Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
LEI DA AMNISTIA
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
Sumário
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, referente ao perdão de penas e amnistia de infrações, não comporta interpretação extensiva.
(Sumário da responsabilidade do relator)
Texto Integral
Proc. nº 628/08.0PAPVZ-C.P1
Acordam em Conferência na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
1 Relatório
Nos autos nº 628/08.0PAPVZ-C.P1 que correm na Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa do Varzim, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho exarado em 08.03.2016, as penas de prisão aplicadas aos arguidos AA e António João Maio Pentieiros já foram declaradas extintas.
*
Cumpre, assim, apreciar a situação jurídico processual do condenado BB declarado inimputável, em relação aos factos que se deram como provados na sentença de 21.10.2011 (a fls. 496-520), integrantes dos elementos objectivos da co-autoria de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, e perigoso, o que justificou a aplicação de uma medida de segurança de internamento não superior a oito anos que, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2021, foi mantida (cfr. acórdão de fls. 1105-1110 verso) e está em execução como decorre de fls. 1202 e seguintes.
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, referente ao perdão de penas e amnistia de infracções, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, dispõe no artigo 2.º, n.º 1, que “(…) [e]stão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º (…)”.
Dispondo, em complemento no n.º 2, que “(…) [e]stão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º (…)”.
Prescreve, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal que “(…) São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa (…)”.
Pese embora a aplicação de uma medida de segurança constitua uma reacção penal à prática de um ilícito típico, o certo é que o campo objectivo de aplicação do perdão previsto no referenciado diploma legal está circunscrito às penas de prisão, bem como às penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão, à prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, à pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição, e às demais penas de substituição, excepto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova. (…)”.
Acresce que, como se referiu supra, o instituto jurídico da amnistia é apenas aplicável a infracções penais com uma moldura abstracta não superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.
Assim, apesar do crime na génese da aplicação da medida de segurança ao condenado não constar do elenco excepcional vertido no artigo 7.º da referida lei, o certo é que o seu campo material de aplicação não abrange as medidas de segurança, além de que a moldura abstracta do crime de furto qualificado é bastante superior àquela que é prevista no artigo 4.º do referido diploma legal para ser objecto da prevista amnistia, motivo pelo qual não há qualquer perdão ou amnistia a aplicar no caso do supra identificado condenado.
Notifique, incluindo o TEP territorialmente competente.”
Não conformado, veio o condenado a interpor recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
1. O douto despacho, de que ora se recorre, entende que o regime do perdão de penas e amnistia de infrações previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto não seria de aplicar ao arguido.
2. O ora recorrente não concorda com tal entendimento.
3. A Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto consagra um regime de perdão de penas e amnistia de infrações.
4. O campo objetivo do referido diploma legal não abrange diretamente as medidas de segurança e, mais precisamente com relevância para este caso, a medida de segurança de internamento.
5. Porém, o Decreto-Lei abrange as penas de prisão.
6. É, porém, sabido, que tanto as penas como as medidas de segurança visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
7. Além disso, tanto a pena de prisão como a medida de segurança são privativas da liberdade.
8. Torna-se, assim, notório, que o regime de perdão de penas e amnistia de infrações é de aplicar às medidas de segurança.
9. No caso sub judice, tal significa que o regime será de aplicar à medida de segurança de internamento a que o arguido foi sujeito.
10. Efetivamente, apesar de o Decreto-Lei não prever tal aplicação, a mesma resulta de uma interpretação extensiva da lei.
11. É, assim, necessário que tenhamos em conta a mens legis.
12. E, ao ter em conta o mesmo, torna-se notório que, a par da pena de prisão, o legislador também quis incluir a medida de segurança.
13. A não ser assim, estaria a ser criada uma situação de extrema desigualdade.
14. Vendo-se o requerente, considerado inimputável, impedido de ser abrangido por um regime que abrange os arguidos imputáveis.
15. Tal não se afigura, de forma alguma, correto.
16. Além disso, o crime de furto qualificado cometido pelo arguido não consta do elenco de exceções do artigo 7.º do referido diploma.
17. Por assim não se afigurar, consideramos ser de aplicar ao requerente o regime do perdão de penas e amnistia de infrações.”
A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância respondeu ao recurso tendo pugnado pelo seu não provimento.
Neste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos tendo emitido parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
Atentas as conclusões do recurso, sendo estas que balizam o seu objeto, podemos identificar como única questão a decidir é o saber se o regime da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto que consagra um regime de perdão de penas e amnistia de infrações, é aplicável ao condenado em medida de segurança de internamento.
Vejamos então
Foi o recorrente condenado em medida de segurança de internamento por um período não superior a 8 anos, medida essa que se encontra em execução.
Entende o recorrente que, ainda que a Lei n.º 38-A/2023 não preveja no seu elenco o perdão aplicável a medidas de segurança de internamento, deverá, por interpretação extensiva ser aplicado a tais medidas, razão pela qual está em condições de beneficiar do perdão respetivo.
Ora, com o devido respeito, não assiste razão ao recorrente.
Como é sabido e pacífico na doutrina e na jurisprudência as leis de amnistia e perdão são entendidas como leis de “graça e de clemência” e deverão ser entendidas como leis de exceção cujo fim é unicamente o que o legislador entendeu expressar na sua letra.
Como leis excecionais que são não comportam, por essa mesma razão, aplicação analógica, tal como estatuído no artigo 11.º do Código Civil, e no campo penal nem tão pouco admitem interpretação extensiva ou restritiva. Assim sendo, devem ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas, com respeito pelo preceituado no artigo 9.º do Código Civil.
Isto mesmo afirmou o Venerando Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 5 de dezembro de 1995, sendo claro que: “As leis de amnistia, como providências excecionais que são, não admitem interpretação extensiva ou aplicação analógica, devendo ser interpretadas nos seus exatos termos sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas - interpretação declarativa estrita.”
O pretendido pelo recorrente, não tem assim fundamento legal, sendo indiferente para o caso abraçar a discussão sobre a natureza das medidas de segurança e os seus reflexos na situação do condenado face aos fins da punição, como pretende o recorrente com este recurso.
Assim e sem necessidade de maiores considerações, julga-se o recurso não provido.
3 Decisão
Pelo exposto, julga-se não provido o recurso mantendo-se, nos seus precisos termos o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 uc´s.
Porto, 24 de janeiro de 2024
Raúl Esteves
Paula Guerreiro
Lígia Trovão