CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
MEDIDA DA PENA
Sumário

A circunstância de o arguido ter beneficiado de uma suspensão provisória do processo em momento anterior aos factos dos presentes autos tal não releva para o efeito da escolha da pena ou da sua graduação, na medida em que o arguido não foi julgado pelos factos respectivos, beneficiando da presunção de inocência.

Texto Integral

Processo 636/23.1GBVFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 20.10.2023 o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada (doravante CE) e artigo 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal (doravante CP), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, pelo período de 8 (oito) meses, nos termos previstos no artigo 69º, n.º 1, al. c) do CP.

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I.2 Recurso da decisão
O Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.°, n.° 1, al. a), e 69.° n.° 1, al. c), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 152.°, n.°s 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, na pena de 120 dias de multa;
2. Nos últimos 4 anos o arguido já tinha beneficiado de uma suspensão provisória do processo pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e também havia sido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de multa;
3. As necessidades de prevenção geral são elevadas porque é muito frequente a prática do crime de desobediência nas nossas estradas e a indiferença com que é encarada a função das autoridades na fiscalização e prevenção da segurança rodoviária;
4. As necessidades de prevenção especial situam-se num patamar médio\alto porque o arguido já tem antecedentes criminais pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o qual está conexionado com o crime de desobediência e não está profissionalmente inserido;
5. A sanção pecuniária de multa aplicada ao arguido no passado recente não foi suficientemente dissuasora para o arguido voltar a incorrer na prática de crimes;
6. Apenas a pena de prisão satisfaz, em concreto, as necessidades de prevenção especial de socialização e de prevenção geral, funcionando aquela como censura e advertência bastante para afastar o arguido da prática de futuras infrações similares;
7. O grau de ilicitude e o dolo são intensos, mas o arguido está socialmente inserido;
8. Assim, a pena de 3 meses de prisão representará uma censura suficiente relativamente aos factos cometidos e, simultaneamente garantirá da vigência e validade da norma violada;
9. No entanto, uma vez que o arguido está socialmente inserido e poderá encontrar um emprego na área onde já trabalhou ou noutra, consideramos que deverá ser suspensa a execução da pena de prisão encontrada em concreto, nos termos do disposto no artigo 50.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, na medida em que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
10. Em face de tudo o exposto, o arguido deve ser condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 1 ano, sujeita a um regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP que inclua a frequência pelo arguido do programa Taxa Zero (ou outro de natureza equivalente), nos termos do disposto nos artigos 50°, n.°s 1 e 2, 52.°, n.° 1, al. b), 53°, n.°s 1 e 2 e 54° do Código Penal;
11. Ao optar pela aplicação da pena de multa, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos art.°s 40° e 70° do CP.”
Pugna pela revogação da sentença recorrida no que toca à pena principal e condenação do arguido numa pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova e à frequência do programa Taxa Zero (ou outro de natureza equivalente).
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I.3 Resposta do arguido
O arguido AA, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência e confirmação da decisão condenatória recorrida, concluindo que:
“I. O Arguido foi condenado pela prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 152°, n.°1, al. a) e n.° 3 do Código da Estrada e artigo 348°, n.°1, al. a) do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, no montante global de 660,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 8 meses.
II. Perante a prova dada como assente, a Mma Juiz "a quo" considerou haver prova suficiente para tomar a decisão recorrida.
A pena aplicada ao Arguido é justa.
O Arguido deverá ver a sua sentença inalterada quanto ao direito aplicável, não podendo ser condenado por disposição diferente.”
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, face às conclusões apresentadas no presente recurso a única questão a apreciar e decidir é a seguinte:
1ª Se a aplicação ao arguido de pena de multa é adequada ou se deve ser antes cominada pena de 3 meses de prisão, suspensa com sujeição a regime de prova e frequência de programa.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados
Com interesse para boa decisão da causa, o tribunal considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 17.09.2023, cerca da 01h32min, na Rua ..., ..., Santa Maria da Feira, o arguido conduzia veículo ligeiro de mercadoria, com a matrícula ..-..- UP, quando foi fiscalizado por guardas da GNR do Posto Territorial de Santa Maria da Feira, devidamente fardados e no exercício das suas funções.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os militares da GNR solicitaram ao arguido que fizesse o teste qualitativo para detecção de álcool no sangue, através do sopro, o que o arguido fez.
3. Detectado álcool no sangue, foi o arguido encaminhado para o Posto Territorial de Santa Maria da Feira, no veículo dos agentes de autoridade.
4. Já nas instalações do Posto da GNR de Santa Maria da Feira, depois de instado a tanto, o arguido recusou submeter-se à prova quantitativa para detecção de taxa de álcool no sangue, através de pesquisa no ar expirado.
5. Manteve o comportamento de recusa de sujeição aos testes de pesquisa de álcool no sangue mesmo depois de advertido pelo militar autuante de que incorreria na prática de um crime de desobediência.
6. Ao actuar pela forma descrita, não ignorava o arguido que desacatava uma ordem legal, formal e substancialmente legítima, regularmente comunicada por agente de autoridade competente e que essa sua actuação era proibida e punida por lei.
7. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido das suas condutas.
8. O arguido é pintor da construção civil e está desempregado, não aufere qualquer rendimento mensal, sendo os pais e a filha que ajudam no seu sustento.
9. Em Portugal, vive em casa dos seus pais; quando está na Suíça, vive em casa da filha e não paga qualquer montante mensal, a título de renda.
10. Como habilitações literárias, tem o 6° ano de escolaridade.
11. O arguido é pessoa humilde, é tido como uma pessoa cordata, trabalhador e amigo, estimado no meio onde reside, não tendo causado, no dia dos factos, qualquer embaraço no trânsito ou acidente de viação.
12. Por despacho de 24.07.2019, o arguido beneficiou da suspensão provisória, pelo período de seis meses, no processo n.° 472/19.0GBVFR, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no âmbito do qual lhe foi aplicada a injunção de proibição de conduzir veículos a motor entre 12.08.2019 e 12.11.2019, tendo sido proferido despacho de cumprimento no dia 21.05.2020.
13. O arguido já sofreu a seguinte condenação transitada em julgado:
- PS n° 61/22.1GDOAZ, por sentença de 15.03.2022, transitada em julgado em 26.04.2022, pela prática, em 27.02.2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de 5 meses de inibição de conduzir veículos a motor, ambas já cumpridas e extintas.
Factos não provados
Inexistem.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada criticamente, segundo as regras de experiência e o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
O arguido prestou declarações em audiência de discussão e julgamento, afirmando que, na sequência de uma operação de fiscalização na morada que consta da acusação, na data e hora indicadas, soprou ao balão, tal como lhe foi solicitado, mas que os militares não lhe comunicaram a TAS que acusou, tendo-o, ao invés, levado para o posto, em viatura dos mesmos. Embora não tenha confessado os factos, relatou que aí chegados, depois de instado a fazer o teste quantitativo, recusou-se a fazê-lo, porque estava nervoso e indisposto e que preferia fazer o teste no hospital, tendo recebido ordem de detenção, sem mais nada lhe ter sido comunicado. E que, por isso, no decorrer da elaboração do expediente, que recusou assinar, pediu para ligar ao seu advogado, o que fez, tendo ido embora de seguida.
A contrariar, em parte, a versão do arguido, o militar da GNR BB, agente autuante, que prestou um depoimento sério, objectivo e coerente, descrevendo e esclarecendo, de forma circunstanciada, como foi efectuada a fiscalização ao arguido, explicou que, na via pública, o arguido realizou o exame qualitativo e foi detectado álcool no sangue, tendo sido encaminhado para o posto, onde, sem justificação, recusou realizar o teste quantitativo. Recusa essa que manteve após ter sido advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência se mantivesse essa posição. O militar autuante esclareceu, ainda, que não se recorda de o arguido, já depois de estar detido, ter solicitado para realizar o teste no hospital através de análise ao sangue, mas sim de ter pedido para contactar o advogado, o que acabou por fazer. Confirmou, na íntegra, o auto de notícia que, à data, elaborou.
Em face da prova assim produzida em audiência de julgamento, o tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos de que o arguido vinha acusado (factos 1 a 7). Na verdade, o próprio arguido confirmou a fiscalização, o sopro ao balão e a ida para o posto, bem como, afirmou que, aí, recusou fazer o teste quantitativo, justificando-se com o nervosismo e indisposição que sentia por ter sido detido, o que não colheu perante o tribunal. Com efeito, já não era a primeira vez que o arguido passava por esta situação, pelo que, não acreditou o tribunal que tenha ficado de tal forma incomodado e nervoso que nem sequer conseguisse realizar um teste de sopro, por forma a justificar a realização do teste através de análise ao sangue. Além do mais, face ao depoimento do militar BB, que não nos mereceu qualquer dúvida ou reserva e confrontando-o com as declarações do arguido, que não mereceram credibilidade nessa parte, não ficou o tribunal convencido de que o arguido efectivamente tivesse solicitado a realização do teste através de análise ao sangue no hospital. O que, de qualquer forma, seria inócuo para o desfecho destes autos, atenta a recusa efectivada.
No mais, a versão por si apresentada, querendo fazer crer que actuou sempre de forma cooperante e que o militar autuante é que, ao longo da fiscalização, nada lhe comunicou ou advertiu, cai por terra, desde logo, face à sua atitude de recusa em efectuar o exame quantitativo, o que demonstra falta de colaboração e face ao depoimento isento, sério e seguro prestado pelo agente BB, que afirmou ter cumprido todos os trâmites procedimentais e legais necessários nestas fiscalizações, tendo sempre advertido o arguido de que a recusa acarretaria a prática de um crime de desobediência.
Para a convicção do tribunal, foram ainda relevantes os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o auto de notícia a fls. 5 e 6, o registo do teste quantitativo de álcool, com o resultado de "tempo de sopro expirado", a fls. 15, que atesta a recusa e o registo automóvel a fls. 24, todos dos presentes autos.
No que respeita aos elementos subjectivos e do foro interno do agente, o Tribunal valorou os meios de prova já mencionados, aos quais aliou as regras de experiência comum. Não resultaram dúvidas de que o arguido, conscientemente, recusou fazer o teste quantitativo, mesmo depois de advertido de que incorreria na prática de um crime, mantendo, ainda assim, a sua recusa. O arguido sabia que não podia agir dessa forma, não se abstendo de o fazer, tendo agido livre, voluntaria e conscientemente.
Para prova das condições socioeconómicas do arguido (factos 8, 9 e 10), o tribunal valorou as suas declarações prestadas em audiência de julgamento, as quais, nesta parte, reputou de verdadeiras e credíveis.
Para prova do facto 11, o tribunal valorou o depoimento das testemunhas abonatórias arroladas pelo arguido, CC e DD, amigo e colega de trabalho do arguido, respectivamente, que atestaram ao tribunal que o arguido é boa pessoa e muito trabalhador, entendendo ambos que não exagera no consumo de bebidas alcoólicas, nem se envolve em confusões.
Finalmente, para prova do facto 12, o tribunal valorou a consulta à base de dados da suspensão provisória de processos crime, a fls. 17 dos autos e para prova dos antecedentes criminais o tribunal valor o teor do certificado de registo criminal junto a fls. 18 aos autos (facto 13).
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(…)
Escolha e determinação da medida da pena
(…)
O crime de desobediência é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Prevendo duas penas principais, em alternativa, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha da espécie de pena.
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal, apenas, pode utilizar o critério da prevenção, como determina o artigo 70° do Código Penal.
Esta norma determina que a pena de prisão só deverá ser aplicada quando outra pena, não privativa de liberdade, não consiga realizar, de modo adequado e eficaz, as finalidades da punição. Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa, a qual funciona como limite no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
No caso concreto, são relevantes as exigências de prevenção geral, uma vez que estamos perante uma grave violação das regras de trânsito rodoviário e que acontecem não raras vezes nas nossas estradas, muitas das vezes com o intuito de se furtarem ao despiste do álcool ou estupefacientes no sangue.
As exigências de prevenção especial são já moderadas, pois o arguido, embora esteja social e familiarmente inserido, tem um antecedente criminal pela prática de um crime de idêntica natureza, no ano de 2022 e já antes disso, em 2019, teve um primeiro contacto com a justiça, através da aplicação de uma suspensão provisória do processo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que não serviu de suficiente advertência para o inibir de praticar novos factos de natureza idêntica, pois voltou a delinquir.
Apesar de não podermos equiparar a suspensão provisória do processo a um verdadeiro antecedente criminal, tal não impede a sua valoração quando da operação de escolha e determinação da medida da pena.
Com efeito, como afirma Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 253, "não podendo, decerto, o juiz equiparar estas situações às de "condenações" anteriores, nada parece impedir em definitivo, que ele possa valorar estes elementos, em sua livre convicção, para determinar a medida da culpa e (ou) as exigências da prevenção".
Também neste sentido se pronunciou Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra, 1995, pág. 669, na qual afirma que a pena da culpa poderá ser mais ou menos grave em função de comportamentos anteriores que não são recondutíveis a qualquer norma incriminadora e que fazem aparecer o facto com um certo valor à luz da culpa assim como em função de comportamentos anteriores que, integrando embora condutas criminosas, não foram objecto de sentenças condenatórias por razões processuais (como é o caso da suspensão provisória do processo).
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.03.2016, proc. n° 499/15.0PAPTM.E1: "Não sendo embora um "antecedente criminal" com um peso equiparável ao de condenação transitada em julgado, a suspensão provisória do processo pode ser valorada em sede de determinação da medida da pena, ao abrigo do disposto no artigo 71°, n° 2- e) do Código Penal".
E também o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2020, P.° 91/19.0GTVRL.G1: "Sendo inquestionável que o registo do mencionado processo de suspensão provisória do processo não pode ter o peso de uma condenação transitada em julgado, nada obsta que o tribunal o tenha em conta na dosimetria da pena, devendo atender-se que o artigo 71°,n°2, do Código Penal, na determinação concreta da pena, manda considerar "as condições pessoais do agente e a sua situação económica" (al. d)), a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al. e)) e "a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto" (al. f)).".
Nessa medida, consideramos que a circunstância de o arguido ter beneficiado de uma suspensão provisória do processo pela prática do mesmo crime, demonstra que, não obstante aquele prévio contacto com a justiça e cumprimento da injunção que lhe foi aplicada, o arguido voltou a praticar novos ilícitos, agravando, assim, as existências de prevenção especial que o caso requer. No entanto, e por outro lado, atenuando essas exigências, também não olvida o tribunal o lapso de tempo decorrido entre a prática dos factos, ou seja, cerca de três anos entre os factos que motivaram a suspensão provisória e a prática de novo crime em 27.02.2022 e entre a data da sentença condenatória, de 15.03.2022 e a data dos factos aqui em causa, cerca de 18 meses.
Mesmo assim e atendendo a que a legitimidade das penas depende da sua eficácia para evitar a prática de outros crimes, no caso concreto, as finalidades da punição ainda serão realizadas, de forma suficiente e adequada, mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa.
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Da medida da pena
Escolhida a pena, importa determinar a medida da pena.
(…)
Assim, passando à determinação da medida concreta da pena, haverá que ter em consideração as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido.
Posto isto, há a considerar desfavoravelmente:
- as significativas necessidades de prevenção geral (tutela do bem jurídico protegido e reforço da confiança da comunidade na validade da norma violada ao que acresce a necessidade de consciencialização social que demanda uma censura jurídica e penal sobre este tipo de comportamentos, acautelando devidamente o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime);
- a intensidade do dolo, que foi direto, tendo o arguido representado o facto que preenche o tipo de crime e agido com a intenção de o realizar;
- o elevado grau de culpa e a elevada ilicitude dos factos;
- a existência de uma conduta anterior e de um antecedente criminal, relacionados com crimes da mesma natureza e este último com uma condenação em pena de multa, que revelam já moderada necessidade de ressocialização.
A favor do arguido, temos a considerar, apenas, o facto de este se encontrar inserido na sociedade.
A moldura da pena de multa prevista para o crime em apreciação tem o seu limite mínimo em 10 dias e o seu máximo em 120 dias.
Assim, considerando os factos apurados, tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, que é elevado, as exigências de prevenção geral positiva e a sua carência de ressocialização, já moderada, atentos ainda os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, o tribunal entende como justo e adequado, condenar o arguido na pena de 120 (cento e vinte dias) dias de multa.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da escolha da pena
§1. O crime praticado pelo arguido AA – crime de desobediência – é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 até 120 dias (artigo 348º, n.º 1, a) do CP).
O arguido AA foi condenado pelo tribunal recorrido na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
No caso em apreciação, o recorrente insurge-se contra a opção pela pena de multa por não satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
Adiantamos, desde já, que assiste razão ao recorrente.
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§2. O critério de escolha da pena encontra-se fixado no artigo 70º do CP nos termos do qual, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Nos termos do artigo 40º do CP, essas finalidades reconduzem-se à protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade.
A protecção dos bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, ou seja, na utilização da pena como instrumento para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração), atendendo-se sobretudo ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o mesmo ocorre e o alarme que está a provocar na comunidade. Já a prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.
Por seu lado, a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, reporta-se à chamada prevenção especial, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes, pretendendo-se obter a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa), atendendo-se a diversas variáveis como por exemplo a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente.
Como ensina Figueiredo Dias (In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 331 a 333), “… são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum exacto daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. (…)”.
Acrescenta o mesmo autor que “é inteiramente distinta a função que, no contexto da escolha da pena, exercem as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. A estas últimas não pode deixar de ser atribuída uma prevalência decidida, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta conta a pena de prisão. Por seu lado, a prevenção geral surge aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.”
E conclui que “desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafactiva das expectativas comunitárias»”.
Também Paulo Pinto de Albuquerque (In Comentário do Código Penal, 4ª edição actualizada, págs. 387-388) refere que “a escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas».
É, pois, ponto assente que a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa ou a substituição daquela por qualquer das penas de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral positiva ou de integração e especial de socialização, sendo, pois, o único critério a atender o da prevenção (cfr., neste sentido, Ac. do TRC de 15.11.2017, Acs. do TRG de 21.05.2018 e 11.03.2019 e Ac. do TRP de 15.12.2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A culpa, enquanto limite da pena (artigo 40.º, n.º 2 do C.P.), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta, como prevê o artigo 71.º, n.º 1 do C.P., não estando, pois, subjacente à escolha da pena qualquer finalidade de “compensação da culpa” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. págs. 331 e 332 e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 80).
Importa aqui sublinhar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial a prosseguir com a pena, funcionando como limite à prevenção especial de socialização. Caso conflituem, o conteúdo mínimo de prevenção geral positiva deverá prevalecer, pelo que mesmo que a pena não privativa da liberdade se mostre compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não lhe dará preferência se não realizar de forma adequada e suficiente a finalidade de protecção do bem jurídico violado que caracteriza a apontada necessidade preventiva geral (cfr. Maria João Antunes, op. cit., pág. 81.).
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§3. Regressando ao caso vertente, à luz dos critérios acima indicados, afigura-se-nos que a opção pela pena de multa pelo tribunal a quo não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Explicando.
Quanto às exigências de prevenção geral importa realçar que estamos perante um crime de desobediência praticado em circunstâncias de facto muito especiais e que se mostram directa e imediatamente ligadas à recusa de realização de teste quantitativo de detecção de álcool no sangue na sequência da condução automóvel em cujo exercício o arguido foi abordado. Ou seja, a conduta do arguido não se traduz numa recusa a obedecer a uma qualquer ordem, mas antes tal recusa está intimamente conexionada com o exercício da condução automóvel após a ingestão de bebidas alcoólicas, a qual na verdade aqui ocorrera – pois que, conforme decorre dos pontos 2. e 3. dos factos provados, no teste qualitativo realizado pelo arguido imediatamente após ter sido abordado pela autoridade policial, foi detectado álcool no sangue.
Donde, na ponderação das exigências de prevenção geral que aqui se impõem, releva a necessidade de tutela dos valores jurídico-penais colocados em causa pela conduta do arguido ao recusar sujeitar-se ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, isto é, a segurança de circulação rodoviária, bem como os bens jurídicos que se prendem com essa segurança, como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais de todos quantos utilizam as vias de circulação públicas.
Quanto as exigências de prevenção especial, na vertente de dissuasão, são também elevadas. O arguido AA foi anteriormente condenado por sentença de 15.03.2022, transitada em julgado em 26.04.2022, pela prática, em 27.02.2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa.
E, sendo este crime da mesma natureza do crime dos presentes autos (já que este está também directamente ligado à condução de veículo automóvel após a ingestão de bebidas alcoólicas), deve ser ponderado para a escolha da pena por o arguido revelar uma personalidade que já demonstrou ser indiferente aos valores penais aqui em causa, bem como revelou insensibilidade à reacção penal adoptada e que se traduziu numa pena de multa.
No que respeita às necessidades de prevenção especial, teremos ainda que considerar a inserção social do arguido.
Importa referir que a circunstância de o arguido ter beneficiado de uma suspensão provisória do processo em momento anterior aos factos dos presentes autos (cfr. ponto 12. dos factos provados), ao contrário do sopesado pelo tribunal recorrido e do invocado pelo recorrente, não releva para o efeito da escolha da pena (nem sequer de graduação da pena), na medida em que o arguido não chegou a ser julgado pelos factos respectivos, beneficiando da presunção de inocência.
Há assim que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar nos moldes acima transcritos.
Por todo o exposto, apenas a escolha pela pena de prisão revela-se adequada às finalidades de punição.
Procede, pois, nesta parte o presente recurso.
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II.3.2. Da medida concreta da pena de prisão
Importa agora determinar a medida concreta da pena de prisão que deve ser aplicada ao arguido.
De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do Código Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do Código Penal) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, princípio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
No caso vertente, o arguido actuou com dolo na sua modalidade mais gravosa (directo), afigurando-se-nos elevada a culpa bem como a ilicitude dos factos atentas circunstâncias em que foram cometidos os factos pelo agente.
As exigências de prevenção geral para este tipo de crime são indiscutivelmente elevadas dadas as circunstâncias do seu cometimento, o que significa uma maior necessidade de assegurar a protecção do bem jurídico que a norma visa proteger (que é também uma das finalidades da pena afirmadas no referido artigo 40º nº 1) e de evitar uma reacção penal que não tida socialmente como efectiva e que potencie indirectamente a repetição desses comportamentos.
No que respeita às exigências de prevenção especial são igualmente elevadas atendendo ao antecedente criminal do arguido – por sentença de 15.03.2022, transitada em julgado em 26.04.2022, pela prática, em 27.02.2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa.
Daqui decorre que a condenação anterior (da mesma natureza do crime dos presentes autos) deve ser valorada por o recorrente revelar uma personalidade indiferente aos valores penais, permitindo questionar a eficácia da censura ético-penal efectuada e a salvaguarda das finalidades da pena aplicada, já que a medida punitiva anteriormente cominada ao arguido, não surtiu qualquer efeito dissuasor do cometimento no âmbito dos presentes autos de novo crime (de natureza idêntica ao crime anteriormente cometido), revelando-se insuficiente para a ressocialização do arguido.
Acresce que, o arguido não revelou ter interiorizado o mal do crime por si perpetrado.
A favor do arguido temos apenas que considerar a sua inserção social.
Tudo ponderado, tendo em conta todos os referidos factores aplicáveis e sopesando as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir e de acordo com os referidos critérios de determinação da pena concreta, consideramos adequada, proporcional e ajustada fixar ao arguido AA a pena de 3 (três) meses de prisão.
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II.3.3. Das penas substitutivas
§1. A pena de prisão ora fixada não deverá ser substituída por pena de multa por não se mostrar adequada e suficiente para prevenir o cometimento de novos crimes atenta as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso em apreço atendendo à condenação anterior do arguido (sua natureza e tipo de pena já aplicada) que não foi suficiente para afastar o arguido da prática de ilícitos criminais e atendendo, ainda, ao facto de o arguido não ter revelado ter interiorizado o desvalor da sua conduta (cfr. artigo 45º do CP).
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§2. A pena de prisão ora fixada não deverá ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade por entendermos que, no caso concreto, por este meio não se realizam de forma adequada as finalidades da punição (cfr. artigo 58º do CP).
De facto, são elevadas as exigências de prevenção geral, sendo necessário uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.
São também elevadas as exigências de prevenção especial, pois que à data da prática dos factos em causa nos presentes autos, 17 de Setembro de 2023, o arguido já tinha sido condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo lhe sido aplicada uma pena de multa.
Acresce, ainda, que o arguido não revelou ter interiorizado o desvalor da sua conduta, o que potencia a reiteração do seu comportamento.
Neste contexto, totalmente adverso ao arguido, e em face das elevadas exigências de prevenção geral e especial, consideramos que a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade não satisfaz as finalidades punitivas.
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§3. O recorrente pugna que deve ser determinada a suspensão da pena de prisão fixada por este Tribunal, sujeita a regime de prova e subordinada à frequência do programa Taxa Zero (ou outro equivalente).
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a decisão de suspensão da execução da pena ou não, mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518) “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”, acrescentando “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”. Adverte ainda o citado Professor (ob. citada, § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 25.06.2003 (acessível em www.dgsi.pt) o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.
Revertendo ao caso dos autos, atento o número de condenações anteriores (uma), o tipo de pena que lhe foi aplicada (pena de multa) e a sua inserção social, concluímos que deverá ser suspensa a execução da pena de prisão fixada por este Tribunal, por estarmos convictos que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (satisfazendo assim as exigências de prevenção geral e especial).
O período de suspensão deverá ser fixado em 1 (um) ano (n.º 5 do citado artigo 50º).
Atento o disposto nos artigos 50º, n.ºs 2 e 3, 52º, n.º 1,al. b) e n.º 4, 53º, n.ºs 1 e 2 e 54º, n.ºs 1 e 3, todos do CP, a natureza dos factos praticados pelo arguido AA, as circunstâncias em que os mesmos foram perpetrados, a necessidade de o mesmo tomar efetiva consciencialização da gravidade dos factos por si praticados e, ainda, a fim de responsabilizar o arguido no seu próprio processo de ressocialização, afigura-se-nos adequado e necessário subordinar a suspensão da execução de pena de prisão ora aplicada ao arguido AA, à sujeição de regime de prova e sob condição de frequentar o programa “Taxa Zero” (ou outro de natureza equivalente), a ministrar pela DGRSP.
Procede também, nesta parte, o recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, altera-se a pena principal aplicada ao arguido AA pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CE e artigo 348º,n.º 1, al. a) do CP para a pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com sujeição a regime de prova e sob condição de o arguido frequentar o programa “Taxa Zero” (ou outro de natureza equivalente), a ministrar pela DGRSP, confirmando no mais a sentença recorrida.
Sem custas.
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Porto, 24.01.2024
Maria do Rosário Martins
Paula Guerreiro [vencida nos termos da declaração de voto que se segue:
Declaração de voto vencida
“Tendo em conta que do CRC do arguido apenas consta uma condenação anterior pela prática em 27/02/2022 de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de 5 meses de inibição de conduzir veículos a motor, ambas já cumpridas e extintas, e a ilicitude revelada pelos factos é atenuada pela circunstância de a conduta ilícita não ter dado causa a quaisquer incidentes rodoviários, nem ter provocado danos a terceiras pessoas, entendo que a pena que lhe foi cominada em primeira instância de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), acrescida da pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, pelo período de 8 (oito) meses, é proporcional à culpa revelada e adequada a repor a validade da norma violada.
Pelo exposto, não daria provimento ao recurso e confirmaria a decisão recorrida.”]
Maria Luísa Arantes [com declaração de voto que se segue:
Declaração de voto
”Na minha opinião a suspensão provisória do processo, embora não seja um antecedente criminal, deve ser valorada para a determinação da medida da pena nos termos do art.71.º, n.º 2, alínea e) do C.Penal, razão pela qual, considerando tal facto e o antecedente criminal do arguido, em datas bastante próximas, a pena aplicada por este tribunal de recurso é a adequada."]