CONTRATO DE MEDIAÇÃO MOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
ABUSO DO DIREITO
Sumário

I - Por a consequência do regime da exclusividade do contrato de mediação imobiliária, ao nível da remuneração, se encontrar fixada em norma legal imperativa, a comunicação e explicação do sentido dessa exclusividade ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais deve considerar-se dispensada, inútil ou inócua na medida em que a ignorância da lei não aproveita a ninguém (artigo 6.º do Código Civil).
II - Obtido pelo mediador um interessado no negócio, incide sobre o cliente o dever secundário de entrar em negociações com esse interessado sobre todas as condições de que depende o acordo global para a celebração do negócio visado pela mediação.
III - O abuso do direito por contradição com comportamento anterior com o significado de uma renúncia ao direito exige que esse significado se funde em razões objectivas, alicerçadas em notas ou características do comportamento a que normalmente um homem médio atribui esse sentido, não bastando, em regra, a mera inacção no exercício do direito.

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:18667.22.7YIPRT.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
A..., Lda., pessoa colectiva com número de identificação e de contribuinte fiscal ...34, com sede em Braga, instaurou procedimento de injunção posteriormente distribuído como acção judicial contra AA, contribuinte fiscal n.º ...30, residente na Maia, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o capital de €12.495,00, juros de mora vencidos de €1.018,77 e juros de mora vincendos até integral pagamento.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que se dedica à actividade comercial de mediação imobiliária e nessa actividade celebrou com a ré, em 2 de Outubro de 2019, um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, pelo prazo de 6 meses, renovável automática e sucessivamente por igual período, tendo por objecto conseguir interessado na compra do prédio urbano sito na urbanização ..., ..., ..., a troco da remuneração de 5% do preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado. Após, realizou inúmeras diligências de promoção da venda do prédio, tendo o angariador imobiliário obtido em Janeiro de 2020 uma proposta de compra pelo valor global de €249.900,00, valor que estava acordado entre a ré e a autora. Apresentada essa proposta à ré, esta recusou-se a celebrar o contrato com desculpas várias, tendo acabado por vender o imóvel a outro interessado à revelia da autora, razão pela qual o contrato objecto da mediação contratada com a autora apenas não se realizou por facto imputável exclusivamente à ré, sendo devida à autora a respectiva remuneração.
A réu foi citada e apresentou contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito, em resumo, que o contrato não foi celebrado em regime de exclusividade, que a autora não angariou interessado em concretizar o negócio, que existia um arrendamento sobre o imóvel conforme a autora sabia, tendo promovido a venda de modo erróneo, que na negociação não foram cumpridas as exigências de informação e esclarecimento do contraente aderente, que o negócio de compra e venda não foi concretizado em resultado de um juízo arbitrário ou discricionário da ré mas em virtude da existência do ónus de arrendamento.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente, e a ré condenada a pagar à autora a quantia de €12.495, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal civil desde a citação até integral pagamento.
Do assim decidido, a interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I – A decisão de que se recorre violou a apreciação dos meios de prova, nomeadamente o depoimento da testemunha BB, o qual foi manifestamente contraditório e titubeante, sobretudo quando conjugado e comparado com o que consta da prova documental, concretamente as mensagens de email trocadas entre este a requerente.
II – Em conformidade o contrato de mediação imobiliária não foi celebrado sob o regime da exclusividade, nem a requerida deixou de responder às solicitações da Requerente, pois foi precisamente esta quem deixou de responder.
III – Também deveria ter sido dado como demonstrado que a requerente sabia da existência do contrato de arrendamento que onerava o imóvel, atento o depoimento da testemunha BB e o contrato de arrendamento e recibos de renda.
IV – O não cumprimento do dever de informar por parte da requerente fê-la incorrer na violação dos artigos 5, 6, 7 e 8 da LCCG e bem assim do artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.
V – Ainda no que tange com as razões de direito a decisão violou o disposto no artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, porquanto o contrato de mediação imobiliária não tinha atingido o estado de perfeição, não bastando a apresentação da proposta, pois face às vicissitudes do caso vertente, impunha-se à requerente a realização de diligências, o que esta não fez, crendo ter cumprido com a sua obrigação.
VI – Ainda que assim se não entenda, sempre será de revogar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” por manifesta violação do princípio da confiança pela requerente, princípio que deve nortear a actuação das partes no cumprimento dos contratos e nessa conformidade, actuou a requerente em manifesta má-fé o que conduz à aplicabilidade do instituto do abuso do direito.
Termos em que, com o sempre douto suprimento, deve a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ser substituída por outra que julgue improcedente o pedido formulado pela requerente, por não lhe ser devido o direito à remuneração, quer por imperfeição contratual, quer, s não se entender assim, por violação do princípio da confiança, absolvendo a requerida/recorrente, assim se fazendo a costumada Justiça.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se estão preenchidos de forma válida os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e esta deve ser modificada.
ii. Se as cláusulas do contrato que se referem à exclusividade devem ser excluídas por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.
iii. Se estão preenchidas as circunstâncias que geram o direito da empresa de mediação à remuneração contratual.
iv. Se a autora actua em abuso do direito por exigir a remuneração quando não praticou mais qualquer acto depois da apresentação da proposta.

III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente inicia o corpo das suas alegações identificando o «objecto do recurso» mencionando que o mesmo «versará sobre a matéria de facto, por não concordar a recorrente com a posição do tribunal a quo no que respeita à factualidade provada e não provada, sindicando em concreto os pontos 2, 11 e 13 da matéria de facto dada como provada e os pontos a), b) e c) da matéria dada como não provada, sindicando-se os meios de prova, infra referidos, nomeadamente o depoimento da testemunha BB, citando-se as concretas passagens e mencionando-se os minutos por referência à gravação no sistema citius em audiência de discussão e julgamento».
Todavia, depois, nas conclusões das alegações, a recorrente apenas se refere à fundamentação de facto da decisão recorrida nas três primeiras conclusões.
Na primeira a recorrente faz uma apreciação sobre o depoimento de uma testemunha. Na segunda conclui que «em conformidade o contrato de mediação imobiliária não foi celebrado sob o regime da exclusividade, nem a requerida deixou de responder às solicitações da requerente, pois foi precisamente esta quem deixou de responder». E na terceira conclui que «também deveria ter sido dado como demonstrado que a requerente sabia da existência do contrato de arrendamento …, atento o depoimento da testemunha BB e o contrato de arrendamento e recibos de renda».
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto possui requisitos específicos que o recorrente deve observar sob pena de rejeição do recurso nessa parte.
Resulta do artigo 640.º do Código de Processo Civil que querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que se os meios probatórios incluírem depoimentos gravados deve ainda indicar as passagens da gravação em que funda o seu recurso.
A obrigação de o recorrente individualizar os factos que estão mal julgados, especificar os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, indicar o sentido da decisão a proferir e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, precisar as passagens do depoimento que tal hão-de permitir, coloca duas questões distintas: o modo como essa especificação deve ser cumprida e o local (o segmento das alegações) onde deve ser cumprida.
No que concerne a esse local, é necessário ter presente que constitui posição sólida, reiterada e amplamente conhecida da jurisprudência, que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, e 639.º, do Código de Processo Civil).
As alegações de recurso dividem-se, com efeito, em corpo das alegações, nas quais o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir (artigo 639.º do Código de Processo Civil).
Servindo as conclusões de recurso para sintetizar as questões que se pretende que o tribunal aprecie e o sentido com que as deverá decidir, nos casos em que uma dessas questões é a impugnação da decisão da matéria de facto, em principio terão de fazer parte das conclusões itens especificando essa pretensão e cumprindo os requisitos de que depende a validade da impugnação.
A delimitação do objecto do recurso pelas conclusões das alegações conduz a que seja em função destas, e não propriamente do corpo das alegações, que se devam apurar e delimitar as questões de que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso e cujo conhecimento não esteja precludido ou prejudicado.
Através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023, publicado no D.R. de 14/11/2023, o Supremo Tribunal de Justiça fixou recentemente jurisprudência sobre o único aspecto em relação ao qual o próprio Supremo parecia estar ainda dividido no tocante ao modo e local onde aqueles requisitos devem ser cumpridos, firmando o entendimento de que o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar a decisão alternativa nas conclusões, bastando, portanto, que faça essa indicação no corpo das alegações.
O Supremo Tribunal de Justiça assinalou no aludido Acórdão que os requisitos (os factos, a decisão, os meios de prova) mencionados no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil são «ónus primários», que têm a função de delimitar o objecto do recurso, fundando os termos da impugnação, pelo que a sua falta importa a imediata rejeição do recurso; em contrapartida o requisito (passagens da gravação do depoimento) previsto no n.º 2 do artigo 640.º por referência à alínea b) do n.º 1, é um «ónus secundário», com finalidade puramente instrumental do disposto no artigo 662.º que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação.
Entendeu ainda o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte:
«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorrectamente julgados, na definição do objecto do recurso.
Quan(t)o aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640.º, (…).
Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorrecto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efectivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspectos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640.º, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas
Em suma, encontra-se agora fixado o entendimento, que os Tribunais da Relação deverão seguir, de que para cumprir minimamente os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e permitir que essa seja uma das questões a apreciar pelo tribunal de recurso, o recorrente tem de indicar nas conclusões das alegações de recurso, pelo menos, quais os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão pretende ver modificada, podendo os restantes requisitos estar cumpridos apenas no corpo das alegações. A ausência daquela indicação nas conclusões das alegações é motivo de rejeição imediata da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Ora no caso em nenhuma conclusão das alegações de recurso a recorrente se ocupa de indicar, por qualquer forma, quais os pontos de facto julgados na sentença recorrida que considera incorrectamente julgados. A recorrente limita-se a indicar em duas a decisão que deve ser proferida (dois factos que na sua opinião o tribunal deve julgar provados), o que, como vimos, é um dos requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas um requisito distinto do da especificação dos concretos pontos que são objecto da impugnação, e que deve ser cumprido em simultâneo e conjuntamente com os restantes requisitos.
É certo que esses requisitos se encontram cumpridos, aliás com rigor, no corpo das alegações de recurso. Todavia, como já se assinalou o entendimento consagrado e reafirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça é o de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações e, quando o recorrente pretende incluir no objecto do recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tem, pelo menos, de cumprir nesse segmento das alegações o ónus primário da indicação dos factos concretos cuja decisão impugna.
Uma vez que isso não se mostra feito no presente caso, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, na parte em que tem por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto, e considerando que o requisito em falta é um ónus primário indispensável para a fixação do respectivo objecto, o recurso tem de ser rejeitado.
Não obstante esta decisão, admitamos, em tese, que a indicação, nas conclusões II e III, dos factos que a recorrente quer ver julgados provados permite inferir ou supor os concretos pontos de facto cuja decisão é impugnada, melhor dizendo, que daquelas conclusões resulta implicitamente que a recorrente pretendeu impugnar a decisão de julgar provado parte do facto 2, mais concretamente o segmento «em regime de exclusividade», e de julgar não provado o facto do item a) do respectivo elenco cuja redacção é a seguinte: «aquando do referido em 2, o referido em 15 era do conhecimento da requerente» (não há nas conclusões qualquer alusão aos restantes factos referidos no corpo das alegações, pelo que em relação a eles nem essa posição, digamos condescendente, é possível).
Para o efeito, procedemos à audição do depoimento da testemunha indicada pela recorrente e à leitura e análise dos documentos juntos aos autos que ela também menciona. Em resultado da análise desses meios de prova, entendemos que a impugnação da recorrente jamais poderia proceder.
O regime de exclusividade consta de uma cláusula própria do contrato que não apenas é clara quanto à natureza da contratação, como não se afasta da figura da exclusividade prevista no regime legal da actividade de mediação imobiliária.
Acresce que a testemunha em causa foi peremptória na afirmação de que a ré pediu e foi-lhe facultada uma cópia da minuta do contrato, que ela levou consigo para ser analisada por ela e, segundo deu a entender, por advogado ou solicitador que a aconselhariam sobre o contrato, e só algum tempo depois ela transmitiu que aceitava celebrar o contrato de mediação, conforme veio a fazer.
Não tendo a ré produzido qualquer meio de prova que coloque em dúvida ou contrarie esta descrição da testemunha, não se vê como seria possível deixar de julgar provado que o contrato foi celebrado com o conteúdo que consta da respectiva redacção e que a ré aceitou ao acrescentar a sua assinatura ao contrato.
No que concerne ao facto julgado não provado a nossa convicção é a mesma.
O que a testemunha admitiu é que num momento anterior houve contactos entre as partes para avaliar a celebração do contrato de mediação imobiliária e nessa altura o imóvel foi inclusivamente visitado para ser avaliado e foi falado que ele estava arrendado por uma empresa que tinha lá uns engenheiros que andavam a fazer uma obra nas proximidades.
Mas, também referiu que nessa altura não se celebrou o contrato de mediação imobiliária porque a ré pretendia receber um preço muito superior àquele pelo qual a empresa de mediação avaliou o imóvel, razão pela qual na altura foi entendido que o melhor era o imóvel continuar arrendado.
Ainda segundo a testemunha só bastante tempo depois a ré voltou a contactar a empresa de mediação para estes procederem à promoção do imóvel para venda e nessa ocasião referiu-lhes estar em condições de vender o imóvel. Portanto, a testemunha não só não admitiu como negou que fosse do seu conhecimento que o imóvel estava ou continuava arrendado na altura em que o contrato de mediação foi celebrado, sendo certo que se fosse esse o caso o potencial cliente que procuraria seria um investidor e não um cliente que desejasse o imóvel para a sua própria habitação, o que não foi o caso.
Este depoimento está em linha com os documentos juntos porque o contrato de arrendamento foi celebrado com data de Junho de 2017, o contrato de mediação imobiliária só em Outubro de 2019 e a proposta de compra obtida pela autora apenas de Janeiro de 2020. Logo, a situação que existia na primeira data, podia não existir na segunda ou na terceira.
Também era perfeitamente possível que na segunda data a ré já soubesse em que data o contrato de arrendamento ia caducar porque, segundo o respectivo texto, ela dispunha do direito de se opor à renovação do contrato para o fim do seu prazo inicial ou renovado, desde que o fizesse com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, tal como a arrendatária dispunha do direito de denunciar o contrato, a todo o tempo, desde que respeitasse a antecedência mínima de 120 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos.
Resultando dos documentos que a última renda paga respeitou ao mês de Junho de 2020, é plausível que em Outubro de 2019 a ré já soubesse em que data o contrato de arrendamento caducaria (a arrendatária é uma empresa de obras públicas que usava o imóvel para alojar trabalhadores de uma obra que como qualquer outra que não seja de «Santa Engrácia» tem uma conclusão) e, por isso, na tentativa de colocar já em marcha as diligências para a venda do imóvel e supondo que a obtenção de um interessado na compra pelo valor que ela desejava demoraria o seu tempo, tivesse avançado para a contratação da autora para a prestação do serviço de mediação imobiliária dando como assente que o imóvel estaria livre e desimpedido quando fosse chegado o momento de o vender.
Se se tratou de uma precipitação ou um erro da ré ou não foi nada assim e, pelo contrário, a autora sabia que o arrendamento ainda estava e continuaria a estar em vigor e não obstante isso avançou com a promoção da venda induzindo em erro os interessados, era o que a ré teria de provar através de meios de prova que não produziu (tanto que não os invoca sequer como fundamento do recurso), prova essa que manifestamente não se acha no depoimento citado pela recorrente e/ou nos documentos juntos aos autos.
Em conclusão, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que a recorrente anunciou pretender fazer ou deve ser rejeitada por falta de cumprimento dos requisitos específicos dessa impugnação ou, a ser admitida, deve ser julgada manifestamente improcedente, razão pela qual se mantém a fundamentação de facto da decisão recorrida.

IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
1. A Requerente dedica-se à actividade de mediação imobiliária.
2. No exercício da sua actividade, a Requerente celebrou com a Requerida, a 2 de Outubro de 2019, um contrato designado de “Mediação Imobiliária” em regime de Exclusividade, pelo prazo de 6 meses, renovável automaticamente por igual período se não denunciado pelas partes.
3. Através desse contrato, a Requerente obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio urbano composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão e sótão, com garagem e logradouro, sito na urbanização ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...95 da referida freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar sob o número ....
4. Em contrapartida, comprometeu-se a Requerida a pagar àquela sociedade, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado.
5. Foram efectuadas diligências de promoção de venda do referido prédio.
6. Deslocações ao local para fotografar o imóvel.
7. Divulgação do mesmo nas plataformas e meios publicitários da Requerente, bem como de entidades externas a quem esta última paga por aqueles serviços.
8. O angariador imobiliário responsável pelo processo obteve em Janeiro de 2020 uma proposta de compra para o referido imóvel pelo valor global de 249.900,00€ (duzentos e quarenta e nove mil e novecentos euros), valor acordado entre a Requerida e Requerente para a promoção do imóvel.
9. A proposta foi apresentada pela Senhora CC, contribuinte n.º ...81, e foi comunicada à Requerida.
10. A Requerente recebeu, em 10.02.2020, uma comunicação electrónica do Mandatário da Requerida, da qual consta: “Fui incumbido pela m/ constituinte Sra. AA, no sentido de a representar no âmbito do processo de venda do imóvel objecto do contrato de mediação imobiliária. Surgiu, contudo, um problema do foro jurídico, que se prende com a arrendatária e o contrato de arrendamento, pois sou da opinião que a m/ constituinte não poderá vender o imóvel livre e desocupado de pessoas e bens ao contrário do que aquela cuidava. Será assim aconselhável, por ora, não efectuarem mais a promoção do imóvel, pois qualquer diligência se revelarão infrutíferas e frustrarão expectativas. Solicito assim o grato favor de efectuam um apanhado dos encargos havidos com a promoção do imóvel e de mos remeterem por esta via.”
11. A Requerente tentou chegar à fala com a requerida.
12. Aquando das visitas com os clientes compradores não se vislumbrou que o imóvel estivesse arrendado a terceiros.
13. Perante o silêncio da Requerida à proposta referida em 9., a Requerente solicitou à Requerida o pagamento no montante de 12.495,00€ (doze mil quatrocentos e noventa e cinco Euros), a título de remuneração.
14. A Requerida vendeu o imóvel em 20 de Setembro de 2021.
15. Por contrato de arrendamento, datado de 19 de Junho de 2017, a Requerida deu de arrendamento o imóvel referido em 3. à “B..., SA”.
16. A Requerida contactou a imobiliária “C..., Lda.”, tendo com a mesma celebrado no ano de 2017 um contrato de mediação imobiliária com vista a angariarem interessados quer para arrendamento, quer para venda.
17. A sociedade referida em 16. apresentou-lhe interessados quer na compra, quer no arrendamento.
18. Tendo a Requerida naquela ocasião optado por arrendar o prédio, celebrando para o efeito o contrato de arrendamento em 19 de Junho de 2017.
19. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo certo de um ano com início de produção de efeitos em 15.06.2017 e foi renovado sucessivamente pelas partes, tendo sido denunciado com efeitos em 30 de Junho de 2020.
20. A Requerida teve acesso ao documento referido em 2. antes da assinatura.

V. Matéria de Direito:
A] Da violação de normas do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais:
Ao entrar nas questões de direito que constituem objecto do recurso, a recorrente diz na conclusão IV, textual e exclusivamente, o seguinte: «o não cumprimento do dever de informar por parte da requerente fê-la incorrer na violação dos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da LCCG e bem assim do artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro».
Para decidir a questão suscitada necessitamos primeiro de saber qual é ela, o que a redacção da referida conclusão não permite atingir, obrigando a analisar a totalidade do corpo das alegações para alcançar (?) o que a recorrente pretende sustentar.
Na contestação, a ré abordou os termos da negociação e celebração do contrato nos artigos 33.º a 62.º. Nesses artigos a ré queixa-se de que:
i) não lhe foi «disponibilizado» «minuta, esboço ou modelo do contrato de mediação imobiliária com os termos do contrato, pelo que o único contacto que teve com o documento foi no acto de assinatura» (artigo 39.º).
ii) «só lhe foi fornecida «cópia do contrato» um mês depois da sua celebração (42.º).
iii) «aquando da assinatura … não teve o cuidado de» verificar se o contrato não era em exclusividade, como acordado, «por ter confiado» na autora, «assim como não lhe foi lido ou explicado o conteúdo do contrato» (48.º).
iv) «não foi informada de cláusulas do contrato, nomeadamente» da «obrigação de pagamento da remuneração à mediadora em regime de exclusividade e bem assim da verificação de tal circunstância se a aderente desistisse de negócio para o qual a mediadora encontrasse interessado» (53.º).
v) a redacção da cláusula da exclusividade «não é clara à luz do homem médio» (58.º), omitindo «o efeito mais relevante e gravoso … que é a sujeição à obrigação de pagamento da remuneração no caso de desistência da celebração de contrato com cliente angariado pela mediadora» (60.º), efeito que teria de ser informado e esclarecido (61.º).
Agora, no corpo das alegações, e ainda assim pelo meio da alegação atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a recorrente torna a este assunto afirmando o seguinte:
i) a recorrida «não cumpriu» os «deveres impostos pela Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, nomeadamente quanto à explicitação do significado do regime de exclusividade, porquanto da cláusula terceira não emerge qualquer conteúdo quanto ao regime de tal cláusula (artigo 37.º).
ii) «a minuta do contrato foi disponibilizada antecipadamente» e o contrato foi lido aquando da respectiva assinatura, mas isso não significa que tenha sido «cumprido de forma cabal … o dever de esclarecer e elucidar» a recorrente (47.º e 48º).
Se bem interpretamos a sua posição, entre a contestação e o recurso a recorrente reduziu a sua objecção fundada no regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, às cláusulas do contrato relativas à exclusividade. Mais concretamente, no recurso já só sustenta que não lhe foi explicado, esclarecido ou elucidado o sentido e as consequências da exclusividade consignada no contrato, designadamente ao nível da obrigação de pagamento da remuneração.
Deve dizer-se que na sentença recorrida não foram levadas na devida conta as regras do ónus da prova que decorrem do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, apenas se tendo julgado provado que a ré «teve acesso ao documento [o contrato] antes da assinatura» (ponto 20), mas sem se precisar com que antecedência teve acesso e para que finalidade esse acesso lhe foi facultado.
Na sentença não se proferiu qualquer decisão (não constam nem dos factos provados nem dos factos não provados) sobre os factos alegados pela autora em resposta à contestação de que o contrato foi «lido e explicado o seu conteúdo» à ré «que o aceitou» (artigo 5.º), que a ré «teve acesso a este documento dias antes, documento que entregou a um advogado para que o analisasse, conforme o declarou, nunca tendo levantado obstáculos ao seu conteúdo» (artigo 7.º).
Em virtude de não haver controvérsia entre as partes quanto a estarmos perante um contrato com uma redacção pré elaborada formada quase exclusivamente por cláusulas não sujeitas a negociação com as características de cláusulas contratuais gerais, face às regras do ónus da prova que aquele regime jurídico consagra no artigo 5.º, n.º 3, e que fazem recair sobre a parte que predispôs as cláusulas contratuais gerais o ónus de provar o cumprimento dos deveres de comunicação e informação, estes factos seriam essenciais para a aferição da validade ou eficácia das cláusulas do contrato.
Em princípio, esta constatação determinaria a necessidade da ampliação da matéria de facto ao abrigo da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil. No entanto, no caso concreto, tendo o recurso por objecto, quando a esta questão, apenas as cláusulas do contrato atinentes à exclusividade e a ausência de informação cabal sobre o sentido e as consequências desta, cremos que é possível decidir já a questão suscitada pelas seguintes razões.
A exclusividade é abordada das cláusulas 4ª, referente ao «regime de contratação», e 5.º referente à «remuneração». Estas têm a seguinte redacção:
Cláusula 4.ª
1. O(s) Segundo(s) Contratante(s) contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2. Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, ficando o(s) Segundo(s) Contratante(s) obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.
Cláusula 5ª
1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
O artigo 16.º do regime jurídico da actividade de mediação imobiliária, aprovado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, estabelece que o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito e dele deve constar, obrigatoriamente, «a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».
Por sua vez o artigo 19.º do mesmo regime jurídico estabelece o seguinte:
1. A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2. É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Como se vê, a inclusão no contrato das mencionadas cláusulas (tendo a exclusividade sido acordada) constitui o cumprimento de um imperativo legal, e a respectiva redacção apenas reproduz o texto da lei que rege a actividade da mediação imobiliária, nada lhes acrescentando ou modificando.
Por outro lado, o artigo 3.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, estabelece que esse regime «não se aplica: a) a cláusulas típicas aprovadas pelo legislador».
Como refere José Manuel de Araújo Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, Abril 2010, Coimbra Editora, página 51-52, «Há outro tipo de cláusulas que, como é óbvio, extravasam o âmbito deste diploma. São aquelas que se limitam a transcrever textos da lei que se aplicaria a determinado contrato, caso nele nada se previsse sobre a matéria. Ou, ainda por maioria de razão, as que são cópia de preceitos legais de carácter imperativo. (…) Não houve necessidade de incluir tal evidente excepção no rol do artigo 3.º do DL n.º 446/85. Podendo, em uma interpretação lata, cair mesmo na previsão da sua alínea a). Efectivamente, não se pode conceber cláusula que mais colha a aprovação do legislador do que a própria lei
Efectivamente, uma vez que a consequência do regime da exclusividade da contratação da mediadora ao nível da remuneração se encontra fixada em norma legal imperativa, a comunicação e explicação do sentido dessa exclusividade deve considerar-se dispensada, inútil ou inócua na medida em que a ignorância da lei não aproveita a ninguém (artigo 6.º do Código Civil) e, consequentemente, o regime legal sobre essa matéria, correspondente ao teor das cláusulas em apreço, seria aplicável ainda que o contrato fosse inteiramente lacunoso a esse respeito e nada dispusesse sobre tais consequências.
Portanto, a recorrente podia sustentar e procurar demonstrar que o teor do contrato não corresponde ao acordo estabelecido pelas partes, que estas não acordaram a exclusividade apesar do que erradamente assinala o texto do contrato, mas para isso necessitava de alegar e fazer a prova dos pressupostos jurídicos da relevância do erro na declaração (artigo 247.º do Código Civil), o que não fez.
O que não lhe é possível é aceitar que teve o contrato em seu poder para o ler e analisar antes de o assinar, aceitar que assinou o contrato com uma cláusula a fixar expressamente o regime da exclusividade, não invocar aquele vício da declaração e invocar apenas o regime das cláusulas contratuais gerais para com o fundamento de que a recorrida não demonstrou tê-la informado de forma cabal das consequências dessa exclusividade no tocante à remuneração e mais especificamente das consequências previstas no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, e repetidas na cláusula 5.ª do contrato, esta cláusula deve ser considerada excluída do contrato, quando, ainda que assim fosse, se obteria o mesmo efeito jurídico por aplicação da norma legal citada.
Improcede, portanto, a questão suscitada.

B] Da violação do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro:
Na conclusão V a recorrente defende que a decisão recorrida «violou o disposto no artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, porquanto o contrato de mediação imobiliária não tinha atingido o estado de perfeição, não bastando a apresentação da proposta, pois face às vicissitudes do caso vertente, impunha-se à requerente a realização de diligências, o que esta não fez, crendo ter cumprido com a sua obrigação».
Vejamos:
O contrato celebrado entre a autora e a ré é, segundo o respectivo título, mas também de acordo com o seu conteúdo, um contrato de mediação imobiliária.
Tal contrato é aquele que as entidades licenciadas para exercício da actividade de mediação imobiliária celebram com os seus clientes com o objectivo de lhes proporcionar o resultado do serviço que irão desenvolver de «procura, … em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis» (cf. artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro).
Trata-se, pois, de um contrato de prestação de serviços em que o prestador se vincula a realizar actos e diligências no sentido de procurar potenciais interessados no negócio que o cliente deseja celebrar. A qualificação jurídica do contrato, aliás, não suscita dúvidas ou controvérsia no processo.
O artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, estabelece quando e em que condições é devida a remuneração ao mediador imobiliário.
O n.º 1 consagra o principio geral de que a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, devida logo que tal celebração ocorra. Em princípio, portanto, se o negócio visado pela mediação não tiver sido concluído e de forma válida a remuneração não é devida.
O n.º 2 estabelece uma excepção a essa regra, isto é, casos em que a remuneração é devida mesmo que aquele negócio não tenha sido concluído e de forma válida. Tais casos são aqueles em que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e o negócio por ele visado não se concretize por causa imputável ao cliente que contratou a mediação. Esta excepção pressupõe, pois, a reunião de três circunstâncias cumulativas: o regime de exclusividade do contrato de mediação, a não concretização do negócio por motivos imputáveis ao cliente, o cliente ser o proprietário ou o arrendatário trespassante.
Como afirma Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de direito comercial, Julho de 2020, in www.revistadedireitocomercial.com, pág. 1415, «a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art. 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado).»
A norma em questão refere-se, como vimos, aos contratos celebrados com exclusividade. Existem dois preceitos no diploma que se referem a essa cláusula.
Por um lado, o artigo 16.º, n.º 2, alínea g), que obriga que seja celebrado por escrito e que seja mencionado no texto do contrato «a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».
No caso, tal menção consta do contrato, cuja cláusula 4.ª assinala que a autora foi contratada «em regime de exclusividade», e que isso «implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência».
Esta explicitação do sentido da cláusula corresponde, aliás, ao que consta do Modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais aprovado pela Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, onde consta cuja cláusula 4.ª, n.º 2, assinala que «o regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência».
Não se trata, contudo, da única acepção de exclusividade possível. Com efeito é comum distinguirem-se as situações em que a exclusividade significa que as partes estabeleceram que o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio (a chamada exclusividade simples) e as situações em que significa que o comitente também não poderá ele próprio procurar um terceiro interessado no negócio (a chamada exclusividade reforçada). Em qualquer das situações estamos perante contratos celebrados em regime de exclusividade; pode é discutir-se se estando em causa a chamada exclusividade simples o que sucede em relação à remuneração se o negócio visado vier a ser celebrado com um interessado obtido pelo próprio cliente, não obstante a mediadora ter conseguido pelos seus meios obter igualmente um interessado no negócio. Não é essa, no entanto, a hipótese dos autos, pelo que não adianta tergiversar sobre o assunto.
Por outro lado, o já citado artigo 19.º, n.º 2, que dispõe que a empresa mediadora tem direito à remuneração desde que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade com o proprietário do bem ou com o arrendatário trespassante e o contrato visado não se concretize por causa imputável ao cliente.
A autora citada, loc. cit., pág. 1433, assinala que em resultado destas normas a «cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado.»
Mais à frente a autora assinala que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e, portanto, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações), nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que foi «estipulada uma cláusula de exclusividade … o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (..). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)». A autora enfatiza ainda que «a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19.º implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).»
Também Fernando Baptista Oliveira, in Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, Disponível na internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5, pág. 50, assinala que a regra segundo a qual se o negócio não se concretizar não há lugar ao pagamento da remuneração ao mediador, vale «também para a situação em que o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade (…): exige-se, também aqui, a conclusão e perfeição do negócio, a não ser que (caso, portanto, em que a remuneração é devida sem a concretização do negócio...) o mesmo se “não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel” (nº 2, fine)».
Mais à frente o mesmo autor coloca as questões de saber se «havendo cláusula de exclusividade, pode o cliente, durante a vigência do contrato, desistir do contrato/negócio visado com o interessado que a mediadora lhe encontrou nesse período, ou recusá-lo? Ou está obrigado a aceitar esse interessado, assim se vinculando à celebração desse contrato (desde, claro, que o interessado encontrado esteja genuinamente interessado a celebrá-lo nas condições previstas no contrato)? E se desistir, há lugar à remuneração?» e responde nos seguintes termos: «Em causa, assim, está, agora, não apenas a questão da exclusividade, mas antes de... revogabilidade do contrato. Não se estipulando cláusula de exclusividade, o cliente pode, obviamente, sempre desistir do negócio a qualquer momento, sem que haja lugar a remuneração da mediadora contratada, a não ser que no contrato se tenha estipulado, de forma expressa, coisa diferente. Já, porém, havendo exclusividade, também pode desistir do negócio, é certo, mas então o direito da mediadora à remuneração mantém-se intacto se a previsão ínsita no artº 19º/2 RJAMI se preencher – isto é, se o negócio visado no contrato se não concretize por causa imputável ao cliente. Exemplificando: 1. Há lugar à remuneração à mediadora (acordada), v.g., no caso da recusa ou desistência do negócio pelo cliente dela serem meros artifícios para este não lhe pagar a remuneração acordada (como é o caso daquele dilatar a celebração do negócio com o cliente arranjado pela mediadora para mais tarde (já... depois do período do contrato), a fim de não “parecer” que foi por acção dela que o negócio se veio a concretizar)! 2. Também há lugar à remuneração acordada quando, tendo sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, a proprietária do imóvel, objecto do negócio, se recusa, a celebrar contrato promessa com interessada angariada pela mediadora, sem fazer qualquer outra prova, capaz de afastar a sua culpa – por aplicação do artº 19º/2 da lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro (anteriormente, o artº 18º/2/a) do DL 21/2004, de 20 de Agosto), em conjugação com os artigos 798º (“responsabilidade do devedor”84) e 799º (“presunção de culpa e apreciação desta”), do Cód. Civil.»
O mesmo autor, in Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, 2019, pág. 168, afirma identicamente que «estamos perante uma excepção que afasta o regime regra (…) deixando aqui a remuneração de depender de um evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, desde que a empresa mediadora faça prova da efectiva obtenção de alguém verdadeiramente interessado em celebrar o contrato visado».
Portanto, nas situações previstas no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize. Para que esse efeito jurídico seja alcançado basta que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário ou de arrendatário com intenção de trespassar o imóvel, que o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 10-03-2022, proc. n.º 20554/20.4T8PRT.P1, relatado pelo aqui 1.º Adjunto, in www.dgsi.pt, «os pressupostos para o preenchimento desta previsão legal são, assim: a) a existência de um contrato em regime de exclusividade; b) a existência de actividade da mediadora que seja qualificada como apta a desencadear a conclusão final do negócio; c) a frustração desse resultado expectável; d) por acção culposa exclusiva do mediado».
Apliquemos agora estas ideias ao caso concreto.
Resultou provado que na sequência da celebração do contrato de mediação imobiliária com a ré a autora efectuou diligências de promoção da venda do imóvel, tendo obtido em Janeiro de 2020 uma proposta de compra pelo valor definido para a promoção do imóvel.
Resultou ainda demonstrado que a autora informou a ré da existência dessa proposta, identificando a proponente, e a ré, na posse dessa informação, comunicou à autora que haveria uma questão do foro jurídico, relacionada com a existência de um contrato de arrendamento sobre o imóvel, que impedia a sua venda, livre e desocupado de pessoas e bens, ao contrário do que aquela supunha, pelo que as diligências de promoção do imóvel deveriam ser suspensas.
Por fim, resultou provado que a ré vendeu o imóvel em 20 de Setembro de 2021, mencionando tê-lo feito com a intervenção de outra empresa de mediação imobiliária.
Pode concluir-se destes factos que a autora cumpriu as suas obrigações contratuais: diligenciou pela promoção do imóvel, procurando obter interessados na sua compra pelo preço definido pelo vendedor. Essas diligências produziram mesmo um resultado: foi obtido um interessado na compra do imóvel que apresentou uma proposta concreta de compra do imóvel pelo preço definido.
Refira-se que a obrigação contratual a que a mediadora se vincula é apenas a de fazer aquelas diligências para procurar interessados no negócio ou convencer terceiros a interessarem-se pelo negócio, não é a de obter o resultado concreto da obtenção de interessados. Este desfecho é importante não para efeito da verificação do cumprimento do dever de prestação contratual, mas, como vimos, para efeitos de se tornar exigível a remuneração estabelecida no contrato de mediação. O risco de as diligências realizadas não conduzirem à obtenção de interessados e com isso não poder ser exigido o pagamento da remuneração, corre por conta do mediador.
Perante a apresentação pelo mediador de uma proposta concreta, o cliente fica onerado com o dever secundário de estabelecer com o proponente as negociações destinadas à concretização do negócio. O mediador não tem a obrigação, nem pode fazer essa negociação, a qual tem de ser feita pelo cliente por ser ele o titular do direito a alienar e a pessoa com legitimidade substancial para apreciar a proposta e decidir sobre a sua aceitação, após discussão dos demais aspectos que o negócio pressupor, como o prazo e as condições de pagamento do preço e o prazo para a formalização do negócio.
Excepto se o próprio contrato de mediação imobiliária definir todas as condições que a proposta deve respeitar para poder vir a ser aceite e o negócio visado concretizado, caso em que para efeitos do contrato de mediação só existe verdadeiramente uma proposta válida se esta compreender todas essas condições, o mediador apresenta uma proposta válida desde que tenha obtido um interessado disposto a pagar o preço definido pelo vendedor e assinalado no contrato de mediação.
As restantes condições deverão depois ser discutidas e negociadas entre o cliente e o proponente, podendo essas negociações gerar um acordo global que permita a concretização do negócio visado, ou acabar num impasse que impeça o acordo sobre todos os aspectos necessário àquela concretização (v.g. o proponente propõe-se pagar o preço definido, mas pretende efectuar o seu pagamento em condições e prazos que o cliente não aceita justificadamente).
Ao recusar-se a entrar em contacto com o proponente e encetar com o mesmo negociações a ré não cumpriu esse dever secundário do contrato de mediação que celebrou com a autora, comportamento que impediu a concretização do negócio visado pela mediação, uma vez que em condições normais qualquer comprador de um imóvel sabe que o respectivo preço deverá ser pago a pronto, pela totalidade, o mais tardar no momento da formalização do negócio, e, por isso, nada permite supor que a proposta concreta apresentada pela autora não compreendesse a disponibilidade para efectuar o pagamento do preço nessas condições e momento.
A recorrente defende que essa sua atitude era justificada. Sobre isso provou-se que em 19 de Junho de 2017, com intervenção de outra empresa de mediação imobiliária, a ré tinha celebrado com terceiro um contrato de arrendamento do imóvel objecto da mediação, pelo prazo de um ano, o qual foi renovado sucessivamente pelas partes até o contrato ser denunciado com efeitos em 30 de Junho de 2020. Por outras palavras, quer quando foi celebrado o contrato de mediação imobiliária, quer quando foi apresentada a proposta pelo interessado na compra, o imóvel estava arrendado a terceiro.
Significa isto que a ré se podia recusar a negociar a proposta apresentada pela autora e aceitar a concretização do negócio visado? A resposta é, cremos nós, negativa.
A ré estava sim obrigada pelos deveres acessórios que advinham do contrato de mediação, o qual, note-se, foi celebrado para venda do imóvel apesar de ele se encontrar, à data, arrendado e a ré não poder deixar de conhecer esse facto (sendo que não provou que a autora também soubesse desse facto) e no qual foi assinalado que o imóvel se encontrava livre de quaisquer ónus e encargos, a entrar em contacto com a proponente obtida pela autora e negociar com ela o negócio visado, informando-a do contrato de arrendamento, da possibilidade de este ser denunciado e/ou se este já tinha sido denunciado e, nesse caso, em que data caducaria, de modo a acordar com a proponente, se fosse caso disso, a data da celebração do negócio visado.
Na verdade, sabe-se que na data em que a proposta foi apresentada à ré o contrato de arrendamento ainda não estava extinto, mas desconhece-se em que data foi operada a denúncia ou oposição à sua renovação que conduziu à sua extinção cerca de 5 meses após a data da apresentação da proposta.
Segundo o contrato de arrendamento, a oposição à renovação do contrato por parte da ré e senhoria tinha de ser feita com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, pelo que se foi isso que determinou a caducidade do contrato, quando recebeu a proposta já a ré sabia que o contrato ia terminar e quando. A extinção do arrendamento podia ainda ocorrer por denúncia da arrendatária, nesse caso com a antecedência mínima de 120 dias, pelo que se foi essa a causa da extinção do contrato, a ré terá sabido da extinção do contrato apenas um mês depois de conhecida a proposta. Acresce que esta indicava o prazo de 90 dias para a celebração da escritura, nada indicando que tal prazo fosse absolutamente essencial para a proponente e insusceptível de negociação de modo a acordar-se a celebração da escritura do negócio visado e a entrega do imóvel não 90, mas 150 dias depois da proposta, altura em que já não existiria obstáculo do arrendamento.
O que daqui se retira, portanto, é que o que impediu a reunião das condições para a concretização do negócio visado foi a decisão da ré de não entrar sequer em negociações com a proponente obtida pela autora, conforme, repete-se, era sua obrigação fazer em virtude dos deveres acessórios decorrentes do contrato de mediação. À autora só era exigido e possível fazer mais para alcançar essa concretização se a ré tivesse aceitado estabelecer as negociações e requisitado a sua colaboração ou participação nas mesmas, designadamente com o estabelecimento de contactos com a proponente ou a transmissão das propostas e contrapropostas a que houvesse lugar no decurso dessas negociações. Uma vez que a ré não pediu essa colaboração, nem sequer a desejou porque informou a autora que devia parar com as diligências de promoção do imóvel, não houve incumprimento de qualquer dever principal, secundário ou acessório da autora decorrente do contrato de mediação imobiliária.
Desse modo, a verdadeira questão que se coloca consiste em saber se a não concretização do negócio é ou não imputável à ré, rectius, se a causa da não concretização do negócio é imputável à ré.
Se bem vimos, o conceito de imputabilidade não coincide com o conceito de nexo de causalidade. Subjacente ao mesmo não se encontra sempre apenas uma relação de causa-efeito, no sentido de uma coisa ser causa adequada da outra; encontra-se frequentemente a ideia de censurabilidade do comportamento, ou seja, a ideia de que o evento resultou da actuação do agente, havendo entre eles um nexo de causalidade, mas também que essa actuação é censurável, no sentido de ser possível fazer incidir sobre a actuação um juízo de censura normativa por nas concretas circunstâncias do caso ser exigível ao agente que não adoptasse o comportamento ou que adoptasse comportamento diverso.
Uma vez que mesmo no domínio dos contratos de mediação com cláusula de exclusividade a regra é, como vimos, a de que a remuneração da empresa só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pela mediação e só excepcionalmente essa condição não tem de se verificar para o direito à remuneração se constituir, então, o disposto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013 deve ser aplicado tendo presente a sua natureza extraordinária ou de excepção.
Nesse sentido, a disposição deve ser interpretada como vedando apenas que a não concretização do negócio resulte de um puro juízo arbitrário ou discricionário do cliente que rompa com a expectativa criada com a celebração do contrato de mediação e em função da qual o mediador confiou que o cliente pretendia mesmo o negócio e por isso de dispôs a exercer a sua actividade em prol da concretização deste.
A causa imputável ao cliente de que fala a norma não é toda a causa que se situe na esfera de disponibilidade do cliente (que resulte da sua livre vontade ou de factores que ele pode e deve controlar), é essencialmente o evento em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado.
Sendo possível esse juízo de censura, a remuneração é devida. Não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio, a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.
Ao celebrar o contrato de mediação o cliente, como vimos, não se obriga a concretizar o negócio para cuja celebração o mediador encontre um interessado. Todavia, se depois decide desistir do negócio que projectava e para cuja obtenção contratou os serviços de um mediador profissional, em principio estará preenchida a previsão do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.
Para isso, no entanto, é necessário que estejamos perante uma decisão arbitrária e sem justificação aceitável. Ao contrário, se o cliente tiver uma justificação para essa decisão e no âmbito da relação contratual com o mediador existirem condições para afirmar que, nesse contexto ou nessa eventualidade, o mediador podia e devia contar com a possibilidade de tal decisão, ou seja, de reconhecer e aceitar os motivos apresentados pelo cliente para a decisão, entendemos que não está preenchida a previsão da citada norma legal.
Ora, como já vimos, a invocação da existência de um arrendamento não passou de um pretexto (note-se que não estamos a pretender dizer falso pretexto) para não celebrar o negócio visado. De facto, esse contrato podia ser denunciado pela proprietária/senhoria, caducou efectivamente pouco tempo depois e o factor que determinou a sua caducidade podia até estar já produzido no momento em que a proposta foi apresentada (aspecto que não foi alegado pela ré).
Acresce que ao recusar-se a estabelecer negociações com a proponente foi a cliente que impediu a possibilidade de a celebração da escritura vir a ocorrer após caducar o arrendamento, sendo certo que o prazo proposto por esta para essa finalidade estava a curta distância do momento em que caducou o arrendamento.
Por fim, sublinhe-se que a ré veio mesmo a vender o imóvel, pouco mais de um ano depois, mencionando na respectiva escritura pública que o fez com intervenção de outra empresa de mediação imobiliária, o que representa uma violação do contrato celebrado com a autora em regime de exclusividade e que aparentemente se mantinha em vigor, por não ter sido alegado por qualquer das partes que tenha sido denunciado nesse intervalo de tempo quando o seu prazo inicial de 6 meses se renovava automática e sucessivamente.
Pelo exposto, entendemos que estão preenchidos os pressupostos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 19.º do regime jurídico da actividade de mediação imobiliária, aprovado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, e, como tal, que é devida à autora a remuneração acordada no contrato de mediação imobiliária.
Improcede assim a segunda questão colocada no recurso.

C] Do abuso do direito da autora:
Na conclusão VI a recorrente afirma que «a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” viola o princípio da confiança pela requerente, princípio que deve nortear a actuação das partes no cumprimento dos contratos e nessa conformidade, actuou a requerente em manifesta má-fé o que conduz à aplicabilidade do instituto do abuso do direito».
Lidas e relidas as conclusões das alegações de recurso, quer-nos parecer que a invocação do instituto do abuso do direito se funda exclusivamente na circunstância de a autora nada mais ter feito para além de apresentar a proposta e, em particular, nada ter feito na sequência da comunicação da ré da existência do contrato de arrendamento e da impossibilidade daí decorrente da concretização do negócio visado.
Quer-nos, no entanto, igualmente parecer que a ré está a inverter as coisas e a adjudicar a outrem deveres que eram seus.
A ré tinha celebrado com a autora um contrato de mediação para a venda do imóvel, em regime de exclusividade. A autora cumpriu os seus deveres de prestação: diligenciou pela obtenção de um interessado na compra do imóvel e forneceu a proposta obtida à ré. A partir daqui, de acordo com o contrato, mas também com as regras da boa fé, era a ré que estava obrigada a actuar, entrando em contacto com a interessada (porventura através da autora) e negociar com esta (eventualmente através da autora) os aspectos de que dependia ainda a concretização do negócio visado.
Sucede que a ré se recusou a fazer isso, manifestando pura e simplesmente que não ia celebrar o negócio (dando a justificação do arrendamento), pelo que não se vislumbra o que podia ela pretender que a autora fizesse mais ou de que modo poderia essa atitude da autora traduzir uma violação das regras da boa fé.
Refere ainda a recorrente que ao exigir a remuneração a autora viola a confiança criada pelo facto de não ter respondido à carta da autora a informá-la de que não podia vender o imóvel livre e desocupado. Este argumento obriga a questionar se essa falta de resposta é susceptível de traduzir uma renúncia da autora ao direito à remuneração, preenchendo os requisitos da modalidade do abuso do direito que a doutrina denomina supressio, ou seja, um caso em que o comportamento do titular do direito ao longo do tempo criou a legítima confiança de que aquele não exercerá mais o direito ou renunciou a ele.
A doutrina enumera como figura típica do abuso do direito, por violação do dever de actuação conforme às expectativas criadas, o chamado venire contra factum proprium que se reconduz à situação em que o titular do direito adopta um comportamento capaz de criar no outro pólo da relação jurídica a expectativa de que o direito é concebido e será exercido pelo seu titular em consonância com o significado desse comportamento, mas depois vem a actuar em contradição ou desconformidade com o comportamento anterior, frustrando aquela confiança.
Para Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no direito civil, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume comemorativo do 75º Tomo do Boletim da Faculdade de Direito, 2003, pág. 302 e seguintes, o venire contra factum proprium possui pressupostos imprescindíveis. Assim, «… deverá, antes de mais, existir um comportamento anterior do agente - o “factum proprium” a que se refere a expressão -, que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. ... Depois, há que apurar a imputação ao agente, quer desse comportamento anterior, quer do actual comportamento. … em regra, não poderá prescindir-se da culpa (apenas poderá abrir-se uma excepção, a nosso ver, quando o factum proprium fundou, embora sem culpa, determinadas expectativas na outra parte, por exemplo, por lhe terem sido prestadas informações jurídicas erradas, por o agente dispor de uma posição de superioridade ou ser, de outra forma, responsável pela ineficácia de uma vinculação na qual a outra parte confiou). … Em terceiro lugar, há que verificar a necessidade e o merecimento de protecção do atingido com a conduta contraditória. Assim, este tem de estar de boa fé, isto é, há-de ter confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando não culposamente eventuais intenções contrárias do agente. … Por outro lado, importa apurar a existência e o tipo de “disposição” levada a cabo, ou seja, o “investimento de confiança”, ou baseado na confiança, realizado, sendo que este pode traduzir-se, por exemplo, da realização de uma contraprestação. A sua irreversibilidade ou a eventual afectação da situação existencial daquele que confiou, por virtude da frustração desse “investimento”, … serão elementos cuja presença reforça a conclusão de proibição da conduta contraditória. Terá também de existir causalidade, quer entre a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, quer entre esta e a “disposição” (causadora do dano) levada a cabo. Para que o agente seja responsável - rectius, para que seja impedido de venire contra factum proprium - o investimento de confiança tem, pois, de ser causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada».
Todavia, como logo adverte este autor, «deve rejeitar-se a aplicação automática dos pressupostos mencionados, após a sua enumeração e verificação no caso concreto. Antes todos deverão ser globalmente ponderados, in concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta-com os ditames da boa fé em sentido objectivo».
A modalidade (ou figura próxima, consoante os autores) do venire contra factum proprium denominada supressio é uma forma de tutela da confiança gerada por um determinado comportamento. Para a sua verificação, importa o significado da aparência do comportamento, a ilação que o mesmo permite quanto ao comportamento da mesma pessoa – do mesmo titular do interesse juridicamente protegido – no futuro. Por isso, é necessário que esse comportamento tenha legitimamente um determinado significado apreensível pelo comum dos destinatários.
Para tanto, são necessários indícios objectivos desse significado que permitam concluir que a confiança criada não foi sobremaneira subjectiva – correspondente à vontade e desejo de outrem – mas objectivamente fundada, só assim merecendo a tutela do direito. Esses elementos objectivos hão-de indiciar que o direito não mais será exercido ou se renunciou a ele em definitivo. Daí que para a interpretação do seu significado sejam decisivos o contexto e as circunstâncias em que o comportamento tem lugar.
Menezes Cordeiro, in Da boa fé no direito civil, Almedina, 3.ª reimpressão, a pág. 811, nota 607, cita Griebeling para afirmar que este «analisa com mérito o condicionalismo a aditar ao decurso do tempo para que de suppressio seja o caso, em: a) comportamento exterior: o titular deve comportar-se como se não tivesse o direito ou não mais quisesse exercê-lo; b) previsão de confiança: a contraparte confia em que o direito não mais será feito valer; c) desvantagem injusta: o exercício superveniente do direito acarretaria, para a outra parte, uma desvantagem iníqua.».
Ora, como vimos, uma vez obtida e apresentada à ré a proposta de um interessado na compra a autora nada mais podia fazer, não gozando de qualquer prerrogativa ou faculdade de suprimento da decisão da ré de não celebrar o negócio visado.
Não está provado absolutamente nenhum facto objectivo que tenha a virtualidade de atribuir à ausência de resposta um significado no sentido de renuncia ao direito à remuneração, caso se verificassem os pressupostos desse direito.
Refira-se, aliás, que na sua comunicação, a ré também pede que lhe sejam indicadas as despesas suportadas pela autora com as diligências que realizou, deixando implícita a possibilidade de reembolsar a autora dessas despesas como forma de liquidação do contrato. No entanto, a autora, não lhe enviou o rol dessas despesas e/ou diligências, o que isso sim poderia indiciar do ponto de vista objectivo a aceitação da liquidação da relação contratual nesses termos.
O que está na origem da acção é certamente a circunstância de a autora se ter apercebido que o imóvel acabou depois por ser vendido a terceiro com intervenção de outra empresa de mediação imobiliária, sem a ré ter previamente denunciado o contrato celebrado com a autora no regime de exclusividade e/ou ter procurado obter junto da autora informação sobre se o interessado que esta lhe havia indicado mantinha o seu interesse no imóvel e a proposta apresentada ou desejava fazer nova proposta.
Nesse contexto, cremos ser indubitável que a atitude da autora não representa um abuso do direito, na medida em que não é contraditório com qualquer comportamento anterior que fosse objectivamente passível de ser interpretado como uma renúncia ao direito que vem reclamar na acção.
Improcede por isso a última questão suscitada.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas do recurso pela recorrente, a qual vai condenada a pagar à recorrida, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.
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Porto, 25 de Janeiro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 794)
Paulo Duarte Mesquita Teixeira
Isabel Rebelo Ferreira

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]