso, era atravessar de gatas uma parede e pôr um pé nessa parede e outro na que veio a ruir, sabendo que existia risco de tal poder acontecer.
Essa forma de agir, negligente e descuidada, não pode ser imputada à R. Empregadora, nem pode afirmar-se que a parede teria caído, se para cortar/desprender os barrotes o A. tivesse usado um andaime, em vez de se colocar de pé em cima da parede.
Desconhecendo-se qualquer obrigatoriedade legal de figurar no PSS o cálculo de estabilidade das paredes, em ordem a avaliar a necessidade do seu escoramento.
A factualidade dada como provada não habilita a conclusão de que foi em consequência de omissões imputáveis à R. Empregadora que o acidente se deu.
Pelo que não há fundamento bastante para responsabilizar a R. Empregadora pela reparação do sinistro, nos termos do art. 18º.
Consequentemente, cabe exclusivamente à R. Seguradora a reparação do acidente, face ao contrato de seguro que celebrou com a R. Empregadora.”

Como vimos, a recorrente atribuindo o acidente à actuação culposa do sinistrado, para o caso de assim não se entender, sustenta que deve ser considerado que o mesmo ocorreu por incumprimento das medidas de segurança por parte da R. Empregadora, aduzindo, em síntese, que esta não diligenciou pela avaliação de riscos específica para a atividade de remoção/demolição de telhados, não proporcionou ao sinistrado a formação específica adequada para a realização daquela atividade e não implementou na obra as medidas de segurança adequadas e necessárias, como a colocação e escoras e não forneceu ao sinistrado os meios de proteção necessários para prevenir as quedas em altura, então resultará na culpa da entidade patronal.
Por seu turno, a R. Empregadora defende que face à matéria de facto provada, que não foi impugnada, não existe fundamento para a sua responsabilização pelo acidente nos termos do art. 18º da LAT.
A. A. pronunciou-se pelo acerto do decidido.
Vejamos
Antes de mais, importa esclarecer que não tendo sido impugnada a decisão da matéria de facto, não pode a recorrente continuar a afirmar que R. Empregadora não proporcionou ao sinistrado a formação específica adequada para a realização da actividade de remoção/ demolição de telhado, remetendo para o inquérito da ACT quando tal facto foi dado como não provado e, como tal, não pode agora ser considerado.
Por outro lado, atentando na alegação da recorrente nesta parte, não podemos deixar de notar que verdadeiramente não rebate a argumentação que levou o tribunal a quo a afastar a responsabilidade agravada da R. Empregada, indicando os fundamentos por que pede a alteração do decidido, limitando-se em grande medida a repetir o alegado na contestação.
Ora, desde já adiantamos que, consideramos ter feito o tribunal a quo uma correcta subsunção jurídica dos factos em questão.
Como é sabido, a reparação dos danos por acidente de trabalho vigente resulta do rompimento com uma perspetiva tradicional (civilística) de reparação dos danos causados, perspetiva essa que só concebia o dever de reparar desde que houvesse culpa do causador do dano, perspetivando-se no caso de acidente de trabalho a reparação pelo beneficiário da prestação do trabalho (o empregador) ainda que nenhuma culpa lhe possa ser imputada.
Todavia, o referido art.º 18º da LAT prevê a responsabilidade em situações de «atuação culposa do empregador», prevendo que essa responsabilidade abranja “a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (responsabilidade agravada, portanto, em relação à responsabilidade que em geral existe em situações de acidente de trabalho).
No caso em apreço, está em causa a 2ª parte do nº 1 do art.º 18º da LAT, que prevê que no caso de o acidente resultar da falta de observação, pelo empregador, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade é agravada nos termos que se referiu, decorrendo do art.º 79º, nº 3 da LAT que a responsabilidade da seguradora é, nesse caso, meramente subsidiária.
E dado que a responsabilização agravada da entidade empregadora tem como consequências um agravamento, em benefício do sinistrado ou demais beneficiários previstos na lei, da base de cálculo das prestações indemnizatórias, por um lado, e que as seguradoras só respondem solidariamente pelas prestações que seriam devidas em caso de actuação não culposa, assistindo-lhe direito de regresso em face da empregadora, para que essa dupla consequência possa operar, mister é que sobre o sinistrado/beneficiários e sobre as seguradoras recaia o ónus de alegarem e provarem, não só a inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, como ainda que foi essa inobservância a causa adequada do acidente (nº 2 do art. 342º do Código Civil) – cfr. acórdãos do STJ de 8/1/2013 (revista 507/07.9TTVC.T.P1.S1), de 5/1/2012 (revista 486/07.2TTSTS.P1.S1), da Relação de Lisboa de 8/2/12 (apelação 5448/07.7TTLSB.L1-4), da Relação do Porto de 17/1/2011 (apelação 817/07.5TTBRG.P1), da Relação de Évora de 5/7/12 (apelação 236/10.6TTEVR.E1), da Relação de Coimbra de 16/6/2016 (apelação 933/11.9TTCBR.C1).

No caso subjudice, ficou provou que a R. empregadora tinha para a obra em apreço um Plano de Segurança e Saúde (PSS), com referência aos riscos gerais existentes, por equipamento e por actividade. Desse PSS não constava, de forma clara, uma secção destinada às medidas de segurança a implementar para a tarefa específica de demolição /remodelação, nem cálculos de estabilidade das paredes e empenas, embora constassem “Fichas de avaliação e controlo de riscos” para a utilização de escadotes, andaimes e para a realização de trabalhos em altura- cfr. nºs 16 a 18.
Mais se provou que a R. empregadora não diligenciou pela prévia colocação de escoras nem de andaimes na zona interior da divisão em causa, amarrados à laje existente, pela aplicação de linha de vida em volta dos andaimes, pelo seu interior, para utilização de arnês com corda de ligação- cfr. nº 19 dos factos provados.
Ora, é certo que o Plano de Segurança e Saúde da Obra, que se mostra organizado por actividades e equipamentos, não tem uma secção específica destinada às medidas de segurança a implementar para a específica tarefa de remoção/demolição de telhados, mas analisando as fichas de avaliação e controlo de riscos para a realização de trabalhos em altura, insertas a fls 102 v e 103 dos autos, vê-se que aí consta um conjunto de regras de segurança a observar nos trabalhos em diversos tipos de coberturas (asna, telha ou painel) com expressa referência, nomeadamente ao escoramento e, como se refere na sentença, desconhece-se qualquer normativo que imponha a obrigatoriedade dos cálculos de estabilidade das paredes e empenas figurarem no PSS, neste tipo de obras, sendo que, a recorrente também não o indica, pelo que, não se nos afigura ter ocorrido incumprimento pela R. empregadora ao nível da planificação dos riscos e medidas de segurança a adoptar para os prevenir.
Relativamente à implementação das medidas de segurança ficou demonstrado que R. empregadora não diligenciou pela prévia colocação de escoras nem de andaimes na zona interior da divisão em causa, amarrados à laje existente, pela aplicação de linha de vida em volta dos andaimes, pelo seu interior, para utilização de arnês com corda de ligação.
O Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção, constante do Decreto nº41 821 de 11.8, no capítulo respeitante às demolições, art. 61º, §1º estabelece que: «Sempre que se torne necessário ou vantajoso serão montados andaimes para a demolição, devendo ser construídos completamente desligados da zona em demolição, e de modo a poderem resistir, dentro de limites razoáveis, a pressões de desmoronamentos acidentais.»
Quer deste normativo, quer das regras de experiência, resulta que a montagem de andaimes deve ser ajustada às necessidades que se verificarem no decurso dos trabalhos.
E na obra existia um andaime que no dia anterior ao acidente esteve montado no exterior do compartimento e foi usado pelo empregador e pelo trabalhador para retirarem as telhas e cortarem parte das traves e barrotes- cfr. nº10 dos factos provados.
Na decisão recorrida considerou-se que o sinistrado, tendo em conta a sua longa experiência de trabalho na construção civil, para cortar ou retirar um barrote que tinha ficado preso, não devia atravessar de gatas uma parede e pôr um pé nessa parede e outro na que veio a ruir, sabendo que existia risco de tal poder acontecer, devia ter utilizado o andaime usado no dia anterior colocando-o onde fosse necessário.
Face ao que deixámos dito no que concerne à questão da descaracterização do acidente, concordamos com este entendimento, consideramos até que o sinistrado violou as condições de segurança tacitamente estabelecidas pelo empregador e que tinha a obrigação de ter utilizado o andaime para cortar o barrote em vez de subir à parede para o retirar.
E foi a sua conduta a causa directa do acidente, apesar de desculpável pela habitualidade ao risco e confiança na sua experiência profissional que infelizmente se revelou excessiva.
Por conseguinte, não podemos deixar de concordar com a ponderação feita na decisão recorrida de que a factualidade dada como provada não habilita a conclusão de que foi em consequência de omissões imputáveis à R. Empregadora que o acidente se verificou, o que exclui a respectiva responsabilização, nos termos do art. 18º da LAT, sucumbindo também nesta parte a pretensão da recorrente.

- Da incorrecção da sentença no que respeita à retribuição transferida

Nesta questão assiste razão à recorrente.
Os factos provados são os seguintes:
- À data do acidente, o sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de € 11.577,80, repartida pelos seguintes valores: 725,00€ x 14 meses, a título de vencimento base (10.150,00€) e 5,90€ x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação (1.427,80€)- nº32.
- A responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho encontrava-se transferida, à data do acidente, para a R. A... – Companhia de Seguros ..., S.A.6, pela R. Entidade Empregadora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., na modalidade de prémio fixo- nº33
- A remuneração mensal do sinistrado declarada pela R. Empregadora à R. Seguradora, constante das condições particulares da apólice nº ... é € 665,00 de salário base, com o acréscimo de €110,00 de outras prestações- nº34 aditado
Como se vê, o sinistrado auferida a remuneração anual de € 11.577,80.
Porém, a R. Empregadora tinha declarado à R. Seguradora no âmbito do contrato de seguro, na modalidade de prémio fixo, celebrado com esta somente o valor anual de € 10.520,00.
Ora, nos termos do nº4 do art 79º da LAT «Quando a retribuição declarada para efeitos do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação aquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida».
E o nº5 do mesmo preceito legal dispõe que: «No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.»
Destarte, a R. Empregadora responde pela pensão devida à A. na parte respeitante à retribuição não transferida, cujo valor é de € 1.057,80.
Assim, tendo a A. direito à pensão anual no montante de €3.473,34, é da responsabilidade da R. Seguradora o montante de €3.156,00 e da responsabilidade da R. Empregadora o montante de €347,34, impondo-se a alteração da sentença nesta conformidade.

IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes desta Secção Social da Relação do Porto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo alterar:
O ponto I al. a) do dispositivo da sentença que passa a ser o seguinte:
- Condenam-se ambas as RR. a pagarem à A. o capital de remição da pensão anual de € 3.473,34 (três mil quatrocentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos) sendo € 3.156,00 da responsabilidade da seguradora e € 317, 34 da responsabilidade da entidade empregadora, com efeitos desde 20.3.2021, com dedução do que já recebeu do FAT, a título de pensão provisória.
E ponto IV que passa a ter o seguinte teor:
- Condenam-se R. Seguradora e a R. Empregadora a reembolsar o FAT da quantia por este paga à A. a título de pensão provisória, na proporção, respectivamente, de €90,86% e 9,14%,
- No demais, mantém-se a sentença recorrida.
*
Custas da acção a cargo da A. e das RR., na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527º, nºs 1 e2 do C.P.C) sem prejuízo do apoio judiciário de que a primeira beneficia.
As custas do recurso são inteiramente a cargo da R. seguradora, porquanto na parte em que obteve vencimento não houve oposição da R. empregadora.
Notifique

Porto, 29 de Janeiro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Eugénia Pedro
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes