AUDIÊNCIA PRÉVIA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE CONTA BANCÁRIA
Sumário

I - A posição do réu perante o facto deve ser uma posição clara perante a verdade, tal como ela é alegada pelo autor. Por assim ser, não pode um réu despejar num enunciado diferentes fundamentos possíveis de impugnação (até incompatíveis entre si) e adjudicar ao tribunal a tarefa de os distribuir pertinentemente por cada uma das proposições de facto postas pelo autor.
II - Não deve o réu dizer, usando um conceito jurídico polissémico, que “impugna o facto”; deve, sim, claramente, dizer se o facto é falso, total ou parcialmente – neste caso, indicando com precisão a parte falsa e a parte verdadeira –, se é verdadeiro ou se o desconhece.
III - A conduta referida nos pontos anteriores não tem efeito útil impugnatório, sem prejuízo de se encontrar impugnada toda a matéria alegada pelo autor inconciliável com a versão dos factos posta pelo réu nos restantes artigos da contestação.

Texto Integral

Processo n.º 16522/22.0T8PRT.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Local Cível do Porto - Juiz 4


Recorrente(s) Banco 1..., S.A.
Recorrido(a/s) A..., S.A.



Sumário
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Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

A..., S.A., instaurou a presente ação para “apresentação de coisas ou documentos”, com processo especial de jurisdição voluntária, contra Banco 1..., S.A., pedindo que:

A) O Requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal a documentação/informação documentada/listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos, designadamente de rendas, que Requerente efetuou, referentes aos anos de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;
B) O Requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;
C) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória a pagar pelo Requerido, de valor não inferior a 4.500,00 € por cada dia de atraso no cumprimento pontual e completo do requerido em A) e em B);

Para tanto, alegou que solicitou por diversas vezes ao réu os referidos documentos, mas que aquele, até hoje, não lhos disponibilizou, sendo certo que tais documentos (listagem com extrato de conta completo e os recibos de quitação) são indefetíveis, necessários, para verificar, comprovar, os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a autora possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.

Citado o réu, ofereceu este a sua contestação, alegando, no essencial, que “já foram disponibilizadas à autora a grande maioria dos documentos e informações que ora peticiona”, “mas em sede judicial”, não podendo juntar o extrato integral da “conta geral de recuperação do leasing”, por estar sujeito a sigilo bancário, por abranger tal extrato transferências de inúmeros outros clientes do réu, apenas podendo juntar o “extrato da conta Lease [que] é o da conta-espelho que reflete todos os pagamentos” da autora, o que já fez noutros processos. “A autora é uma sociedade anónima, (…) pelo que também se encontra adstrita à obrigação de arquivo da referida documentação” que já lhe foi disponibilizada, devendo “indicar e concretizar quais os movimentos específicos a que se refere, juntando para o efeito o respetivo comprovativo do depósito/transferência efetuada para a conta da Leasing (DDA ...22)”.
Acrescenta que “a listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas por conta do contrato, documento cuja junção a autora solicita, inexiste enquanto tal”. Os “extratos da conta de depósitos à ordem [da ré] (…) já lhe foram enviados”. Em suma, “a autora dispõe já na sua posse de todos os documentos que titulam ou refletem todos os pagamentos que foram efetuados entre o início do contrato - ...09 – e a sua resolução – 2014”.

Findos os articulados, o tribunal a quo julgou a ação procedente, concluindo nos seguintes termos:
1) condeno o requerido a apresentar no Juízo Local Cível do Porto no dia 27 de Abril de 2023, pelas 14 horas: a) a documentação/informação documentada/listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos, designadamente de rendas, que a requerente efectuou, referentes aos anos de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objectiva; b)- todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objectiva;
2) condeno o requerido no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €500 (quinhentos euros) por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em 1).

Inconformado, o réu apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
2. O tribunal a quo, ao proferir saneador sentença sem ter convocado a audiência prévia que neste caso era obrigatória e sem ter exercido o prévio contraditório relativamente à sua dispensa, incorreu em nulidade que afeta a sentença, pois que proferiu decisão de mérito em circunstâncias onde ainda lhe estava vedado fazê-lo, nulidade esta que se argui para todos os efeitos, nos termos 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância para prosseguirem os seus termos com a designação da audiência prévia.
3. A sentença recorrida é obscura, pois que não esclarece que documentos o tribunal pretende que o Banco Requerido junte: se todos os extratos da conta n.º ...22 desde 2009 a 2023 ou apenas os extratos desta conta em que estão refletidos movimentos efetuados pela Requerente referentes ao mesmo período, obscuridade esta que torna a decisão ininteligível, o que consubstancia a nulidade prevista na 2.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos. (…)
5. Os factos dados como provados sob os n.ºs 4 e 6 a 21 da fundamentação de facto não deveriam ter sido dados como provados, devendo ser eliminados, sendo estes os concretos pontos relativamente aos quais deveria ter havido uma decisão distinta (indicação feita para os fins do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil).
6. Os factos dados como provados sob os n.ºs 6 a 21 da fundamentação de facto deverão ser eliminados pois correspondem aos factos alegados nos artigos 6.º a 20.º e 34.º da PI, especificadamente impugnados no artigo 6.º da Contestação, inexistindo por isso qualquer admissão por acordo entre as partes.
7. Também não podia o tribunal a quo dar tais factos como provados por documentos pois que documentos não são factos e relativamente a documentos não impugnados apenas pode ser dado como provado o envio e a receção por parte do Banco das cartas juntas como documentos n.ºs 2 a 14 da PI – e não os factos alegados nos artigos 6.º a 18.º da PI - pelo que também por isso devem ser eliminados os artigos 6.º a 18.º da fundamentação de facto que lhes correspondem, sendo esta a forma como os nºs 1 e 2 do artigo 574.º do CPC deveriam ter sido interpretados e aplicados.
8. Os factos dados como provados sob os n.ºs 4 e 19 da fundamentação de facto devem ser eliminados porque além de impugnados pelo Banco nos artigos 7.º e 8.º da Contestação – não podendo consequentemente considerar-se admitidos por acordo nos termos do n.º 2 do artigo 574.º CPC - são irrelevantes para a boa decisão da causa, uma vez que o facto n.º 4 se refere a cláusula que não tem aplicação ao caso dos autos e o facto n.º 19, não estando demonstrada a notificação do Banco, é também ele irrelevante na medida em que o Banco nunca tomou conhecimento de dita notificação judicial avulsa.
9. Sem prescindir, o tribunal também fez uma errada aplicação das leis do processo, pois que nunca se poderiam considerar provados os factos n.ºs 6 a 21 da fundamentação de facto, porquanto tais factos sempre estariam em contradição com a defesa considerada no seu conjunto, pelo que sempre teriam que se considerar impugnados nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 574.º CPC, sendo esta a correta interpretação e aplicação do disposto neste preceito.
10. No âmbito do processo n.º 472/15.9T8VRL, o Banco invocou o sigilo bancário para não proceder à junção dos extratos da conta nº ...22 e o tribunal considerou legítima tal invocação, uma vez que não ordenou a sua junção, o que resulta do alegado nos artigos 23.º a 26.º e 40.º a 41.º da contestação e documentos 5 e 7 aí juntos e que não foram impugnados, pelo que deverá ser aditado à fundamentação de facto um novo facto com a seguinte redação: no âmbito do processo n.º 472/15.9T8VRL, o Banco invocou o sigilo bancário para não proceder à junção dos extratos da conta n.º ...22 tendo o tribunal considerado legítima tal invocação.
11. Os requisitos de cuja verificação depende a procedência da presente ação resultam da conjugação do disposto no artigo 1045.º do CPC e nos artigos 574.º e 575.º do C.C., recaindo sobre o tribunal o dever de tribunal apurar se tais requisitos se verificavam no caso concreto, o que a sentença recorrida não fez.
12. Por um lado, o Banco disponibilizou todos os extratos da conta de depósitos à ordem titulada pela Requerente entre 2009 e 2014 no âmbito do processo n.º 472/15.9T8VRL, que assim está na posse de todos os extratos da sua conta que refletem os pagamentos das rendas devidas durante a vigência do contrato de locação financeira (2009 a 2014), pois que só a partir de 2014 é que passou a efetuar os pagamentos na conta de recuperação do Leasing com o n.º ...22.
13. Por outro lado, o Banco apenas não procedeu à disponibilização dos extratos da conta n.º ...22 em virtude do sigilo bancário a que está adstrito, uma vez que esta conta não é titulada pela Requerente, tratando-se de uma conta geral de recuperação do próprio Banco com milhares de movimentos efetuados por terceiros, entendimento este que foi acolhido pelo tribunal em sede do referido processo n.º 472/15.9T8VRL, que julgou legítima a recusa.
14. O dever de sigilo a que o Banco se encontra sujeito está regulado nos artigos 78.º e 749.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 298/92, de 31 de dezembro. O artigo 79.º consagra as exceções a esse dever, não cabendo a situação sub judice no âmbito de previsão da norma.
15. A partir do momento em que o tribunal julgou válida a não junção de documentos em virtude do dever de sigilo – cfr. facto provado sob o n.º 36 da fundamentação de facto – inexiste qualquer recusa por parte do Banco, ou mesmo que se considerasse existir recusa esta estaria legitimada, pelo que não estando preenchido um dos requisitos de que a Lei faz depender a procedência dos presentes autos, está comprometida a viabilidade da presente ação, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
16. Resulta provado nos autos – factos n.ºs 36 a 38 – que o único documento que o Banco podia juntar sem violar o sigilo a que está legalmente adstrito era o extrato da conta Lease que juntou aos autos no processo n.º 472/15.9T8VRL e que a Requerente reputou de “trabalhado”.
17. A partir de 2019, a Requerente começou a solicitar a junção de documento que inexiste enquanto tal – pedido que novamente formula nestes autos – pelo que o Banco não podia disponibilizar algo que não existe.
18. Em momento algum na peça que apresenta a Requerida identifica qual o concreto interesse juridicamente atendível que justifica a disponibilização dos documentos ou indica qual o concreto direito cuja existência ou conteúdo quer determinar ou acautelar com a requerida junção. Uma vez que tal direito ou interesse não é individualizado ou concretizado, como é imposto por Lei, também por falta deste requisito a ação deve improceder.
19. Sem prescindir de tudo o que se disse, e apenas para o caso que apenas por hipótese se admite, de se considerarem verificados os requisitos legais supra referidos, haveria que aplicar ao caso sub judice o princípio da proporcionalidade, porquanto os artigos 574.º e 575.º do Código Civil e o artigo 1045.º do Código de Processo Civil limitam o pedido de apresentação de documentos atendendo ao critério da necessidade, critério este a que o tribunal a quo não atende na decisão que profere.
20. Efetivamente, o tribunal ordenou que o Requerido juntasse os extratos, ocultando os dados sujeitos a sigilo, riscando e/ou omitindo do extrato da conta da leasing as informações respeitantes a outros clientes e, quanto à localização dos montantes que a Requerente foi depositando na conta Lease (ou leasing), decidiu que o Requerido tem certamente forma de pesquisar, através de aplicações informáticas, em que data os mesmos foram efetuados, sem necessidade da intervenção/colaboração da Requerente
21. Ora, o tribunal a quo na decisão que proferiu não pesou devidamente os direitos e deveres de ambas as partes, nomeadamente não teve em conta que a Requerente está obrigada a ter contabilidade organizada, a arquivar a documentação cuja junção agora requer e que já logrou obter em sede judicial os documentos não abrangidos pelo sigilo referentes aos anos de 2009 e 2014, documentos que esta reputou, em sede judicial, de “trabalhados”, pese embora tal documento tivesse sido aceite pelo tribunal.
22. O tribunal também não considerou que, por outro lado, estavam em causa extratos relativos a um período de 14 anos (2009 a 2023), que correspondem a cerca de 3500 dias úteis de extratos da conta geral do Banco, onde todos os clientes do banco depositam os pagamentos referentes a contratos em incumprimento, nem sequer esclareceu se pretendia todos os extratos referentes a esses 14 anos ou apenas as páginas dos extratos onde estivesse referidos movimentos efetuados pela Requerida.
23. Em suma, a decisão recorrida não aplicou quaisquer regras proporcionalidade, na medida em que não tratou de apurar qual a efetiva operacionalidade e exequibilidade da decisão que veio a proferir, não pesou devidamente os direitos e deveres das partes em conflito nos autos, em clara violação quer do disposto nos artigos 574.º e 575.º do Código Civil, quer no artigo 1045.º do Código de Processo Civil, pelo que também por este motivo se impõe a sua revogação.
24. O tribunal a quo não podia ter conhecido do mérito em sede de despacho saneador porquanto o estado dos autos não o permitia uma vez que existiam factos controvertidos, relevantes para a boa decisão da causa, que deveriam ter sido apurados em sede de produção e prova; existia uma outra solução plausível de direito para a situação em apreço, pelo que se impunha o prosseguimento dos autos para saneamento e posterior produção de prova, o que não sucedeu.
25. O tribunal recorrido violou deste modo o princípio de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio de igualdade das partes previsto no artigo 3.º-A do CPC, uma vez que impediu o Recorrente de apresentar a prova por si requerida.
26. Não se verificam nos autos os pressupostos legais para aplicação da sanção pecuniária compulsória de 500€ prevista na sentença porquanto, desde logo, a Requerente, enquanto sociedade anónima que é e com as obrigações fiscais e de contabilidade organizada que sobre ela recaem, têm que ter na sua posse e devidamente arquivados os documentos comprovativos dos depósitos que efetuou e de parte dos extratos bancários que reclama nestes autos que o Banco lhe disponibilize, pelo que não se trata de uma prestação de facto infungível o que desde logo afasta a possibilidade de aplicação da sanção pecuniária compulsória, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada, uma vez que decidiu contra legem.
27. Como resulta provado dos autos, o Banco não se recusou a juntar qualquer documento ou prestar qualquer informação, máxime quaisquer extratos da conta n.º ...22, simplesmente estava impedido de o fazer pelo dever de sigilo que sobre ele impende.
28. Na senda da Jurisprudência existente, a aplicação de sanção pecuniária compulsória depende de um prévio comportamento omissivo do Banco, que aqui não sucedeu, pelo que também por esta via a sua aplicação deve ser afastada, pois que inexiste fundamento para a sua aplicação, devendo a sentença recorrida ser revogada.
29. Apenas para o caso de assim e não entender, o valor diário da sanção pecuniária fixado pelo tribunal é excessivo e desproporcionado, pois que por um lado, desconhece-se qual o prejuízo que a Requerente quer acautelar e, por outro, não teve em conta a realidade nacional – em que o salário mínimo nacional é de 760€, ou seja apenas 1/3 superior ao valor diário da sanção fixada – nem os montantes habitualmente praticados.
30. A sentença recorrida incorreu nas nulidades previstas nos artigos 615.º n.º 1 alínea d) 2.ª parte e 615.º n.º 1 alínea c), 2.ª parte do CPC e violou, por deficiente interpretação e aplicação o disposto nos artigos 3.º n.º 3, 549.º n.º 1, 574.º ns.º 1 e 2, 591.º, n.º 1, al. b), 593.º, n.º 1, al. d), e) e f), 595.º, n.º 1, al. b) todos do CPC, 20.º da CRP, 78.º e 79.º do RGICSF e 574.º, 575.º e 829º-A do C.C..

A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

II. Objeto do recurso

As duas primeiras questões a decidir são as que fundam as duas nulidades arguidas: não realização da audiência prévia e obscuridade da sentença.
As restantes questões a decidir são as referidas nas conclusões transcritas, em especial a que respeita à consideração de factos controvertidos como se assentes estivessem.
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III. Fundamentação

Factos provados conforme decisão do tribunal ‘a quo’

1 – Foi outorgado pela requerente (locatária) e o requerido (locador) o escrito denominado “Contrato de Locação Financeira Imobiliário n.º ...37”, em 25 de novembro de 2009, junto com o requerimento inicial como doc. n.º 1, cujo teor dou aqui por integralmente reproduzido.
2 – O mencionado contrato tinha como objeto os imóveis identificados na cláusula 1.ª das “CONDIÇÕES PARTICULARES” daquele escrito:
- Prédio Urbano, composto por edifício para armazém de atividade industrial, sito em ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila real, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86.º, descrito na Conservatória do registo Predial de Vila real sob o n.º ...61/....
- Prédio Urbano, composto por edifício para armazém de atividade industrial, sito em ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila real, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...87.º, descrito na Conservatória do registo Predial de Vila real sob o n.º ...62/....
3 – Nos termos da cláusula 4.ª das “CONDIÇÕES PARTICULARES” (do Contrato de locação financeira), o prazo de locação financeira é de 360 meses (30 anos).
4 - Estatui a cláusula 14.ª, n.º 5, das “CONDIÇÕES GERAIS” (do contrato de locação) que: “É assegurado, nos termos legais, o direito de informação, correção, aditamento ou supressão de dados pessoais, mediante comunicação escrita dirigida ao Locador.
5 – O requerido é uma instituição financeira.
6 – A requerente solicitou, em 21 de fevereiro 2014 (entregando, em mão, ao requerido, requerimento na Agência do Banco 1... de Vila real), listagem completa com depósitos que tinha efetuado para pagamento do contrato leasing n.º ...37, designadamente de rendas, pedido esse que se referia aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.
7 – Visto o requerido não ter respondido à solicitação da requerente, esta, em 8 de maio de 2014, através de carta registada com aviso de receção, voltou a peticionar que lhe fosse facultada a cópia da referida listagem com extrato de conta bancário com todas as importâncias depositadas a título do contrato leasing aqui em constante relevo.
8 – A requerente, em 8 de novembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, exigiu ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 ao abrigo do contrato de locação financeira n.º ...37.
9 – A requerente, em 8 de fevereiro de 2019, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila Real, requerimento a solicitar ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
10 – A requerente, em 5 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na sede do requerido, Praça ..., na Cidade do Porto, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, em que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
11 – A requerente, em 05 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
12 - O requerido, em 28 de outubro de 2019, respondeu à carta enviada pela requerente em 05 de outubro de 2019 nos termos que constam do doc. n.º 8 junto com a petição inicial, mas não enviou a listagem com o extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas desde o ano de 2009 até o ano de 2019, no domínio do contrato leasing n.º ...37.
13- A requerente, em 02 de novembro de 2019, replicando a resposta do requerido (identificada em 12), através de carta registada com aviso de receção, voltou a solicitar a listagem com o extrato bancário completo dos depósitos efetuados por conta do contrato de locação financeira n.º ...37.
14 - A requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para a sede sita na Praça ..., ... Porto, instou, de novo, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.
15 - A requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para o Conselho de Administração, Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, instou, também, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.
16 - A requerente, em 20 de Setembro de 2021, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila real, requerimento a exigir a listagem com o extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a título do contrato de leasing n.º ...37 ao requerido, através de carta, rececionada pelo requerido em 27 de Setembro de 2021.
17 – Por carta datada de 11/11/2021, o requerido, em resposta à carta datada de 20 de setembro de 2021, disse que, em virtude decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 230/14.8T8VRL e pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 472/15.9T8VRL, ambas definitivamente transitadas em julgado, todas as questões relacionadas com o contrato de locação financeira estão a ser devidamente analisadas pelo Banco pelo que, tão breve quanto possível, será remetida resposta ao pedido efetuado.
18 – A requerente, em 14 de abril de 2022, por carta, entregue em mão na Agência do Banco 1..., na Agência ..., rececionada pelo requerido em 20 de Abril de 2022, voltou a exigir o fornecimento de listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas pela requerente, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37.
19 – Em 04/07/2022, a requerente intentou processo n.º 12107/22.9T8PRT de notificação judicial avulsa a fim de materializar aquela exigência, aqui em permanente menção, contra o requerido.
20 – Até ao dia de hoje, o requerido não remeteu à requerente a listagem com extrato de conta completo de todos os depósitos efetuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37, desde o ano de 2009 até o presente ano de 2022.
21 – Tais documentos (listagem com extrato de conta completo e os recibos de quitação) são necessários, para verificar e comprovar os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a aqui requerente possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.
22 – Ao longo dos últimos anos, são várias as ações judiciais em que intervieram a aqui autora e o Banco ora réu, nas quais foi produzida abundante prova documental.
23 – 1. Processo n.º 230/14.8T8VRL que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila real, Instância Central, Secção Cível, J2: Acão de processo comum intentada pela aqui autora contra o aqui réu. Pedidos formulados: • seja declarada nula ou anulada a livrança nº...97, preenchida pelo aí réu Banco 1....• condenação do Banco réu a pagar à aí autora a indemnização que for liquidada em sede de execução de sentença, relativamente à responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais que venham a ser apurados. • condenação do Banco réu a pagar à aí autora a restituição do indevido, que estima em €150.000,00.
24 – Esta ação foi julgada totalmente improcedente e o Banco foi absolvido dos pedidos contra ele formulados, decisão há muito transitada em julgado.
25 – 2. Processo n.º 472/15.9T8VRL, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila real, Instância Central, Secção Cível, J1: Acão de processo comum intentada pelo Banco aqui réu contra a ora autora Pedidos formulados: • que a ré seja condenada a entregar definitivamente à autora os imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial, que lhe foram dados em locação financeira.• em sede de reconvenção, a ré pediu a condenação do autor no pagamento de, pelo menos, 250.000,00 euros, acrescida de juros, bem como todas as despesas que se vierem a apurar até ao fim do processo, para além de pedir a condenação do autor como litigante de má-fé.
26 – Esta ação foi julgada improcedente absolvendo a ré do pedido e julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando o reconvindo a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense, que vierem a ser liquidados, absolvendo-se a reconvinda do mais peticionado. Esta decisão já transitou em julgado.
27 – 3. Processo n.º 3117/17.9T8PRT, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível, J5: Acão de processo comum intentada pelo pela aqui autora contra o Banco ora réu Pedidos formulados: • Declaração de nulidade e exclusão do Contrato de Locação Financeira Imobiliário n.º ...37, das cláusulas das Condições Particulares, n.º 5, ponto 5.2 e n.º 10, ponto 10.2; das Condições Gerais, art. 4.º, cláusulas n.º 2 e n.º 3 e art. 11.º, cláusulas n.º 5 e n.º 8. • Caso assim não se entenda e no que se refere à nulidade e exclusão das cláusulas das Condições Particulares, n.º 10, ponto 10.2; das Condições Gerais, art. 4.º, clausulas n.º 2 e n.º 3, que se declare qual ou quais os impostos que são da responsabilidade da autora, designadamente o IMI (Cfr. Art. 8.º do Código do IMI), • Condenação do réu a pagar à autora a indemnização que for liquidada em execução de sentença, relativamente à responsabilidade civil, aos danos patrimoniais e morais que venham ser apurado, pelo uso abusivo das referidas cláusulas.
28– Esta ação foi julgada parcialmente improcedente e consequentemente a sentença declarou que no contrato de locação financeira imobiliário n.º ...37 a autora - aqui autora - é responsável pelo pagamento de todos os impostos, incluindo todas as prestações de Imposto Municipal sobre Imóveis, que sejam devidos em relação aos imóveis objeto do referido contrato; o Banco 1... foi absolvido do mais pedido pela autora, decisão esta que já transitou em julgado – cfr. documento n.º3.
29 - Com efeito, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 472/15.9T8VRL, discutiu-se a validade da resolução operada pelo Banco por carta de 31.07.2014.
30 – Nesses autos, foram discutidos todos os pagamentos efetuados por conta do contrato de leasing aqui em causa, até ao momento da resolução.
31 – No âmbito dos mesmos autos foi proferido em 09.01.2019 despacho a ordenar a junção aos autos do extrato global dos movimentos a débito e a crédito na conta da aí ré, aqui autora, a que se refere o contrato celebrado com o Banco aí autor, aqui réu.
32 – Em resposta ao despacho proferido, o Banco procedeu à junção de extratos da conta de depósitos à ordem n.º ...69, titulada pela aqui autora e associada aos pagamentos das rendas devidas no âmbito do referido contrato.
33 – Tais extratos datam do período que decorreu entre 2009 (data da assinatura do contrato) e 2014.
34 – Constatou-se que, para além de na conta n.º ...69, a requerida também procedia a depósitos na conta n.º ...22, que é a conta geral de recuperação do leasing.
35 - Nesta conta n.º ...22 são diariamente efetuados muitas centenas de depósitos, por múltiplas entidades e destinados a múltiplos contratos.
36 – Uma vez que, por questões imperativas relacionadas com o sigilo bancário, o Banco estava e está impedido de juntar os extratos daquela dita conta n.º ...22, o Banco procedeu à junção do denominado extrato de conta Lease.
37 – Este extrato da conta Lease é o da conta-espelho que deve refletir todos os pagamentos que, ao longo da relação contratual, são feitos por conta de um específico contrato.
38 – Documento este que a autora impugnou e refutou de “trabalhado”.


Arguição de nulidades (vícios processuais)

1. Não realização da audiência prévia

Entende o apelante que “o tribunal a quo, ao proferir saneador sentença sem ter convocado a audiência prévia, que neste caso era obrigatória, e sem ter exercido o prévio contraditório relativamente à sua dispensa, incorreu em nulidade que afeta a sentença, pois que proferiu decisão de mérito em circunstâncias onde ainda lhe estava vedado fazê-lo, nulidade esta que argui para todos os efeitos, nos termos 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância para prosseguirem os seus termos com a designação da audiência prévia”.
Não tem razão o apelante.
A lei é clara: “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns” – art. 549.º, n.º 1, primeira parte, do Cód. Proc. Civil, norma que também se aplica à fase declarativa dos processos especiais mistos. Apenas no caso de a questão adjetiva não se encontrar regulada na tramitação especial deverá ser observado “o que se acha estabelecido para o processo comum” – art. 549.º, n.º 1, segunda parte, do Cód. Proc. Civil.
O rito processual do processo especial para apresentação de coisas ou documentos encontra-se regulado nos arts. 986.º, 1045.º e 1046.º do Cód. Proc. Civil, não sendo necessário recorrer às normas integradoras do processo declarativo. Dispõe o n.º 2 deste último artigo que, no caso de a contestação “ser considerada improcedente, o juiz designa dia, hora e local para a apresentação na sua presença”. Foi este o regular desenvolvimento do processo. Questão diferente desta, adiante apreciada, é a de saber se, efetivamente, estamos perante um caso de imediata “improcedência” da contestação.
Não vale aqui invocar a omissão de convocação de uma audiência prévia – nem a apelante o faz, diga-se –, para que a autora exerça o seu direito de contraditório relativamente à matéria alegada pela ré na contestação. Por um lado, a apelante não invoca este vício – preterição de direitos da contraparte –, sendo certo que não é de conhecimento oficioso (art. 196.º do Cód. Proc. Civil), mesmo que contaminasse a decisão final (art. 615.º do Cód. Proc. Civil). Por outro lado, ainda que o fizesse, careceria de legitimidade para tanto (art. 197.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Em suma, não pode o tribunal ad quem anular oficiosamente uma decisão, a pretexto de representar ela uma ofensa ao direito de contraditório da parte que obteve ganho de causa.
Improcede, pois, a reclamação de nulidade ora apreciada.

2. Obscuridade da sentença

Sustenta o apelante que “a sentença recorrida é obscura, pois que não esclarece que documentos o tribunal pretende que o banco requerido junte: se todos os extratos da conta n.º ...22 desde 2009 a 2023 ou apenas os extratos desta conta em que estão refletidos movimentos efetuados pela requerente referentes ao mesmo período, obscuridade esta que torna a decisão ininteligível, o que consubstancia a nulidade prevista na 2.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”. Mais uma vez, não assiste razão ao apelante, mas aqui o seu inconformismo tem origem, efetivamente, numa irregularidade formal, embora esta se situe a montante.
O dispositivo da sentença é, em si mesmo, claro, no que para a questão suscitada releva, pois se limita a reproduzir o pedido: deve o requerido apresentar “a documentação/informação documentada/listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos, designadamente de rendas, que a requerente efetuou, referentes aos anos de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva”. Apenas se pretende conhecer os movimentos direta ou indiretamente relacionados com o contrato de locação financeira n.º ...37.
Os documentos bancários de natureza informativa têm a particularidade de serem gerados pela instituição de crédito a partir das suas bases de dados. São meras impressões físicas de dados guardados nos seus sistemas informáticos, trabalhados e organizados. O segmento decisório da sentença descreve o conteúdo mínimo do documento preexistente produzido pelo requerido (supostamente) pretendido pela requerente. Pouco importa se tal documento é apresentado numa folha A4 ou numa folha A5, em caracteres “Arial” ou “Garamond”, ou se, para além daquele conteúdo mínimo, inclui outra informação, desde que esta inclusão não desvirtue o documento, tornando menos rápida e clara deteção dos movimentos acima referidos.
Questão diferente desta é a de saber se este dispositivo traduz uma decisão própria de uma ação de processo especial para “apresentação de coisas ou documentos”. O mesmo é dizer: questão diferente desta é a de saber se o pedido concreto corresponde a um pedido próprio de uma ação desta natureza. Sobre estoutro problema (implicitamente suscitado pelo réu) nos pronunciaremos aquando da análise de direito.
Improcede, pois, a reclamação de nulidade ora apreciada, sem prejuízo do mais que adiante se exporá.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

1. Factos considerados assentes por falta de impugnação

Arguiu a apelante que:
[o]s factos dados como provados sob os n.ºs 6 a 21 da fundamentação de facto deverão ser eliminados pois correspondem aos factos alegados nos artigos 6.º a 20.º e 34.º da PI, especificadamente impugnados no artigo 6.º da Contestação, inexistindo por isso qualquer admissão por acordo entre as partes.

A factualidade em causa é a seguinte:

PetiçãoSentença
6.ºA requerente (…) solicitou, em 21 de fevereiro 2014 (entregando, em mão, ao requerido, requerimento na Agência do Banco 1... de Vila real), listagem completa com depósitos que tinha efetuado para pagamento do contrato leasing n.º ...37, designadamente de rendas, pedido esse que se referia aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.A requerente solicitou, em 21 de fevereiro 2014 (entregando, em mão, ao requerido, requerimento na Agência do Banco 1... de Vila real), listagem completa com depósitos que tinha efetuado para pagamento do contrato leasing n.º ...37, designadamente de rendas, pedido esse que se referia aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.
7.ºVisto o requerido não ter respondido à solicitação da requerente, esta, em 8 de maio de 2014, através de Carta registada com Aviso de receção, voltou a peticionar que lhe fosse facultada a cópia da referida listagem com extrato de conta bancário com todas as importâncias depositadas a título do contrato leasing aqui em constante relevo.Visto o requerido não ter respondido à solicitação da requerente, esta, em 8 de maio de 2014, através de carta registada com aviso de receção, voltou a peticionar que lhe fosse facultada a cópia da referida listagem com extrato de conta bancário com todas as importâncias depositadas a título do contrato leasing aqui em constante relevo.
8.ºA requerente, em 8 de maio de 2014, através de carta registada com aviso de receção, exigiu ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 ao abrigo do contrato de locação financeira n.º ...37.A requerente, em 8 de novembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, exigiu ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 ao abrigo do contrato de locação financeira n.º ...37.
9.ºA requerente, em 8 de fevereiro de 2019, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila Real, requerimento a solicitar ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.A requerente, em 8 de fevereiro de 2019, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila Real, requerimento a solicitar ao requerido que lhe fornecesse listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
10.ºA requerente, em 05 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na sede do requerido, Praça ..., na Cidade do Porto, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, em que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.A requerente, em 5 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na sede do requerido, Praça ..., na Cidade do Porto, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, em que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
11.ºA requerente, em 05 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.A requerente, em 05 de Outubro de 2019, entregou em mão requerimento na Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, rececionadas em 7 de Outubro de 2019, que lhe fosse fornecida listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37.
12.ºO requerido, em 28 de outubro de 2019, em resposta à carta enviada pela requerente, em 05 de outubro de 2019, recusou-se a enviar a listagem com o extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas desde o ano de 2009 até o ano de 2019, no domínio do contrato leasing n.º ...37.O requerido, em 28 de outubro de 2019, respondeu à carta enviada pela requerente em 05 de outubro de 2019 nos termos que constam do doc. n.º 8 junto com a petição inicial, mas não enviou a listagem com o extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas desde o ano de 2009 até o ano de 2019, no domínio do contrato leasing n.º ...37.
13.ºA requerente, em 02 de novembro de 2019, replicando a resposta do requerido (identificada no ponto 11.º), através de Carta registada com aviso de receção, voltou a exigir a listagem com o extrato bancário completo dos depósitos efetuados por conta do contrato de locação financeira n.º ...37 (…).A requerente, em 02 de novembro de 2019, replicando a resposta do requerido (identificada em 12), através de carta registada com aviso de receção, voltou a solicitar a listagem com o extrato bancário completo dos depósitos efetuados por conta do contrato de locação financeira n.º ...37.
14.ºA requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para a sede sita na Praça ..., ... Porto, interpelou, de novo, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.A requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para a sede sita na Praça ..., ... Porto, instou, de novo, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.
15.ºA requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para o Concelho de Administração, Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, interpelou, também, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.A requerente, em 6 de Junho de 2020, através de carta registada com aviso de receção, enviada para o Conselho de Administração, Direção de Crédito do requerido, na Avenida ... (...), Edifício ..., piso 0, ... ..., Oeiras, instou, também, o requerido para que lhe fosse enviado listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37.
16.ºA requerente, em 20 de Setembro de 2021, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila real, requerimento a exigir a listagem com o extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a título do contrato de leasing n.º ...37 ao requerido, através de carta, rececionada pelo requerido em 27 de Setembro de 2021.A requerente, em 20 de Setembro de 2021, entregou em mão na Agência do Banco 1..., em Vila real, requerimento a exigir a listagem com o extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a título do contrato de leasing n.º ...37 ao requerido, através de carta, rececionada pelo requerido em 27 de Setembro de 2021.
17.ºO requerido, em resposta à carta datada de 20 de setembro de 2021, disse que as questões relacionadas com o contrato de locação financeira n.º ...37 estavam a ser devidamente analisadas pelo Banco pelo que, tão breve, quanto possível, seria remetida resposta ao pedido efetuado pela requerente.Por carta datada de 11/11/2021, o requerido, em resposta à carta datada de 20 de setembro de 2021, disse que, em virtude decisões proferidas pelo Tribunal da relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 230/14.8T8VRL e pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 472/15.9T8VRL, ambas definitivamente transitadas em julgado, todas as questões relacionadas com o contrato de locação financeira estão a ser devidamente analisadas pelo Banco pelo que, tão breve quanto possível, será remetida resposta ao pedido efetuado.
18.ºA requerente, em 14 de Abril de 2022, por carta, entregue em mão na Agência do Banco 1..., na Agência ..., rececionada pelo requerido em 20 de Abril de 2022, voltou a exigir o fornecimento de listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas pela requerente, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37.A requerente, em 14 de Abril de 2022, por carta, entregue em mão na Agência do Banco 1..., na Agência ..., rececionada pelo requerido em 20 de Abril de 2022, voltou a exigir o fornecimento de listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas pela requerente, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37.
19.ºEm 04/07/2022, a requerente intentou processo n.º 12107/22.9T8PRT de notificação judicial avulsa a fim de materializar aquela exigência, aqui em permanente menção, contra o requerido (…).Em 04/07/2022, a requerente intentou processo n.º 12107/22.9T8PRT de notificação judicial avulsa a fim de materializar aquela exigência, aqui em permanente menção, contra o requerido.
20.ºAté ao dia de hoje, o requerido não remeteu à requerente a listagem com extrato de conta completo de todos os depósitos efetuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37, desde o ano de 2009 até o presente ano de 2022.Até ao dia de hoje, o requerido não remeteu à requerente a listagem com extrato de conta completo de todos os depósitos efetuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37, desde o ano de 2009 até o presente ano de 2022.
34.º
21.º
Tais documentos (listagem com extrato de conta completo e os recibos de quitação) são (…) necessários, para verificar, comprovar, os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a aqui requerente possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.Tais documentos (listagem com extrato de conta completo e os recibos de quitação) são necessários, para verificar e comprovar os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a aqui requerente possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.

Confirma-se, pois, que a factualidade indicada pela apelante corresponde, no essencial, a factos alegados pela autora na petição inicial – com alterações de pormenor, como a data da comunicação descrita no ponto 8, por conter lapso na petição. O tribunal a quo motivou a sua convicção nos seguintes termos:
Com relevo para a boa decisão da causa, estão provados por acordo das partes e por documentos, os seguintes factos: [todos os incluídos na fundamentação de facto].
Importa, pois, antes do mais – que é a análise documental – perceber se os factos alegados pela autora acima transcritos foram, ou não, impugnados pelo réu.

2. Posição do réu sobre os factos alegados

Sobre os factos acima transcritos, o réu, no art. 6.º da contestação, pronunciou-se nos seguintes termos:
O Banco réu impugna especificadamente, um a um e todos no seu conjunto, os factos alegados nos artigos 6.º ao 18.º porquanto os factos ali descritos não são exatos e estão descontextualizados, 19.º porque não foi recebida qualquer notificação judicial avulsa e 20.º (…) 34.º, (…) seja pela sua falsidade e/ou pelo alcance que a autora pretende atribuir-lhes, seja porque tece erróneas considerações de direito

Dispõe o n.º 1 do art. 574.º do CPC, com a epígrafe “ónus de impugnação especificada”, que, “ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”. A norma contida no n.º 1 do art. 574.º do CPC representa um afloramento do dever das partes de colaborarem com o tribunal – não propriamente com a contraparte sua adversária – na descoberta da verdade material e na obtenção da justa composição do litígio, assente no entendimento de que “o silêncio pode ser gravemente nocivo à justiça da decisão” (Alberto dos Reis) – cfr. os arts. 7.º, n.º 1, do CPC (dever de cooperar para a justa composição do litígio), 7.º, n.os 2 e 3, do CPC (dever de prestar esclarecimentos), 417.º, n.º 1, do CPC (dever de contribuir para a descoberta da verdade material) e art. 452.º do CPC (dever de prestar depoimento de parte).
A posição do réu perante o facto deve ser uma posição clara perante a verdade, tal como ela é alegada pelo autor. Por assim ser, não pode um réu despejar num enunciado diferentes fundamentos possíveis de impugnação (até incompatíveis entre si) e adjudicar ao tribunal a tarefa de os distribuir pertinentemente por cada uma das proposições de facto postas pelo autor. Neste sentido, não tem o réu de usar (isto é, não deve usar) o conceito jurídico polissémico de “impugnar”; tem, sim, de, claramente, dizer se o facto é falso, total ou parcialmente – neste caso, indicando com precisão a parte falsa e a parte verdadeira –, se é verdadeiro ou se o desconhece.
Em suma, o réu não tomou posição definida sobre os factos alegados pela autora. O art. 6.º da contestação não tem efeito útil impugnatório, sem prejuízo de se encontrar impugnada toda a matéria alegada pela autora inconciliável com a versão dos factos posta pelo réu nos restantes artigos da contestação.
Ora, resulta da contestação, apreciada na sua globalidade – veja-se, por exemplo, os seus arts. 15.º, 17.º a 19.º, 21.º, 30.º, 38.º e 39.º – que o réu sustenta que já satisfez a sua obrigação. Trata-se de matéria ainda controvertida. No que para a impugnação ora analisada releva, obriga à alteração do ponto 20 da fundamentação de facto, apenas com o intuito de esclarecer que o réu aceita que não entregou diretamente à autora os documentos em causa, em carta de resposta às cartas da autora, mas que contrapõe que já lhe proporcionou, no âmbito de um processo judicial, toda a documentação relevante de que dispõe sobre os pagamentos efetuados pela autora – facto este aparentemente controvertido (o que se concluirá, ou não, em face dos esclarecimentos adiante determinados).
No mais, não pode a apelação, com base nos fundamentos ora analisados, merecer provimento.

3. Factos dados como provados nos pontos 4 e 19 da fundamentação de facto

Na sua 8.ª conclusão, alega a apelante que “[o]s factos dados como provados sob os n.os 4 e 19 da fundamentação de facto devem ser eliminados porque além de impugnados pelo Banco nos artigos 7.º e 8.º da contestação – não podendo consequentemente considerar-se admitidos por acordo nos termos do n.º 2 do artigo 574.º CPC – são irrelevantes para a boa decisão da causa, uma vez que o facto n.º 4 se refere a cláusula que não tem aplicação ao caso dos autos e o facto n.º 19, não estando demonstrada a notificação do Banco, é também ele irrelevante na medida em que o Banco nunca tomou conhecimento de dita notificação judicial avulsa”.
A factualidade em causa é a seguinte:

PetiçãoSentença
4.ºEm conformidade com a cláusula 14.ª, n.º 5, das “CONDIÇÕES GERAIS” (do contrato de locação): “É assegurado, nos termos legais, o direito de informação, correção, aditamento ou supressão de dados pessoais, mediante comunicação escrita dirigida ao Locador”.Estatui a cláusula 14.ª, n.º 5, das “CONDIÇÕES GERAIS”(do contrato de locação) que: “É assegurado, nos termos legais, o direito de informação, correção, aditamento ou supressão de dados pessoais, mediante comunicação escrita dirigida ao Locador.
19.ºEm 04/07/2022, a requerente intentou processo n.º 12107/22.9T8PRT de notificação judicial avulsa a fim de materializar aquela exigência, aqui em permanente menção, contra o requerido (…).Em 04/07/2022, a requerente intentou processo n.º 12107/22.9T8PRT de notificação judicial avulsa a fim de materializar aquela exigência, aqui em permanente menção, contra o requerido.

Sobre os factos agora transcritos, pronunciou-se o réu no art. 6.º da contestação, acima analisado em 2., e no art. 7.º do mesmo articulado, nos seguintes termos:
O Banco réu, até ao momento presente, não recebeu a notificação judicial avulsa cuja cópia se encontra junta com a PI como documento n.º 15, desconhecendo se esta foi ou não deferida, estranhando-se, no entanto, que nada lhe tenha sido notificado dado o lapso de tempo já decorrido.

Sobre a questão suscitada em torno do ponto 4 da fundamentação de facto, apenas há a dizer que a relevância de um facto não é uma questão de facto, mas sim uma questão de direito. Não pode, pois, a sua putativa irrelevância constituir o fundamento da impugnação da decisão sobre a questão de facto.
Quanto à impugnação da decisão sobre o ponto 19 da fundamentação de facto, o pedido de notificação não se confunde com a efetivação da notificação. A autora alegou que apresentou um pedido de notificação. É este o facto dado por assente.
O réu respondeu que não recebeu nenhuma notificação e que não sabe se o pedido foi deferido. Não são estes os factos dados por assentes. O facto impugnado por negação (efetivação da notificação) e o facto impugnado por desconhecimento (deferimento do requerimento) não foram considerados admitidos.
Não tendo o réu impugnado que foi requerida a sua notificação judicial avulsa, está este facto admitido por acordo.
Em face do exposto, também nesta parte, improcede a impugnação da decisão de facto.

4. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto

Em face da análise da impugnação da decisão respeitante à matéria de facto apresentada pela apelante, deve ser alterado o ponto 20 dos factos assentes, nos seguintes termos:
20 – Até ao dia de hoje, e por carta diretamente remetida à requerente em resposta às cartas desta recebidas, o requerido não remeteu (extrajudicialmente) à requerente a listagem com extrato de conta completo de todos os depósitos efetuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37, desde o ano de 2009 até ao ano de 2022.

No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo, improcedendo a sua impugnação, sem prejuízo de, como já se adiantou, continuar controvertida a alegação do réu no sentido de já ter satisfeito o seu dever de informação. Para a análise jurídica ficará a verificação da relevância deste facto na decisão da causa – sendo que, se for relevante, não poderá a causa ser imediatamente julgada na sua totalidade, pois encontra-se tal matéria controvertida.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Pedidos formulados
1.1. Recibos de quitação de rendas liquidadas
1.2. Listagem com extrato de conta bancário
1.2.1. Extrato de conta bancária
1.2.2. Listagem com extrato de conta bancária
1.2.3. Conclusão
2. Responsabilidade pelas custas

1. Pedidos formulados

Para além de um pedido apendicular, formulou a autora dois pedidos principais:
A) [que] o requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal a documentação/informação documentada/listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos, designadamente de rendas, que a requerente efetuou, referentes aos anos de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;
B) [que] o requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º ...37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;
Começaremos por analisar este último pedido.

1.1. Recibos de quitação de rendas liquidadas

Dispõe o art. 1045.º do Cód. Proc. Civil: “Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574.º e 575.º do Código Civil, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justifica a necessidade da diligência e requer a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar”.
Para análise do pedido que agora abordamos, interessa-nos o segmento “que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar”. Este inciso é meramente conclusivo, devendo ser concretizado em factos, isto é, nos factos que revelam a interpelação para a apresentação do documento e que traduzem a recusa – ou a ausência de satisfação do requerido.
No seu articulado inicial, a autora nunca alega que pediu ao réu “todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º ...37”, tendo este negado aceder a esse pedido. Alega, sim, que pediu ao réu uma “listagem com extrato de conta” (sic). Também nunca afirma que tais “recibos de quitação de rendas liquidadas” não lhe foram entregues no momento do pagamento nem que, como será normal, os extratos bancários periodicamente remetidos ao cliente não compreendiam a declaração (registo do movimento) de liquidação da prestação (renda) satisfeita.
Em suma, o segundo pedido formulado é manifestamente improcedente. Resta acrescentar que, considerando a exaustividade da alegação e a junção de todos os documentos que revelam as interpelações escritas efetuadas, não podemos concluir que as alegações (articulados) da autora são insuficientes ou imprecisas. Como lapidarmente se afirma no sumário do Ac. do TRC de 09-05-2000, proc. n.º 102/00, “Não há lugar a convite ao aperfeiçoamento quando o que é insuficiente não é a alegação, mas a realidade alegada. O mecanismo do art. 508.º, n.º 3 [atual 590.º, n.º 4], destina-se a suprir a insuficiência da alegação, não a insuficiência da realidade”.

1.2. Listagem com extrato de conta bancário

1.2.1. Extrato de conta bancária

A autora nunca é particularmente clara na identificação do documento em poder do réu do qual pretende cópia. O enunciado do primeiro pedido é reflexo desta imprecisão: “a documentação/informação documentada/listagem (sic) com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos (…) que a requerente efetuou (…) no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37”. Não é caso para dizer que não se percebe a que documento se está a autora a referir; é, sim, caso para se dizer que a autora não sabe a que documento se está a referir.
Ao longo da petição inicial, a autora afirma ter pedido ao réu:
1. “listagem completa com depósitos que tinha efetuado para pagamento do contrato leasing n.º ...37” – art. 6.º da petição.
2. “listagem com extrato de conta bancário com todas as importâncias depositadas a título do contrato leasing” – art. 7.º da petição.
3. “listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas (…) ao abrigo do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 8.º da petição.
4. “listagem com extrato de conta bancário completo, de todas as importâncias pagas depositadas (…) no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 9.º da petição.
5. “listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas (…) no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 10.º da petição.
6. “listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas/depositadas (…) no âmbito do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 11.º da petição.
7. “listagem com o extrato bancário completo dos depósitos efetuados por conta do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 13.º da petição.
8. “listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas (…) no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37” – art. 14.º da petição.
9. “listagem com extrato de conta completo de todas as importâncias pagas depositadas (…) no âmbito de contrato de Locação Financeira n.º ...37” – art. 15.º da petição.
10. “listagem com o extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas (…) a título do contrato de leasing n.º ...37” – art. 16.º da petição.
11. “listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas pela requerente (…) no contexto do contrato de locação financeira n.º ...37” – art. 18.º da petição.

Constata-se, pois, que a autora tanto se refere a “extrato de conta”, como a “extrato bancário”, como, ainda, a “extrato de conta bancário”. O primeiro conceito identificativo do documento pretendido é o conceito de “conta” bancária.
“Designa-se por contrato de conta bancária (…) o contrato celebrado entre um banco e um cliente através do qual usualmente se constitui, disciplina e baliza a respetiva relação jurídica bancária” – cfr. José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, Almedina, 2017, p. 483. Esta “relação caracteriza-se por ser uma relação económico-social e jurídica duradoura (destinada a prolongar-se no tempo) e multifacetada (consubstanciada numa pluralidade de negócios jurídicos individuais subsequentes) que é estabelecida entre um banco e o respetivo cliente” – idem, p. 484. Em torno do contrato de conta bancária “gravitarão usualmente os contratos de depósito, cheque, emissão de cartões bancários, empréstimo, crédito ao consumo, e todos e cada um dos demais contratos bancários individuais que venham porventura a existir subsequentemente” – idem, p. 484. O contrato de conta bancária não se confunde, pois, com outros contratos, ainda que concluídos conjuntamente com o primeiro.
O contrato de conta bancária não produz efeitos tangíveis na esfera jurídica das partes, desacompanhado da celebração dos contratos que lhe estão associados, além dos que se traduzem no estabelecimento do regime geral da constituição destas outras relações-satélite. “O contrato de conta bancária apenas ganhará sentido económico e densidade negocial através da celebração futura e sequencial dos diferentes contratos bancários especiais” – idem, p. 486. A possibilidade de celebração dos contratos associados representa, assim, a justificação económica e a motivação dos contraentes posta na outorga do contrato de conta bancária. Não surpreende, pois, que o contrato de conta bancária possa ser designado nos formulários predispostos pelos bancos para a sua celebração através da referência ao contrato associado (pretendido pelas partes) que explica o estabelecimento do acordo-quadro em que se traduz a abertura da conta.
Satisfazendo os seus deveres contratuais de informação, a instituição bancária emite periodicamente um “extrato combinado” ou “integrado”, nele refletindo o conjunto das posições jurídicas do cliente, nos diferentes contratos associados ao contrato de conta bancária. É este documento apelidado de extrato de conta.
No caso dos autos, como vimos, a autora pretende que lhe seja entregue um “extrato de conta” plurianual, mas nunca esclarece a que conta bancária se refere – da qual seja titular –, nunca a identificando pelo seu número. No entanto, poderá não ser exatamente o extrato periódico remetido pela instituição financeira ao seu cliente que a autora pretende. É a hipótese que analisaremos em seguida.

1.2.2. Listagem com extrato de conta bancária

Poder-se-á admitir que a autora, embora devidamente patrocinada, expressou-se mal, não pretendendo nenhum “extrato de conta” – documento este efetivamente preexistente –, mas sim uma “listagem” – também quanto a esta “listagem”, não é a apelante muito clara, tanto referindo uma “listagem com extrato” como referindo uma “listagem de extrato”.
Seguramente, não pretende apenas a autora que o réu tenha o trabalho de fazer uma lista com determinados movimentos bancários, não porque a demandante – que tem contabilidade organizada – os desconheça, nem porque não lhos foram comunicados no mês em que ocorreram – nunca o alega –, mas, sim, porque é mais cómodo para si ser o réu a construir tal útil tabela de dados. Neste caso, não se trataria de pedir um documento, mais sim, quando muito, de pretender que o réu gerasse um documento. Ou, dito de outro modo, utilizando uma estratégia de “Cavalo de Troia”, a autora usaria este processo especial, não para conseguir a apresentação de um documento preexistente, mas sim para obter o tratamento de uma informação (que, atuando com um mínimo de diligência, poderia ter conservado), sendo-lhe apresentada na cómoda forma de uma tabela geral plurianual (listagem) contendo datas, valores e descritivos.
O réu defendeu-se alegando que a autora já tem os documentos na sua posse, já tendo sido prestada no âmbito de um processo judicial a pretendida informação – movimentos para saldar débitos respeitantes ao contrato de locação financeira. É esta uma afirmação que está em aberta contradição com a versão posta pela demandante na petição inicial. É, pois, matéria relevante controvertida.

1.2.3. Conclusão

Retomamos aqui a questão suscitada no fim da análise da impugnação da decisão respeitante à questão de facto para concluir que o facto controvertido alegado pelo réu – já ter satisfeito a sua obrigação de informação – é relevante na decisão da causa. Não pode, pois, a ação prosseguir sem que as partes tomem posição clara sobre as seguintes questões:
a) (pela autora) qual a natureza do concreto documento preexistente ou a informação que pretende que lhe seja fornecida e a forma como pretende que lhe seja prestada;
b) (pela autora) a que concretos direitos e deveres ficais se refere, quando justifica a necessidade do pedido (art. 34.º da petição);
c) (pela autora) qual o número da conta bancária por si titulada da qual pretende o extrato plurianual, esclarecendo, ainda, se não lhe foram remetidos os extratos integrados periódicos enquanto tal conta se manteve aberta;
d) (pela autora) se a demandante conservou os talões de depósito ou outros registos dos movimentos bancários que efetuou – justificando, querendo, a sua conduta, se os não tiver conservado.
e) (pelo réu) quais foram os concretos documentos juntos pelo réu que este entende satisfazerem a pretensão da autora – devendo, caso o réu declare que ainda não foram juntos a estes autos, proceder à sua junção;
f) (pela autora) em que medida os documentos juntos pelo réu não satisfazem a sua pretensão.

Isto significa que o processo deve retornar (melhor, manter-se) na fase subsequente à apresentação dos articulados normais – fase apelidada de pré-saneamento, no processo declarativo comum –, com vista ao esclarecimento de alguns pontos da relação jurídico-processual e da relação material controvertida. Em especial, é necessário esclarecer o interesse da autora – concreto direito para cujo exercício é necessária a obtenção de documentos –, o âmbito do pedido – até para se poder definir o âmbito de um futuro caso julgado – e os contornos da exceção invocada – satisfação do interesse da autora por via judicial.
A melhor forma de se conseguir este objetivo clarificador, até pela natureza desta jurisdição – e para não nos enredarmos em jogos semânticos sobre a satisfação, ou não, da obrigação, com o prolongamento e agravamento de equívocos –, é adotar um procedimento dialético. Além do mais já acima referido: o réu identifica os documentos que refere na sua contestação que a autora já tem na sua posse, por já terem sido apresentados no âmbito de um processo judicial; o juiz verifica a natureza dos dados inscritos; a autora tem o ónus de, esclarecida e circunstanciadamente, indicar em que medida estes documentos não são os que pretende. Afigura-se-nos que só assim se conseguirá lançar alguma luz sobre as posições das partes, sendo inútil a imediata convocação de uma audiência prévia, por tender esta a apenas permitir às partes repetir o que já alegaram. Só assim o tribunal a quo poderá chegar à conclusão segura, por exemplo, de que a autora não quer nenhum documento preexistente, mas sim uma informação, ou não, ou de que já dispõe dos documentos pretendidos, ou não.
Em função dos esclarecimentos obtidos, e após oferecer o contraditório, o tribunal mantém o seu poder-dever de apreciar a questão da impropriedade da forma – se entender que o que se pretende não é um documento, mas sim uma informação escrita –, da manifesta improcedência do pedido – quer por inexistência de um direito para o exercício do qual os documentos sejam necessários, quer por procedência de uma exceção perentória – ou do abuso do direito.

2. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.).
A responsabilidade pelas custas desta apelação cabe à apelada, por ter ficado vencida – tendo oferecido contra-alegação (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).


IV. Dispositivo

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em alterar a sentença recorrida:
a) julgando-se manifestamente improcedente o segundo pedido formulado pela autora, A..., S.A., dele se absolvendo o réu, Banco 1..., S.A.;
b) determinando-se o prosseguimento da causa perante tribunal a quo, retornando o processo à fase de pré-saneamento, para que sejam esclarecidos os termos da ação e da exceção, designadamente:
1 – com a prestação de esclarecimentos pela autora sobre:
1.1 – qual a natureza do concreto documento preexistente ou a informação que pretende que lhe seja fornecida e a forma como pretende que lhe seja prestada;
1.2 – a que concretos direitos e deveres ficais se refere, quando justifica a necessidade do pedido (art. 34.º da petição);
1.3 – qual o número da conta bancária por si titulada da qual pretende o extrato plurianual, esclarecendo, ainda, se não lhe foram remetidos os extratos integrados periódicos enquanto tal conta se manteve aberta;
1.4 – se a demandante conservou os talões de depósito ou outros registos dos movimentos bancários que efetuou – justificando, querendo, a sua conduta, se os não tiver conservado.
2 – feitos tais esclarecimentos pela autora, com a prestação de esclarecimento pelo réu sobre quais foram os concretos documentos por si juntos (a outros processos) que entende satisfazerem a pretensão da autora (ver o alegado nos arts. 15.º, 17.º a 19.º a 22.º e 29.º e 30.º da contestação) – devendo, caso o réu declare que tais documentos ainda não foram juntos a estes autos, proceder à sua junção (para que não subsistam dúvidas quanto à identificação dos documentos a que se refere na alegação efetuada na contestação de que já satisfez a pretensão da autora no âmbito de junção por si efetuada em processo judicial);
3 – feito o esclarecimento acima referido em 2 pelo réu, esclarecendo a autora em que medida tais documentos juntos pelo réu não satisfazem a sua pretensão;
4 – seguindo-se os ulteriores termos do processo para conhecimento dos primeiro e terceiro pedidos formulados pela autora, sem prejuízo do conhecimento imediato, na fase do saneamento, das questões que obstem ao conhecimento do mérito ou, sendo possível, em face dos esclarecimentos obtidos, do imediato conhecimento do mérito do pedido.

Custas da apelação a cargo da apelada.
*
Notifique.




Porto, 25 de janeiro de 2024

Ana Luísa Loureiro

Francisca Mota Vieira (voto a decisão, com a seguinte declaração de voto)
[Declaração de voto: Considerando que, no caso vertente, o juiz a quo omitiu o convite de aperfeiçoamento do articulado inicial e considerando outrossim estarmos perante uma situação de insuficiência da matéria de facto apurada, a qual, é suscetível, se não for sanada, de conduzir à improcedência dos 1º e 3º pedidos da demandante, precisamente pela falta de factos que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado, concluiria que a omissão desse ato devido é suscetível de influir no exame e decisão do recurso interposto, e isso implicaria, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do CPC, nessa parte, sendo que a omissão desse convite impediria que este tribunal apreciasse as s questões colocadas no recurso interposto relativamente àqueles concretas pretensões.
Também entendo que no caso o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida quanto ao primeiro e ao terceiro pedidos formulados resulta da omissão pelo tribunal recorrido do dever de observância do contraditório quanto à matéria de exceção arguida na contestação, a evidenciar também por esta via que tornou-se inútil a apreciação feita sobre a apreciação da impugnação da decisão de fato.
A revelar que a observância do contraditório é antes de mais um dever do tribunal, cuja omissão, deve ser oficiosamente apreciada e decidida se e na medida em que o tribunal recorrido decide a questão de facto sem apreciar factos essenciais relevantes arguidos pela ré para consubstanciar matéria de exceção, o que, ocorreu, de forma manifesta no caso dos autos.

Isabel Silva [Declaração de voto: Discordo do segmento «1 – não realização da audiência prévia» pelo seguinte:
1 - O facto de se tratar de um processo especial não é impeditivo da observância dos princípios gerais de direito civil, mormente o princípio do contraditório e a proibição da decisão surpresa.
Os articulados das partes, como as sentenças e os despachos, constituem atos jurídicos, e nessa medida, sujeitos não só às regras dos negócios jurídicos, como às da interpretação e integração das declarações negociais: art.º 295º e 236º e seguintes do Código Civil (CC).
Entendo que a Recorrente não está a invocar o direito da Autora ao contraditório.
Na minha interpretação do recurso, está a invocar um direito próprio, por não ter sido ouvida antes da decisão final e ter sido confrontada com uma decisão surpresa, sem poder ter tomado posição sobre os factos e o direito aplicável. Cf. acórdão do STJ, de 16/12/2021, processo nº4260/15.4T8FNC-E.L1.S1.
Como sabemos, a subsunção/interpretação do direito cabe ao juiz, mesmo face a uma eventual errada interpretação da parte.
Independentemente do nomen iuris que a Recorrente usou (“audiência prévia”), a que o juiz não fica vinculado, teria sempre de ter existido, pelo menos, um despacho a anunciar que se pretendia decidir em despacho saneador e para as partes se poderem pronunciar.
2 – A proibição de decisão surpresa é um corolário do princípio do contraditório. Que, para além da tutela da legislação ordinária, tem consagração constitucional, enquanto corolário dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmados no art.º 20º da CRP.
Independentemente de qualquer norma que a prescreva expressamente no processo especial, incumbe ao juiz a obediência aos princípios constitucionais.
Com a proibição de decisão surpresa pretende-se que ambas as partes sejam ouvidas antes da tomada de qualquer decisão, que lhes seja conferida a possibilidade de explicitarem as suas razões, os argumentos de facto e de direito em defesa da tese que sustentam no processo ou que possam influenciar a tomada de qualquer decisão, ainda que intercalar.
Tal não existiu aqui, designadamente numa situação em que se considera a existência de exceções suscitadas pela Ré.
3 - Em minha opinião, seria de decretar a nulidade da decisão, por violação do contraditório, na vertente da decisão surpresa, o que teria como consequência ficar prejudicado o conhecimento das demais questões.
Não obstante, voto a decisão atendendo ao princípio pro actione, considerando as menores delongas do processo e que se mostram acautelados os direitos das partes no sentido prático já que, em qualquer das formas, os autos regressam à fase dos articulados.