CONTRAORDENAÇÃO LABORAL
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPROCEDÊNCIA
IMPRORROGABILIDADE DO PRAZO
Sumário

I - Ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO não é aplicável o regime previsto no artigo 279º, al. e) do CC.
II - Os artigos 59º, n.º 3 e 60º, ambos do RGCO não violam o artigo 32º da CRP.
III - Ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa não é aplicável o disposto no artigo 107º-A do CPP.
IV- O artigo 107º-A do CPP não viola o artigo 32º, n.º 10 da CRP.

Texto Integral

Processo 4025/23.0T9AVR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Ovar

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1. Por decisão judicial proferida em 07.09.2023 não foi admitida a impugnação judicial de interposta por A... Unipessoal, Lda. por extemporaneidade.
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I.1. Recurso da decisão
A impugnante A... Unipessoal, Lda. interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1- A douta sentença recorrida julgou intempestiva a impugnação judicial apresentada pela Recorrente no dia 04/01/2023, por considerar que nos processos de contra-ordenação não é aplicável a disciplina prevista no art. 279°, al. e) do Código Civil.
2- A Recorrente não concorda com a douta decisão recorrida, desde logo e além do mais, por discordar da subsunção jurídica efectuada pelo Tribunal "a quo".
3- A Recorrente entende que a contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor (artigo 60.° do RGCO suspende aos sábados, domingos e feriados.
4- E, caso o prazo de interposição do recurso judicial (artigo 80.° do RGIT) termine em período de férias judiciais, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.°, alínea e), do CC.
5- A questão primordial dos autos é a de saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando coincida com período de férias judiciais, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art. 279.° do CC.
6- A notificação da decisão recorrida de aplicação da coima foi feita à Recorrente em 29/11/2022, com resulta de fls. 53 do PA.
7- Conforme resulta da mesma notificação, a Recorrente dispunha do prazo de 20 dias úteis a contar dessa data para recorrer da decisão proferida, nos termos do artigo 60.° do RGCO.
8- Assim sendo, o prazo de que a Recorrente dispunha para apresentar recurso judicial terminou dia 29/12/2022.
9- Sucede que, de acordo com o artigo 28.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que estabelece que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.
10- Do exposto resulta que, o término do prazo para apresentação de recurso pela Recorrente terminou em período de férias judiciais.
11- É certo que conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, o prazo para apresentação de recurso da decisão proferida no âmbito dos processos de contraordenação não é um prazo judicial mas um prazo administrativo pelo que não se suspende emférias judiciais, por não lhe ser aplicável o regime do artigo 138.°, n.° 1 do CPC.
12- No entanto, conforme resulta da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, cujo teor sufragamos:
"(...) I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.°, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.° do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.° do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.°, alínea e), do CC. (...)"
13- O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/05/2021 (proc. 572/20.3BEPNF, rel. Cons. Pedro Vergueiro) em cuja proposição IV se afirma que: "Terminando esse prazo (de interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa) em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279°, al. e), do C. Civil".
14- Ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/06/2021 (proc. 571/20.5BEPNF, rel. Cons. Paula Cadilhe Ribeiro) em cuja proposição III se afirma que: "No entanto, terminando esse prazo (de interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa) em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279°, alínea e), do CC".
15- E, também, entre muitos outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2021 (proc. 7/14.0T8ORQ.E1, rel. Des. João Comes de Sousa) em cuja proposição 2 afirma que: "Assim, o termo do prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias judiciais transfere-se - ao menos - para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais.".
16- Subscrevemos ainda a posição vertida num outro acórdão do Colendo STA, segundo a qual: "IV - O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário."
17- De igual forma, também Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, em anotação artigo 80.°, Regime Geral das Infrações Tributárias, 4J ed., Áreas ed., 2010, pág. 536, expressam que: "Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279°, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.
Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o Recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste.”
18- Aqui chegados dúvidas não restam de que, tendo o prazo para a Recorrente apresentar recurso terminado em período de férias judiciais o mesmo transferiu-se para o primeiro dia útil posterior ao seu término por força do preceituado no artigo 279.°, alínea e), do Código Civil, tendo assim transitado para o dia 04/01/2023.
19- Assim sendo, ter-se-á de concluir pela tempestividade do recurso judicial apresentado pela Recorrente a 04/01/2023.
20- Entendimento contrário, nomeadamente que o prazo de impugnação judicial estabelecido nos arts. 59°, n.º 3 e 60° do RCGO, quando termina em férias judiciais, não se transfere para o primeiro dia útil após o termo desse período, consubstancia uma manifesta inconstitucionalidade, por violação do art. 32° da CRP, na medida em que da sua aplicação resulta a impossibilidade de o Recorrente se poder defender em sede própria e de lançar mão do seu direito de defesa.
21- Sem prejuízo do exposto e caso se entenda que não assiste razão à Recorrente - o que não se concede - sempre se dirá que a impugnação judicial apresentada pela Recorrente será tempestiva, quanto mais não seja por força da aplicação do disposto no art. 107°-A do CPP, cuja aplicação nos processos de contra-ordenação, nomeadamente na impugnação judicial, foi uniformemente determinada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 3/2022.
22- A questão aqui suscitada é sobre a aplicação à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, do disposto no art. 107.°-A do CPP, o que resulta, da aplicação das regras dos prazos com a remissão para as regras do processo penal e, consequentemente, com a aplicação da possibilidade de praticar os actos nos três dias úteis subsequentes.
23- Se for certa a não aplicação da suspensão das férias judiciais à impugnação judicial, o que encontra fundamento no modo de funcionamento das autoridades administrativas - sem qualquer condicionamento durante o período das férias judiciais - já a não aplicação da possibilidade da prática do acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa criaria um tratamento diferenciado injustificado, com prejuízo manifesto para o exercício do direito de defesa do arguido em processo de contra-ordenação, o que se nos afigura não ser o objetivo do legislador.
24- Motivo pelo qual não se vislumbra qualquer fundamento para que, no âmbito de um procedimento de contra-ordenação ambiental, o arguido visse o prazo para apresentação da sua defesa reduzido quando comparado com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativas de outras autoridades, criando-se um regime híbrido e mais desfavorável.
25- Deste modo, afigura-se-nos ser aplicável ao prazo de impugnação judicial o disposto no art. 107°-A do CPP, configurando-se ser esta a interpretação mais consentânea e conforme com as garantias de defesa previstas, designadamente, no artigo 32.° n.° 10, da Constituição da República Portuguesa.
26- Entendimento contrário, nomeadamente que o disposto no art. 107°-A do CPP não se aplica ao prazo para apresentação de impugnação judicial, consubstancia uma manifesta inconstitucionalidade, por violação do art. 32°, n° 10, da CRP, na medida em que, comparado com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativa de outras autoridades, o arguido vê o seu prazo de defesa reduzido, criando-se um regime mais desfavorável.
27- De acordo com o Despacho n.º 14471/2022, de 19 de dezembro - Presidência do Conselho de Ministros - Gabinete do Primeiro-Ministro, foi concedida tolerância de ponto aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços da administração direta do Estado, sejam eles centrais ou desconcentrados, e nos institutos públicos nos dias 23 e 30 de dezembro de 2022.
28- Como tal e para todos os devidos efeitos processuais, é manifesto que o dia 30 de Dezembro de 2022 (sexta-feira) é considerado como dia não útil paraefeitos de contagem do prazo estabelecido no referido art. 107°-A do CPP.
29- Pelo que o primeiro dia, para efeitos de contagem dos dias de multa foi o dia 2 de Janeiro (segunda-feira), o segundo dia de multa ocorreu no dia 3 e Janeiro (terça-feira) e o terceiro dia de multa ocorreu no dia 4 (quarta-feira), ou seja, no dia em que a Recorrente apresentou a sua impugnação judicial.
30- Do exposto decorre que, mesmo que se entenda que o termo do prazo de impugnação judicial corre em período de férias judiciais, não pode deixar de se aplicar a possibilidade de o acto ser praticado nos três dias úteis seguintes, pelo que a impugnação apresentada pela Recorrente é tempestiva, devendo nesse caso a Recorrente ser notificada para efectuar o pagamento da multa correspondente, acrescida de 25% de penalização (cfr. art. 139°, n° 6 do CPC, subsidiariamente aplicável).
31-Decidindo de modo diverso como decidiu, o Tribunal "a quo" violou, entre outras normas e princípios gerais de direito, o disposto nos arts. 59 ° e 60° do RCGO, 279°, al. e), do CC, 104°, nº 2 e 105° do CPP e 32° da CRP, o que expressamente se invoca, com todas as demais consequências legalmente aplicáveis.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida e procedência do recurso.

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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência e manutenção integral da decisão recorrida, concluindo:
“1- O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.° 2/94 fixou doutrina no sentido de que o prazo indicado no n.° 3 do art. 59.° do RGCO não tem natureza judicial, não lhe sendo por isso aplicáveis as regras dos prazos judiciais.
2- Das alterações introduzidas pelo DL n.° 244/95, de 14.09 nos arts. 59° e 60° do RGCO não resultou a modificação da natureza do prazo de recurso das decisões administrativas nem a fixação de um regime de contagem do prazo idêntico ao dos prazos judiciais.
3- O quefez foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72.°, n.° 1, al. b), do CPA, reforçando assim a natureza administrativa de tal prazo.
4- Sob pena de se criar incoerência no sistema, não faz sentido, na fase administrativa, o apelo ao regime dos prazos de natureza judicial, nomeadamente a estipulada pelo art. 297°, al. e), do Cód. Civil.
5- O entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 3/2022, de que seria aplicável o disposto no art. 107°-A do C.P.P. respeita unicamente à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contraordenação laboral, prevista no artigo 33.° da Lei n.° 107/2009, de 14 de setembro, sendo que o artigo 6.°, n.° 1 da Lei n.° 107/09, prevê expressamente o modo de contagem do prazo para a prática de atos processuais na fase administrativa e remete para as disposições constantes da lei processual penal, o que não acontece no RGCO.
6- O direito de defesa em processo contraordenacional, que inclui o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59.° e ss. do RGCO, em cumprimento do disposto no n.° 10 do art. 32.° da CRP.”
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I.4. Parecer do Ministério Público
No sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo a recorrente apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões da recorrente A... Unipessoal, Lda. as questões que importam apreciar e decidir são as seguintes:
Saber se à contagem do prazo para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da administrativa é aplicável o regime previsto no artigo 279º, al. e) do Código Civil (doravante CC);
Saber se os artigos 59º, n.º 3 e 60.º, ambos do Regulamento do Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO) violam o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) quando interpretados no sentido de que o prazo de impugnação judicial quando termina em férias judiciais não se transfere para o primeiro dia útil após o termo desse período;
Saber se é aplicável ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa a prorrogação dos 3 dias úteis seguintes prevista no artigo 107º-A do CPP;
Saber se o artigo 107º-A do CPP viola o artigo 32º, n.º 10 da CRP quando interpretado no sentido de que não se aplica ao prazo para apresentação de impugnação judicial.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve totalmente)
Questão prévia: da tempestividade da Impugnação Judicial:
A... Unipessoal, Lda. veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela IGAMAOT, nos termos do artigo 59° do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), que a condenou numa coima de 24.000,00 pela prática de CO p. e p. pelo artigo 87°, n°2 e 90°, n°1, al. i) do DL 152-D/2017, de 11 de Dezembro e 22°, n°4, al. b) da Lei 50/2006, de 29 de Agosto.
Tal impugnação foi apresentada junto daquela autoridade administrativa em 04.01.2023 (data do envio do email) — cfr. fls. 55.
Determina aquele artigo 59°, n°2 daquele RGCO que a impugnação judicial há-de ser interposta no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido. Esta informação consta da notificação da decisão condenatória.
Este prazo deve ser considerado como um prazo administrativo e não judicial pois que se insere ainda numa primeira fase em que o processo tem natureza administrativa, não se tendo ainda iniciado a fase judicial, a qual é eventual e apenas tem lugar depois da apresentação do processo ao juiz.
Destarte, este prazo de 20 dias é contado de forma contínua, ainda que se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. O mesmo é dizer que estamos perante um prazo de 20 dias úteis, ao qual não é, assim aplicável a disciplina prevista pelo artigo 279°, al. e) do Código Civil.
De todo o modo, ainda que se discorde da natureza que se entende que o referido prazo assume, tem sido considerado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores que o legislador ao introduzir a actual redacção do artigo 60° do RGCO previu expressamente a forma de contagem do prazo para a impugnação judicial, optando por não suspender o mesmo durante as férias judiciais.
Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18-12­2018, cuja leitura integral pode ser efectuada em www.dgsi.pte assim sumariado:
"- O legislador alterou os art."s 59.° e 60.° do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, que eram totalmente omissos nesta matéria, sobre a qual havia alguma controvérsia e com a nova redacção do art." 60.º n.º 1, o legislador foi claro ao ordenar que, na contagem do prazo de interposição do recurso, se descontassem apenas os sábados, domingos e feriados - isto é, sem que tal prazo se suspendesse durante as férias judiciais.
- Ciente da controvérsia, o legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna.
- Dada a diferente natureza dos interesses em causa e do próprio acto a praticar (que, recorde-se, se destina a impugnar uma decisão administrativa e, portanto, ainda antes de qualquer processo judicial), não existe qualquer fundamento que justifique a equiparação que o artigo 279. alínea e), do Código Civil faz das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, baseado na premissa de que o acto sujeito a prazo tem de ser "praticado em juízo".
- A disciplina consagrada no artigo 60.° do RGCO e bem assim no artigo 181.°, n.° 2, alínea a), do Código da Estrada (por maioria de razão e por força do disposto no artigo 132.0 do mesmo diploma), não consente a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo.".
Veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12.01.2021, igualmente disponível naquela plataforma para leitura integral, em cujo sumário se pode ler "Independentemente da discussão à volta da natureza do prazo previsto no artigo 59.°, n.° 3 do DL 433/82 de 27.10, a redação do atual artigo 60." apresenta uma disciplina própria sobre a forma como o prazo para a apresentação da impugnação judicial deve ser contado, correndo sempre durante o período de férias judiciais."
Ora, resulta de fls. 53, conjugado com o artigo 113°, n°1 do CPA, que a recorrente, foi notificada por via postal registada com aviso de recepção da decisão condenatória da autoridade administrativa em 29.11.2022.
Nessa medida, tem de considerar-se que o prazo para impugnar a decisão terminou a 29.12.2022.
Ora, tendo a impugnação sido apresentada em 04.01.2023 tem de concluir-se que a mesma foi interposta fora de prazo, quando a decisão da autoridade administrativa era já definitiva.
Assim sendo, por extemporaneidade, não admito a impugnação judicial interposta por A... Unipessoal, Lda. da decisão proferida pela IGAMAOT, que se tem de ter, assim, por definitiva.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da aplicação do regime previsto no artigo 279º, al. e) do CC à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da administrativa
§1. A recorrente sustenta que o prazo para a interposição de recurso de impugnação judicial quando termina em período de férias judiciais, deve transferir-se para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais por aplicação do regime previsto no artigo 279º, al. e) do CC.
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§2. Nos termos do artigo 59º, n.º 3 do RGCO o recurso de impugnação judicial “… é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”
Já sobre a contagem do prazo para impugnação dispõe o artigo 60.º do RGCO:
“1 – O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”.
O artigo 279º do CC dispõe:
“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
(…) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”
Por sua vez, o artigo 296º do CC estipula que:
“As regras constantes do artigo 279º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.”
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§3. Entendemos que ao prazo previsto no artigo 59º, nº 3 do RGCO não é aplicável o regime previsto no artigo 279º, alínea e) do CC pelas razões infra explanadas.
Em primeiro lugar, em face do disposto no artigo 60º, n.º 1 do RGCO o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo contínuo, ao contrário do que acontece no CPP, onde a regra é a continuidade dos prazos, como decorre do disposto no art. 104º, n.º 1 do CPP, atento o disposto no n.º 1, do actual artigo 138º do Código de Processo civil (doravante CPC).
Com efeito, com a reforma introduzida no CPC pelo DL 329-A/95, de 12.12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (artigo 144.º, n.º 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do n.º 1 do artigo 104.º do CPP.
Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias (artigo 60º, n.º 1 do RGCO).
Em segundo lugar, o prazo de interposição de recurso de impugnação judicial mencionado no nº 3 do artigo 59º do RGCO é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual (aliás, a recorrente aceita a natureza administrativa do prazo).
Efectivamente, tal entendimento foi consagrado no Assento n.º 2/94, de 10.03.1994, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, que fixou a seguinte jurisprudência: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.”, que tendo sido proferido ao abrigo de normas anteriores à actual redacção do n.º 3 do art.º 59.º e do art.º 60.º, ambos do RGCO, a sua fundamentação continua válida na parte referente à definição do prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3, como de natureza administrativa e não de natureza judicial, pois que as alterações que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14/09, em nada a beliscam. Na verdade, com o DL 244/95 o legislador quis unicamente alargar o prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO de 8 para 20 dias e estabelecer outras regras quanto à sua contagem desse prazo no artigo 60º do RGCO, nada permitindo extrapolar que tivesse querido qualificar esse prazo como judicial e/ou estender-lhe a aplicação do regime previsto no artigo 279º do CC.
Sufragando-se aqui a jurisprudência que julgamos ser maioritária, no sentido de que se mantém válida a indicada fixação de jurisprudência e de que o prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO não é um prazo judicial (veja-se, entre outros, acórdãos do STJ de 03.11.2010, relatado por Maia Costa, do TRL de 30.05.2011, relatado por Neto de Moura, do TRE de 24.10.2017, relatado por Alberto Borges, do TRE de 12.01.2021, relatado por Beatriz Marques Borges, do TRG de 04.06.2018, relatado por Ausenda Gonçalves, do TRP de 09.01.2008, relatado por Joaquim Gomes, do TRP de 27.01.2010, relatado por Lígia Figueiredo, do TRP de 26.10.2016, relatado por Maria Ermelinda Carneiro, do TRC de 30.05.2012, relatado por Maria José Nogueira e do TCAN de 25.03.2022, relatado por Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
No sentido de que o prazo referido não é um prazo judicial também se pronuncia a doutrina, designadamente, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa (Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 473), Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2ª edição actualizada, pág. 301) e António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral (Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 2003, pág. 164).
Em terceiro lugar, ao recurso de impugnação judicial do processo contraordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do CPP (cfr. artigo 41.º do RGCO); e em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do CPC (cfr. artigo 4.º do CPP).
As alterações legislativas que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14.09 estabeleceu no artigo 60º as regras relativas à contagem desse prazo, fazendo-o em divergência com o regime dos prazos judiciais previstos no CPP e no CPC, que também se suspendiam nas férias judiciais.
Por outro lado, impõe-se ter em atenção que, como decorre do artigo 296º do CC, os prazos previstos no art. 279º do CC são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Quer isto dizer que, importa averiguar se existe “disposição especial em contrário”, pois havendo-a é essa disposição legal que é aplicável.
Ora, parece-nos que no caso das contraordenações sujeitas ao regime geral, não ocorre qualquer lacuna no RGCO nas regras de contagem do prazo de interposição de recurso de impugnação da decisão administrativa que houvesse de ser colmatada pela aplicação subsidiária (ex vi do artigo 41º, n.º 1) do regime processual penal civil por força do artigo 4º do CPP. Pelo contrário, existe disposição legal, só que é contrária ao artigo 279º do CC, nomeadamente à sua al. e), mais concretamente o art. 60º do RGCO.
Em quarto lugar, não podemos olvidar que o processo de contraordenação tem duas fases distintas: uma fase administrativa e uma fase judicial.
A primeira (fase administrativa), que decorre perante a entidade administrativa competente e que culmina com a decisão administrativa (artigo 58º do RGCO) ou, no caso de esta ser impugnada, com a apresentação de recurso perante essa autoridade administrativa, nos termos do referido artigo 59º, nº 3, do RGCO.
A segunda (fase judicial), que, decorre perante o tribunal competente (artigo 61º do RGCO), mas que só se iniciará se, depois da apresentação de recurso perante a administrativa nos termos daquele preceito legal, ocorrer a seguinte situação:
- a autoridade administrativa não revogar a decisão condenatória proferida e, consequentemente, enviar os autos ao Ministério Público (artigo 62º, nº 2, do RGCO); e
- o Ministério Público, depois de a entidade administrativa lhe enviar os autos, entender que não existe fundamento que obste à apresentação dos autos em juízo (artigo 62º, nº 1 do RGCO).
Dito de outro modo, a fase judicial do processo de contraordenação só existirá se, tendo sido apresentado recurso, a autoridade administrativa não revogar a decisão condenatória e enviar os autos ao Ministério Público e se este os tornar presentes ao juiz, valendo este ato como acusação.
E só se iniciará, portanto, com esta apresentação dos autos em juízo; consequentemente, só a partir de então, se poderá afirmar a existência de actos processuais.
Ora, o recurso de impugnação da decisão administrativa fazendo parte, ainda, da fase administrativa do processo, não se pode considerar como um acto processual praticado em juízo e, por isso, não se aplicam as regras do processo civil nem do processo penal na contagem do prazo.
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§4. Perante todo o exposto, entendemos que ao recurso de impugnação da decisão administrativa não lhe pode ser aplicável o regime previsto no artigo 279º, alínea e), do Código Civil (neste sentido, entre outros, acórdãos do TRP de 08.03.2017, relatado por Maria Luísa Arantes, do TRE de 24.10.2017, relatado por Alberto João Borges, do TRG de 30.11.2015, relatado por Maria Dolores Sousa, do TRC de 30.05.2012, relatado por Maria José Nogueira, do TRC de 18.10.2017, relatado por Helena Boliero e do TCAN de 25.03.2022, relatado por Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Entendimento também defendido por Paulo Pinto de Albuquerque, em ob. cit., pág. 302.
Finalmente, a jurisprudência do STA citada pela recorrente [acórdãos de 21.09.2011, 12.05.2021 (e não 05.05.2021) e 23.06.2021] é tirada em sede de processo de contraordenações tributárias e fiscal, onde o RGCO é meramente subsidiário, contando-se os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial nos termos do artigo 279.º do CC. Por sua vez, o acórdão do TRE (de 19.05.2015 e não 19.05.2021), também citado pela recorrente, considerou que o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 2/94 caducou em toda a sua extensão, entendimento diverso daquele que foi por nós sufragado conforme acima explanado.
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II.3.2. Da inconstitucionalidade dos artigos 59º, n.º 3 e 60º do RGCO
A recorrente alega que os artigos 59º, n.º 3 e 60.º, ambos do RGCO violam o artigo 32º da CRP quando interpretados no sentido de que o prazo de impugnação judicial quando termina em férias judiciais não se transfere para o primeiro dia útil após o termo desse período, na medida em que resulta a impossibilidade de a recorrente se poder defender em sede própria e de lançar mão do seu direito de defesa.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.
Tendo a arguida recorrente tido conhecimento da decisão administrativa condenatória em 29.11.2022 e conferindo-lhe a lei a possibilidade de colocar em crise aquela no prazo de vinte dias úteis por via de impugnação judicial não ocorreu qualquer impedimento ao seu direito de acesso à justiça nem foram coartadas quaisquer garantias processuais.
Apreciando precisamente a questão da constitucionalidade da norma que se extrai da conjugação dos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/2001, de 24.10.2001 não considerou inconstitucional essa interpretação, referindo que: ”Efectivamente, situando-se o acto a praticar ainda no âmbito da fase administrativa do processo contra-ordenacional, visando impugnar um acto administrativo, tendo o recurso de ser obrigatoriamente apresentado perante a autoridade administrativa que aplicou a coima (art. 59º, nº 3, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro) e funcionando normalmente os seus serviços administrativos durante o período de férias judiciais, não se vê em que é que a interpretação normativa que foi adoptada na decisão recorrida, e que supra já identificámos, pode restringir desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido.
Acresce - como, bem, nota o Ministério Público - que, dada a controvérsia jurisprudencial que já incidiu sobre esta matéria - e que é exaustivamente descrita na decisão recorrida - tal solução não pode sequer configurar-se como imprevisível, em termos de poder afectar a confiança legitima dos cidadãos.”
Também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2002, de 02.10.2002 entendeu que “existe um fundamento racional para a diferenciação da forma de contagem de actos que se praticam perante uma autoridade administrativa e actos que se praticam perante um tribunal”, não julgando “inconstitucional, designadamente por violação do disposto nos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 10, da Constituição, os artigos 59º, nº 3, e 60º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso neles previsto não se suspende durante as férias judiciais”.
Termos em que não se julga violado o preceito constitucional invocado.
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II.3.3. Da aplicação da prorrogação dos 3 dias úteis seguintes prevista no artigo 107º-A do CPP ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa
§1. Subsidiariamente, a recorrente sustenta que ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa é aplicável o disposto no artigo 107º-A do CPP, devendo ser notificado para efectuar o pagamento da multa correspondente por força do disposto no artigo 139º do CPC.
Alicerça a sua pretensão recursiva no acórdão do STJ n.º 3/2022.
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§2. O artigo 107-A do CPP dispõe que: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 e 7 do artigo 145º do CPC, com as seguintes alterações: (…)”.
Por sua vez, o actual artigo 139º do CPC (que corresponde ao artigo 145º do CPC 1961) estipula no seu n.º 5 que: “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: (…)”.
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§3. O acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 3/2022, de 10.03.2022 invocado pela recorrente decidiu que é “aplicável à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contraordenação laboral, prevista no artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o disposto nos artigos 107.º, n.º 5, 107.º -A, do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”
Contudo, o objecto do recurso do referido acórdão do STJ n.º 3/2022 é diverso do que aqui importa resolver.
Na verdade, conforme evidencia o acórdão do TRL de 21.12.2022 (relatado por Paula Pott e acessível em www.dgsi.pt) a questão suscitada no dito acórdão dizia respeito à contagem do prazo administrativo para dedução de impugnação judicial, em processo de contraordenação laboral, tendo o Supremo Tribunal de Justiça considerado que “uma interpretação restritiva da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, para a contagem dos prazos em processo penal, implicaria que as contraordenações laborais não se inserissem em nenhum dos subgrupos a seguir referidos no parágrafo 42, constituindo um regime sui generis e criando uma incoerência no sistema, uma vez que o artigo 6.º n.º 2 da Lei 107/2009 estabelece que a contagem desses prazos não se suspende durante as férias judiciais.
Porém, atento o disposto no artigo 60.º do RGCO, que prevê expressamente a suspensão do prazo aqui em crise, aos Sábados, Domingos e feriados, esse problema não se coloca nos presentes autos.
Com efeito, o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça STJ n.º 3/2022, proferido em matéria de contraordenações laborais, fixou jurisprudência unicamente quanto à interpretação do artigo 6.º da Lei 107/2009.”
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§4. Entendemos que ao prazo previsto no artigo 59º, nº 3 não é aplicável a prorrogação dos 3 dias úteis seguintes prevista no artigo 139º do actual CPC ex vi do artigo 107º-A do CPP atentas as razões acima explanadas no ponto II.3.1.§3 e que aqui se dão por reproduzidas.
Assim, atenta a natureza administrativa do prazo de impugnação judicial da decisão administrativa e atento o facto de a impugnação judicial não ser um acto judicial, naturalmente não se lhe aplica o regime previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 139º do CPC (que corresponde ao artigo 145º do CPC 1961), que apenas diz respeito à prática de actos desta natureza.
Em consequência, o acto de interposição do recurso não pode ser praticado de acordo com o estatuído no artigo 139º, n.ºs 5 e 6 do CPP (que corresponde ao artigo 145.º, nºs 5 e 6 do CPC 1961), ou seja, nos três dias úteis subsequentes ao termo final do respectivo prazo, ainda que a validade ficasse condicionada ao pagamento da multa respectiva prevista nesse preceito (neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRP de 08.03.2017, relatado por Maria Luísa Arantes, do TRP de 09.01.2008, relatado por Joaquim Gomes, 21.05.2008, relatado por Luís Teixeira, do TRP de 16.12.2009, relatado por Adelina Barradas Oliveira, do TRG de 05.03.2012, relatado por Fernando Monterroso, do TRL de 18.12.2018, relatado por Luís Gominho, do TRL de 21.12.2022, relatado por Paula Pott, do TRE de 18.03.2020, relatado por Maria José Nogueira, do TRE de 13.07.2022, relatado por Laura Goulart Maurício e TRC de 18.03.2020, relatado por Maria José Nogueira e do TCAN de 25.03.2022, relatado por Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, todos acessíveis em www. dgsi.pt).
No mesmo sentido, vidé Paulo Pinto de Albuquerque, em ob. cit., pág. 301.
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§5. Pretende a recorrente que a tolerância de ponto do dia 30 de Dezembro de 2022 concedida aos trabalhadores que exercem funções nos serviços da administração directa do estado, sejam eles centrais ou desconcentrados e nos institutos públicos não seja computado no prazo previsto para o recurso de impugnação judicial (cfr. Despacho n.º 14471/2022, de 19.12, da Presidência do Conselho de Ministros).
A propósito desta questão, na linha da jurisprudência fixada no acórdão STJ n.º 2/94, de 10.03 no sentido de que o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO não tem natureza judicial e do acórdão STJ n.º 8/96, de 10.10.1996, de acordo com a qual “A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado”, o acórdão do TRL de 07.03.2002, relatado por Goes Pinheiro (acessível em www.dgsi.pt) refere que “A tolerância de ponto, concedida por exemplo na terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de atos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo. (…) Assim, no âmbito do actual Código de Processo Civil (C.P.C.), quando o último dia para a prática de ato judicial seja de tolerância de ponto, o termo do prazo transfere-se sempre para o primeiro dia útil seguinte. (…) Por sua vez, no domínio contra-ordenacional (D.L. n.º 433/82, de 23 de setembro), quando seja de tolerância de ponto o último dia do prazo para apresentação de recurso de impugnação judicial, o termo do prazo só se transferirá para o primeiro dia útil imediato se essa tolerância de ponto tiver implicado o efetivo encerramento do concreto serviço público em que o recurso deva ser apresentado.”(cfr. no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do TRP 09.01.2008, relatado por Joaquim Gomes, do TRC de 18.03.2020, relatado por Maria José Nogueira e do TCAS de 07.07.2011, relatado por Teresa de Sousa, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Posição também seguida na doutrina, designadamente, por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, em ob. cit., pág. 207 e ss., Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em ob. cit. pág. 360 e Paulo Pinto de Albuquerque, em ob. cit., pág. 309.
No caso vertente, tendo presente a data da notificação da recorrente da decisão condenatória da autoridade administrativa (29.11.2022), o prazo de 20 dias para impugnar judicialmente a decisão administrativa terminou em 29.12.2022. Ou seja, o prazo para praticar o acto terminou num dia útil e antes do dia em que foi concedido a tolerância de ponto.
Assim sendo, dúvidas não há que nos termos do artigo 60º, n.º 2 do RGCO o acto podia ter sido praticado no último dia do prazo previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO.
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II.3.4. Da inconstitucionalidade do artigo 107º-A do CPP
A recorrente sustenta que o artigo 107º-A do CPP viola o artigo 32º, n.º 10 da CRP quando interpretado no sentido de que não se aplica ao prazo para apresentação de impugnação judicial na medida em que, comparando com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativas de outras autoridades, o arguido vê o seu prazo de defesa reduzido, criando-se um regime mais desfavorável.
Não tem qualquer razão a recorrente.
Neste contexto, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 293/06, de 04.05.2006 considerou que “a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva.”.
Neste aresto afirmou-se que: “…, nenhum preceito constitucional impõe que os prazos judiciais e os prazos não judiciais tenham de ter idêntico regime, no que se refere à respectiva duração, contagem e carácter mais ou menos peremptório.”
E mais à frente, escreveu-se que “na verdade, não postulando a Constituição a necessidade de concessão de qualquer prorrogação de prazos para a apresentação de recursos e tendo o recorrente vinte dias para apresentar o seu recurso perante a autoridade administrativa, - acto praticado na fase administrativa do processo e com um prazo, aliás, mais amplo do que lhe é concedido para recorrer quer em processo civil, quer em processo penal -, não se vê como, para utilizar as palavras do já citado acórdão n.º 473/2001, transponíveis para este caso, “é que a interpretação normativa que foi adoptada na decisão recorrida, e que supra já identificámos, pode restringir desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido.”
Assim, a interpretação do artigo 107º-A do CPP no sentido de que não se aplica ao prazo para apresentação de impugnação judicial não restringe desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido, uma vez que o acto a praticar por parte da recorrente – impugnação de um acto administrativo – situa-se ainda no âmbito da fase administrativa do processo contraordenacional, tendo o recurso de ser obrigatoriamente apresentado perante a autoridade administrativa que aplicou a coima, cujos serviços funcionam normalmente durante o período de férias judiciais.
Por isso, não se considera que tenha sido violado o invocado preceito constitucional.
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II.3.5. Aqui chegados, verifica-se que a sociedade recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa em 29.11.2022, pelo que o prazo de 20 dias de que dispunha para a sua impugnação e que apenas se suspendeu aos sábados, domingos e feriados, terminou em 29.12.2022.
Ora, na data em que a impugnação judicial foi apresentada (04.01.2023), os vinte dias previstos no artigo 59º, n.º 3 do RGCO para a impugnação judicial da decisão administrativa já se mostravam esgotados e, consequentemente, o recurso de impugnação judicial não podia deixar de ser rejeitado em conformidade com o disposto no artigo 63.º, n.º 1 do RGCO.
Nestes termos, tendo sido extemporâneo o recurso interposto, não nos merece censura a decisão recorrida.
Improcede o recurso interposto.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pela impugnante A... Unipessoal, Lda. e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPP e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Porto, 24.01.2024
Maria do Rosário Martins
Donas Botto
Pedro Vaz Pato